A BELA
ADORMECIDA – 21 FEV 14
(FOLCLORE
FRANCÊS, VERSÃO POÉTICA WILLIAM LAGOS
A BELA
ADORMECIDA I
Há muitos
séculos, ocorreu estranho fato
num
pequeno país da Europa Central,
cercado
por montanhas, em um planalto;
talvez Liechtenstein...?
Muitos
dizem ser apenas um boato,
bela
história de fadas, afinal,
a ser
narrada no transcorrer do inverno,
durante
as noites, na lareira um fogo alto,
para um
bando de crianças, enroscadas
aos pés
de sua vovó, meio encantadas
pela voz
rouca e o cobertor de calor terno
que as envolvia.
“Era uma
vez,” começava a vovozinha,
em sua
voz pelo tempo enfraquecida,
“um reino
antigo, nas épocas de antanho,
entre as montanhas,
já não
tão jovens seu Rei e sua Rainha
e a
sucessão não se achava garantida,
porque a
rainha nunca engravidara;
um reino
próspero, de relativo bom tamanho,
com
vastas plantações de trigo e linho,
minas de
ferro e de ouro; e sem vizinho
que há
longo tempo suas terras cobiçara
força tivesse para o invadir.
Não eram
os reis ambiciosos de riqueza,
mas repartiam
com seus camponeses
os
proventos a lucrar do ferro e ouro
pelo comércio.
Certo
verão, na quentura da lerdeza,
quis a
rainha banhar-se, que nos meses
em que o
inverno ali mostrava mais rigor,
mandava
as aias, com seus baldes de couro,
encher de
água quente uma banheira...
Desfez-se
de suas roupas e, ligeira,
desceu às
águas, nesse impulso do calor,
de uma lagoa...
Era um
remanso do rio, que serpenteava
por entre
as terras quase lisas do planalto,
brotado
de uma fenda na montanha,
em mil bolhas de cristal.
E
enquanto nessas águas se banhava,
encontrou
um grande sapo num ressalto.
As suas
aias quiseram-no espantar,
mas a
Rainha lhes impediu a sanha:
“Deixem o
bicho, que não me faz receio...
Larga é a
lagoa, que fique de permeio,
temos
espaço até para nadar,
bastante para todas...”
A BELA
ADORMECIDA II
Mas a
Rainha preferia mais flutuar,
dançando
n’água os seus cabelos de ouro,
a
usufruir da lagoa a oscilação
quase insensível,
que a
fez, aos poucos, do sapo se achegar,
enquanto
as aias nuas, num estouro,
saíam
nadando da corrente no sabor...
E então
ouviu, para sua estupefação,
a voz
grave do batráquio a lhe falar:
“Rainha,
em breve ireis engravidar,
de bela
filha, esperta e de vigor,
qual em seu sonho.”
A Rainha
soltou o ar que enchia os pulmões
e quase
se afogou, tão grande o espanto
e o sapo
verde, a lhe mostrar grande sorriso,
fugiu num pulo!...
Chegaram
as aias, palpitando os corações,
quando
escutaram seu grito no recanto.
“Que foi,
Alteza? Feriu-a o sapo feio?”
“Ele foi
belo para mim como Narciso:
deu-me a
notícia que por tanto tempo ansiava...”
Dentro em
breve, ela de fato engravidava
e dava à
luz, num parto sem receio,
a mais bela das princesas!...
E sendo
um reino europeu, eram cristãos
e
preparou-se um grande batizado,
que o
próprio bispo celebrou na catedral,
um edifício enorme,
erigido
para o espanto dos pagãos,
o povo
inteiro cabendo ali folgado,
na
expectativa de um futuro crescimento
ou na
vaidade do tempo medieval...
De fato,
algumas cidades prosperaram,
porém
outras as guerras enlutaram
e
permanece cada vasto monumento
cheio só pela metade...
Outros
relatam que a história se passou
em
qualquer século ainda mais recuado,
antes
mesmo que chegasse o Cristianismo,
que havia fadas...
