ESCANINHOS I (18 SET 13)
MINHA POESIA É COMO UM ICEBERG,
DO QUAL A MAIOR PARTE NÃO SE VÊ,
MUITO MAIS AMPLA QUE O CONSCIENTE CRÊ,
BEM MAIS VAZIA QUE QUANTO ALI SE ENTREGUE.
SE NA APARENTE REDAÇÃO QUE SE ERGUE
E QUE, À PRIMEIRA VISTA, ENTÃO SE LÊ,
SEM QUALQUER CONVICÇÃO QUE ALI SE DÊ,
É QUE ALGUM CÍLIO MANHOSO ENTÃO SE VERGUE.
NÃO É O QUE SE ENCONTRA NO PAPEL,
MAS ANTES O VALOR DAS ENTRELINHAS,
CAMADA A RECOBRIR CAMADAS SETE,
EM NOVA SUGESTÃO CADA CORDEL,
ATÉ QUE IDEIAS BROTEM, TORVELINHAS,
COMO PUNHADOS SOLTOS DE CONFETE.
ESCANINHOS II
NENHUM POEMA REALMENTE É BELO
CASO POSSUA TÃO SÓ VALOR FACIAL,
TÃO SOMENTE EM SEU TEOR SUPERFICIAL,
TÃO PERECÍVEL QUAL BLOCO DE GELO.
SÓ PODERÁ DE ICEBERG SER CASTELO
QUANDO A FALÉSIA SE ERGUE NATURAL,
BRANCA-AZULADO EM ARDOR MONUMENTAL,
FLUTUANDO FINA EM MANIFESTO ZELO.
UM POEMA COM UM SÓ SIGNIFICADO
É COMO OS CUBOS DE UM REFRIGERADOR,
NO ÁLCOOL DE ALGUM COPO COLOCADOS,
A DERRETER-SE EM TREMOR ATRIBULADO,
A SER BEBIDO DE UM SÓ TRAGO, EM DESTEMOR,
DENTRO DO CÁLICE AFINAL ABANDONADOS.
ESCANINHOS Iii
PORÉM QUEM LÊ UM POEMA VERDADEIRO
SENTE O IMPULSO DE VOLTAR A LÊ-LO
E DESCOBRE MANSAMENTE OUTRO DESVELO
OU SIGNIFICADO BEM DIVERSO DO PRIMEIRO.
CASO LEIA OUTRA VEZ, MESMO LIGEIRO,
SALTAR-LHE-Á AOS OLHOS NOVO SELO,
UM SENDA PARA A ALMA DE QUEM FÊ-LO,
UM SINETE PARA O ESPANTO DERRADEIRO.
ASSIM ESCREVO EU. AO MENOS sete
LEITURAS NOVAS EM PELE TRANSPARENTE,
PARA QUEM SE DISPUSER A PROCURAR,
TALVEZ CORTANDO A FIO DE CANIVETE
ESSA CAMADA APENAS APARENTE
A QUEM NÃO SOUBE A FUNDO EXAMINAR.
FACETAS XX -- A
ASSASSINA I (14 JUL 06)
Bondosa é a mulher que
aborta os filhos
para evitar que passem
mais trabalhos
neste mundo cruel, em
cujos trilhos
tanta maldade existe;
novos galhos
podando à árvore da
imensa humanidade?
mas a
cada uma criança não nascida,
mal se pode prever
nobilidade,
vileza ou esperteza,
se triste ou pobre vida
teria neste mundo, que
nem chegou a ver.
Fez bem? Fez
mal? É de opinião sincera,
ou aborta por não ter
impulso maternal?
Para cuidar de si,
apenas para ter
mais joias, mais
vestidos? Ou, realmente, espera
evitar-lhe o
sofrimento e a morte natural?
A ASSASSINA II – 19
set 13
Hoje em dia é tão
fácil evitar
dessas crianças
qualquer concepção;
por que deixar assim
gerar-se, então,
essa mérula destinada
a se abortar?
Um tal direito à mãe
não vou negar;
de seu corpo ela tem
plena possessão
e pode decidir se
quer, ou não,
seu dever mais sagrado
completar.
O tempo já se foi que
a religião
impunha seus padrões à
sociedade:
quanta gente sofreu
por força deles!
