quarta-feira, 31 de julho de 2024


( MAMIE VAN DOREN)

 

MAHENDRA I – 7 JUN 2024

Como é comum o véu que o dom do solidéu

apaga num instante!

Como é comum o arpéu que à bênção desde o céu

revoga o celebrante!

Quão breve é o casamento, apenas um momento

de permissão legal,

mais longo o julgamento que surge em seguimento

do tédio natural.

 

Amor é frágil flor, precisa o seu vigor

ganhar constante rega,

Amor quão frágil flor e o adubo desse ardor

é o carinho que se lega,

Enquanto o matrimônio, igual que o patrimônio

precisa ser cuidado,

Enquanto o matrimônio, por artes do demônio,

é logo destroçado!

Envolve-se em sudário se não for solidário

o mútuo sentimento

E desce ao ataúde, quando o casal se ilude

de que tudo já está feito...

 

A cerimônia é breve e a gente até se atreve

a pensar em eternidade:

Qualquer frase desatenta a taça fragmenta

em amargo julgamento

E surge a dura, lenta, amarga essa disputa

nos palpos do direito,

Enquanto o bem se esquece, veloz como uma prece

envolta em falsidade!

 

MAHENDRA II – 8 JUN 2024

E mesmo nessa ausência, sacramental potência,

carinhos se requer,

A chave do favor, que não se arranca amor

do peito da mulher,

De fato, amor se planta, enquanto se descanta

e molha diariamente;

Na ausência do regar só poderá murchar

a haste mais potente.

 

Mas sem a garantia, o ciúme desconfia

do valor desta ternura

E para não o perder, há esforço que fazer

para evitar agrura

E assim de parte a parte, evita-se o descarte

fugaz de algum desejo,

Demonstração de apego, não mais o amor cego

que nos traz primeiro beijo!

 

Mas quanta vez ocorre, depois que nos decorre

o vale e a assinatura,

Que amor tenha descanso apenas num remanso,

envolto em aconchego,

Que se pense em direito após o ato perfeito,

falácia só de apego!

E mesmo nessa ausência, sacramental potência

da ternura se requer,

A chave do favor, esse eliciar do amor

do ventre da mulher

E assim amor se planta, quando o sexor descanta

igual que diária ordenha,

Na ausência desse amor, partilha de vigor,

num ato que nos venha.

 

E ocorre o esvaimento, em lento descaimento

da emoção mais pura,

Cada um no seu trabalho, na força do ato falho,

qualquer descaso cego

E a cornucópia de ouro se perde no desdouro,

estilhas de loucura!

 

MAHENDRA III – 9 JUN 2024

Por onde andará o amor no pálido estridor

da vida em separado?

Por onde andará o amor na vida sem pudor

do sexo apressado?

O que fará Cupido, ao ver-se desmentido,

assim diariamente?

O que fará Cupido, ceguinho desvalido,

no fervor concupiscente?

 

Por onde andará o amor, se a rega do escritor

foi toda desmentida?

Por onde andará o amor, se o seu maior valor

é apenas descumprido?

Quem nos dirá então que exista coração

no sexo hormonal?

Quem nos dirá então se existe assim paixão

no sexo comunal?

 

E quando assim nos vemos, condenar sequer podemos,

só ter perplexidade,

Nas práticas tribais das seitas canibais

de total carnalidade,

Os piercings e as tatuagens a demarcar visagens

em cada corpo e face,

Tal qual se a tecnologia a nós humilharia

em falsa humanidade.

 

Um tipo de terror, a queda desse andor

por práticas perdidas,

Nas noites temporais retrograções fatais

das carnes esquecidas?

 

MAHENDRA IV – 10 JUN 2024

Por onde o romantismo perdido nesse abismo

da desintegração?

Por onde o romantismo, não mais que o saudosismo

de minha obstinação?

Renovada a violência, tomada de impaciência,

sempre a me acompanhar,

Renovada virulência, ao ritmo da ciência

pretendemdo ultrapassar?

 

Por onde a esperança, que o antigo ideal alcança

de haver paternidade,

Por onde a esperança, que causa essa pujança

de Beethoven em surdidade?

Foi apenas letra morta o ideal que assim comporta

de Schiller a patena,

Foi apenas letra morta que à geração conforta

de Napoleão a pena?

 

Por todos os amores, teremos ditadores,

teremos genocídios,

Por todos os amores, até os reais horrores

de morte e fratricídios,

Por todos os ideais de poetas imortais,

nada irá nos resultar?

 

Assim como o lemingue que o suicidio extingue

na falta de homicídio,

Vitoriosos fanatismos em troca de humanismos

nas lutas redivivas,

Que mais posso fazer, ritornello a conhecer,

que ao início retornar?

 

MAHENDRA V – 11 JUN 2024

Por onde andará ela?  A luz de sua janela

para outro se abrirá?

Por onde andará ela?  A face que encastela

sorriso mostrará

A outro além de mim?  Que meu sonhar, enfim,

não é mais que fantasia...

A outro além de mim... Que seu amor, assim,

final entregaria?

 

Com quem andará ela?  Quem hoje pode vê-la

na saga do desejo?

Com quem andará ela?  Quem hoje pode tê-la,

no mosto de seu beijo?

A quem sopra esse vento?  Em trânsito o portento

a quem hoje a destina?

A quem sopra esse vento?  Anseio um contratempo

que a meu rival malsina!

 

Será que me recorda?  Suspira quando acorda

e vira para o meu lado?

Será que me esqueceu? E o beijo que foi meu

no ar se evaporou?

Com quem ela conversa? Com quem memória tersa

hoje vai compartilhar?