Já que a
Igreja grande número expulsou
quando
algum santo era ali entronizado,
de
qualquer delas substituído seu santuário,
considerado
como sinal de paganismo,
por um
altar da Virgem em capela:
que
levassem as oferendas para ela
e não a
fadas de humor atrabiliário,
a quem temiam...
A BELA
ADORMECIDA III
Mas se
conta que havia no reino doze Fadas,
que os
pais chamaram para a cerimônia,
enquanto
a décima terceira era esquecida
por descaso ou conveniência,
doze
pratos de ouro, doze taças mencionadas;
se a
outra chamassem, causariam acrimônia,
por ser
servida em coberta diferente;
sendo
inferior, se sentiria ela ofendida,
mas se
lha dessem de melhor qualidade,
das doze
outras a honorabilidade
seria
afetada, com resultado mais pungente...
Vasto dilema!...
Outra
vertente diz que só foi esquecida,
por
acharem que morrera ou que partira,
que há
mais de século não se ouvia falar dela
por todo o reino!...
Alguns
relatam que era bruxa... e bem temida!
cuja
maldade, cem anos antes, conduzira
a
encerramento em covil subterrâneo,
sem uma
porta para a luz, sequer janela!
Qual a
surpresa, então, para o casal
que ela
surgisse após as doze, no final
da
cerimônia! E no banquete, em sucedâneo,
deu-lhe a Rainha seu próprio talher!...
Na alta
mesa do banquete, as Doze Fadas,
no meio
delas o Rei e a Rainha...
Em tal
momento, bem no início do festim,
ela se apresentou!...
Para
assentá-la junto às doze convidadas,
disse a
Rainha ter de ir ver a princesinha
e seu
lugar lhe cedeu, junto a seu Rei!...
Constrangimento,
talvez, maior assim,
que as
outras doze sussurraram, assustadas,
mas bebeu
vinho e comeu muitas garfadas,
enquanto
o medo percorria toda a grei
que no salão se congregara...
As outras
doze lhe ofereceram precedência,
após o
ágape, junto ao berço da princesa,
já com a
ideia de desfazer qualquer maldade
que ela fizesse...
Mas ela
falou que aguardaria com paciência,
para
escolher qualquer dote de nobreza
que
tivessem as outras esquecido...
E uma
fada lhe prometeu Felicidade,
outras,
Beleza, Virtude, Inteligência,
Amor,
Saúde e Força, Diligência,
Carinho,
Riqueza, Paz, Sinceridade
de um
coração bondoso e esclarecido
por toda a vida!...
A BELA
ADORMECIDA IV
Depois
que cada uma já dera o seu presente
é que se
aproximou a feiticeira,
com um
maligno sorriso no semblante,
na expectativa...
“Todos os
dotes prometidos, realmente,
irá gozar
até os quinze anos, bem faceira,
mas nesse
ano a sua mão espetará
em um
fuso, para morrer no mesmo instante!”
E uma
feia gargalhada de alegria
acompanhou
a sua terrível profecia,
perversidade
que somente a alegrará
por sua vitória!...
Porém
antes que ela pudesse ir-se embora,
as outras
Fadas reuniram seus poderes
e a
acorrentaram com laços de magia
inquebrantáveis!...
Mas ela
ria de triunfo nessa hora:
“Pouco
importa que me prendam, pobres seres!
Aos
quinze anos morrerá a Princesinha!
Todas
gastaram os seus dotes neste dia!...”
Mas uma
Fada, chamada Turmalina,
se
escondera por detrás de uma cortina,
sem dar
seu dom, na suspeita que lhe vinha
dessa impiedade!...
E ela
falou, fazendo a bruxa enraivecer:
“Não
temais, que meu dote ainda não dei,
embora o
meu poder tal maldição
desfazer não consiga totalmente:
a
Princesinha irá somente adormecer
e por cem
anos eu a protegerei,
até que
um príncipe a desperte com um beijo
feito de
amor a lhe brotar do coração,
sem que
sequer se recorde de seu sono;
e amor
idêntico sentirá, com abandono,
pelo
Príncipe Encantado nesse ensejo,
com quem se casará!...
