PRÓFUGOS DA AURORA I (8 SET 13)
É tão batido o amor, tanto soneto
que eu mesmo fiz, na emoção da aurora,
que insisti em redigir na exausta hora
e inda compus no fosso mais secreto.
Amor em que teimei, por puro afeto
ao próprio amor, com toda a sua demora,
amor já morto, que ainda amei, embora
o seu presente me fosse bem discreto.
Amor que lembro em clara nostalgia,
esse amor que sobrevinha e depois ia,
tão certamente como o Sol se vai
e que lambo em meus dedos, quando sai
a farpa desse anseio em noite fria,
por amor morto, que mesmo assim, não cai.
PRÓFUGOS DA AURORA II
Já escrevi do amor bem
sucedido,
que certamente os tive
na minha vida
ou desse amor que só
nalma tem guarida
e nunca foi às claras
pretendido;
já descrevi sexual
amor desimpedido,
falando claramente em
voz despida,
da hipocrisia em seu
calor nutrida,
amor do corpo, gozado
e sem sentido;
já recebi do amor o
cintilante
orgasmo multicor que
rasga os ossos,
que lança o sangue
contra o precipício,
salto mortal de risco
culminante,
o próprio cérebro a
derramar em fossos
de um outro corpo, em
elegia ou vício.
PRÓFUGOS DA AURORA III
Já escrevi do amor que
nunca houve,
do amor por um perfume
pressentido,
sem que a fonte sequer
tivesse havido
para as papilas que o
olfato louve.
Sei lá que amor minhas
narinas move
em tal instante, meu
faro desnutrido:
talvez perfume de
mulher sentido,
talvez de flor que o
imaginar comove.
Talvez apenas um
desses detergentes
que alguma casa enchem
de fragrância,
anéis benzoicos de
odor hexagonal,
meu romantismo a
recompor frequentes
esses estímulos em
feminina instância,
como a ânsia insaciada
do sensual.
PRÓFUGOS DA AURORA IV
E quando a noite morre e desfalece
ante os primeiros talhos da alvorada,
abro a janela, qual quem não quer nada,
abro as narinas na mais ingênua prece.
Então os cheiros chegam e se esquece
que sejam riscas de olor ou pena alada,
a nossa própria pena alvoroçada
por esse faro esguio que se entretece.
Então se quer que nunca chegue a aurora,
com seus odores de cálida energia
e se procura o instante fugidio
guardar no mudo canto desse outrora
em que se foge à luz que se inseria,
nariz a dentro, em caudaloso rio.
IMOLAÇÃO I – 9 SET 13
Para explodir em derradeira
chama
é preciso, primeiro, ter
receio
de água ou lago ou qualquer
outro meio
que reidrate o corpo que
reclama.
É preciso acreditar que toda
fama
deva ser rejeitada num
ceceio,
não aceitar assim qualquer
esteio
que esfaça a poeira num
lençol de lama.
Desidratado assim o ser
inteiro,
os soluços e o pranto todos
secos,
o sangue em grumo negro
coagulado,
chega essa hora do esforço
derradeiro,
riscado um fósforo em
silenciosos ecos
e num fulgor queimar todo o
passado!
IMOLAÇÃO II
É bem verdade que o passado é incombustível,
todo inserido na linfa da memória,
revestido do limbo, em peremptória
construção pela espada imarcescível
do arcanjo constritor do inexaurível
retidão vigorosa em missão fória:
que não escape do Éden sem história
o menor fragmento do invisível.
Bem ao contrário do paradisíaco interdito,
quer-se é as lembranças impedir que saiam
e não guardar santa árvore da vida,
antes da árvore da morte, em dom aflito,
que para fora os frutos não recaiam
como sementes sobre a lama endurecida.
IMOLAÇÃO III
Não são as dores que se mostra ao mundo
as que se mostram de fato mais dolentes.
É a persistência dos embargos infringentes
que as conservam num hesitar profundo
e nos revelam sempre o mais imundo
destas lembranças eternas, recorrentes,
que nos riem ante o rosto, de insolentes
e reprimidas, retornam num segundo.
Enquanto as boas lembranças ou as tristes
custam a vir ou em choro se dissolvem:
como é difícil recordar felicidade!...
Essa mistura dos instantes que vivestes,
enclausurados em alegrias que se toldem,
muito mais imaginárias que verdade!...
IMOLAÇÃO IV
Deste modo, os momentos mais
felizes
precisamos recordar com
certo esforço,
enquanto humilhações guardam
o escorço
e vêm à tona sem quaisquer
deslizes,
como de vida própria, em
seus matizes,
dotadas finalmente, em
alvoroço,
como cordas penduradas ao
pescoço,
tais albatrozes de
lembranças infelizes.
