OS DOIS VIANDANTES
(Folklore alemão
recontado em prosa por Viriato Padilha,
Versão poética de
William Lagos, 17 FEV 13)
OS DOIS VIANDANTES I
Por muito tempo, o Reino da
Baviera
Experimentara grande
prosperidade:
Havia trabalho para todos e
até fartura,
Mas veio a guerra, com sua
calamidade,
As tropas de Napoleão, em sua
loucura,
A matar e a saquear, qual
besta-fera.
Havia uma pequena cidade,
em que morava
Um hábil e orgulhoso
sapateiro,
Que de repente, perdera a
freguesia,
Porque o povo fugira, bem
ligeiro,
E não sabia mais o que
fazia,
Já que trabalho não mais
se encontrava.
Havia treinado um jovem
aprendiz,
Que em pouco tempo ao
mestre superara,
Embora trabalhasse à luz
de vela
E suas vistas assim muito
estragara,
Porque era o mestre que
sentava-se à janela
E ainda explorava ao
máximo o infeliz.
Se havia encomenda de maior
urgência,
Ele o fazia trabalhar a noite
a dentro,
Sem ter sequer o calor de um
fogareiro,
Dormia sob a escada, lá no
centro
Dos couros velhos, uma sela o
travesseiro,
Comendo os restos do patrão
em sua indigência.
OS DOIS VIANDANTES II
E o velho, até mesmo sem
motivo,
Diariamente lhe dava alguns
varaços,
Para que nunca esquecesse o
seu lugar;
Foram-se aos poucos lhe
amargurando os traços,
Mas como precisasse
trabalhar,
Sob seu mestre permanecia
cativo...
E quando a obra começou a
escassear,
O mestre resolveu
mandá-lo embora:
Deu-lhe queijo, carne
seca e meio pão,
Mais cinco groschen pelos anos de penhora,
Afirmando que, por ter
bom coração,
As ferramentas lhe
permitiria levar...
Mas amolgadas estavam as
ferramentas
E sua mochila velha e
desgastada,
Até as botinas cheias de
buracos.
O pobre Adolf perdeu-se
pela estrada,
Mas nessa noite voltou e
encheu dois sacos
Com pedaços de couro,
linha e tentas.
Porém logo acordou-se o sapateiro
E lhe tomou o quanto lhe
roubara,
Deu-lhe uma sova para o
castigar...
Só então Adolf, de fato, se
afastara
Jurando que um dia se haveria
de vingar
Do seu patrão e até do mundo
inteiro!...
OS DOIS VIANDANTES III
Ora, outro moço em alfaiate
se tornara,
Chamado Ludwig e, após o
aprendizado,
Tão logo dominara totalmente
a profissão,
Viu-se também pelo mestre
despachado,
Encontrando-se em idêntica
situação
Que o sapateiro – só que não
roubara.
Na verdade, ele andava
bem vestido,
Porque suas próprias roupas
costurara
E carregava uma mochila
leve,
Cheia de linhas e agulhas
que levara
Mais alimentos para
viagem breve,
Porque esperava ser bem
sucedido.
Era de gênio alegre e
folgazão,
Sabia terem abandonado
sua cidade
E que seu mestre não
tinha mais trabalho;
Só recebera dois groschen, na verdade,
Mas sua mochila tinha
melhor talho
E ganhara um bom farnel
de seu patrão.
Desse modo, ao meter o pé na
estrada,
Até se achava num excelente
humor,
Pois boa fortuna encontraria
em Berlim.
Que os francos o Kaiser combatia
com ardor
E acreditava lá encontrar
assim
Ocupação bastante bem
remunerada.
OS DOIS VIANDANTES IV
Ludwig pela estrada ia
assobiando,
Seu fardo leve e cheio de
esperança,
Bem ao contrário do Adolf
ressentido;
Até depois de percorrer uma
boa andança
Em paz com o mundo, mesmo
tendo sido
Jogado ao léu, em sua sorte
acreditando.
