domingo, 9 de março de 2014





A BELA ADORMECIDA – 21 FEV 14
(FOLCLORE FRANCÊS, VERSÃO POÉTICA  WILLIAM LAGOS

A BELA ADORMECIDA I

Há muitos séculos, ocorreu estranho fato
num pequeno país da Europa Central,
cercado por montanhas, em um planalto;
talvez Liechtenstein...?
Muitos dizem ser apenas um boato,
bela história de fadas, afinal,
a ser narrada no transcorrer do inverno,
durante as noites, na lareira um fogo alto,
para um bando de crianças, enroscadas
aos pés de sua vovó, meio encantadas
pela voz rouca e o cobertor de calor terno
que as envolvia.

“Era uma vez,” começava a vovozinha,
em sua voz pelo tempo enfraquecida,
“um reino antigo, nas épocas de antanho,
entre as montanhas,
já não tão jovens seu Rei e sua Rainha
e a sucessão não se achava garantida,
porque a rainha nunca engravidara;
um reino próspero, de relativo bom tamanho,
com vastas plantações de trigo e linho,
minas de ferro e de ouro; e sem vizinho
que há longo tempo suas terras cobiçara
força tivesse para o invadir.

Não eram os reis ambiciosos de riqueza,
mas repartiam com seus camponeses
os proventos a lucrar do ferro e ouro
pelo comércio.
Certo verão, na quentura da lerdeza,
quis a rainha banhar-se, que nos meses
em que o inverno ali mostrava mais rigor,
mandava as aias, com seus baldes de couro,
encher de água quente uma banheira...
Desfez-se de suas roupas e, ligeira,
desceu às águas, nesse impulso do calor,
de uma lagoa...

Era um remanso do rio, que serpenteava
por entre as terras quase lisas do planalto,
brotado de uma fenda na montanha,
em mil bolhas de cristal.
E enquanto nessas águas se banhava,
encontrou um grande sapo num ressalto.
As suas aias quiseram-no espantar,
mas a Rainha lhes impediu a sanha:
“Deixem o bicho, que não me faz receio...
Larga é a lagoa, que fique de permeio,
temos espaço até para nadar,
bastante para todas...”

A BELA ADORMECIDA II

Mas a Rainha preferia mais flutuar,
dançando n’água os seus cabelos de ouro,
a usufruir da lagoa a oscilação
quase insensível,
que a fez, aos poucos, do sapo se achegar,
enquanto as aias nuas, num estouro,
saíam nadando da corrente no sabor...
E então ouviu, para sua estupefação,
a voz grave do batráquio a lhe falar:
“Rainha, em breve ireis engravidar,
de bela filha, esperta e de vigor,
qual em seu sonho.”

A Rainha soltou o ar que enchia os pulmões
e quase se afogou, tão grande o espanto
e o sapo verde, a lhe mostrar grande sorriso,
fugiu num pulo!...
Chegaram as aias, palpitando os corações,
quando escutaram seu grito no recanto.
“Que foi, Alteza?   Feriu-a o sapo feio?”
“Ele foi belo para mim como Narciso:
deu-me a notícia que por tanto tempo ansiava...”
Dentro em breve, ela de fato engravidava
e dava à luz, num parto sem receio,
a mais bela das princesas!...

E sendo um reino europeu, eram cristãos
e preparou-se um grande batizado,
que o próprio bispo celebrou na catedral,
um edifício enorme,
erigido para o espanto dos pagãos,
o povo inteiro cabendo ali folgado,
na expectativa de um futuro crescimento
ou na vaidade do tempo medieval...
De fato, algumas cidades prosperaram,
porém outras as guerras enlutaram
e permanece cada vasto monumento
cheio só pela metade...

Outros relatam que a história se passou
em qualquer século ainda mais recuado,
antes mesmo que chegasse o Cristianismo,
que havia fadas...
Já que a Igreja grande número expulsou
quando algum santo era ali entronizado,
de qualquer delas substituído seu santuário,
considerado como sinal de paganismo,
por um altar da Virgem em capela:
que levassem as oferendas para ela
e não a fadas de humor atrabiliário,
a quem temiam...

A BELA ADORMECIDA III

Mas se conta que havia no reino doze Fadas,
que os pais chamaram para a cerimônia,
enquanto a décima terceira era esquecida
por descaso ou conveniência,
doze pratos de ouro, doze taças mencionadas;
se a outra chamassem, causariam acrimônia,
por ser servida em coberta diferente;
sendo inferior, se sentiria ela ofendida,
mas se lha dessem de melhor qualidade,
das doze outras a honorabilidade
seria afetada, com resultado mais pungente...
Vasto dilema!...