A Fada Má
foi levada à sua caverna
e ali
encerrada por tremendo encanto,
para
dormir dez vezes tempo igual,
sem se poder mover!...
Uma
sentença tremenda e quase eterna!
As Doze
Fadas contemplaram então o pranto
dos pais
da Princesinha e resolveram
o
encantamento tornar mais natural,
ao
espalharem o fadário desse sono
pelos
pais e todo o reino do seu trono...
Mas
quinze anos de alegria transcorreram,
sem guerra ou mal...
A BELA
ADORMECIDA V
Porém o
Rei, por ser homem prudente,
mandou
teares dos Países Baixos importar
e os
trocou pelos fusos e suas rocas,
embora protestassem..
Mas, aos
poucos, acostumou-se toda a gente;
rocas e
fusos mandou o Rei queimar,
sem que
por isso se interrompesse a fiação;
a
produção melhorou e assim as bocas
logo
pararam suas reclamações...
Aos Reis
amavam todos os seus aldeões
e mais
ainda a riqueza na sua mão,
que vinha do comércio...
E deste
modo, quinze anos se passaram;
a Princesinha
seus onze dons apresentou,
forte e
saudável, bela e inteligente,
porém curiosa...
Seus
quinze anos enfim se completaram
e um
ginete branco então ganhou,
saindo
nele a cavalgar pelas campinas,
deixando
para trás toda a sua gente,
até
chegar a um pequeno vilarejo,
tão
escondido, que ocorrera o ensejo,
para que
assim se cumprissem as suas sinas,
de ter ainda roca com seu fuso...
Uma
velhinha os escondera com cuidado,
após
ouvir o decreto do seu Rei,
proclamado
pelo arauto na pracinha,
pois eram de sua mãe...
E sob a
palha os havia conservado,
que não
lhe fossem queimados pela lei,
só
entregando a nova roca que comprara
e num
tear trabalhava a boa velhinha...
Passado o
tempo, já não crendo no perigo,
a roca e
o fuso fora buscar no seu abrigo
e das ovelhas
a lã neles fiara
por vários anos...
Ora, a
Princesa se cansou da cavalgada
e num
galho amarrou o seu cavalo,
para
pedir na choupana um gole de água,
pois tinha sede...
Pois a
velhinha observou estar sentada,
o pé na
roca e o fuso no regalo...
E num
assomo de curiosidade,
quis
saber o que era; e sem ter mágoa,
com o
fuso pontiagudo se espetou
e de
imediato, no solo desmaiou!...
Pobre
velhinha!... Mesmo tomada de ansiedade,
não pôde despertá-la!...
A BELA
ADORMECIDA VI
Mas ao
chegarem sua escolta e as doze aias,
transportaram
a princesa até o castelo
e num
leito de alabastro a colocaram
seu dossel fino brocado,
lençóis
de linho e três cobertas gaias
de seda
pura, sobre um tapete belo,
recém
comprado dos teares Gobelin...
Mas então
as Doze Fadas se juntaram
e sobre o
reino encanto igual de sono
derramaram,
que não ficasse em abandono
a
Princesinha adormecida assim,
dormindo a sós...
Mas no
instante em que a Princesa se picara,
a Fada Má
sentiu-se entorpecer...
Que por
mil anos não se acordaria,
sabia muito bem...
Uma praga
de espinheiro então lançara
por toda
a volta, o castelo a esconder,
ficando o
reino sem ter quem o protegesse.
E ao
verem que a feiticeira já dormia,
as Doze
Fadas decidiram-no ampliar,
densa
floresta sua fronteira a demarcar,
que ninguém
a penetrar ali chegasse,
qualquer coisa a roubar...
E como o
reino ficava num planalto,
um grande
vale por montanhas protegido,
foram os
cumes assim arborizados,
totalmente impenetráveis.
Então as
Fadas retornaram àquele alto
lugar
apenas delas conhecido,
dormindo
todos, humanos e animais,
ficando
os campos do reino confinados...