Nunca entendi por que assim
ocorre,
que sejam cheias de energia
nossas mágoas,
porém tão flébeis os
contentamentos;
que essa angústia de fato
nunca morre,
as suas nuances escorrendo
como águas
nos dicionários de meus
pensamentos...
ALIANÇAS I – 10 SET 13
É tão frequente a seta de Cupido
atravessando corações convencionais,
desprovidos de veias, nada mais
que um contorno apenas concebido;
por muita gente em deboche percebido
como nádegas bem pouco espirituais,
essa flecha sugerindo atos sexuais,
em malicioso amor reconhecido.
Não existem artérias nesse esboço,
somente velas vermelhas em tal barco,
sob a música do vento, em intenções
de prender duas vidas num retoço
e o deus ceguinho vai passando o arco
num violino de dois corações...
ALIANÇAS II
Como esse anel que nos dedos é enfiado,
eterno círculo de amor e romantismo,
fidelidade expressada em seu modismo,
num simbolismo claro e descarado
de como o corpo da mulher, alçado,
o homem prende em laço e naturismo,
prisão inconsequente em saudosismo:
ninguém esqueça que já foi caçado!...
E nesse esfíncter de ouro vaginal
fica selado o orgasmo peniano
(ou, pelo menos, existe essa esperança...)
se bem que hoje até pareça natural
desprezar o matrimônio, sem engano,
simplesmente por questões de segurança!
ALIANÇAS III
E nem sequer se pensa em confissão;
como sinal de inteligência é proclamado:
“muito melhor pegar homem casado,
porque se cuida mais em sua traição!”
Quanto o solteiro é descuidado em cada ação,
nenhum convite poderá ser recusado,
para evitar depois ser acusado
de preferir a masculina comunhão!...
Assim as nádegas do “cúpido Cupido”
mostram de fato o vero simbolismo
e a flecha as corta num empalamento;
sem as cordas das veias, emudecido
o violino em inerme sinfonismo,
nesse perímetro vermelho de um momento.
COÁGULOS I – 19 mar 2008
Parti meus ossos em busca
desse amor
inveterado; e nem sequer
sorri.
Quebrei-me as pernas e
nem padeci
mais do que a bênção
fecunda do estertor.
Rasguei-me as veias empós
um tal ardor
imoderado; e nem sequer
sofri.
Vazio meu coração, nem
percebi,
na escala muda do
arco-íris incolor...
Nessa tortura branda,
assim me giro
no túmulo da alma,
sepultando
as ânsias mudas deste
amor mesquinho.
E, por quebrar as pernas,
já não ando;
e, por perder meu sangue,
não respiro,
senão meus versos...
secos de carinho.
COÁGULOS II – 11 set 13
E desses versos de luz
coagulados
recolhi fibra a fibra,
mansamente;
aos poucos fui
trançando, lentamente,
novos esteios para os
pés despedaçados,
ossos mais fortes em
lianas debruados,
as articulações de falha
mais frequente,
o desgaste dos ilíacos,
gemente,
os nervos comprimidos
aliviados.
E o não faria, se
corresse o sangue
tão facilmente qual no
meu passado:
como prender-lhe as
gotas entre os dedos?
Essas plaquetas de
avermelhado tangue,
em seu odor metálico
escoado,
cada pingo denunciando
meus segredos.
COÁGULOS III
E nunca nova teia
entreteci,
em meus lazeres de
sobrevivente,
palavras vãs de sangue
incandescente,
voltadas para o amor que
já esqueci;
coagulado amor que então
eu vi
escorrendo no marfim
opalescente,
gotas de aurora em amor
adolescente,
gotas de um sonho que nem
sequer nutri.
Mas que seria de mim, se
não pingasse
sobre os momentos
ressequidos do passado
as gotas rubras de tal
remordimento?
Se minhas lembranças
então não perquirisse
e as contemplasse no
espelho estilhaçado
por mil retalhos de puro
esquecimento?
CUPINS DA INSÔNIA I – 12 SET 13
Durante a noite, será leve o sono,
por cupins devorado, facilmente.
Batem à porta diante mim, frequente,
com impaciência, como o faz o dono.
Mas nada existe, zombeteiro mono
se introduziu no sonho, abruptamente,
e me fez acordar, impertinente,
para custar a dormir, em desabono.
Ou ouço vozes que por mim reclamam,
às quatro da manhã, sabendo embora
ninguém estar desperto nessa hora.
