quarta-feira, 18 de abril de 2018






A APRENDIZ DE BRUXINHA
bASEADO EM CONTO DE eLIZABETH COATSWORTH
TRADUZIDO DO ITALIANO E ADAPTADO PARA VERSÃO POÉTICA POR
WILLIAM LAGOS

A APRENDIZ DE BRUXINHA -- 17 JAN 18
PARTES DO CORPO -- 18 JAN 18
O VESGO E O ZAROLHO -- 19 JAN 18
ZEBRA SEM LISTRAS -- 20 JAN 18
BOI MANSO -- 21 JAN 18
CONFIAR DESCONFIANDO -- 22 JAN 18
TAMANCOS -- 23 JAN 18

A APRENDIZ DE BRUXINHA - 17 JAN 18

A APRENDIZ DE BRUXINHA I

Era uma noite fria e as rajadas
do vento percorriam a campina
em que cinco viajantes, longa sina
enfrentavam sobre a poeira das estradas.
Constituíam uma família de emigrantes
a demandar um livre e novo mundo:
o seu país, que fora antes fecundo,
ora assolado por bandoleiros e birbantes
e na aldeia que há pouco haviam deixado
 caminho fácil fora rápido indicado.

O Pai seguia à frente, com o cabresto
de seu cavalo firme na sua mão;
logo atrás seguia um jovem, seu irmão
e sua filha de oito anos e andar lesto.
Sobre o cavalo a Mãe acalentava
seu filhinho mais moço, adormecido;
de quando em vez, soltava algum nitrido
o animal branco, que aos poucos se cansava...
"Será que falta muito ainda, tio?"
perguntou a menina.  "Estou com frio!"

"Ainda falta um pouco, Ana, querida,
mas a luz ainda nos brilha no horizonte,"
disse Felipe.  Porém falou o Pai, como reponte:
"Já de há muito deveríamos a guarida
ter alcançado, segundo a informação:
Seis milhas pela estrada, nada mais...
Menos de dez quilômetros, ademais,
nos informaram naquela povoação...
Porém saímos de lá só duas horas
após o meio-dia... Já são longas as demoras..."

Ao longe, um uivo triste se escutou.
Disse Ana: "Deve ser algum cachorro..."
"A outra aldeia fica atrás daquele morro,
logo chegamos!..."  O menino se acordou
e Branquinho, o cavalo, se arrepiou,
franzindo o pelo, como estando a espantar
os moscardos que o viessem a picar.
Mas o Pai a afirmação lhe contestou:
"Não, Felipe, não pretendas ser um bobo,
não é de cão.  Sabes ser uivo de algum lobo!"

A APRENDIZ DE BRUXINHA II

"Um lobo?" -- exclama a Mãe, já assustada,
embalando o menino que, em seguida,
dormiu de novo, sem temor da vida,
por um canto de amor bem disfarçada...
Disse Felipe: "Nunca soube que atacaram,
sem qualquer provocação, seres humanos;
são as ovelhas que buscam nestes anos,
depois que as lebres e os veados escassearam,
embora ataquem, de fato, algum pastor,
que o seu rebanho defenda com ardor!..."

"Talvez," disse o Pai, "mas vou pegar
a escopeta amarrada no cavalo
e conferir, com cuidado, seu gargalo;
se for preciso, a irei recarregar."
"Não!" -- disse a Mãe. "É velha e perigosa!
E se ela explode e fere algum de nós?"
"Só se os lobos chegarem, com atroz
apetite, a contrariar a pretensiosa
conversa mole deste meu irmão,
que julga os lobos animais de estimação!"

"O melhor mesmo é acabar a discussão,"
disse Felipe, "e afinarmos os ouvidos,
para ver se estamos sendo perseguidos...
Espero estarmos na correta direção!"
Mas o cavalo mostrava nervosismo,
arrepiando as orelhas, relinchando...
Falou Ana: "Tio Felipe, está ficando
escuro!... E se cairmos num abismo?"
"Não há abismos por aqui, Aninha,
mas vou te carregar... És levezinha!..."