Párias e abortos
sempre houve de antemão,
muitas vezes
espontâneos, na verdade,
nesses pequenos
caixões que triste veles.
A ASSASSINA III
Hoje em dia, alegar-se
ignorância,
na maioria das vezes,
é falácia;
nos transmite a tevê
com plena audácia
o que fazer do namoro
em cada instância.
Na verdade, mal e mal
deixada a infância,
dispõem os jovens de
plena informação;
nas escolas se ensina,
de antemão,
como evitar doença e
pregnância.
Não é desculpa dizer
que não se sabe
como evitar nenês ou
concebê-los;
de graça se obtêm
anticoncepcionais.
Os julgamentos, porém,
não menoscabe
quem não possui o
direito de fazê-los,
ao impor convenções
para os demais.
A ASSASSINA IV
Porém mesmo admitindo
a incapacidade
de um adolescente
nutrir prole,
onde encontrar palavra
que condole
a mulher de carreira
ou sociedade
cujos filhos seriam
fardos à vaidade,
para o trabalho pouco
existe que console,
mas se desculpa com
qualquer conversa mole
pelo possível
sofrimento ante a maldade.
Na realidade, quem
mais pode, menos quer,
sem querer assumir o
compromisso
do filho tido em
descuido e indesejado,
apenas concebido ou
que sequer
perceba ter gerado
enquanto isso,
em um momento sem
maior significado.
A ASSASSINA V
E que dizer de um
estupro inesperado,
uma criatura já ao
nascer sem pai
ou se o infante para a
vida sai
trazendo a morte,
sempre condenado,
já desde o ventre o
menino rejeitado,
uma doença genética
lhe cai,
teratogênica, talvez,
ou que lhe vai
transmitir AIDS em
futuro atribulado?
Sem qualquer dúvida,
cada caso é um caso.
Dever-se-á condenar ao
sofrimento,
muito mais que o
pecado original,
essa criança, por puro
descaso
ou se impedir um
infausto nascimento,
a contrariar os
ditames da moral?
A ASSASSINA VI
E de que serve
preservar anencefalia,
em peso e fardo para a
humanidade,
nesse pequeno cadáver
que, em verdade,
humana alma jamais
abrigaria?
Não me cabe refutar
essa homilia,
mas há teólogos da
maior capacidade
que a rebatem, com
total sinceridade.
Por que guardar a quem
não viveria?
E caso venha a nascer,
por que manter
em incubadeira a pobre
larva torta,
quando crianças com
saúde salvariam?
Quantos casais então
há a reconhecer
que filhos buscam em
provetas e retorta
e que esses filhos do
aborto adotariam?
CONFLUÊNCIA I – 20 set 13
O que acontece quando dois caminhos,
vindos de longe, terminam por se achar?
A encruzilhada pode terminar
sob um dossel, entre lençóis e linhos;
ou talvez, de mistura a muitos vinhos
os dois caminhos possam acabar,
num ataúde os dois a sepultar,
a terra fofa alisada com ancinhos.
Ou quem sabe, se forma longa estrada,
como afluentes de rios, que misturados
conduzem sem disputa até o mar...
O mais comum, porém, é dar em nada,
que as vias só se cruzem e afastados
sejam os passos, sem jamais voltar...
CONFLUÊNCIA II
Já muita vez recruzei outros caminhos,
em breve convescote, à sombra amiga;
nenhum dos dois aceitava ter auriga
e dessa forma, recusei esses caminhos.
Já muita vez encontrei alguns carinhos,
trocados sobre a relva, em forma antigo,
sem que nada permanente se consiga
e tantas vezes pus de lado esses carinhos.
Segui em frente, a golpes de facão,
abrindo nova senda para mim.
Quanto à outra, limitou-se a seduzir
de novo viageiro o seu bordão,
talvez tomando caminho igual assim
ou outra senda forçando-se a seguir.
CONFLUÊNCIA III
A minha própria conduzia além,
sem que enxergasse nada mais que o pastiçal,
o meu machete a serrilhar-lhe o mal
para um porvir que inesperado vem;
segui em frente, desbravando o bem:
quiçá outro caminho mais sensual
se desnudasse além do capinzal,
aberta trilha por campos de azevém.