E até as
aves que por ali passavam,
se, por
acaso, nas árvores pousavam,
adormeciam
como todos os demais,
no encanto antigo.
E quando
ali demandavam comerciantes,
para fazer
os seus negócios habituais,
viam as
estradas totalmente interrompidas
por grossos troncos...
Nem
caçadores e muito menos viajantes
ultrapassavam
tais defesas naturais
e assim
passaram-se quatro gerações,
a pouco e
pouco das memórias esquecidas
as velhas
lendas e os boatos de riqueza,
mas a
beleza da virginal princesa
ainda
inspirava em romantismo corações,
sem real crença...
A BELA
ADORMECIDA VII
Durante
vinte ou mesmo trinta anos,
houve
príncipes e nobres que tentaram,
de alguma
forma, nesse reino penetrar,
mas sem sucesso...
Eram os
picos das montanhas soberanos
e nos
caminhos grossos troncos se juntaram,
que não
queimavam e não podiam ser cortados.
Nem a
cobiça de outros reis pôde alcançar...
Mas
recordavam das tais minas de ouro
e
aventureiros buscaram o tesouro,
que pelas
árvores foram derrotados:
subir era impossível.
Os
troncos lisos e escorregadios,
as
forquilhas a surgir alto demais;
pregos ou
cravos não conseguiam fincar
nem alpinistas...
Alguns
cavaram túneis, nos seus brios,
mas as
raízes eram barreiras naturais
e logo
abaixo se achava a rocha dura;
a ambição
se dirigiu a outro lugar;
dormia a
Fada Má na sua caverna,
as outras
Doze em vigilância terna:
da
Adormecida o ressonar perdura,
ano após ano...
Foi sendo
a lenda assim posta de lado,
só
contada por vovós a seus netinhos,
nas
noites frias, o vento a assobiar
por sobre os Alpes...
De vez em
quando, algum desavisado
seguia a
trilha dos velhos caminhos,
o capim
alto ou por neve recoberto,
para a
muralha de troncos divisar...
Alguns pensaram
que a madeira serviria
para
abastecer excelente serraria,
mas nem
serrote e nem machado chegou perto
dos cernes lhes lascar...
Mas tudo
passa... e os cem anos terminaram,
onze das
Fadas sem ter mais interesse,
porém
lembrou-se desse dia Turmalina,
com esperança...
E dentre
os príncipes seus olhos procuraram
quem a
mão pálida da Princesa merecesse,
até
escolher o seu Príncipe Encantado,
apreciador
de poesia e prosa fina,
um
tocador de alaúde e sonhador,
que não
queria casar sem ter amor,
que até então
jamais havia encontrado
em qualquer corte...
A BELA
ADORMECIDA VIII
E
Turmalina lhe apareceu em sonho,
quando
dormia abraçado a um manuscrito
que na
biblioteca do palácio fora achado,
narrando a lenda...
Então lhe
disse, com seu olhar risonho:
“Cem anos
já se perderam no infinito;
dentre
todas as nações foste escolhido:
só tu
serás seu Príncipe Encantado!...”
E lhe
ensinou o caminho da floresta;
só
deveria em sua viagem toda festa
evitar,
mesmo ao ser muito atraído,
seguindo em frente.
Ao
despertar, ele se achava decidido
e foi
pedir permissão para seu pai,
que
concordou, pois não era seu herdeiro,
mas o terceiro filho.
Nem pela
mãe, nem por irmãos foi dissuadido.
“Pouco me
importa,” disse o pai, “aonde vai,
porém
dentro de um ano há de voltar!
Prefiro
um filho que seja aventureiro
e me
divirta a narrar evento rude,
que um
sonhador que apenas toca o alaúde,
o tempo
todo na biblioteca a se enfiar...
Vá, com minha bênção!...
E lá
seguiu o Príncipe sua estrada,
sem se
deixar levar por distrações;
o irmão
mais velho encontrou numa estalagem,
jogando dados...