Por que minha sonolência assim difamam?
Já durmo pouco e sobrevém a mágoa
de meus olhos embaciados em deságua.
CUPINS DA INSÔNIA
II
Já é bem normal que durma meia-hora
e então me acorde;
mas viro para um lado
e vejo o sono
novamente conciliado,
por curto prazo que
me renda, embora.
Eu deixo o som
ligado nessa hora,
um disco a repetir-se,
renovado
e nesse embalo me
sinto enovelado,
sem o ruído que
influencia e me devora.
Mas se deixo a
trocar no carrossel
ou se escuto a
repetir-se algum vinil,
esse breve
intervalo me desperta,
que há mais cupins
escondidos no dossel
deste meu sono
interrupto, em ceitil,
a curtas prestações
minha mente aberta.
CUPINS DA INSÔNIA
III
Mas há ocasiões em
que mesmo esta mesada
de apenas uns
duzentos e quarenta
minutos com que a
noite me contenta
é interrompida e,
em parte, devorada.
Desse dossel do
sono, em revoada,
desce o cupim e a
traça se apresenta,
chega o lepisma de
prata em marcha lenta,
meu sonho a
transformar em quase nada.
Assim devoram
devaneios pelos cantos,
famintos os cupins
dessa alvorada,
inda que a música
me permita descansar;
e ali fico a
estudar maviosos prantos,
nas árias líquidas
da ópera encantada,
ou melhor a
orquestração a compreender.
CUPINS DA INSÔNIA
IV
E nessas ocasiões,
me ponha a ler
qualquer romance ou
livro para estudo,
diante dos olhos a
página em escudo,
até que venha
novamente a adormecer,
o livro então meu
rosto a percorrer
e não meus olhos a
desvendar-lhe tudo;
perante o sono, o
livro fica mudo
e bem depressa o
devo recolher
a essa mesa de
minha cabeceira,
onde se encontra
com outros, numa pilha,
antes que as traças
saltem de minha mente
e suas folhas
devorem, desde a beira,
em carunchado
pavor, milha após milha,
tornando a história
em sonho decadente.
CUPINS DA INSÔNIA V
E assim, nem sei se
do livro sai cupim
ou se da mente
escapa-se gorgulho,
se a insônia em
que, à noite, me debulho
afeta o livro ou
desperta a história enfim.
Será que a música
traz insetos do jardim,
a devorar de cada
sonho o orgulho?
Ou é da mente que
desperta o engulho
e o livro come em
dentes de marfim?
Apenas sei que o
sonho me escasseia
e que o livro, cedo
ou tarde, se termina;
por mais que lento
o meu olhar o leia,
sai um cupim de
meus olhos e assassina
a cada página, em
indiferente teia,
qual uma aranha a
lhe sugar a sina.
CUPINS DA INSÔNIA VI
Pois mesmo que esse livro guarde então,
já devorei com o olhar seu conteúdo,
já o mastiguei, metabolismo mudo
e já conservo nos neurônios seu bordão.
Enquanto a traça do livro meu irmão
sai dentre as páginas e me devora tudo,
o meu cérebro furando de desnudo,
ovos deixando por futura brotação.
Serão cupins de insônia então meus versos,
que se expandem de mim como adversos
retalhos loucos das falhas memoriais?
Ou foi a insônia que me forjou cada cupim,
alimentado de quanto existe em mim,
até que os versos se percam no jamais?
JARDIM DA INSÂNIA I – 13 SET 13
Não que me sinta presa da
loucura,
mas que seria de mim sem tal
insânia?
Quem se dispõe a suportar a
infâmia
sofre na mente um corte que
perdura.
E não se trata de inconsciência
pura,
nem se ver dessecado pela lâmia,
nem desgastado por aborrecida
inânia,
nem entrevisto em tenebrosa
agrura.
Insânia e insônia são gêmeas
vitelinas,
diferençadas por uma letra apenas
(talvez exista qualquer outra
interação);
quer seja a insônia a origem
dessas sinas
ou cause a insânia as solitárias
penas
de quem perdeu do sonho a
proteção.
JARDIM DA INSÂNIA II
Apenas sei que, em meus sonhos coloridos,
eu não encontro o fio do racional;
o sonho é circular e nem faz mal
que não se encontrem os resultados perseguidos.
Na matemática do sonho são contidos
os resultados do sistema decimal;
na hegemonia do duodecimal
sonhamos sonhos sumérios esquecidos,
presas nas fímbrias as chagas dos guerreiros
e o ardor das fornalhas do passado
em flores rubras de carne alaranjada,
cinzas lançadas de mistura nos canteiros,
sem dar lugar ao sábio atribulado
ou a raciocínios de secura dessangrada.