Custou-me abrir a estrada sacrifício,
sempre empreendendo minha via solitária,
a ferramenta a desgastar-se aos poucos,
empós o arco-íris de oculto benefício,
sempre na espera de uma estrada vária
que palmilhar, permeio a sonhos loucos.
CONFLUÊNCIA IV
Algumas vezes, lancei olhos para trás,
ao enxugar o meu suor do rosto
e descobri, quiçá para desgosto,
que me seguiam os passos muitos mais.
Aberta a senda, seus esforços naturais
somente a expandiram a seu gosto,
casas ergueram, plantaram trigo e mosto,
enquanto eu me perdia no ademais.
Busquei ser pioneiro e sucedi,
mas não achei qualquer mina de ouro
e até os caminhos, para meu desdouro,
que empós mim deixei, aos poucos vi
frutificarem até a fímbria do horizonte,
só me restando ir em busca de outra fonte.
CONFLUÊNCIA V
Aquilo que eu buscava eram caminhos
e não as águas que o eterno mar completam.
As leis da gravidade não me afetam,
as mãos calosas não mais temem espinhos.
Os meus trigais dos montes são vizinhos,
irrigação sangue e suor injetam,
hastes de palha mãos e pés espetam,
meus seguidores são insetos pequeninhos.
E enquanto me sobrou força e energia
eu prossegui avante e sem descanso;
deixando aos outros o destino manso;
eu saberia conquistar o que queria,
sempre galgando para a frente, assim,
até as nuvens ver em torno a mim.
CONFLUÊNCIA VI
Mas chegou o dia, porque tudo passa,
em que a âncora queria ao chão lançar...
Mas não há terra ou pedra no lugar,
dentre a plumagem de algodão que me perpassa.
Voltar não posso, para minha desgraça,
todas minhas sendas souberam ocupar;
caminhos que deixei buscam gozar,
nada me sobra sobre a branca massa.
Ergo-me assim, no alto da montanha,
meio guru vestido de açafrão,
meio profeta de costela descarnada
e caso alguém, enfim, complete a sanha
de me encontrar no derradeiro chão,
só pedirá, sem me trazer mais nada.
FRAGA I – 21 SET 13
Essa prisão do corpo que me encerra
eu gostaria de poder quebrar,
lançar minhas próprias cinzas pelo ar
e percorrer ao vento toda a Terra.
Somente assim terminaria a guerra
que entre cérebro e ventre a se travar
curta minha senda para o etéreo lar,
além de mim e além de toda a serra.
Já muitas vezes cogitei findar
este ergástulo de carne que me prende,
mas não por desespero que me atenta;
é mais por impaciência, por levar,
aonde quer que a própria mente ofende
esta corrente que minhalma enfrenta.
FRAGA II
Plantado assim, no alto da montanha,
meu corpo erguido até o lugar mais
alto,
altar fiz para mim no meu ressalto,
incenso e mirra para a própria manha.
Um sacrifício de sangue só se assanha
quando minha carne corta nesse
assalto;
das águias e falcões ouço o contralto,
nenhuma voz mais fina se arreganha.
Para mim mesmo repito a litania,
sacerdote sem deus da idolatria:
oro somente à mente que carrego
e nessa penitência, noite e dia,
não me cravo na cruz por qualquer
prego,
nem às asas do abismo o corpo entrego.
FRAGA III
E não existe no alto a confluência,
salvo do coro das aves de rapina;
a Elias corvos nutriram, como ensina
a Escritura Sagrada, em pertinência.
Mas para mim não existe tal paciência:
as nuvens como, qual em branca sina,
e bebo a rocha que a Moisés fascina;
esta é minha obra e a minha
penitência.
Portanto, caso venham viandantes,
buscando paz ou quiçá sabedoria,
nada terei nas mãos para lhes dar;
seus caminhos abri noutros instantes:
que os palmilhem à luz do próprio dia,
sob a ironia de meu próprio olhar!
A CRIPTA MOFADA I (2008)
Campo santo de beijos é meu peito,
espasmos de desejo contrafeito
provocaram enfartos, em perfeito
fator assassinante dos meus versos.