Mas não
quis participar dessa jogada;
seu outro
irmão caçava com falcões,
tampouco
quis participar da falcoaria;
seguiu em
frente, longa a sua viagem,
as
mulheres encontradas não beijou,
o vinho oferecido
não tomou,
um alvo
tinha e a ele só queria:
achar a sua Princesa!...
E a tudo
isso assistia Turmalina,
do seu
valor cada vez mais convencida;
dormia ao
relento o Príncipe, pois queria
evitar as tentações...
Inteiramente
dedicado à pura sina
de encontrar
a sua Bela Adormecida,
já a
bem-amada do seu coração...
Só
Turmalina a lhe servir de guia,
até
chegar ao imenso capinzal
que
recobria a velha Estrada Real,
já
abandonada pela quarta geração
de reis e camponeses...
A BELA
ADORMECIDA IX
E nessa noite,
Turmalina apareceu,
não em
sonho, mas real e bem vibrante
e o
saudou com a um príncipe valente
que até ali chegara.
E três
presentes então ela lhe deu,
como
prêmio por ter sido tão constante.
“Este é
um frasco com lágrimas de fada:
basta uma
gota e se abrirá à sua frente
o
capinzal e afastará igualmente
os
grossos troncos que lhe barram a entrada
ao Reino Adormecido.”
“E nada
tema, ao percorrer sua terra:
não estão
mortos os animais caídos,
nem são
cadáveres esses camponeses
que deitados acharás.
Aqui não
houve qualquer peste ou guerra,
mas por
cem anos estão adormecidos
e só por
ti poderão ser acordados...
Empregarás
o outro presente poucas vezes,
pois é
uma espada de mágica potente,
que os
espinheiros há de cortar, fremente,
e seus
acúleos venenosos, afastados,
a ti não ferirão.”
“Ingressarás
então nesse castelo:
todos
também ali estarão adormecidos,
só
acordarão se quebrares seu encanto
com meu terceiro dom.
Dá-me
teus lábios, portanto, jovem belo,
pois vou
beijar-te, sem ficarmos constrangidos;
ósculo
algum será mais brando e puro,
pois
levarás contigo o beijo santo
que irá
trazer à vida a tua Princesa,
depositado
em seus lábios de beleza
e
libertá-la desse sono obscuro
que dura já cem anos!”
“Ela virá
de novo à vida, integralmente,
como estava
no frescor dos quinze anos
e tua
esposa fiel e verdadeira
será por toda a vida.
Turmalina
então beijou-o, docemente,
mas o
Príncipe estremeceu, em mil afanos,
percorrido
por emoção incontestável,
que o
corpo lhe agitou e na alma certeira
jamais
sentira em si tanto vigor,
na
desusada força desse ardor,
quanto o
do beijo de sabor imponderável
vindo da fada.
A BELA
ADORMECIDA X
Mas de
imediato, Turmalina dissipou-se,
guardado
o beijo inteiramente na sua boca,
sólido e
firme como pedra rara,
que não podia tocar!...
Seria um sonho? O príncipe indagou-se,
ainda
trêmulo, sua voz cortada e rouca...
Mas viu o
frasco com as lágrima de fada,
brilhando
contra a luz, em chama clara;
e a seus
pés, em esplêndida bainha,
cuja
lâmina sacou e o fio que tinha
ele enxergou
na prometida espada...
Não fora um sonho!...
Respirou
fundo e a rolha retirou
do frasco
puro qual chama de cristal
e uma só
gota derramou sobre o capim
que a estrada recobria.
De
imediato, toda a relva ressecou!...
Puxou o
cavalo, seu alforje e seu bornal
e
avançou, com cautela, pela trilha,
que ia
murchando e se afastando, assim,
a cada
gota das lágrimas de fada
que na
vereda era por ele derramada,
até
chegar à floresta, que se empilha,
qual paliçada.
Sem
hesitar, o frasco sacudiu
e com
estrondo os troncos se afastaram;
lá no
final, avistou réstia de luz
por entre as árvores.
Ainda a
rédea puxando, ele seguiu
e largos
campos finalmente se mostraram
para a
colheita ondulando o trigo e o linho.
