A APRENDIZ DE
BRUXINHA
bASEADO EM CONTO DE
eLIZABETH COATSWORTH
TRADUZIDO DO
ITALIANO E ADAPTADO PARA VERSÃO POÉTICA POR
WILLIAM LAGOS
A APRENDIZ DE
BRUXINHA -- 17 JAN 18
PARTES DO CORPO --
18 JAN 18
O VESGO E O ZAROLHO
-- 19 JAN 18
ZEBRA SEM LISTRAS
-- 20 JAN 18
BOI MANSO -- 21 JAN
18
CONFIAR
DESCONFIANDO -- 22 JAN 18
TAMANCOS -- 23 JAN
18
A
APRENDIZ DE BRUXINHA - 17 JAN 18
A
APRENDIZ DE BRUXINHA I
Era
uma noite fria e as rajadas
do
vento percorriam a campina
em
que cinco viajantes, longa sina
enfrentavam
sobre a poeira das estradas.
Constituíam
uma família de emigrantes
a
demandar um livre e novo mundo:
o
seu país, que fora antes fecundo,
ora
assolado por bandoleiros e birbantes
e
na aldeia que há pouco haviam deixado
caminho fácil fora rápido indicado.
O
Pai seguia à frente, com o cabresto
de
seu cavalo firme na sua mão;
logo
atrás seguia um jovem, seu irmão
e
sua filha de oito anos e andar lesto.
Sobre
o cavalo a Mãe acalentava
seu
filhinho mais moço, adormecido;
de
quando em vez, soltava algum nitrido
o
animal branco, que aos poucos se cansava...
"Será
que falta muito ainda, tio?"
perguntou
a menina. "Estou com frio!"
"Ainda
falta um pouco, Ana, querida,
mas
a luz ainda nos brilha no horizonte,"
disse
Felipe. Porém falou o Pai, como reponte:
"Já
de há muito deveríamos a guarida
ter
alcançado, segundo a informação:
Seis milhas pela estrada, nada
mais...
Menos
de dez quilômetros, ademais,
nos
informaram naquela povoação...
Porém
saímos de lá só duas horas
após
o meio-dia... Já são longas as demoras..."
Ao
longe, um uivo triste se escutou.
Disse
Ana: "Deve ser algum cachorro..."
"A
outra aldeia fica atrás daquele morro,
logo
chegamos!..." O menino se acordou
e
Branquinho, o cavalo, se arrepiou,
franzindo
o pelo, como estando a espantar
os
moscardos que o viessem a picar.
Mas
o Pai a afirmação lhe contestou:
"Não,
Felipe, não pretendas ser um bobo,
não
é de cão. Sabes ser uivo de algum
lobo!"
A
APRENDIZ DE BRUXINHA II
"Um
lobo?" -- exclama a Mãe, já assustada,
embalando
o menino que, em seguida,
dormiu
de novo, sem temor da vida,
por
um canto de amor bem disfarçada...
Disse
Felipe: "Nunca soube que atacaram,
sem
qualquer provocação, seres humanos;
são
as ovelhas que buscam nestes anos,
depois
que as lebres e os veados escassearam,
embora
ataquem, de fato, algum pastor,
que
o seu rebanho defenda com ardor!..."
"Talvez,"
disse o Pai, "mas vou pegar
a
escopeta amarrada no cavalo
e
conferir, com cuidado, seu gargalo;
se
for preciso, a irei recarregar."
"Não!"
-- disse a Mãe. "É velha e perigosa!
E
se ela explode e fere algum de nós?"
"Só
se os lobos chegarem, com atroz
apetite,
a contrariar a pretensiosa
conversa
mole deste meu irmão,
que
julga os lobos animais de estimação!"
"O
melhor mesmo é acabar a discussão,"
disse
Felipe, "e afinarmos os ouvidos,
para
ver se estamos sendo perseguidos...
Espero
estarmos na correta direção!"
Mas
o cavalo mostrava nervosismo,
arrepiando
as orelhas, relinchando...
Falou
Ana: "Tio Felipe, está ficando
escuro!...
E se cairmos num abismo?"
"Não
há abismos por aqui, Aninha,
mas
vou te carregar... És levezinha!..."
"Tio
Felipe, tenho já mais de oito anos!"
"Mas
és pequena para a idade e bem magrinha."
E
se abaixou. "Agarra minha espinha,
prende
os braços e as pernas... Anda, vamos!"