Que permaneçam em tal periclitante
pilha sem rumo; ou só por um instante
sejam lidos talvez, num murmurante
sussurrar de outros lábios tão dispersos.
Por tua memória de curta duração,
anamnese isenta de sintomas,
manifestada nessa estranha calma,
que me leva a escrever em galardão
essas mil discrepâncias que me tomas:
cacos de vidro entretecidos nalma!...
A CRIPTA MOFADA II (22
SET 13)
Dentro de ti as memórias se conservam
em cilindros de vidro ou em bujões,
frutos guardados no fundo dos porões,
talvez futura refeição te sirvam.
Quaisquer lembranças é preciso que se fervam
na linfa rubra de quentes corações,
deixando nelas esfriar as orações,
sem essas preces os alimentos turvam.
Muita vez, não ferveste tuas memórias
e nem deixaste que esfriassem lentamente:
flutuam dentre os botijões castanhos.
Melhor não interferir nessas histórias,
tão diferentes das vividas realmente,
que pouco ou nada te trarão de ganhos.
A CRIPTA MOFADA III
Igual os outros peneiram suas lembranças
e te impõem seus sinceros julgamentos,
por mais que não os aches a contentos:
são bem diversas as suas maniganças!
Será inútil com eles quebrar lanças,
nessa firmeza de seus convencimentos;
são as memórias de seus embaciamentos,
rachados vidros de ilusões bem mansas.
Pois cada um recorda o quanto quer
e nunca, realmente, o que acontece:
o mundo filtra a retina de seus olhos,
nos empoeirados vidros do mister,
a transmutar suas maldições em prece,
periferias ocultas nos antolhos.
A CRIPTA MOFADA IV
Também em mim há lajes tumulares
e o que contêm diferente da lembrança;
melhor guardar nos olhos a esperança,
na pura relembrança de outros ares.
Por que mover basaltos basilares,
rever os ossos mortos da criança
que um dia foste, em suposta vida mansa,
sem desapontos ou dores similares?
São discrepâncias enjauladas na consciência,
que a vida nunca foi o que hoje guardas,
porém lembrança das lembranças recordadas
é a que te chega aos olhos com frequência,
enquanto as linhas com que a alma cardas
são longos nervos de memórias já mofadas.
O VENTO LEVOU I (23 SET 13)
Levam os ventos, no romance
conhecido,
todo o presente, em rápido passar;
giram tornados para voejar,
os véus sugando do desconhecido.
Levam o bem consigo mais querido,
levam as dores, no seu latejar,
levam o mal que se buscou domar,
levam até o indiferente pretendido
e a vida se esvazia, pouco a pouco,
voam as dúvidas e somem as certezas,
na fúria instante de seu dominar,
até restar tão somente um beijo
louco,
na coleção de tristes impurezas
que o vento teve pena de levar.
O VENTO LEVOU II
Melhor seria que já tudo fosse
poeira,
que poderia mais fácil ser levada,
com outros pós depressa combinada,
salvo esse rastro deixado em sua
esteira.
Por que, então, essa pompa
derradeira,
quando por lápide a cinza é
conservada,
de pórfiro e granito completada,
letras de bronze em vaidade tão
certeira!
É homenagem, assim dizem, aos
finados,
a quem se amou ou se devia respeito
(decerto as almas voltam a espiar...)
Caso não sejam de noite homenageados,
virão de noite a reclamar o seu
direito,
dos descendentes o sono a
perturbar...
O VENTO LEVOU III
São para os vivos essas homenagens,
mais um respeito à pública opinião;
dentro das tumbas bem mais demorarão
a ser levadas pelo vento essas
miragens.
Ou quem sabe ainda acreditam nas visagens
dos tempos longos da vasta escuridão;
não se contemplam os mortos no
caixão,
mas pelos cantos lhes minam as
coragens.
Daí resulta essa tolice de zumbis,
de mortos-vivos no modismo hodierno,
que saem das covas a devorar os
vivos,
Bosch ou Bruegel no furor de seus
buris,
ao retratar plena visão do inferno
nesse exército de esqueletos
redivivos.
O VENTO LEVOU IV
Melhor então que a cinza se
espalhasse,
dos vermes racionando o alimento,
dos timoratos afastando esse
portento,
em que caveira a sorrir se
apresentasse.