JARDIM DA INSÂNIA III
Assim os sonhos da insânia são
bromélias,
dando ninho para larvas de
mosquitos,
a gerar em pesadelos faniquitos
monstros do Id em cataduras
velhas,
sacrifícios a imolar nas
aracélias,
para os Baals e Moloques
infinitos,
no rebrotar das preces dos aflitos,
no despencar constante das
camélias.
Mas são os sonhos da insônia
racionais
ou apenas de fragor sentimental,
perseguição de contas nos
espelhos?
Caleidoscópicos prazeres
sensoriais
de insânia fluorescente no
quintal
em que se digladiam
escaravelhos...
A
CRUZ DOS CRUSTÁCEOS I
MEUS
PENSAMENTOS
SÃO
DESNUDOS DE CASCAS OU CALCÁRIOS
SÃO
FEITOS DE CARBONOS TRANSITÓRIOS
O
FERRO VIBRA NA COR DE MINHAS HEMÁCIAS
NÃO
TENHO CLORO
MEUS
SENTIMENTOS
SE
MANIFESTAM EM ARRANJOS MAIS FLORAIS
ASSIM
REBROTO NOS CANTEIROS DO JAMAIS
NÃO
SOU FRUTO DE FERVENTES ACIARIAS
AÇO
NÃO TENHO
MEUS
JULGAMENTOS
INFLUENCIADOS
PELO MOLIBDÊNIO
POSSUEM
TRAÇOS DE CERTO TUNGSTÊNIO
E
MESMO O SOL A SUSTENTAR-ME A VIDA
NÃO
TENHO HÉLIO
MEUS
TEGUMENTOS
SEM
HIDROGÊNIO NÃO SERIAM COMESTÍVEIS
SEM
CÁLCIO NÃO SERIAM PROTEGÍVEIS
OLIGOELEMENTO
ALGUM QUIÇÁ ME SOBRE
TALVEZ
DE COBRE
A CRUZ DOS CRUSTÁCEOS II
TIVERA EU HÉLIO
MEUS VERSOS FACILMENTE FLUTUARIAM
MINHAS CANÇÕES O UNIVERSO CONTERIAM
TALVEZ A GALÁXIA INTEIRA EU OCUPASSE
E ALGUM ARGÔNIO
SE EU RESPIRASSE
TÃO SOMENTE NEÔNIO E CRIPTÔNIO
E EXPIRASSE RADÔNIO E MAIS XENÔNIO
SERIA ALGURES COMETA ENTRE AS ESTRELAS
MAS SEM TER OURO
SE EU DEVORASSE
PRATA E PLATINA OU DE PALÁDIO ESCUDO
SÓDIO E POTÁSSIO EM DESCANTAR DESNUDO
NÃO PODERIA ANDAR PELAS PLANÍCIES
NÃO TENHO EXOESQUELETO
CASO EU POSSUÍSSE
ESSA ARMADURA E NÃO A ARMAÇÃO
DO ENDOESQUELETO EM MINHA FORMAÇÃO
TALVEZ PUDERA CARREGAR A CRUZ
DOS MIL CRUSTÁCEOS
A
CRUZ DOS CRUSTÁCEOS III
SERIA
O MANTIMENTO
UMA
CRUZ DE APENAS ALUMÍNIO
COM
ALGUNS LAIVOS DE PROTACTÍNIO
EMBUTIDO
NAS REDES SILICAIS
DE
QUÊ OS CRAVOS?
SERIAM
DE BRONZE
COBRE
OU ESTANHO, CITRINO OU DE FERRITA
OU
DE UMA LIGA DE ELECTRO BONITA
CUJO
SEGREDO DE FABRICAÇÃO
JÁ
SE PERDEU?
E
EU ANDARIA
PARA
TRÁS, PARA A FRENTE OU PARA O LADO
OU
VOGARIA PELA ÁGUA TRANSPORTADO
ATÉ
AS REDES DE UM PESCADOR
A
ME ROUBAR A CASCA
OU
SIMPLESMENTE
EU
COMPORIA O KRILL DE MIL BALEIAS
FORMATARIA
O ÓLEO DE SUAS VEIAS
E
A RESISTÊNCIA DE SUAS BARBATANAS
QUE
NINGUÉM HOJE QUER MAIS
DESVARIO 1 – 15 SET 13
Caso de fato me tornasse um camarão
Talvez até o povo me apreciasse
E lá no cais do porto alguém comprasse
Para cozer em saborosa refeição.