E aconteceu que em uma
encruzilhada
Se encontraram os dois,
um assoviando
E o outro resmungando
contra a vida.
Os dois se olharam, meio
se avaliando,
Se poderiam levar-se de
vencida,
Caso o outro intentasse
tratantada...
Mas então se saudaram,
com cuidado
E mesmo Adolf estando
maltrapilho
E lhe mostrando feia
catadura,
Ao perceber que seguiam
igual trilho
Ludwig o recebeu com alma
pura
E decidiram correr mundo
lado a lado...
Logo a seguir, encontraram
uma ponte
E desceram até a beira do
ribeiro
Para beber; e seus cantis
encheram.
Ludwig resolveu comer
primeiro
E um ao outro as provisões
ofereceram
E se banharam depois, na água
da fonte.
OS DOIS VIANDANTES V
Ludwig contou sua história
facilmente,
Adolf se mostrou mais
reservado,
Mas logo se tornaram bons
amigos...
O alfaiate, porém, fora
invejado
Pelo outro, mas os olhares
inimigos
O sapateiro disfarçou, bem
habilmente...
Porém Ludwig, ao saber
sua profissão,
Começou a troçar, de bom
humor,
“Mas meu amigo, seu calçado está rasgado!
Sua mochila esburacada,
que é um horror!
Como espera poder ser
empregado
Até mesmo por sapateiro
remendão...?”
Não falava por mal, era
sincero
E demonstrava real
preocupação,
Porém Adolf a tomou por
zombaria
E de raiva ele se encheu,
sem ter razão.
Só não o atacou porque
era fraco e cria
Que numa briga seria o
outro mais fero.
E depois, havia perigo em
andar sozinho,
Devido aos bandos de soldados
desertores,
Gente fugida de casa e até
esfomeada...
Dois jovens juntos causariam
mais temores,
Caso encontrassem inimigos
pela estrada;
E vingança é coisa a planejar
devagarinho...
OS DOIS VIANDANTES VI
Logo a seguir, entraram numa
aldeia
E encontraram uma estalagem
frequentada,
Que a guerra não passara por
ali;
Havia roupa para ser
remendada
E Ludwig logo deu conta de
si,
Mas para Adolf fizeram cara
feia...
“Você não me parece um sapateiro!...”
E era inútil que
mostrasse a ferramenta,
Achavam mesmo que a tinha
roubado
E quando seu trabalho
mostrar tenta,
Não tinha couro que
pudesse ser usado...
Mas Ludwig o defendeu,
ligeiro...
Chegou o burgomestre e
disse, então:
“Vejo bem que você é
profissional,
Mas seu amigo está mais
para mendigo,
Talvez acabe por
fazer-lhe mal...
Deixe que vá e você fica
comigo.”
“Perdoe, senhor, porém
não tem razão.”
“Não se abandona assim
qualquer amigo...”
“Você é que sabe. Podem pernoitar,
Mas de fato, não precisamos
de alfaiate.
Assim que seu trabalho
terminar,
Tomem a estrada para alguém
que os dois acate.
Só não esqueça de que o
alertei para o perigo!”
OS DOIS VIANDANTES VII
No outro dia, o alfaiate
completou
Muitos consertos que lhe
haviam trazido,
Porém Adolf nada conseguiu...
E após terem um bom almoço
consumido,
De novo o par pela estrada
partiu
E Adolf o tempo todo se
queixou...
Foi sendo assim, ao longo
do caminho;
Onde chegavam, o
alfaiate, bem depressa
Achava algum serviço; e o
sapateiro
Era corrido com ainda
maior pressa.
Sempre Ludwig ajudava o
companheiro,
Mas sua bondade o feria
como espinho...
E assim se deu, durante
muitos dias.
Ludwig poderia ficar em
qualquer parte,
Porém Adolf só despertava
desconfiança
E o enxotavam, no maior
descarte,
Mas o amigo animava-lhe a
esperança,
E repartia com ele as
mercancias...