Livre o
caminho, o frasco então reluz,
sumindo
de sua mão no mesmo instante,
entre
faíscas de arco-íris deslumbrante.
Meio
abalado, prosseguiu no seu caminho,
fácil agora...
Lá no
horizonte, avistou verde muralha,
erguida à
margem do tranquilo rio,
que num
remanso formava um belo lago.
Pensou ver uma torre...
Mas o
espinheiro não mostrava falha:
sacou da
espada, constante no seu brio.
Viu que
os espinhos, a destilar veneno
para ele
se estendiam, em mau afago!
Mas aos
golpes do seu gládio, retraíam;
e para
espanto seu, seus olhos viam
todo o
espinhal secar-se num aceno,
desfeito o encanto!...
A BELA
ADORMECIDA XI
Diante
dele já se abriam os portões,
sobre o
fosso baixada a levadiça,
erguida a
grade de ferro enegrecida:
passagem livre!
Contra a
parede, dois homenzarrões,
vestidos
de couraça e uma sediça
libré com
cores e armas triunfais,
cada um
deles totalmente adormecido,
embora
muito longe de suas camas,
já
envolvidos em quaisquer lianas,
ambos os
guardas a ressonar demais,
ou até roncando!...
Entrou o
príncipe no pátio do castelo,
viu os
cavalos em pé, adormecidos,
a
perseguir galinhas um copeiro,
todos imóveis...
Depois
viu pajens vestidos com desvelo,
além de
servos pelo chão caídos,
damas e
nobres deitados no salão,
ainda um
ovo fritando um cozinheiro,
o Rei
sentado em caprichoso trono,
completamente
vencido pelo sono,
mas a
Rainha escorregara para o chão,
mais descuidada!...
Pé ante
pé, ele subiu a escadaria
que
conduzia aos quartos de dormir,
da Fada o
beijo a palpitar em sua garganta,
qual uma bússola...
Abriu a
porta do quarto em que dormia
a Princesinha,
seu rosto a reluzir,
o peito
arfando com leve aspiração;
e só de
vê-la, já o Príncipe se encanta;
com
passos lentos, aproxima-se do leito,
a
adolescente sem mostrar qualquer defeito;
tomou-lhe
a mão, com certa hesitação
e os dedos lhe beijou...
Porém em
nada a sua postura demudou.
Então, o
Príncipe, vencendo a timidez,
sobre
seus lábios inclinou-se, com cuidado,
temendo machucá-la...
E aquele
beijo que trazia, então soltou,
a
penetrar sua doce boca, por sua vez;
e a
Princesa, num instante, estremeceu,
sou corpo
inteiro sem demora despertado;
seus
olhos ela abriu e o abraçou,
o beijo a
retribuir que lhe entregou
e um
abraço de amor então se deu,
tanto sonhado...
EPÍLOGO
Ora, o
resto já se sabe... Os dois casaram,
acordada
com ela a corte inteira,
qualquer
dúvida esclarecendo Turmalina,
que ali de novo estava...
Por todo
o reino, logo despertaram
os
humanos e animais, seco o espinheiro;
ficou a
floresta como fonte de riqueza,
compensando
de algum modo a longa sina...
E a Fada
Má? Ainda deve estar dormindo,
o seu
sono de mil anos vem cumprindo,
oito
séculos, talvez, desde a proeza
aqui narrada...
Mas o
quê...? Ainda querem saber mais?
Foram
felizes quanto podem ser mortais
até o fim
de suas vidas naturais;
seus
descendentes até hoje vivem lá.
Mas para
sempre, vivem só as Fadas,
ainda
hoje vigiando as ressonadas
da Fada Má...
Não sei
se um dia a soltarão de sua caverna
ou quanto
tempo resta hoje de seu sono;
mas nessa
coma de mil anos de abandono
sua
maldade desgastou: não era eterna!...
Só não espere
que ao concluir do texto
alguém a
acorde com um beijo principesco,
porque
duvido que alguém queira beijar
uma velha de mil anos!...
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