Levasse o vento a poeira que
encontrasse,
como as memórias destrói, sem
impedimento
tanto desses que alcançaram
passamento
como de quem entre nós ainda
marchasse.
Pois o vento, certamente, é bem
faminto,
e rouba assim de ti toda a alegria,
traça e ferrugem de toda a tua
energia;
mas nessas revoluteadas que
pressinto,
mistura a carne tua à de outra gente,
pouco a pouco a tornar-te diferente.
O VENTO LEVOU V
Quando chegam o tornado e a ventania,
tudo entreveram nessa batedeira,
liquefazendo a vida toda inteira
e tudo mesclam em sua plena fantasia.
Depois o vento retorna, em luzidia
e rubra cor, após a brincadeira
e pretende devolver-te o que na
esteira
carregou, macabra dança em que se
fia.
Mas não entende seu próprio bricabraque
e te traz de alguém mais melancolia,
de outra pessoa a mágoa momentânea;
talvez doença, talvez vício de
craque...
Quiçá teus braços mesmo trocaria,
nessa sua entrega veloz e subitânea.
O VENTO LEVOU VI
É por isso que olhamos para o espelho
e qualquer traço se acha distorcido:
alguma ruga, algum fio embranquecido,
de um dia para o outro o rosto
velho...
Ou é uma junta do quadril ou joelho
que ontem não doía, em malferido
fisgão inesperado e impressentido...
de onde essa veia grossa como um
relho?
E deste modo a vida vai passando;
não é a velhice que, de fato, nos
pegou:
antes o vento nosso corpo embaralhou,
em desconexo pendor nos
transformando,
bem de repente, sem nos dar aviso,
totalmente indiferente a tal
prejuízo.
A Palmeira Vestida 1 (24 Set 13)
O costume local é desvestir
de galhos secos, anualmente, tais
palmeiras,
trazidas lá do norte, nas esteiras
dos carroções de lento conduzir.
Mais tarde, outras mudas a assistir
foi a cidade, em suas longas
fileiras,
nas avenidas parelhas e certeiras,
novas palmas até hoje a produzir.
As palmas secam, desnudam os
estipes,
saem com o vento, caem pelas ruas,
e então as manda cortar a
Prefeitura
e a transportar, em caminhões ou
jipes,
ficando as árvores com suas bases
nuas,
sempre ascendendo para nova
altura.
A Palmeira Vestida 2
Porém na Praça Silveira Martins,
de nossa pequena cidade a mais
central
diverso surge um adorno vegetal,
entre dezenas de árvores afins.
Ergue-se altiva, no meio dos
jardins,
a gigantesca palmeira sem igual,
revestida de uma saia natural,
cinza-amarela, com leques de
arlequins.
Não está morta, é claro. Acima destas
erguem-se palmas em suas verdes
festas
e nem deixa de crescer por não ter
poda.
Há anos está assim e nunca vejo
desnudarem seu estipe como almejo,
palmas deixando flutuar por toda a
roda.
A Palmeira Vestida 3
É limitada a minha curiosidade:
passo por ela várias vezes por
semana;
a sua estranha indumentária me
reclama,
a longa saia protegendo-lhe a
vaidade.
Mas a ninguém perguntei, na
realidade,
por que só essa palmeira desirmana
dessas dezenas de outras e proclama
manto grisalho ao invés de
mocidade.
Será desejo de antigo jardineiro
que assim pediu, em seu leito de
morte?
Será que a grama não querem
perturbar?
Ou simplesmente é um descaso, por
inteiro,
já que arrancadas as palmas, dessa
sorte,
não as leva o vento para o trânsito
cortar?
PERCEPÇÃO I (25 SET 13)
É engraçado como as
coisas crescem
perto de mim – ou
então, se encolhem
quando se afastam. De que forma tolhem
a minha percepção? Que encanto tecem?
É como as aves e
aeroplanos quando descem.
São bem maiores, se no
chão se acolhem
do que nos ares... Ou, talvez, se molhem
e encolham sob as
nuvens e ali cessem.
Aliás, como são lentos
lá no ar! Se engessam
talvez pela
umidade... E devagar
percorrem a atmosfera,
sem parar...