 

Só lembro em minha vergonha a memória que reponha

meu peito descuidado,

Que embora não a esqueça e hoje ainda padeça

a outrem dá o sexor?

Ao ver tão transitória a fidelidade inglória

na insensatez do amor.


MYLENE DÉMONGEOT

 

terça-feira, 30 de julho de 2024


 

DEVASHAN I – 3 JUN 024

(MIA FARROW)

Onde me encontro eu?   Em que estrelas me escondo,

nas asas de Perseu?

Onde me encontro eu? Onde me vejo pondo

os pés, sem pouso ter?

Nos tempos do passado, na cinza ou no dourado

arbóreo dos cabelos?

Nos tempos do passados, expondo olhar cansado

na coma dos desvelos?

Mas onde piso agora?  Na fímbria de um embora

que não terá retorno?

Mas onde piso agora? Qual haste que me escora

na ausência de um suborno?

 

Quem me dava seus beijos, na flama dos desejos

com que me confortava?

Quem me dava seus beijos, nos lépidos adejos

e assim me refrescava?

Pesando sobre a terra o mar ainda se abre

no lodo da memória,

Perdido na lembrança que nada mais alcança,

senão o devaneio,

Não mais nuvem rosada margeando a longa estrada

de um morto coração,

Pisando nos calhaus, sem alcançar os vaus

da bênção transitória,

Pisando nos espinhos, vereda dos caminhos,

pranteando sem receio,

Esquanto mais se esgarça na sombra que se afasta

a última canção!....

 

DEVASHAN II – 4 JUN 024

Onde me encontro eu?   E quando me escondeu

o gelo de meu passo?

Onde me encontro eu?  Qual fado que me deu

a teia de um abraço?

E quando se rompeu a flama que acendeu

meu manso turbilhão?

E quando me varreu o vento que escondeu

o forte vergalhão?

 

Serão só indagações que em nada se dispoem

a me satisfazer?

Não acharei resposta, por mais que costa a costa

eu venha a percorrer.

Olhando para adiante, só vejo um viandante

igual que a mim perplexo,

Na estrada sem contorno, o sangue apenas morno

no afã de percorrer

As cadências peregrinas que recobrem tantas sinas

no mais arcano nexo,

Enquanto giro em torno, na saga desse corno

do último dever.

 

DEVASHAN III – 4 JUN 024

Se juntos ainda andássemos, se ambos alcançássemos

a trégua do destino,

Se juntos aind marchássemos, se ambos dominássemos

o trote em desatino

Do tempo embriagado em passo obstinado

de volta para o antanho,

Do tempo marchetado do amor abandonado

em seu primeiro lanho.

 

Se juntos ainda marchássemos, se em sonhos adejássemos

a paisagem puerperina,

Se juntos ainda apressássemos, as faces ainda alçássemos

em confiança placentina,

Se juntos nosso olhar pudesse confortar

as dores que sentíssemos

E assim sem fraquejar a senda a perlustrar

das lágrimas que víssemos.

 

Talvez braços furtando, um a outra culpando

no páramo deserto,

Talvez nos escutando, uma o outro perdoando

na grade da sentença,

Melhor do que isolados, que a mastigar pecados

que ninguém mais queira...

A dor compartilhando, correntes arrastando

de coração aberto,

A carne assim pingando, o solo avermelhando

em lamaceira densa,

O sangue adormecido em tal lugar comprido

que qual rubi se alheia...

 

DEVASHAN IV – 5 JUN 024

E o que seria melhor? Um solitário albor,

ninguém a nosso lado?

E o que seria melhor? Um torturado amor,

em passo atribulado?

Um a julgar por si o ardor do frenesi

do passo descarnado

Ou a julgar a ti, que me julgas ali

e tens a mim culpado...?

O que nos afastou?  Qual força nos dobrou

à força de uma cunha?

O que nos rejuntou?  Qual torno que apertou,

que a lepra nos propunha?

Que tipo de cansaço gastou de nosso abraço

a luz da excitação?

Que tipo de cansaço fechou qualquer espaço

dentro em teu coração?

 

E fomos tanto nós!  Gastados pelas mós

em lento esmerilhar,

Pendeste para a esquerda, total a minha perda,

lançando-me à direita!

Sem encontrar-nos dentro de um abençoado centro

de júbilo indolente...

 

E fomos tanto nós!  Que adagas cortam nós

perfeitos dos abraços !?

Que houve dessa feita a que não mais se ajeita

a pátina perfeita?

Que arestas preencheste, enquanto se enrosca e desce

meu coração fervente?...

 

DEVASHAN V – 6 JUN 024

Ao longo dessa trama, será que ainda reclama

tua alma pela minha?

Ao longo dessa cama, será que ainda proclama,

gentil, a ladainha?

Das sentenças rosadas, das frases delicadas

que amor fazem crescer,

Das palavras encantadas, ternuras completadas

em cada amanhecer?

 

Enquanto amor durava e a carne se incendiava

de idêntico querer,

Enquanto amor valsava e o corpo se embalava,

repleto de prazer?

 

Quão firme a nossa rede, enquanto amor concede

seu cálido fulgor!

Quão firme a nossa rede, enquanto amor nos pede

um último pendor!

 

Quão vasta a solidão, ao ver morta a emoção,

em lento esvaimento,

Quão vasta a gelidez, se nosso amor se fez

em magro sentimento!

 

E quanto nos separa a sensação que aclara

a falta desse cio!

Quão vasta essa bravura de demonstrar ternura

por honra e puro brio!

 

Quão calmo esse tormento de brando assentimento,

julgamento em vã demora,

de que amor cerzido com fio novo obtido

se esgarça nessa hora?