E
assim a menina, com seu pequeno porte,
se
acavalou nas costas de seu tio,
os
braços no pescoço, menos frio
sentindo
agora, as pernas um suporte
em
torno da cintura. O tio se endireitou
e
a família pela estrada continuou...
A
APRENDIZ DE BRUXINHA III
De
repente, eles sentiram voejar,
por
sobre suas cabeças, grande ave,
corpo
alongado, como fina trave,
mas
sem podê-la claramente divisar.
O
lusco-fusco já se achava bem escuro,
do
crepúsculo o final se aproximava,
mas
essa sombra sobre eles adejava,
sobre
a Lua formando um veloz muro
e
logo para longe se afastava...
Qual
faixa branca ainda a estrada continuava...
E
novamente, para sua surpresa,
surgiu
uma figura da direita...
Estava
a Lua no horizonte, ainda estreita,
mas
uma jovem caminhava, com certeza,
vestido
e manto escuros, em tons acinzentados,
sobre
os quais se destacavam os cabelos,
muito
negros, mas penteados sem desvelos
ou
pelo vento sendo amarfanhados...
Branquinho
se arrepiou, quase empinou,
porém
o Pai firmemente o sujeitou.
"De
nossa casa notamos sua chegada.
Minha
avó e as duas tias ordenaram
que
aqui viesse, porque já prepararam
abrigo
quente e ceia requentada.
Fica
à direita aqui deste caminho,
a
cerca de uma milha de distância,
bem
mais perto que qualquer estância,
outra
aldeia ou povoado aqui vizinho...
Venham
comigo, passarão a noite,
sem
precisar sofrer do vento o açoite..."
"Mas
que gentil!" -- disse a Mãe, ainda montada
sobre
o cavalo, que a suar mostrava medo.
"Porém
teremos de sair amanhã cedo,
ou
perderemos a viagem contratada..."
"Não
há problema, minha boa senhora..."
"Como
te chamas? -- indagou o rapaz.
Ela
hesitou. "Senhor, é bem capaz
que
façam troça, se o disser agora..."
"Ora,
diga..." "Pois me chamam de Graciosa..."
Faces
vermelhas, qual rubor de rosa...
A
APRENDIZ DE BRUXINHA IV
"Troça,
por que? Pois até bastante bem
esse
nome lhe assenta... Graciosa és
de
rosto e corpo, da cabeça aos pés!..."
"Ah,
minha senhora, envergonha-me também!..."
Nesse
momento, de novo a viração
veio girando por sobre suas cabeças,
quase
invisível nas trevas meio espessas...
"Mas
o que é isso? Parece um
passarão...?"
"Não,
é a minha va... a minha Vagante,"
balbuciou
ela. "Um corujão gigante..."
"Ela
voa pelo céu e me acompanha...
Eu
a criei desde que era pequeninha
e
me protege se algum lobo se avizinha..."
Disse
a garota, em improvisada manha.
"Mas
vamos, a casinha fica perto..."
Porém
Branquinho de medo até tremia.
"Ele
estranhou... Já escureceu o dia,
segue
atrás conosco..." - falou Felipe. "É certo
que
estando para trás não nos verá
e
tua presença não mais estranhará..."
De
fato, Branquinho se acalmou
quando
a jovem de sua visão saiu
e
Graciosa com Felipe prosseguiu.
"De
carregar sua irmã não se cansou?"
"É
minha sobrinha e não está pesada..."
"Mas
não deseja que a segure um pouco?"
"Não
é preciso..." Nem quero eu, tampouco!"
"Pois
não vamos sair logo da estrada?
Para
você ficará muito pesada,
mas
para mim não pesa quase nada..."
Novamente
o garotinho se acordou...
"Que
foi, querido?" -- a Mãe lhe perguntou.
"Tinha
um corvo! A cara me bicou!"
"Foi
só um sonho... nada te tocou,,,"
Ela
iniciou mais uma vez o acalanto,
mas
o garoto olhou em volta, surpreendido.
"Acende
a luz!" "Não, posso, meu querido,
aqui
é a estrada... Escuta só meu canto..."
Mais
uma vez o menino se acalmou...
De
novo o pássaro pelo alto voejou...
A
APRENDIZ DE BRUXINHA V
"Mas
que ave estranha!" -- comentou o Pai.
"Tem
corpo longo. Nem ter asas parecia..."