Outra vertente diz que só foi esquecida,
por acharem que morrera ou que partira,
que há mais de século não se ouvia falar dela
por todo o reino!...
Alguns relatam que era bruxa... e bem temida!
cuja maldade, cem anos antes, conduzira
a encerramento em covil subterrâneo,
sem uma porta para a luz, sequer janela!
Qual a surpresa, então, para o casal
que ela surgisse após as doze, no final
da cerimônia!  E no banquete, em sucedâneo,
deu-lhe a Rainha seu próprio talher!...

Na alta mesa do banquete, as Doze Fadas,
no meio delas o Rei e a Rainha...
Em tal momento, bem no início do festim,
ela se apresentou!...
Para assentá-la junto às doze convidadas,
disse a Rainha ter de ir ver a princesinha
e seu lugar lhe cedeu, junto a seu Rei!...
Constrangimento, talvez, maior assim,
que as outras doze sussurraram, assustadas,
mas bebeu vinho e comeu muitas garfadas,
enquanto o medo percorria toda a grei
que no salão se congregara...

As outras doze lhe ofereceram precedência,
após o ágape, junto ao berço da princesa,
já com a ideia de desfazer qualquer maldade
que ela fizesse...
Mas ela falou que aguardaria com paciência,
para escolher qualquer dote de nobreza
que tivessem as outras esquecido...
E uma fada lhe prometeu Felicidade,
outras, Beleza, Virtude, Inteligência,
Amor, Saúde e Força, Diligência,
Carinho, Riqueza, Paz, Sinceridade
de um coração bondoso e esclarecido
por toda a vida!...

A BELA ADORMECIDA IV

Depois que cada uma já dera o seu presente
é que se aproximou a feiticeira,
com um maligno sorriso no semblante,
na expectativa...
“Todos os dotes prometidos, realmente,
irá gozar até os quinze anos, bem faceira,
mas nesse ano a sua mão espetará
em um fuso, para morrer no mesmo instante!”
E uma feia gargalhada de alegria
acompanhou a sua terrível profecia,
perversidade que somente a alegrará
por sua vitória!...

Porém antes que ela pudesse ir-se embora,
as outras Fadas reuniram seus poderes
e a acorrentaram com laços de magia
inquebrantáveis!...
Mas ela ria de triunfo nessa hora:
“Pouco importa que me prendam, pobres seres!
Aos quinze anos morrerá a Princesinha!
Todas gastaram os seus dotes neste dia!...”
Mas uma Fada, chamada Turmalina,
se escondera por detrás de uma cortina,
sem dar seu dom, na suspeita que lhe vinha
dessa impiedade!...

E ela falou, fazendo a bruxa enraivecer:
“Não temais, que meu dote ainda não dei,
embora o meu poder tal maldição
desfazer não consiga totalmente:
a Princesinha irá somente adormecer
e por cem anos eu a protegerei,
até que um príncipe a desperte com um beijo
feito de amor a lhe brotar do coração,
sem que sequer se recorde de seu sono;
e amor idêntico sentirá, com abandono,
pelo Príncipe Encantado nesse ensejo,
com quem se casará!...

A Fada Má foi levada à sua caverna
e ali encerrada por tremendo encanto,
para dormir dez vezes tempo igual,
sem se poder mover!...
Uma sentença tremenda e quase eterna!
As Doze Fadas contemplaram então o pranto
dos pais da Princesinha e resolveram
o encantamento tornar mais natural,
ao espalharem o fadário desse sono
pelos pais e todo o reino do seu trono...
Mas quinze anos de alegria transcorreram,
sem guerra ou mal...

A BELA ADORMECIDA V

Porém o Rei, por ser homem prudente,
mandou teares dos Países Baixos importar
e os trocou pelos fusos e suas rocas,
embora protestassem..
Mas, aos poucos, acostumou-se toda a gente;
rocas e fusos mandou o Rei queimar,
sem que por isso se interrompesse a fiação;
a produção melhorou e assim as bocas
logo pararam suas reclamações...
Aos Reis amavam todos os seus aldeões
e mais ainda a riqueza na sua mão,
que vinha do comércio...

E deste modo, quinze anos se passaram;
a Princesinha seus onze dons apresentou,
forte e saudável, bela e inteligente,
porém curiosa...
Seus quinze anos enfim se completaram
e um ginete branco então ganhou,
saindo nele a cavalgar pelas campinas,
deixando para trás toda a sua gente,
até chegar a um pequeno vilarejo,
tão escondido, que ocorrera o ensejo,
para que assim se cumprissem as suas sinas,
de ter ainda roca com seu fuso...