"Tio Felipe, tenho já mais de oito anos!"
"Mas és pequena para a idade e bem magrinha."
E se abaixou.  "Agarra minha espinha,
prende os braços e as pernas... Anda, vamos!"
E assim a menina, com seu pequeno porte,
se acavalou nas costas de seu tio,
os braços no pescoço, menos frio
sentindo agora, as pernas um suporte
em torno da cintura.  O tio se endireitou
e a família pela estrada continuou...

A APRENDIZ DE BRUXINHA III

De repente, eles sentiram voejar,
por sobre suas cabeças, grande ave,
corpo alongado, como fina trave,
mas sem podê-la claramente divisar.
O lusco-fusco já se achava bem escuro,
do crepúsculo o final se aproximava,
mas essa sombra sobre eles adejava,
sobre a Lua formando um veloz muro
e logo para longe se afastava...
Qual faixa branca ainda a estrada continuava...

E novamente, para sua surpresa,
surgiu uma figura da direita...
Estava a Lua no horizonte, ainda estreita,
mas uma jovem caminhava, com certeza,
vestido e manto escuros, em tons acinzentados,
sobre os quais se destacavam os cabelos,
muito negros, mas penteados sem desvelos
ou pelo vento sendo amarfanhados...
Branquinho se arrepiou, quase empinou,
porém o Pai firmemente o sujeitou.

"De nossa casa notamos sua chegada.
Minha avó e as duas tias ordenaram
que aqui viesse, porque já prepararam
abrigo quente e ceia requentada.
Fica à direita aqui deste caminho,
a cerca de uma milha de distância,
bem mais perto que qualquer estância,
outra aldeia ou povoado aqui vizinho...
Venham comigo, passarão a noite,
sem precisar sofrer do vento o açoite..."

"Mas que gentil!" -- disse a Mãe, ainda montada
sobre o cavalo, que a suar mostrava medo.
"Porém teremos de sair amanhã cedo,
ou perderemos a viagem contratada..."
"Não há problema, minha boa senhora..."
"Como te chamas? -- indagou o rapaz.
Ela hesitou.  "Senhor, é bem capaz
que façam troça, se o disser agora..."
"Ora, diga..." "Pois me chamam de Graciosa..."
Faces vermelhas, qual rubor de rosa...

A APRENDIZ DE BRUXINHA IV

"Troça, por que?  Pois até bastante bem
esse nome lhe assenta...  Graciosa és
de rosto e corpo, da cabeça aos pés!..."
"Ah, minha senhora, envergonha-me também!..."
Nesse momento, de novo a viração
 veio girando por sobre suas cabeças,
quase invisível nas trevas meio espessas...
"Mas o que é isso?  Parece um passarão...?"
"Não, é a minha va... a minha Vagante,"
balbuciou ela.  "Um corujão gigante..."

"Ela voa pelo céu e me acompanha...
Eu a criei desde que era pequeninha
e me protege se algum lobo se avizinha..."
Disse a garota, em improvisada manha.
"Mas vamos, a casinha fica perto..."
Porém Branquinho de medo até tremia.
"Ele estranhou... Já escureceu o dia,
segue atrás conosco..." - falou Felipe. "É certo
que estando para trás não nos verá
e tua presença não mais estranhará..."

De fato, Branquinho se acalmou
quando a jovem de sua visão saiu
e Graciosa com Felipe prosseguiu.
"De carregar sua irmã não se cansou?"
"É minha sobrinha e não está pesada..."
"Mas não deseja que a segure um pouco?"
"Não é preciso..." Nem quero eu, tampouco!"
"Pois não vamos sair logo da estrada?
Para você ficará muito pesada,
mas para mim não pesa quase nada..."

Novamente o garotinho se acordou...
"Que foi, querido?" -- a Mãe lhe perguntou.
"Tinha um corvo!  A cara me bicou!"
"Foi só um sonho... nada te tocou,,,"
Ela iniciou mais uma vez o acalanto,
mas o garoto olhou em volta, surpreendido.
"Acende a luz!" "Não, posso, meu querido,
aqui é a estrada... Escuta só meu canto..."
Mais uma vez o menino se acalmou...
De novo o pássaro pelo alto voejou...