Mas quando descem,
talvez eles se aqueçam
e assim se estirem aos
poucos, com vagar,
novos gigantes que
então se vê pousar...
PERCEPÇÃO II
Só não entendo como
cabe a gente
num avião, após ter
encolhido...
Até eu mesmo, nalgum
deles recolhido,
não senti aperto, não
mais que normalmente...
Ao olhar pela janela,
casualmente,
o solo vendo, mesmo que
escondido,
percebi tudo estar tão
reduzido!...
O que houve com a
Terra? Estranha a mente...
Até as pessoas ficam
pequeninas,
nesses instantes em que
de nós se afastam,
só aumentam ao
caminhar, em proporção...
Por que somente eu
conservo as sinas
de guardar sempre os
tamanhos que me bastam,
mudando todos os demais
de graduação?
PERCEPÇÃO III
É por isso que o
espelho não me agrada,
salvo os pequenos, que
pego na minha mão;
de corpo inteiro,
causam deformação:
se vou mais longe, fico
em quase nada!
Se chego perto, cresce
agigantada
minha figura, se tomada
em proporção!...
Esse montado no fundo
do salão
zomba de mim, em sua
imagem espelhada...
Sem dúvida, o espelho
tem magia!
Por que a figura que
nele se escondia
assim cresce e depois
diminui tanto?
E onde fica essa
miragem de sanfona,
quando me encontro a
andar por qualquer zona
e só me vejo refletido
no meu pranto?
PERCEPÇÃO IV
Mas pelo menos, guardo este consolo:
ando nas ruas sem mudar de altura;
a minha proporção é coisa pura,
é a dos outros que se amassa como bolo!
Gente maior que eu cabe em meu colo
e então se achega, na maior grossura,
querendo ser mais alta e até mais dura,
imagem falsa, que nem sei aonde pô-la!...
Vejo até mesmo a calçada se alargando!
Sob meus pés, me causa uma vertigem...
Só tem tamanho igual por onde piso...
Pois lá atrás já também foi-se estreitando,
igual que o dia presente, que hoje aliso,
logo minguado numa igual fuligem!...
A LÍNGUA PORTUGUESA I (26 SET 13)
Existe em mim a saga dos antigos
Que com seus ossos o mar atapetaram,
Das aldeias modorrentas aventuras
A buscar sob a pressão dos inimigos
E que tantas outras terras vassalaram
Sob o capelo do mar e as ondas puras.
Existe em mim o mesmo ideal dolente
Que os levou a enfrentar o Mar Oceano
A sua raça a criar um novo berço;
No salso o braço se molhou frequente,
O lenho inteiro partido nesse arcano,
Tendo a mortalha das ondas como terço!
Existe em mim o sangue da alvorada
Que um dia jorrou de Portugal,
Minúsculo país, tão grande ideal,
Um grande império a forjar de quase nada,
Os homens rijos na forja e no timão,
Querendo o mundo tomar por seu bordão!
Sem dúvida o fizeram nesses anos,
Em dois séculos vivida a eternidade,
Terras sem fim em água e sangue derramado
Pelo arrojo de seus peitos tais arcanos,
Os povos conquistando sem maldade,
Até o céu ser novamente desdobrado.
A LÍNGUA PORTUGUESA II
E mesmo onde ficou pouco da raça,
Deixaram para trás o seu tesouro,
Sem roubarem outros povos em galeões,
Mais derramando o vinho de sua taça
Do que esfolando, para seu desdouro,
Esses impérios das velhas multidões.
Que nunca foi o português conquistador,
Porém aquele que o mundo desbravou,
Abrindo praias à civilização...
Foi o ouro mais desculpa que favor
E quando as verdes terras penetrou
O selvagem transformou no próprio irmão.
Também na Índia e China se mesclou,
Sem emprestar maior valor à fidalguia;
Portos abriu pela Indonésia infinda,
Por toda a África também a cruz levou,
Bem de antemão à moderna mouraria,
Luz da península para a memória vinda.
E mais teria feito, se o Destino,
Invejoso do progresso lusitano,
Não lhe cortasse o derradeiro rei;
Dom Sebastião, em combate, ainda menino,
Seu sangue derramou em obscura chama,
Triste entrevero entre sua própria grei!