"É
a luz da Lua que o olhar nos iludia..."
"Mas
por que à nossa volta o bicho vai?"
"Eu
já expliquei. É de estimação,
criei
Vagante desde que ela era pintinho...
Mas
no final estamos quase do caminho,
vejam
a luz de nossa habitação!...
Logo
estaremos num refúgio quente..."
"Como
tu és boa em vir buscar a gente!..."
"Eu
não sou boa!" -- explodiu Graciosa.
E
nem me chamo Graciosa, mas Feitiço!...
Não
pretendia contar-lhes nada disso,
mas
fui treinada como bruxa perniciosa!..."
"Uma
Bruxa!?" O grupo o passo suspendeu.
"Ainda
não sei muita feitiçaria...
Eu
sou órfã. Foi Vovó, a Bruxa Heresia
que
me encontrou, foi gentil e me acolheu...
Mas
eu não gosto de fazer qualquer poção,
nem
conjurar para os outros maldição..."
"Só
que Heresia e as tias não se importam;
já
estão velhas e querem minha energia
e
assim me educam na sua bruxaria
e
com os meus progressos se confortam.
Mas
eu queria ser mulher normal,
só
que não tenho para aonde ir..."
"Pois
nós te ajudaremos a fugir!" --
disse
a Mãe, com firmeza maternal.
"Só
que fugir não nos será possível,
elas
três juntas têm um poder terrível!"
"Vovó
Heresia os percebeu na estrada
e
notou que traziam duas crianças...
De
roubá-las já nutriram esperanças
a
Tia Horrível, que é muito malvada
e
a Tia Megera, a outra irmã, que até me odeia,
afirmando
que eu não presto para nada,
senão
no caldeirão ser ensopada
e
depois devorada como a ceia!...
Porém
jamais concordaria a Avó Heresia,
nem
Tia Horrível carne humana comeria!..."
A
APRENDIZ DE BRUXINHA VI
Mas
elas criam um sapão gigante,
chamado
Solta-Fogo e mais um gato,
o
Grimalkin, furioso e mau de fato...
Comer
vocês até acharão interessante!..."
"Misericórdia!"
-- disse o Pai. "Vamos
embora!"
"Não
é possível!" Graciosa já chorava.
Solta-Fogo
em dragão se transformava
ou
a alcateia elas convocam nesta hora!
Já
estão de olho! Fugir não vão deixar,
matam
vocês e as crianças vão guardar!"
"Mas
o que podemos nós fazer, então?
Indagou
Felipe, meio atarantado.
"Elas
têm um incunábulo conservado,
um
livro mágico de muito antiga redação...
Todo
o poder que possuem dele deriva...
Se
conseguirmos esse grimório destruir,
serão
forçadas a deixar todos partir..."
"Mas
não podemos deixá-la aqui cativa!" --
Disse
Felipe. "Seguirás ao nosso abrigo,
se
for preciso, eu casarei contigo!..."
Graciosa
não falou nem sim, nem não;
bem
ao contrário, começou a prevenir:
"Elas
se mostram gentis para iludir,
sempre
ocultando qualquer má intenção...
A
própria casa é só um encantamento,
na
verdade, é uma choupana pobrezinha...
Qualquer
comida que ofereçam é daninha,
quem
a comer, fica escravo do portento!
Sobretudo,
vão tentar dar às crianças
e
de salvá-las perderão as esperanças!..."
"Mas
precisamos chegar lá de uma vez,
nossa
demora já devem estranhar...
Vocês
precisam ficar a conversar,
qual
se aceitassem toda a sua honradez,
sem
demonstrar em nada desconfiar,
mas
com habilidade as distrair,
até
que eu possa seu livro descobrir
e
de algum modo o então desencantar.
O
grimório está sempre disfarçado
em
objeto qualquer, porém quadrado..."
A
APRENDIZ DE BRUXINHA VII
"Às
vezes em um quadro elas transformam,
em
outras é um banquinho bem quadrado,
ou
em almofada poderá estar mudado,
não
sei bem. Todos os dias seu aspecto reformam,
mas
se puderem conservar a sua atenção,
eu
vou olhar em volta da choupana
e
descobrir em qual aspecto se engana
e
dar um jeito para sua destruição...
Somente
insisto que não comam nada
e
nem permitam que coma a criançada!..."
Logo
a seguir chegaram na casinha.
ampla
e limpa, muito bem cuidada;
três
camponesas os receberam, cada
qual
gentil e mais bondosa se mantinha...