Chegou até a lhe dar novos
sapatos,
Que Adolf só aceitou de má
vontade,
Mas precisava deles para a
estrada
E o alfaiate até lhe deu
oportunidade
De ajudá-lo em encomendas,
porém nada
O contentava, quaisquer
fossem os fatos.
OS DOIS VIANDANTES VIII
Mesmo que os pontos que dá um
sapateiro
São mais grosseiros que os
que se dá num pano
E pior, Adolf não enxergava
bem...
E ele se enchia de um rancor
insano
Da boa visão que esse
alfaiate tem
E cada vez odiava mais seu
companheiro...
O bom Ludwig nada
percebia
E como sempre ganhava bom
dinheiro,
Viviam bem e comiam do
melhor.
Mas ninguém dava serviço
ao sapateiro,
Senão trabalho grosseiro
e bem pior
Do que o orgulhoso Adolf
aceitaria...
E assim chegaram à
Floresta Negra...
Duas estradas conduziam a
Berlim;
Um dos caminhos durava
uma semana,
Mas o outro era bem curto
até o fim.
Sem que encontrassem
alimento ou cama,
Levava só dois dias, via
de regra...
Ludwig, que sempre era
otimista
E não gostava de peso
carregar,
Decidiu levar pão para dois
dias;
Porém Adolf, sua mochila a
transportar,
Comprou pão para mais longas
vias,
Mais de semana lhe duraria a
pista.
OS DOIS VIANDANTES IX
Foi tudo bem, no começo da
viagem,
Mas o caminho escolhido fora
o errado...
E Ludwig logo ficou sem
provisão.
E então Adolf fez-se de
rogado:
“Eu lhe falei para comprar
mais pão:
Agora, enfrente a fome com
coragem!”
E por mais que Ludwig lhe
pedisse,
Depois de tê-lo ajudado e
repartido
Por tantas vezes, não se
comoveu.
Só seu rancor ele não
havia esquecido;
A fome do outro só prazer
lhe deu:
“Por que não fez do jeito
que eu lhe disse?”
No quarto dia, ouviram
cavalhada
E se ocultaram no meio
dos pinheiros...
Era uma tropa de francos,
bem armados,
Traziam consigo um par de
prisioneiros,
Por curtas cordas os dois
eram puxados,
Correndo e tropeçando
pela estrada...
“Por que não pede comida aos granadeiros?”
Cochichou Adolf, enquanto
eles passavam.
Mas Ludwig só mirou-o, com
tristeza...
No quinto dia, já as forças
lhe falhavam
E suplicou-lhe, com muita
gentileza:
“Pois não eram, afinal, dois
companheiros?”
OS DOIS VIANDANTES X
“Está bem”, disse então o sapateiro.
“Dar-lhe-ei meu pão, para que
não mais insista,
Mas não espere que vá lhe dar
de graça...
Vai me deixar que lhe fure
uma vista!...
O seu dinheiro, na floresta e
na desgraça
Não me serve de nada,
companheiro!...”
Escolhendo entre a morte
e a cegueira,
Ludwig acabou por
concordar...
Se eu morrer, não posso ver mais nada!
E deixou seu olho
esquerdo perfurar,
Com uma sovela de ponta
aguçada,
Que Adolf tirou de dentro
da algibeira...
Mesmo chorando, ele matou
a fome
E conseguiu mais um dia
caminhar,
O sapateiro saboreando
sua vingança.
Porém, no sétimo, nem
podia mais andar.
“Essa sua insistência já
me cansa!
Furo o outro olho e
depois você come!”
“Como pode ser cruel dessa
maneira?
Quantas vezes, no passado, eu
o ajudei?”
“Pois muito bem! O meu pão eu vou guardar!”
“Se não comer mais nada,
morrerei...”
E o alfaiate deixou-se
perfurar,
Em troca apenas de refeição
ligeira...