A APRENDIZ DE BRUXINHA V

"Mas que ave estranha!" -- comentou o Pai.
"Tem corpo longo. Nem ter asas parecia..."
"É a luz da Lua que o olhar nos iludia..."
"Mas por que à nossa volta o bicho vai?"
"Eu já expliquei.  É de estimação,
criei Vagante desde que ela era pintinho...
Mas no final estamos quase do caminho,
vejam a luz de nossa habitação!...
Logo estaremos num refúgio quente..."
"Como tu és boa em vir buscar a gente!..."

"Eu não sou boa!" -- explodiu Graciosa.
E nem me chamo Graciosa, mas Feitiço!...
Não pretendia contar-lhes nada disso,
mas fui treinada como bruxa perniciosa!..."
"Uma Bruxa!?"  O grupo o passo suspendeu.
"Ainda não sei muita feitiçaria...
Eu sou órfã.  Foi Vovó, a Bruxa Heresia
que me encontrou, foi gentil e me acolheu...
Mas eu não gosto de fazer qualquer poção,
nem conjurar para os outros maldição..."

"Só que Heresia e as tias não se importam;
já estão velhas e querem minha energia
e assim me educam na sua bruxaria
e com os meus progressos se confortam.
Mas eu queria ser mulher normal,
só que não tenho para aonde ir..."
"Pois nós te ajudaremos a fugir!" --
disse a Mãe, com firmeza maternal.
"Só que fugir não nos será possível,
elas três juntas têm um poder terrível!"

"Vovó Heresia os percebeu na estrada
e notou que traziam duas crianças...
De roubá-las já nutriram esperanças
a Tia Horrível, que é muito malvada
e a Tia Megera, a outra irmã, que até me odeia,
afirmando que eu não presto para nada,
senão no caldeirão ser ensopada
e depois devorada como a ceia!...
Porém jamais concordaria a Avó Heresia,
nem Tia Horrível carne humana comeria!..."

A APRENDIZ DE BRUXINHA VI

Mas elas criam um sapão gigante,
chamado Solta-Fogo e mais um gato,
o Grimalkin, furioso e mau de fato...
Comer vocês até acharão interessante!..."
"Misericórdia!" -- disse o Pai.  "Vamos embora!"
"Não é possível!"  Graciosa já chorava.
Solta-Fogo em dragão se transformava
ou a alcateia elas convocam nesta hora!
Já estão de olho!  Fugir não vão deixar,
matam vocês e as crianças vão guardar!"

"Mas o que podemos nós fazer, então?
Indagou Felipe, meio atarantado.
"Elas têm um incunábulo conservado,
um livro mágico de muito antiga redação...
Todo o poder que possuem dele deriva...
Se conseguirmos esse grimório destruir,
serão forçadas a deixar todos partir..."
"Mas não podemos deixá-la aqui cativa!" --
Disse Felipe. "Seguirás ao nosso abrigo,
se for preciso, eu casarei contigo!..."

Graciosa não falou nem sim, nem não;
bem ao contrário, começou a prevenir:
"Elas se mostram gentis para iludir,
sempre ocultando qualquer má intenção...
A própria casa é só um encantamento,
na verdade, é uma choupana pobrezinha...
Qualquer comida que ofereçam é daninha,
quem a comer, fica escravo do portento!
Sobretudo, vão tentar dar às crianças
e de salvá-las perderão as esperanças!..."

"Mas precisamos chegar lá de uma vez,
nossa demora já devem estranhar...
Vocês precisam ficar a conversar,
qual se aceitassem toda a sua honradez,
sem demonstrar em nada desconfiar,
mas com habilidade as distrair,
até que eu possa seu livro descobrir
e de algum modo o então desencantar.
O grimório está sempre disfarçado
em objeto qualquer, porém quadrado..."

A APRENDIZ DE BRUXINHA VII

"Às vezes em um quadro elas transformam,
em outras é um banquinho bem quadrado,
ou em almofada poderá estar mudado,
não sei bem. Todos os dias seu aspecto reformam,
mas se puderem conservar a sua atenção,
eu vou olhar em volta da choupana
e descobrir em qual aspecto se engana
e dar um jeito para sua destruição...
Somente insisto que não comam nada
e nem permitam que coma a criançada!..."

Logo a seguir chegaram na casinha.
ampla e limpa, muito bem cuidada;
três camponesas os receberam, cada
qual gentil e mais bondosa se mantinha...
Vovó Heresia muito gorda parecia,
Tia Horrível minúscula de estatura,
Tia Megera alta e magra, sem feiúra,
porém má chama em seu olhar luzia!
Todas três a desfazer-se em cortesia,
por mais estranho que tal trio lhes parecia!