Uma velhinha os escondera com cuidado,
após ouvir o decreto do seu Rei,
proclamado pelo arauto na pracinha,
pois eram de sua mãe...
E sob a palha os havia conservado,
que não lhe fossem queimados pela lei,
só entregando a nova roca que comprara
e num tear trabalhava a boa velhinha...
Passado o tempo, já não crendo no perigo,
a roca e o fuso fora buscar no seu abrigo
e das ovelhas a lã neles fiara
por vários anos...

Ora, a Princesa se cansou da cavalgada
e num galho amarrou o seu cavalo,
para pedir na choupana um gole de água,
pois tinha sede...
Pois a velhinha observou estar sentada,
o pé na roca e o fuso no regalo...
E num assomo de curiosidade,
quis saber o que era; e sem ter mágoa,
com o fuso pontiagudo se espetou
e de imediato, no solo desmaiou!...
Pobre velhinha!...  Mesmo tomada de ansiedade,
não pôde despertá-la!...

A BELA ADORMECIDA VI

Mas ao chegarem sua escolta e as doze aias,
transportaram a princesa até o castelo
e num leito de alabastro a colocaram
seu dossel fino brocado,
lençóis de linho e três cobertas gaias
de seda pura, sobre um tapete belo,
recém comprado dos teares Gobelin...
Mas então as Doze Fadas se juntaram
e sobre o reino encanto igual de sono
derramaram, que não ficasse em abandono
a Princesinha adormecida assim,
dormindo a sós...

Mas no instante em que a Princesa se picara,
a Fada Má sentiu-se entorpecer...
Que por mil anos não se acordaria,
sabia muito bem...
Uma praga de espinheiro então lançara
por toda a volta, o castelo a esconder,
ficando o reino sem ter quem o protegesse.
E ao verem que a feiticeira já dormia,
as Doze Fadas decidiram-no ampliar,
densa floresta sua fronteira a demarcar,
que ninguém a penetrar ali chegasse,
qualquer coisa a roubar...

E como o reino ficava num planalto,
um grande vale por montanhas protegido,
foram os cumes assim arborizados,
totalmente impenetráveis.
Então as Fadas retornaram àquele alto
lugar apenas delas conhecido,
dormindo todos, humanos e animais,
ficando os campos do reino confinados...
E até as aves que por ali passavam,
se, por acaso, nas árvores pousavam,
adormeciam como todos os demais,
no encanto antigo.

E quando ali demandavam comerciantes,
para fazer os seus negócios habituais,
viam as estradas totalmente interrompidas
por grossos troncos...
Nem caçadores e muito menos viajantes
ultrapassavam tais defesas naturais
e assim passaram-se quatro gerações,
a pouco e pouco das memórias esquecidas
as velhas lendas e os boatos de riqueza,
mas a beleza da virginal princesa
ainda inspirava em romantismo corações,
sem real crença...

A BELA ADORMECIDA VII

Durante vinte ou mesmo trinta anos,
houve príncipes e nobres que tentaram,
de alguma forma, nesse reino penetrar,
mas sem sucesso...
Eram os picos das montanhas soberanos
e nos caminhos grossos troncos se juntaram,
que não queimavam e não podiam ser cortados.
Nem a cobiça de outros reis pôde alcançar...
Mas recordavam das tais minas de ouro
e aventureiros buscaram o tesouro,
que pelas árvores foram derrotados:
subir era impossível.

Os troncos lisos e escorregadios,
as forquilhas a surgir alto demais;
pregos ou cravos não conseguiam fincar
nem alpinistas...
Alguns cavaram túneis, nos seus brios,
mas as raízes eram barreiras naturais
e logo abaixo se achava a rocha dura;
a ambição se dirigiu a outro lugar;
dormia a Fada Má na sua caverna,
as outras Doze em vigilância terna:
da Adormecida o ressonar perdura,
ano após ano...

Foi sendo a lenda assim posta de lado,
só contada por vovós a seus netinhos,
nas noites frias, o vento a assobiar
por sobre os Alpes...
De vez em quando, algum desavisado
seguia a trilha dos velhos caminhos,
o capim alto ou por neve recoberto,
para a muralha de troncos divisar...
Alguns pensaram que a madeira serviria
para abastecer excelente serraria,
mas nem serrote e nem machado chegou perto
dos cernes lhes lascar...