OS DOIS VIANDANTES XI
“Mas e agora, como eu
seguirei...?”
“Ora, é apenas seguir estrada
adiante...
Quebre um galho, que lhe
serve de bengala...”
Mas o alfaiate caía a todo o
instante...
“Fiquei sem pão e você nunca
se cala!
Pois aqui mesmo eu hoje o
deixarei!...”
E ao ver Ludwig se
arrastando pelo chão,
Já Adolf arquitetou outra
maldade...
“Você não mais precisa do
seu traje...
Ainda tenho um naco de
pão, é bem verdade...
Podia matá-lo, mas assim
não se age:
Dê-me sua roupa, dou-lhe
o resto do meu pão!”
E mesmo assim, numa
espécie de capricho,
Ajudou Ludwig a vestir os
seus farrapos,
Vestiu a roupa boa e deu-lhe
o pão...
Seguiu a estrada,
abandonando os trapos,
Pegou o dinheiro, sem ter
compaixão:
“Guarde as agulhas, não
preciso desse lixo!”
E o cego Ludwig, esfarrapado,
Comeu o pão embolorado e duro
E se encolheu na beira do
caminho...
Mas porque tinha o coração
ainda puro,
Seguiu em frente, apoiado num
galhinho,
Até cair outra vez,
desamparado...
OS DOIS VIANDANTES XII
Como era cego, ele nem
percebera
Que aos pés de um patíbulo
tombara,
Em que se achavam os dois
prisioneiros
Que a maldade dos francos enforcara,
Sem que tivessem sido
guerrilheiros,
Mas camponeses que a má sorte
recolhera...
E enquanto ele dormia,
ouviu falar
Ou então ele sonhou ter
escutado
Os infelizes que na força
balançavam;
E assim falava então um
enforcado,
Que na sua inocência os
condenavam,
Para o outro que se
achava a lastimar...
Meu irmão, nós morremos inocentes
E logo vêm os anjos nos buscar.
As suas lágrimas já caem, qual sereno
E se nelas algum cego seus olhos banhar,
Logo recobra de novo o olhar pleno
E da floresta sairá sem incidentes...
Ludwig não sabia se sonhava,
Mas escutou um farfalhar de
asas
E os enforcados depressa
agradecendo.
Foram as vozes então ficando
rasas
E o silêncio se foi
estabelecendo:
Logo notou que sozinho se
encontrava...
OS DOIS VIANDANTES XIII
Abriu os olhos para a sua
escuridão,
Pôs-se de joelhos e estendeu
os braços,
Encontrou as pernas de um dos
enforcados,
Suas mãos umedecidas em tais
abraços;
Passou o orvalho nos olhos
perfurados
E a luz lhe retornou como um
clarão!
Logo se ergueu e viu os
infelizes,
Sua mochila atirada pelo
chão,
Usando os trapos de seu
mau parceiro...
A um enforcado então
pediu perdão
E suas roupas retirou-lhe
por inteiro,
Vestindo-se então, sem
mais deslizes...
Fez uma prece pelos
pobres condenados
E saiu depressa de tal
lugar aziago;
Mas a fome já o voltara a
torturar:
Foi cambaleando até
chegar a um lago
E viu um bando de
patinhos a nadar;
Deu um salto e pegou dois
dos coitados!
Mas a Mãe Pata depressa
suplicou:
“Por favor, não me mate meus
filhinhos!
Tenha piedade e não se
arrependerá!...
Esta água o sustentará em
seus caminhos
E logo adiante uma colmeia
encontrará...”
Cheio de pena, Ludwig os dois
soltou...
OS DOIS VIANDANTES XIV
E dito e feito, logo achou
uma colmeia
E se apressou a lhe colher o
mel...
A Abelha-Mestra, contudo, lhe
falou:
“Tenha pena de nós, há um
corcel
Pastando logo adiante, alguém
o deixou:
Monte nele e assim complete
sua odisseia!...”