Mas, e daí?  Estranha companhia
se encontra às vezes em simples irmandade...
Quando entraram na choupana, de maldade
chispa no olhar do gato reluzia!...
Mas ver um brilho assim é natural...
Atrás da porta sozinhas se moveram,
As três vassouras, decerto estremeceram,
nada de estranho, só encostadas mal...
E as três velhinhas, em suas roupas estampadas,
não se podiam mostrar mais educadas!...

"Cheguem aqui, se assentem junto ao fogo..."
Conduziram a família até a lareira.
"Temos um caldo quente na sopeira,
trago as gamelas... Vão servir-se logo..."
"Não!" -- disse o Pai.  "Muito eu agradeço,
mas achamos muito longo este caminho
e então fizemos já um bom lanchinho...
Nenhum de nós têm fome.  Seu apreço,
contudo, já nos deixa comovidos...
Quanto ao comer, já estamos bem nutridos...

A APRENDIZ DE BRUXINHA VIII

Porém é certo que o cheiro os atraía...
Horrível logo um pote foi buscar...
"Vamos, menino, sei que um doce quer provar."
"Não!" -- disse a Mãe.  "Só mamar ainda queria...
"Mas, e você?" -- perguntaram para Ana.
"Coma um docinho... Fui eu mesma que fiz...
São deliciosos, todo o povo diz,
vêm de longe comprar... Têm muita fama..."
"Não, minha senhora." falou firmemente
o Pai.  "Doce a faz ficar doente."

"Mas então," falou Megera, "bolachinha
tenho salgada... Prove ao menos um biscoito...
Comam todos, comam quatro, comam oito..."
"Não!" -- disse o Pai. "Se de noite a menininha
algo comer, irá ter pesadelos...
Acorda à noite, muito alto gritando
e a vocês três ficará incomodando...
Muito obrigado por todos os seus desvelos,
mas só queremos descansar neste calor
e retomar a caminhada com vigor..."

Mas enquanto conversavam, a Bruxinha
procurava o incunábulo escondido,
sem o encontrar em lugar já conhecido,
mas começou a apontar sua vassourinha
que a seu chamado bem depressa vinha
e tinha o cabo inteiro cor-de-rosa
e era o transporte e o condão da boa Graciosa
e finalmente percebeu que um canto tinha
teia de aranha, porém retangular,
nela uma aranha quadrada a balançar!...

E como as bruxas de nada desconfiaram,
na teia ela enfiou sua vassourinha
e quadrada, sem rasgão, veio inteirinha!...
Mas com chamado de Grimalkin, se alertaram:
"Não mexa nisso, Feitiço, solte já!..."
E esquecidas das visitas, acorreram,
mas arrancar-lhe a teia não puderam,
pois Felipe, de um salto, chegou lá:
"Deixem em paz agora a minha querida!"
Com seu cajado cortou-lhes a investida!...

A APRENDIZ DE BRUXINHA IX

As três velhas, mesmo sendo feiticeiras,
não tinham igual força que o rapaz...
"Vassouras, venham!  Cospe-Fogo, faz
com que se queime, lança chamas bem ligeiras!"
O sapo apareceu, mas veio o Pai
e com um golpe de seu próprio cajado,
ao animal deixou desacordado!...
Se eriça o gato e ao combate vai!...
Dois cajados e a vassoura cor-de-rosa
protegeram deste modo a boa Graciosa!

Ela correu, veloz, contra a parede
 e na lareira a teia inteira ela atirou,
que nas chamas depressa se inflamou,
de as páginas se queimar já nada impede!
A casa inteira percorreu vasto fragor,
logo as paredes todas desabaram,
em enxergões as camas se mudaram,
fugiu Grimalkin, com medo do estridor
e ali se achavam, dentro da cabana,
mal conservada, minúscula choupana!

"O que fizeste, Feitiço!" - gritou Megera.
"Vamos morrer de fome!" -- uivou Horrível.
"Não vão ter medo de nós!  Será terrível
esse destino," disse Heresia, "à nossa espera!"
"Mas não precisa ser assim," falou o Pai,
"Vocês só sabem bruxarias fazer...?"
"Nem sequer isso!... Tudo vamos esquecer!
Queimado o livro, nosso poder se esvai!..."
Grimalkin negro, agora acinzentado,
em normal gato se havia transformado...