Vovó
Heresia muito gorda parecia,
Tia
Horrível minúscula de estatura,
Tia
Megera alta e magra, sem feiúra,
porém
má chama em seu olhar luzia!
Todas
três a desfazer-se em cortesia,
por
mais estranho que tal trio lhes parecia!
Mas,
e daí? Estranha companhia
se
encontra às vezes em simples irmandade...
Quando
entraram na choupana, de maldade
chispa
no olhar do gato reluzia!...
Mas
ver um brilho assim é natural...
Atrás
da porta sozinhas se moveram,
As
três vassouras, decerto estremeceram,
nada
de estranho, só encostadas mal...
E
as três velhinhas, em suas roupas estampadas,
não
se podiam mostrar mais educadas!...
"Cheguem
aqui, se assentem junto ao fogo..."
Conduziram
a família até a lareira.
"Temos
um caldo quente na sopeira,
trago
as gamelas... Vão servir-se logo..."
"Não!"
-- disse o Pai. "Muito eu agradeço,
mas
achamos muito longo este caminho
e
então fizemos já um bom lanchinho...
Nenhum
de nós têm fome. Seu apreço,
contudo,
já nos deixa comovidos...
Quanto
ao comer, já estamos bem nutridos...
A
APRENDIZ DE BRUXINHA VIII
Porém
é certo que o cheiro os atraía...
Horrível
logo um pote foi buscar...
"Vamos,
menino, sei que um doce quer provar."
"Não!"
-- disse a Mãe. "Só mamar ainda
queria...
"Mas,
e você?" -- perguntaram para Ana.
"Coma
um docinho... Fui eu mesma que fiz...
São
deliciosos, todo o povo diz,
vêm
de longe comprar... Têm muita fama..."
"Não,
minha senhora." falou firmemente
o
Pai. "Doce a faz ficar
doente."
"Mas
então," falou Megera, "bolachinha
tenho
salgada... Prove ao menos um biscoito...
Comam
todos, comam quatro, comam oito..."
"Não!"
-- disse o Pai. "Se de noite a menininha
algo
comer, irá ter pesadelos...
Acorda
à noite, muito alto gritando
e
a vocês três ficará incomodando...
Muito
obrigado por todos os seus desvelos,
mas
só queremos descansar neste calor
e
retomar a caminhada com vigor..."
Mas
enquanto conversavam, a Bruxinha
procurava
o incunábulo escondido,
sem
o encontrar em lugar já conhecido,
mas
começou a apontar sua vassourinha
que
a seu chamado bem depressa vinha
e
tinha o cabo inteiro cor-de-rosa
e
era o transporte e o condão da boa Graciosa
e
finalmente percebeu que um canto tinha
teia
de aranha, porém retangular,
nela
uma aranha quadrada a balançar!...
E
como as bruxas de nada desconfiaram,
na
teia ela enfiou sua vassourinha
e
quadrada, sem rasgão, veio inteirinha!...
Mas
com chamado de Grimalkin, se alertaram:
"Não
mexa nisso, Feitiço, solte já!..."
E
esquecidas das visitas, acorreram,
mas
arrancar-lhe a teia não puderam,
pois
Felipe, de um salto, chegou lá:
"Deixem
em paz agora a minha querida!"
Com
seu cajado cortou-lhes a investida!...
A
APRENDIZ DE BRUXINHA IX
As
três velhas, mesmo sendo feiticeiras,
não
tinham igual força que o rapaz...
"Vassouras,
venham! Cospe-Fogo, faz
com
que se queime, lança chamas bem ligeiras!"
O
sapo apareceu, mas veio o Pai
e
com um golpe de seu próprio cajado,
ao
animal deixou desacordado!...
Se
eriça o gato e ao combate vai!...
Dois
cajados e a vassoura cor-de-rosa
protegeram
deste modo a boa Graciosa!
Ela
correu, veloz, contra a parede
e na lareira a teia inteira ela atirou,
que
nas chamas depressa se inflamou,
de
as páginas se queimar já nada impede!
A
casa inteira percorreu vasto fragor,
logo
as paredes todas desabaram,
em
enxergões as camas se mudaram,
fugiu
Grimalkin, com medo do estridor
e
ali se achavam, dentro da cabana,
mal
conservada, minúscula choupana!