A LÍNGUA PORTUGUESA III
Chegou então o espanhol domínio,
Nessa fatia da Ibéria sua ambição,
Sessenta anos de insolente atilho,
A própria língua sofrendo latrocínio,
Proibida nas cidades locução,
No rancor impotente do seu brilho.
Perdem-se a Ásia e a África em tais anos;
A Indonésia vai para os holandeses;
As feitorias da Índia para ingleses;
O Caribe se vai em desenganos;
Os estrangeiros invadem o Brasil,
Querem a terra ganhar a preço vil!...
Por que a Espanha fez tantos inimigos?
Por que destrói impérios e nações?
Por que a cruz impõe a ferro e fogo?
Os portugueses perdem seus amigos,
Deixando traços da língua em ocasiões,
No mar, pelo comércio, pelo jogo...
Após sessenta anos, os Bragança
O jugo afastam que os empobrecia;
A Espanha encastelada perecia
E num esforço que apenas a honra alcança
Os portugueses retomam o Brasil
(não há aqui pimenta nem caril!...)
A LÍNGUA PORTUGUESA IV
E na África, ao longo desses anos,
Mousinho de Albuquerque o comandante,
Recuperaram as terras dos ingleses,
Mais por tratados que em combates mais insanos;
Na Índia três distritos é o restante,
Deixam Macau e a Timor os holandeses.
Porém ao longo dos restos desse império,
A língua permanece a unificar;
Em toda a América, só o Brasil é imperial,
Somente aqui se unifica um povo sério,
Nessa defesa do mesmo linguajar
Falado ainda nas ilhas de coral...
E quanta gabolice do espanhol,
Proclamando às centenas os milhões
Que pretendem sua língua ainda hablar!
Mas é bem diferente esse crisol,
Falam Aimara e Quíchua as multidões;
É Araucano e Guajiro o seu falar!...
Nas Filipinas se fala o Tagalogue,
Sendo o espanhol descartado pelo inglês;
É Lacandan, Tolteca e Guarani,
Sem que o luso linguajar assim se afogue,
Tal língua doce e dura como o grês,
Que até hoje se conserva por aqui!...
PORTAS I (27 SET 13) (Para
Margarida Arella Caprile)
“Enquanto um grito gelado cada
inverno
Pelas ruas se propaga, qual
pregão”
E a sombra que se estende pelo
chão
Aumenta o frio deitado sobre o
esterno;
Enquanto a noite quer cantinho
interno
E atrás dos corpos se defende do
clarão,
Até a lareira expande a
hibernação,
Brandos reflexos da parede no
caderno.
Se não existe aqui eletricidade,
São mil duendes brincando no
reboco,
Enquanto o frio e a sombra se
namoram;
Mas quando a luz se acende, na
verdade,
Se esconde o frio em gasto olhar
de louco,
Por sob a mesa e nos cantos que
descoram.
PORTAS II
Se uma porta se abre, num
repente,
Sem que ninguém esteja do outro
lado,
Todos se fitam, de olhar
apalermado:
É o vento... – diz alguém, indiferente.
Outro responde: Fecha!... – incontinenti,
Antes que a noite traga o
namorado,
Antes que o frio a beije,
descuidado,
Antes que a sombra arrepie toda a
gente!...
Claro que o vento aproveita uma
frestinha
Ou o marco já apresenta alguma
empena:
Não é fantasma escapado à
sepultura.
A ferrugem, pouco a pouco, se
avizinha,
Estala até a madeira mais
amena...
Ou buscam almas a última
quentura...?
PORTAS III
Ou são lembranças que não
recordamos,
Tristes, iguais que cãozinho
abandonado,
Que nos reprova em seu olhar
calado,
As doces penas que não mais
lembramos...?
As vibrações que para trás
deixamos,
As emoções de instante
desprezado,
Os rancores do tempo
ultrapassado,
Essas histórias que nem mais
contamos...
Como são verdadeiros os fantasmas
Que se arrastam nos limiares de
uma porta,
Nos dias de frio, quando lá fora
é escuro!
Fechas os olhos, suspiras, quase
pasmas,
Apertas bem a velha chave torta:
Vai-se a lembrança por seu
caminho duro!
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