E Cospe-Fogo virou só num sapinho,
que aos poucos se ergueu, desorientado
pela pancada com que fora derrubado...
Fugiu dali, pulinho após pulinho...
"Por que mostraste tanta ingratidão?
Eu fui boa para ti..." -- disse Heresia.
"Que eu não queria ser bruxa bem sabia,
só procurei minha libertação...
Mas a senhora é uma boa tecelã,
faz tecidos de linho, de algodão, de lã..."

A APRENDIZ DE BRUXINHA X

"Isso é verdade. Lá no canto está o tear
e aqueles sacos guardam muito material;
boas fazendas tecia antes, afinal;
no bastidor Megera é ótima em bordar..."
"E eu, realmente, sei fazer doces bem bons,
salgadinhos, biscoitos e bombons...
Igual que antes ainda posso trabalhar..."
falou Horrível.  "E a estrada fica perto,
boa clientela não faltará, por certo!..."

"Mas e a menina?  Quase nada ela aprendeu,
mal e mal algumas artes de bruxedo..."
"Conosco seguirá, não tenham medo,
pois, afinal, de vocês nos defendeu!..."
As três bruxas então se conformaram.
"Está certo.  Temos algum dinheiro,
para nos manter e adquirir primeiro
o material...  Os viajantes que compraram,
nossos artigos vão ajudar-nos a viver
durante os anos de nosso envelhecer..."

   E se acaso pensas que tal transformação
foi rápida demais, que alternativa
tinham as feiticeiras?  Conclusiva
de seu poder fora a destruição;
mais do que isso, estando o livro destruído
não as mantinha mais em seu poder,
porque a magia, é preciso se saber,
mais escraviza quem tem dela se nutrido
do que de fato lhes concede qualquer bem:
estavam livres agora as três, também!

"A aldeia fica ali, depois dessa colina,"
disse Heresia, "só uma hora de caminho..."
Seguiu a família, andando de mansinho,
até Branquinho que não mais se empina...
Junto a Felipe, a ex-bruxinha caminhava:
"Agora, sim, meu nome é bem Graciosa!"
"Te assenta bem, visto seres tão formosa..."
Na vassoura cor-de-rosa se apoiava...
"Não vai mais me servir de montaria,
mas na batalha foi de muita serventia!..."

Tomaram ambos as duas mãos de Aninha
e para a aldeia o grupo alegre se encaminha...



PARTES DO CORPO I -- 18 JAN 18

A professora repreendeu ao aluninho:
"Olha, uma nota muito baixa tu tiraste,
tenho certeza de que não estudaste!"
"Me dê uma chance," respondeu Joãozinho.
"Está bem, só uma pergunta vou fazer,
valendo nota, hein?  Estás preparado?"
"Pode mandar, fessora, eu tô ligado!"
"Mas pensa bem, antes de responder!
Só quero ver se o seu tema você lê!
Qual parte do corpo começa por um Z?"

"Essa é fácil, fessora!  São as zunha!"
A professora até riu, achando graça.
"Resposta errada, mas desta vez passa,
São "unhas" querido, "zunha" é alcunha...
Mas vou te dar outra chance: está na cara!"
"Mas não era do corpo, professora?"
"Querido, a cara fica na cabeça, ora!
De bancares o espertinho não é hora!"
"Tá bom, fessora, se for na cabeça,
são os zóio, as zoreia e os zovido, matei essa!"

"Não, Joãozinho, isso são "olhos",
"orelhas" e "ouvidos"... Não tem Z.
Já vi que um livro você nunca lê,
tua brincadeira vai te causar trambolhos!...
"Desculpa, fessora, eu me enganei!"
"Pois sim!" Que nota pensas vais tirar?
Como começa vou te dizer, para ajudar:
é com um Z, tal qual te perguntei!"
"Ah, essa é fácil, igual comer biscoito!
Tenho certeza de que vai ser um Zoito!"