"O
que fizeste, Feitiço!" - gritou Megera.
"Vamos
morrer de fome!" -- uivou Horrível.
"Não
vão ter medo de nós! Será terrível
esse
destino," disse Heresia, "à nossa espera!"
"Mas
não precisa ser assim," falou o Pai,
"Vocês
só sabem bruxarias fazer...?"
"Nem
sequer isso!... Tudo vamos esquecer!
Queimado
o livro, nosso poder se esvai!..."
Grimalkin
negro, agora acinzentado,
em
normal gato se havia transformado...
E
Cospe-Fogo virou só num sapinho,
que
aos poucos se ergueu, desorientado
pela
pancada com que fora derrubado...
Fugiu
dali, pulinho após pulinho...
"Por
que mostraste tanta ingratidão?
Eu
fui boa para ti..." -- disse Heresia.
"Que
eu não queria ser bruxa bem sabia,
só
procurei minha libertação...
Mas
a senhora é uma boa tecelã,
faz
tecidos de linho, de algodão, de lã..."
A
APRENDIZ DE BRUXINHA X
"Isso
é verdade. Lá no canto está o tear
e
aqueles sacos guardam muito material;
boas
fazendas tecia antes, afinal;
no
bastidor Megera é ótima em bordar..."
"E
eu, realmente, sei fazer doces bem bons,
salgadinhos,
biscoitos e bombons...
Igual
que antes ainda posso trabalhar..."
falou
Horrível. "E a estrada fica perto,
boa
clientela não faltará, por certo!..."
"Mas
e a menina? Quase nada ela aprendeu,
mal
e mal algumas artes de bruxedo..."
"Conosco
seguirá, não tenham medo,
pois,
afinal, de vocês nos defendeu!..."
As
três bruxas então se conformaram.
"Está
certo. Temos algum dinheiro,
para
nos manter e adquirir primeiro
o
material... Os viajantes que compraram,
nossos
artigos vão ajudar-nos a viver
durante
os anos de nosso envelhecer..."
E se acaso pensas que tal transformação
foi
rápida demais, que alternativa
tinham
as feiticeiras? Conclusiva
de
seu poder fora a destruição;
mais
do que isso, estando o livro destruído
não
as mantinha mais em seu poder,
porque
a magia, é preciso se saber,
mais
escraviza quem tem dela se nutrido
do
que de fato lhes concede qualquer bem:
estavam
livres agora as três, também!
"A
aldeia fica ali, depois dessa colina,"
disse
Heresia, "só uma hora de caminho..."
Seguiu
a família, andando de mansinho,
até
Branquinho que não mais se empina...
Junto
a Felipe, a ex-bruxinha caminhava:
"Agora,
sim, meu nome é bem Graciosa!"
"Te
assenta bem, visto seres tão formosa..."
Na
vassoura cor-de-rosa se apoiava...
"Não
vai mais me servir de montaria,
mas
na batalha foi de muita serventia!..."
Tomaram
ambos as duas mãos de Aninha
e
para a aldeia o grupo alegre se encaminha...
PARTES DO CORPO I -- 18 JAN 18
A professora repreendeu ao aluninho:
"Olha, uma nota muito baixa tu tiraste,
tenho certeza de que não estudaste!"
"Me dê uma chance," respondeu Joãozinho.
"Está bem, só uma pergunta vou fazer,
valendo nota, hein? Estás
preparado?"
"Pode mandar, fessora, eu tô ligado!"
"Mas pensa bem, antes de responder!
Só quero ver se o seu tema você lê!
Qual parte do corpo começa por um Z?"
"Essa é fácil, fessora!
São as zunha!"
A professora até riu, achando graça.
"Resposta errada, mas desta vez passa,
São "unhas" querido, "zunha" é alcunha...
Mas vou te dar outra chance: está na cara!"
"Mas não era do corpo, professora?"
"Querido, a cara fica na cabeça, ora!
De bancares o espertinho não é hora!"
"Tá bom, fessora, se for na cabeça,
são os zóio, as zoreia e os zovido, matei essa!"
"Não, Joãozinho, isso são "olhos",
"orelhas" e "ouvidos"... Não tem Z.
Já vi que um livro você nunca lê,
tua brincadeira vai te causar trambolhos!...
"Desculpa, fessora, eu me enganei!"
"Pois sim!" Que nota pensas vais tirar?
Como começa vou te dizer, para ajudar:
é com um Z, tal qual te perguntei!"