Mas tudo passa... e os cem anos terminaram,
onze das Fadas sem ter mais interesse,
porém lembrou-se desse dia Turmalina,
com esperança...
E dentre os príncipes seus olhos procuraram
quem a mão pálida da Princesa merecesse,
até escolher o seu Príncipe Encantado,
apreciador de poesia e prosa fina,
um tocador de alaúde e sonhador,
que não queria casar sem ter amor,
que até então jamais havia encontrado
em qualquer corte...

A BELA ADORMECIDA VIII

E Turmalina lhe apareceu em sonho,
quando dormia abraçado a um manuscrito
que na biblioteca do palácio fora achado,
narrando a lenda...
Então lhe disse, com seu olhar risonho:
“Cem anos já se perderam no infinito;
dentre todas as nações foste escolhido:
só tu serás seu Príncipe Encantado!...”
E lhe ensinou o caminho da floresta;
só deveria em sua viagem toda festa
evitar, mesmo ao ser muito atraído,
seguindo em frente.

Ao despertar, ele se achava decidido
e foi pedir permissão para seu pai,
que concordou, pois não era seu herdeiro,
mas o terceiro filho.
Nem pela mãe, nem por irmãos foi dissuadido.
“Pouco me importa,” disse o pai, “aonde vai,
porém dentro de um ano há de voltar!
Prefiro um filho que seja aventureiro
e me divirta a narrar evento rude,
que um sonhador que apenas toca o alaúde,
o tempo todo na biblioteca a se enfiar...
Vá, com minha bênção!...

E lá seguiu o Príncipe sua estrada,
sem se deixar levar por distrações;
o irmão mais velho encontrou numa estalagem,
jogando dados...
Mas não quis participar dessa jogada;
seu outro irmão caçava com falcões,
tampouco quis participar da falcoaria;
seguiu em frente, longa a sua viagem,
as mulheres encontradas não beijou,
o vinho oferecido não tomou,
um alvo tinha e a ele só queria:
achar a sua Princesa!...

E a tudo isso assistia Turmalina,
do seu valor cada vez mais convencida;
dormia ao relento o Príncipe, pois queria
evitar as tentações...
Inteiramente dedicado à pura sina
de encontrar a sua Bela Adormecida,
já a bem-amada do seu coração...
Só Turmalina a lhe servir de guia,
até chegar ao imenso capinzal
que recobria a velha Estrada Real,
já abandonada pela quarta geração
de reis e camponeses...

A BELA ADORMECIDA IX

E nessa noite, Turmalina apareceu,
não em sonho, mas real e bem vibrante
e o saudou com a um príncipe valente
que até ali chegara.
E três presentes então ela lhe deu,
como prêmio por ter sido tão constante.
“Este é um frasco com lágrimas de fada:
basta uma gota e se abrirá à sua frente
o capinzal e afastará igualmente
os grossos troncos que lhe barram a entrada
ao Reino Adormecido.”

“E nada tema, ao percorrer sua terra:
não estão mortos os animais caídos,
nem são cadáveres esses camponeses
que deitados acharás.
Aqui não houve qualquer peste ou guerra,
mas por cem anos estão adormecidos
e só por ti poderão ser acordados...
Empregarás o outro presente poucas vezes,
pois é uma espada de mágica potente,
que os espinheiros há de cortar, fremente,
e seus acúleos venenosos, afastados,
a ti não ferirão.”

“Ingressarás então nesse castelo:
todos também ali estarão adormecidos,
só acordarão se quebrares seu encanto
com meu terceiro dom.
Dá-me teus lábios, portanto, jovem belo,
pois vou beijar-te, sem ficarmos constrangidos;
ósculo algum será mais brando e puro,
pois levarás contigo o beijo santo
que irá trazer à vida a tua Princesa,
depositado em seus lábios de beleza
e libertá-la desse sono obscuro
que dura já cem anos!”

“Ela virá de novo à vida, integralmente,
como estava no frescor dos quinze anos
e tua esposa fiel e verdadeira
será por toda a vida.
Turmalina então beijou-o, docemente,
mas o Príncipe estremeceu, em mil afanos,
percorrido por emoção incontestável,
que o corpo lhe agitou e na alma certeira
jamais sentira em si tanto vigor,
na desusada força desse ardor,
quanto o do beijo de sabor imponderável
vindo da fada.

A BELA ADORMECIDA X

Mas de imediato, Turmalina dissipou-se,
guardado o beijo inteiramente na sua boca,
sólido e firme como pedra rara,
que não podia tocar!...
Seria um sonho?  O príncipe indagou-se,
ainda trêmulo, sua voz cortada e rouca...
Mas viu o frasco com as lágrima de fada,
brilhando contra a luz, em chama clara;
e a seus pés, em esplêndida bainha,
cuja lâmina sacou e o fio que tinha
ele enxergou na prometida espada...
Não fora um sonho!...