“Pois se mostrar que tem
por nós piedade
É muito certo que não se
arrependerá:
Somos pequenas, mas temos
boa memória!”
Depois dos enforcados,
quem dirá
Que Ludwig se
surpreendesse com essa história
De patas e abelhas com
tal loquacidade!...
Logo em seguida,
encontrou mesmo um cavalinho,
Com uma corrida, nas suas
costas já montou!
Mas o animal logo se pôs
a lastimar:
“Desmonte, por favor”, lhe suplicou.
“Sou muito novo e assim
vai me aleijar...
Há uma cegonha mais
adiante no caminho!...”
“Eu lhe juro que não vai se
arrepender,
Se neste dia me mostrar
piedade:
Cedo ou mais tarde eu o
recompensarei...”
E Ludwig, ainda cheio de
bondade,
Desmontou logo, sem estranhar
a grei
Que continuava na floresta a
conhecer...
OS DOIS VIANDANTES XV
E em breve encontrou a tal
cegonha
E a pegou pelo pescoço, sem
afago:
“Perdoe, amiga, mas tenho que
comer!”
“Meu rapaz, sabe que sou
animal sagrado,
Minha carne é dura e não lhe
irá valer,
Mas lhe darei um dom com que
nem sonha!”
“Vou levá-lo nas costas à
cidade,
Que fica agora bem perto
daqui
E lá achará comida
facilmente...
A bondade de sua alma
percebi,
Seja piedoso e ficará
contente,
Minha ajuda será de
grande validade!”
Pois Ludwig foi levado
pelos ares
E deixado bem junto a
hospedaria,
Pediu comida em troca de
serviço.
E ao verem que a cegonha
é que o trazia,
Cujo respeito na Alemanha
é bem castiço,
Foi tratado em cortesias
singulares...
Ali depressa as forças
recobrou
E pagou com trabalho sua
estadia.
Ganhou bastante depois e foi
embora,
Pois no bolso boa soma ele
trazia.
Na diligência, que era o
transporte dessa hora,
Uma passagem depressa ele
comprou...
OS DOIS VIANDANTES XVI
Bem ligeiro chegou Ludwig até
Berlim,
E arranjou emprego numa
alfaiataria;
Pouco depois, montou o seu
negócio,
Conseguindo muito grande
freguesia,
Que não lhe dava um só
momento de ócio:
Logo a nobreza o procurava
assim...
Foi então levado até o
Imperador,
Que lhe encomendou trajo
de gala
E com o trabalho ficou
muito satisfeito,
Determinando que fizesse
a mala,
Pois no palácio seria
então aceito
Como Alfaiate Imperial,
por seu valor!
Mas transcorrera que, uns
meses antes,
Adolf, o sapateiro,
também viera
Até a cidade da corte
imperial
E como então bem vestido
ele estivera
E pudesse comprar couro e
material
Logo obteve clientes bem
pagantes.
Fora por eles recomendado no
castelo
E apresentara na corte o seu
trabalho,
Que, realmente, tinha boa
qualidade:
Nem salto ou gáspea lhe saía
falho,
Lindas botas produzia, em
quantidade
E para as damas seu calçado
era o mais belo...
OS DOIS VIANDANTES XVII
Ao ver Ludwig, ele ficou
pasmado!
Mas como recobrara a sua visão?
Buscou ocultar-se para não
ser reconhecido
Mas estava em bem difícil
situação...
O alfaiate não poderia ter
esquecido
E teve medo de ser
denunciado...
E assim, quando as botas
foi provar,
Encomendadas pelo rei
faceiro,
Foi elogiado... E comentou, depressa
Que só garantia o que um
bom sapateiro
Era capaz de fazer, sem a
promessa
Que outras pessoas se
atreviam a fazer...
E despertada a imperial
curiosidade,
Inventou que o alfaiate
recém nomeado
Dissera ser capaz de
recobrar
A coroa que num lago
havia afundado,
Naquela vez em que o
Imperador fora caçar,
Coisa que achava não
poderia ser verdade...