NB --- Naturalmente, a professora se refere ao zigoma ou osso zigomático, a chamada "maçã do rosto".  Mas quando duas sementes se unem, formam o zigote, origem do embrião humano. E o leite da mãe humana também é chamado de Zula ou de Zola.

O VESGO E O ZAROLHO -- 19 JAN 18

Diz o ditado: "Zomba o vesgo do zarolho",
significado dos termos quase igual
para qualquer infeliz que enfoca mal
e para cada lado volta um olho!...
Naturalmente, o sentido do ditado
não é de fato que o vesgo faça troça,
mas que alguém certo defeito possa
ver no outro que igual em si é encontrado:
é uma forma assim de condenar
quem facilmente pretenda outrem julgar!

Realmente, é bem comum se projetar
algum defeito que exista em nós,
quando se sente nos apertar o cós
das calças, certa dor a nos causar.
O desonesto chama ao outro de ladrão;
acusa o outro de roubar um trapaceiro;
um mentiroso desmente seu parceiro,
chamam de bobo os que mais tolos são!
Pois em si mesmos conhecem os sintomas,
bem fácil sendo enxergá-los noutras zonas!

Também zarolho pode ser um infeliz
que um dos olhos já perdeu também
e assim o vesgo, que ambos olhos tem,
melhor se julga de quem criticar quis.
Mas não se deve  apontar, naturalmente,
os defeitos que possuem outras pessoas,
salvo se tenham as intenções mais boas
de corrigir morais falhas dessa gente!
Conselho não se vende, meu amor,
mas hoje é moda trabalhar de consultor!

ZEBRA SEM LISTRAS -- 20 JAN 18

"Uma zebra sem listras é um cavalo,"
também existe o costume de dizer
ou o contrário até pode parecer:
cavalo branco, caso alguém queira pintá-lo,
vira uma zebra de pleno direito
e nalgum circo se o poderá mostrar,
apesar desse modismo hoje se achar
de proibir animais de qualquer jeito
serem nos circos treinados em proeza,
muito do brilho perdido, com certeza!

Essa consciência é bem mal-orientada,
pois sem os circos e esses jardins
chamados "zoológicos", os fins
de muita espécie, no natural deixada
há muitas décadas já haveria chegado,
caçados sendo por esporte ou alimento
e muitas vezes certa espécie teve alento
por indivíduo em circo preservado!
Não é só o homem.  Feroz é a Natureza,
que já extinguiu tanta espécie com crueza!

Pensando bem, como é incoerente
essa gente que defende os animais,
sem desprezar comer, assim no mais,
algum assado da carne pertencente
a um novilho ao abate conduzido,
sem pensar que ele tenha algum direito
salvo em churrasco tornar-se ser sujeito;
também cordeiro ou porco assim nutrido
tão somente para tornar-se refeição,
já que hipócritas carnívoros tantos são!

E de algum modo, frangos comerão
ou ainda búfalos e mesmo javalis,
ferozes animais de instintos vis
que para cá importaram sem noção.
Naturalmente, não fossem as capoeiras
os galináceos já estariam extintos:
são totalmente inermes os seus pintos;
gatos e zorros a comer as derradeiras
aves domésticas, sobrando só selvagens
animais que nas matas têm paragens!

De igual sorte sofreriam as ovelhas
e dos bovinos acabariam os rebanhos,
que só atingem seus atuais tamanhos
na proteção do potreiro ou sob as telhas
dos galpões.  Muito poucos dos vacuns
sobreviveriam sem o auxílio humano,
que as raças aprimorou com muito afano.
Deixados livres, sobrariam só alguns!
Só pela carne foram selecionados
ou pelo leite que dão foram criados...

Os "circos de cavalinhos" se acabaram
e das zebras as listras retiraram;
como cordas, quem sabe, utilizaram
e como equinas, também as cavalgaram!
E ainda existe quem à pergunta liga,
sobre pretas serem, trazendo listras brancas
ou serem brancas, listras negras pelas ancas,
quando é bem alva toda a sua barriga!
Com listras brancas a qualquer cavalo preto
vamos pintar, criando um gênero secreto!

NB -- O que poucos recordam é a extinção do Okapi, um animal africano aparentado, que só tinha listras na parte de trás das costas e nos quartos traseiros e que nunca foi alvo particular de caça esportiva.