Respirou fundo e a rolha retirou
do frasco puro qual chama de cristal
e uma só gota derramou sobre o capim
que a estrada recobria.
De imediato, toda a relva ressecou!...
Puxou o cavalo, seu alforje e seu bornal
e avançou, com cautela, pela trilha,
que ia murchando e se afastando, assim,
a cada gota das lágrimas de fada
que na vereda era por ele derramada,
até chegar à floresta, que se empilha,
qual paliçada.

Sem hesitar, o frasco sacudiu
e com estrondo os troncos se afastaram;
lá no final, avistou réstia de luz
por entre as árvores.
Ainda a rédea puxando, ele seguiu
e largos campos finalmente se mostraram
para a colheita ondulando o trigo e o linho.
Livre o caminho, o frasco então reluz,
sumindo de sua mão no mesmo instante,
entre faíscas de arco-íris deslumbrante.
Meio abalado, prosseguiu no seu caminho,
fácil agora...

Lá no horizonte, avistou verde muralha,
erguida à margem do tranquilo rio,
que num remanso formava um belo lago.
Pensou ver uma torre...
Mas o espinheiro não mostrava falha:
sacou da espada, constante no seu brio.
Viu que os espinhos, a destilar veneno
para ele se estendiam, em mau afago!
Mas aos golpes do seu gládio, retraíam;
e para espanto seu, seus olhos viam
todo o espinhal secar-se num aceno,
desfeito o encanto!...

A BELA ADORMECIDA XI

Diante dele já se abriam os portões,
sobre o fosso baixada a levadiça,
erguida a grade de ferro enegrecida:
passagem livre!
Contra a parede, dois homenzarrões,
vestidos de couraça e uma sediça
libré com cores e armas triunfais,
cada um deles totalmente adormecido,
embora muito longe de suas camas,
já envolvidos em quaisquer lianas,
ambos os guardas a ressonar demais,
ou até roncando!...

Entrou o príncipe no pátio do castelo,
viu os cavalos em pé, adormecidos,
a perseguir galinhas um copeiro,
todos imóveis...
Depois viu pajens vestidos com desvelo,
além de servos pelo chão caídos,
damas e nobres deitados no salão,
ainda um ovo fritando um cozinheiro,
o Rei sentado em caprichoso trono,
completamente vencido pelo sono,
mas a Rainha escorregara para o chão,
mais descuidada!...

Pé ante pé, ele subiu a escadaria
que conduzia aos quartos de dormir,
da Fada o beijo a palpitar em sua garganta,
qual uma bússola...
Abriu a porta do quarto em que dormia
a Princesinha, seu rosto a reluzir,
o peito arfando com leve aspiração;
e só de vê-la, já o Príncipe se encanta;
com passos lentos, aproxima-se do leito,
a adolescente sem mostrar qualquer defeito;
tomou-lhe a mão, com certa hesitação
e os dedos lhe beijou...

Porém em nada a sua postura demudou.
Então, o Príncipe, vencendo a timidez,
sobre seus lábios inclinou-se, com cuidado,
temendo machucá-la...
E aquele beijo que trazia, então soltou,
a penetrar sua doce boca, por sua vez;
e a Princesa, num instante, estremeceu,
sou corpo inteiro sem demora despertado;
seus olhos ela abriu e o abraçou,
o beijo a retribuir que lhe entregou
e um abraço de amor então se deu,
tanto sonhado...

EPÍLOGO

Ora, o resto já se sabe... Os dois casaram,
acordada com ela a corte inteira,
qualquer dúvida esclarecendo Turmalina,
que ali de novo estava...

Por todo o reino, logo despertaram
os humanos e animais, seco o espinheiro;
ficou a floresta como fonte de riqueza,
compensando de algum modo a longa sina...
E a Fada Má?   Ainda deve estar dormindo,
o seu sono de mil anos vem cumprindo,
oito séculos, talvez, desde a proeza
aqui narrada...

Mas o quê...?  Ainda querem saber mais?
Foram felizes quanto podem ser mortais
até o fim de suas vidas naturais;
seus descendentes até hoje vivem lá.
Mas para sempre, vivem só as Fadas,
ainda hoje vigiando as ressonadas
da Fada Má...

Não sei se um dia a soltarão de sua caverna
ou quanto tempo resta hoje de seu sono;
mas nessa coma de mil anos de abandono
sua maldade desgastou: não era eterna!...
Só não espere que ao concluir do texto
alguém a acorde com um beijo principesco,
porque duvido que alguém queira beijar
uma velha de mil anos!...




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