Porém o Imperador mandou
chamar
Ao alfaiate e indagou a
veracidade...
Ludwig não conseguiu
responder nada,
Sem entender de onde saíra a
novidade.
Mas a seguir, a ordem lhe foi
dada
Que a tal coroa fosse ao lago
procurar...
OS DOIS VIANDANTES XVIII
Montou a cavalo e foi para a
floresta,
Sem ter ideia do que poderia
fazer
E surpreendeu-se ao encontrar
bando de patos
Que sua expressão procuraram
compreender
E quando lhes contou os
tristes fatos
Grasnaram juntos, em verdadeira
festa!
“Nós sabemos onde está
essa coroa!”
E bem depressa no lago
mergulhavam,
A Pata Mãe nas costas a
carregando,
Doze patinhos a seu redor
nadavam,
Para evitar que caísse, a
segurando...
E o alfaiate mil louvores
lhes entoa!...
E foi depressa levar ao
Imperador
Essa coroa que lhe haviam
encontrado!
(O sapateiro ficou para
morrer...)
O Imperador o
recompensou, maravilhado,
Porém louvores nem sequer
disse merecer,
Poder servi-lo era
recompensa de valor!
E o sapateiro logo inventou
uma nova história:
Que o alfaiate de novo se
gabava
De ser capaz de construir em
miniatura
Todo o castelo em que agora
habitava!...
E o Imperador, acreditando
com lisura,
Quis a maquete para aumentar
sua glória!
OS DOIS VIANDANTES XIX
O alfaiate deixou o salão,
desanimado,
Mas logo achou de abelhas um
enxame
E a Abelha Mestra disse ser
coisa bem fácil...
E em menos tempo que se dizer
proclame,
Prepararam miniatura muito
grácil,
Mil pormenores, tal qual fora
desejado!...
Ludwig a colocou em sua
carroça,
Do sol coberta, com o
maior recato,
E a conduziu até o
Imperador,
Que a recebeu, com grande
espalhafato,
Deu-lhe uma casa e cem
presentes de valor,
Causando ao sapateiro
grande mossa...
Logo que teve outra
oportunidade,
O mau Adolf inventou
outra mentira,
Na esperança de não ser
reconhecido,
Dizendo que, na véspera,
ele ouvira
O alfaiate afirmando ter
podido
Abrir o poço de que havia
necessidade.
Há muito tempo, o Imperador
queria fonte
Bem no meio do pátio do
castelo
E acabara por nutrir bem
grande mágoa,
Pois ninguém conseguira
satisfazê-lo,
Por não acharem ali um veio
d’água,
Sem haver chafariz que alguém
lhe apronte.
OS DOIS VIANDANTES XX
E quando ele escutou essa
mentira,
Mandou logo ao alfaiate
convocar
E o incumbiu de construir sua
fonte,
Que o haveria de muito bem
recompensar...
“Mas ouça bem”, disse, “não
me desaponte,
Se no favor imperial
continuar mira!...”
Mais uma vez, Ludwig foi
embora,
Mas deparou com um
formoso garanhão,
Que lhe indagou o que o
perturbava;
Depois que soube qual era
a razão
Que tanto ao pobre
alfaiate preocupava,
Levou-o ao castelo, nessa
mesma hora!
Pôs-se a girar do pátio
ao derredor,
Cheirando o ar, com as
patas escarvando
E enfim parou e ali ficou
a relinchar
E num instante, já estava
água brotando,
Sem que ninguém
precisasse até cavar!...
E ainda causou um espanto
bem maior,
Que as próprias pedras se
foram levantando
E conformando uma fonte bem
perfeita,
De cujo centro brotava um
chafariz!...
O Imperador se agradou tanto,
desta feita,
Que uma escritura lavrar logo
ele quis,
Título de conde a Ludwig
galardoando!