BOI MANSO -- 21 JAN 18

"De boi manso que me guarde Deus,
que dos bravos já me guardo eu."
Esse conselho alguém um dia me deu,
em advertência contra meigos fariseus
que bons amigos nos pretendem ser,
mas lá por trás só têm más intenções.
Difícil sempre provar os corações...
E se esse amigo que quis me proteger
prevenindo contra outro é um falso amigo
e disfarçadamente um inimigo?

Gregório de Mattos Guerra, o poeta
pernambucano, do século dezoito,
bem preveniu contra qualquer afoito
nos prevenir contra algum que aponta a seta.
"Este me diz que não confie naquele,"
porque é meu inimigo disfarçado,
"mas que fazer, se já fui aconselhado
por um terceiro, que não confie nele?"
Mais vale assim ter inimigo certo
que falso amigo na travessia de um deserto!

Por isso a referência à mansidão
daquele boi que parece descansado,
mas por quem posso ser atropelado,
caso não tome a devida precaução.
É muito fácil cuidar-se de algum touro
que anda bufando pelo seu potreiro
e que fugir nos obriga, bem ligeiro,
fúria visível claramente sob o couro!...
E assim é bom se aprender, desde criança
a quem podemos emprestar nossa confiança!

CONFIAR DESCONFIANDO -- 22 JAN 18

"Já não está mais aqui quem te falou"
de como é importante a desconfiança;
confiar sempre tem sua importância,
que às vezes perde quem mais desconfiou...
O melhor mesmo é no princípio se confiar
até nos darem um inicial motivo;
tornam-se alvos de um mais estreito crivo
e após esse primeiro, convém deles desconfiar.
Muitos abusam de tua real bondade,
julgando seja tão só ingenuidade!

Também costumam dizer-nos por aí:
"Quem te engana uma vez, é sem-vergonha,
se te engana duas vezes, és pamonha",
mas se te deixas, sem cuidar de ti,
enganar terceira vez, ah, meu amigo,
além de burro, o sem-vergonha és tu!...
Porquanto vês perfeitamente e a olho nu
que não podes no coração dar um abrigo
a esse farsante de malévola intenção,
que o mal pratica sem ter compaixão!

Não é que a maioria seja má,
buscam apenas seu próprio interesse
e honestamente acendem vela e em prece
pedem aos santos o que lhes faltará;
pensam que basta se acender tal vela
para comprar o favor da santidade,
que seu caminho ilumine com bondade
e a proteção lhes dê contra procela,
porém te sacrificam ao seu ganho,
sem se importarem se te causam lanho!

Assim, confia até prova em contrário,
mas tem cuidado em entregar o coração;
que amigos há que muito fiéis são
e amor existe real, sem ser nefário,
mas só demonstres tua confiança devagar
e não te entregues no começo totalmente,
se houver prejuízo, seja breve e indiferente,
ao qual possas facilmente compensar...
Mas quem se mostra em demasia desconfiado,
feitas as contas, será o mais prejudicado!

TAMANCOS -- 23 JAN 18

"Tamanco faz barulho, mas não fala!"
E quanta gente existe por aí
a protestar e exigindo para si
qualquer direito ou favor e não se cala!
Tamanco é útil para se andar na lama
ou mesmo no capim, de noite ou dia,
em proteção da roseta que lá havia,
escondida na macia e verde grama,
mas não se vai de tamancos a um jantar
em que se queira a alguém impressionar!

Junto da porta, ficam os calçados
e os tamancos são deixados no limiar;
tem os sapatos mais discreto chapinhar,
sem os assoalhos deixar emporcalhados!
Também nos servem de mais proteção
quando quisermos passar despercebidos
e para a planta dos pés são mais queridos
e têm aspecto de melhor aceitação...
mas quem calçar sapatos de verniz,
preste atenção ao que o calçado diz!

Sempre fala melhor o mais discreto,
não se sai a proclamar algum amor,
maciamente ao ouvido, com fervor,
ao ente amado revela-se o afeto...
Mas quem se põe feroz a discursar
somente quer ouvir a própria voz
e conquistar teu apoio... mas após
ter conseguido o que queria alcançar,
na falsidade de seu discurso franco,
não te trata melhor que a seu tamanco!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
Recanto das Letras > Autores > William Lagos



Nenhum comentário:

Postar um comentário