"Ah, essa é fácil, igual comer biscoito!
Tenho certeza de que vai ser um Zoito!"
NB --- Naturalmente, a professora se refere ao zigoma ou osso
zigomático, a chamada "maçã do rosto". Mas quando duas sementes se unem, formam o
zigote, origem do embrião humano. E o leite da mãe humana também é chamado de
Zula ou de Zola.
O VESGO E O ZAROLHO -- 19 JAN 18
Diz o ditado: "Zomba o vesgo do zarolho",
significado dos termos quase igual
para qualquer infeliz que enfoca mal
e para cada lado volta um olho!...
Naturalmente, o sentido do ditado
não é de fato que o vesgo faça troça,
mas que alguém certo defeito possa
ver no outro que igual em si é encontrado:
é uma forma assim de condenar
quem facilmente pretenda outrem julgar!
Realmente, é bem comum se projetar
algum defeito que exista em nós,
quando se sente nos apertar o cós
das calças, certa dor a nos causar.
O desonesto chama ao outro de ladrão;
acusa o outro de roubar um trapaceiro;
um mentiroso desmente seu parceiro,
chamam de bobo os que mais tolos são!
Pois em si mesmos conhecem os sintomas,
bem fácil sendo enxergá-los noutras zonas!
Também zarolho pode ser um infeliz
que um dos olhos já perdeu também
e assim o vesgo, que ambos olhos tem,
melhor se julga de quem criticar quis.
Mas não se deve apontar,
naturalmente,
os defeitos que possuem outras pessoas,
salvo se tenham as intenções mais boas
de corrigir morais falhas dessa gente!
Conselho não se vende, meu amor,
mas hoje é moda trabalhar de consultor!
ZEBRA SEM LISTRAS -- 20 JAN 18
"Uma zebra sem listras é um cavalo,"
também existe o costume de dizer
ou o contrário até pode parecer:
cavalo branco, caso alguém queira pintá-lo,
vira uma zebra de pleno direito
e nalgum circo se o poderá mostrar,
apesar desse modismo hoje se achar
de proibir animais de qualquer jeito
serem nos circos treinados em proeza,
muito do brilho perdido, com certeza!
Essa consciência é bem mal-orientada,
pois sem os circos e esses jardins
chamados "zoológicos", os fins
de muita espécie, no natural deixada
há muitas décadas já haveria chegado,
caçados sendo por esporte ou alimento
e muitas vezes certa espécie teve alento
por indivíduo em circo preservado!
Não é só o homem. Feroz é
a Natureza,
que já extinguiu tanta espécie com crueza!
Pensando bem, como é incoerente
essa gente que defende os animais,
sem desprezar comer, assim no mais,
algum assado da carne pertencente
a um novilho ao abate conduzido,
sem pensar que ele tenha algum direito
salvo em churrasco tornar-se ser sujeito;
também cordeiro ou porco assim nutrido
tão somente para tornar-se refeição,
já que hipócritas carnívoros tantos são!
E de algum modo, frangos comerão
ou ainda búfalos e mesmo javalis,
ferozes animais de instintos vis
que para cá importaram sem noção.
Naturalmente, não fossem as capoeiras
os galináceos já estariam extintos:
são totalmente inermes os seus pintos;
gatos e zorros a comer as derradeiras
aves domésticas, sobrando só selvagens
animais que nas matas têm paragens!
De igual sorte sofreriam as ovelhas
e dos bovinos acabariam os rebanhos,
que só atingem seus atuais tamanhos
na proteção do potreiro ou sob as telhas
dos galpões. Muito poucos
dos vacuns
sobreviveriam sem o auxílio humano,
que as raças aprimorou com muito afano.
Deixados livres, sobrariam só alguns!
Só pela carne foram selecionados
ou pelo leite que dão foram criados...
Os "circos de cavalinhos" se acabaram
e das zebras as listras retiraram;
como cordas, quem sabe, utilizaram
e como equinas, também as cavalgaram!
E ainda existe quem à pergunta liga,
sobre pretas serem, trazendo listras brancas
ou serem brancas, listras negras pelas ancas,
quando é bem alva toda a sua barriga!
Com listras brancas a qualquer cavalo preto
vamos pintar, criando um gênero secreto!
NB -- O que poucos
recordam é a extinção do Okapi, um animal africano aparentado, que só tinha
listras na parte de trás das costas e nos quartos traseiros e que nunca foi
alvo particular de caça esportiva.