OS DOIS VIANDANTES XXI
E era de praxe que, durante a
honraria,
Todos teriam de Ludwig
cumprimentar
E Adolf não mais poderia se
esconder!...
Mas nova ideia passou logo a
maquinar,
Foi à Rainha, para apoio lhe
obter:
Ludwig afirmara que um filho lhe traria!...
Ora,
a Rainha e o seu Imperador
Tinham
três filhas de grande beleza,
Mas
nunca haviam ganhado um só menino.
Ficava
assim a sucessão nessa incerteza.
A
afirmação era um puro desatino,
Mas
a Rainha se encheu de grande ardor.
E
foi depressa falar com seu marido,
Que
no começo não queria acreditar,
Mas
finalmente conseguiu-o convencer.
Mais
uma vez o Imperador o mandou chamar
E
incumbiu Ludwig desse fatal dever:
Que o cumprisse, senão, seria punido!
E Ludwig
subiu ao alto do castelo,
A chorar
de desespero, realmente!...
Mas numa
chaminé havia um ninho
E lá
estava a cegonha, ainda imponente,
Que o
trouxera durante parte do caminho
E lhe
indagou: “O que é que tens, meu belo?”
OS DOIS VIANDANTES XXII
“Ah, minha amiga, o rei me
pede o impossível!
Como vou conseguir, até
amanhã
Que a Rainha dê à luz
qualquer menino?”
Disse a cegonha: “Tua preocupação é vã,
Pois não sou eu a trazer cada
pequenino?
Vai descansar, que para Deus
tudo é possível...”
E no outro dia, entrou
pela janela,
Trazendo o mais lindo
nenezinho
E o colocou sobre o colo
da Rainha!...
Esta o tratou com o maior
carinho,
Porém não mais que pelas
filhas que já tinha
E se lembrou que a mais
velha era donzela!
E convenceu então ao
Imperador
Que a mão dela ele desse
em casamento
Ao alfaiate, que se
tornara um nobre!
E Adolf, no maior
ressentimento,
Porque era sapateiro do
rei, mas ainda pobre,
Teve as medidas de ir
tirar do Grão-Senhor!
Então se apresentou, cheio de
medo,
Pois Ludwig pensou que fosse
se vingar;
Pôs um capuz, para não ser
reconhecido,
Mas por seu nome o alfaiate o
foi chamar
E lhe disse ter perdoado o
acontecido
E que, portanto, guardaria o
seu segredo...
OS DOIS VIANDANTES XXIII
Porém, após celebrado o
casamento,
Chegou a Mãe Pata, no dorso
do Cavalo
E a Abelha Mestra, montada na
Cegonha
E ao malvado foram logo
denunciá-lo!...
Horrorizado com essa ação
medonha,
O Imperador ordenou seu
enforcamento!
Porém Ludwig pediu-lhe
que o perdoasse
E o Imperador suspendeu a
execução
E em atenção a uma data
tão feliz,
Contentou-se somente com
a expulsão
E nas suas terras nunca
mais o quis,
Para que o reino não mais
contaminasse!...
E Adolf, na maior
indignidade,
Saiu correndo da cidade,
perseguido
Por frutas podres pela
população,
Mas nem sequer um pouco
arrependido,
Pois se julgava condenado
sem razão
E mais vingança buscaria
na verdade!...
E aconteceu que, em certa
madrugada,
Sem ver bem em que ponto se
encontrava,
Foi ao pé daquela forca se
deitar...
Sobre um crânio um corvo
então pousava
E bem depressa os seus olhos
foi picar:
Ficou sua noite para sempre
inacabada!...
EPÍLOGO
Que sempre o bem encontra
recompensa,
Mas cedo ou tarde
castigam-se os malvados.
De Adolf nunca mais se
ouviu falar,
Perdeu-se pelas matas e
escarpados,
Embora digam escutar um
praguejar
Alguns que passam por tal
floresta densa...
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