BOI
MANSO -- 21 JAN 18
"De
boi manso que me guarde Deus,
que
dos bravos já me guardo eu."
Esse
conselho alguém um dia me deu,
em
advertência contra meigos fariseus
que
bons amigos nos pretendem ser,
mas
lá por trás só têm más intenções.
Difícil
sempre provar os corações...
E
se esse amigo que quis me proteger
prevenindo
contra outro é um falso amigo
e
disfarçadamente um inimigo?
Gregório
de Mattos Guerra, o poeta
pernambucano,
do século dezoito,
bem
preveniu contra qualquer afoito
nos
prevenir contra algum que aponta a seta.
"Este
me diz que não confie naquele,"
porque
é meu inimigo disfarçado,
"mas
que fazer, se já fui aconselhado
por
um terceiro, que não confie nele?"
Mais
vale assim ter inimigo certo
que
falso amigo na travessia de um deserto!
Por
isso a referência à mansidão
daquele
boi que parece descansado,
mas
por quem posso ser atropelado,
caso
não tome a devida precaução.
É
muito fácil cuidar-se de algum touro
que
anda bufando pelo seu potreiro
e
que fugir nos obriga, bem ligeiro,
fúria
visível claramente sob o couro!...
E
assim é bom se aprender, desde criança
a
quem podemos emprestar nossa confiança!
CONFIAR DESCONFIANDO -- 22 JAN 18
"Já não está mais aqui quem te falou"
de como é importante a desconfiança;
confiar sempre tem sua importância,
que às vezes perde quem mais desconfiou...
O melhor mesmo é no princípio se confiar
até nos darem um inicial motivo;
tornam-se alvos de um mais estreito crivo
e após esse primeiro, convém deles desconfiar.
Muitos abusam de tua real bondade,
julgando seja tão só ingenuidade!
Também costumam dizer-nos por aí:
"Quem te engana uma vez, é sem-vergonha,
se te engana duas vezes, és pamonha",
mas se te deixas, sem cuidar de ti,
enganar terceira vez, ah, meu amigo,
além de burro, o sem-vergonha és tu!...
Porquanto vês perfeitamente e a olho nu
que não podes no coração dar um abrigo
a esse farsante de malévola intenção,
que o mal pratica sem ter compaixão!
Não é que a maioria seja má,
buscam apenas seu próprio interesse
e honestamente acendem vela e em prece
pedem aos santos o que lhes faltará;
pensam que basta se acender tal vela
para comprar o favor da santidade,
que seu caminho ilumine com bondade
e a proteção lhes dê contra procela,
porém te sacrificam ao seu ganho,
sem se importarem se te causam lanho!
Assim, confia até prova em contrário,
mas tem cuidado em entregar o coração;
que amigos há que muito fiéis são
e amor existe real, sem ser nefário,
mas só demonstres tua confiança devagar
e não te entregues no começo totalmente,
se houver prejuízo, seja breve e indiferente,
ao qual possas facilmente compensar...
Mas quem se mostra em demasia desconfiado,
feitas as contas, será o mais prejudicado!
TAMANCOS -- 23 JAN 18
"Tamanco faz barulho, mas não fala!"
E quanta gente existe por aí
a protestar e exigindo para si
qualquer direito ou favor e não se cala!
Tamanco é útil para se andar na lama
ou mesmo no capim, de noite ou dia,
em proteção da roseta que lá havia,
escondida na macia e verde grama,
mas não se vai de tamancos a um jantar
em que se queira a alguém impressionar!
Junto da porta, ficam os calçados
e os tamancos são deixados no limiar;
tem os sapatos mais discreto chapinhar,
sem os assoalhos deixar emporcalhados!
Também nos servem de mais proteção
quando quisermos passar despercebidos
e para a planta dos pés são mais queridos
e têm aspecto de melhor aceitação...
mas quem calçar sapatos de verniz,
preste atenção ao que o calçado diz!
Sempre fala melhor o mais discreto,
não se sai a proclamar algum amor,
maciamente ao ouvido, com fervor,
ao ente amado revela-se o afeto...
Mas quem se põe feroz a discursar
somente quer ouvir a própria voz
e conquistar teu apoio... mas após
ter conseguido o que queria alcançar,
na falsidade de seu discurso franco,
não te trata melhor que a seu tamanco!
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos
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