Certamente há maior procuração
De camarões que assim se descascasse
Do que versos de que a página virasse
Qualquer leitor de poema em promoção.
A casca descartada não se devoraria,
A carne entrecortada de salgada,
Ao invés de me buscar em
livraria
Ou então a casca seria aproveitada
Como um adubo que à horta serviria
Ou ao mar de volta simplesmente despejada.
DESVARIO 2
Mas que fazer com a casca de um poema?
Especialmente a dos novos, digitados.
Se imprimem capas para os interessados,
Porém não há lombada, triste pena!
E que faria Papai Noel sem rena?
Puxariam os arreios, pressurados,
Esses duendes na oficina acostumados
Dessa Lapônia de placidez serena?
Mas o que tem a ver Papai Noel
Com as cascas dos pobres camarões?
Talvez a cor das roupas para o inverno?
Ou alguém espera em desvario de fel
Encontrar qualquer lógica ou razões
Senão a rima ilógica do externo?
DESVARIO 3
O camarão num dia se aprecia,
Papai Noel em outro dias se espera.
São desejados e assim fora, quem me dera!
Talvez serei querido em qualquer dia...
Mas um poema que se engoliria
Depois de mastigar, o enfado
gera;
Papai Noel é uma esperança mera:
Nenhum poema assim me serviria.
Pois, de fato, o que eu mesmo gostaria
Era que fosse lido sete vezes,
Qaais camadas de cebola retiradas.
A cada vez, novo sentido mostraria
E poderia ser guardado muitos meses,
Como pétalas em livro enclausuradas.
CIDADE I – 16 SET 13
Versos não fiz para qualquer cidade.
E, por acaso, alguém os fez outrora?
Prosopopeia augusta nesta hora
não foi então destinada à humanidade?
Cidade alguma, em plena honestidade,
ir-me-á agradecer nessa desora
ou sequer me lerá com mais demora:
egrégoras não possuem voracidade.
Ainda que tal espírito coletivo
paire nos céus com suposta proteção
e tudo veja, em sua inquietação,
não me lerá o grande ser altivo;
condescenderá sobre mim então, talvez,
porém somente no instante em que me lês.
CIDADE II
Portanto, quando escrevo, é para ti,
na busca de espertar-te uma emoção
ou abanar ante ti a sensação
de algo de novo que assim te transmiti.
Mas não tenho a ilusão que descobri
coisa alguma que não soubesses de antemão;
só tanjo as cordas de teu coração,
nessa busca de um ardor que pressenti.
Versos escrevo, talvez, por desfastio,
impulsionado quiçá por maldição,
mas nada faço, senão uma armação,
meus arames de sangue e do meu cio,
que a carne e ossos serão teus somente
caso tua alma ali derrames totalmente.
CIDADE III
Pois como poderia uma cidade
se dar integralmente, em empatia?
Somente os vivos possuem essa magia:
dormem os mortos em sua opacidade.
Servem os versos, portanto, à urbanidade,
esses que vivem e que a cidade lia.
É por seus olhos que perpassa a nostalgia
em suas mentes a reluzir eletricidade.
Que os versos que se escreve só despertam
nos habitantes as emoções contraditórias:
a gente espera comentários favoráveis
pelos tijolos que as vidas acobertam
e as multidões alicerçadas nas histórias
que cada um pretende intermináveis.
SERRILHADA I – 17 SET 13
A gente tem a ilusão que pensamentos
ficam dentro da mente resguardados,
mas de fato no mundo são lançados
como fumaça em odor de condimentos.
Alguns deles com estranhos ornamentos,
pois bem de longe se nos foram copiados,
nos olhos e ouvidos alojados,
pequenas urnas de quaisquer procedimentos.
Outros nos surgem do fundo da memória
e se projetam ao longo do consciente,
para palavras e ações influenciar
e então nos deixam, de forma peremptória,
da boca no horizonte em salto ardente,
cruzando a serra sem nunca mais voltar.
SERRILHADA
II
Porém
não saem inteiros, totalmente:
deixam
em nós as cores de sua poeira,
fica na
alma essa impressão ligeira
que se
conservem de forma permanente.
Contudo,
os pensamentos têm a ingente
volição
de se exporem nessa feira
das
ilusões e da vaidade derradeira
que a
sociedade compõem inteiramente.
Destarte,
quando a boca firme cala,
são
projetados pelo olhar avante
ou
pelos próprios ademanes corporais
e se
expandem em respingos, como bola,
nos
concêntricos círculos da intrigante
demanda
por fronteiras do ademais.
SERRILHADA III
Ficam assim sementes na memória,
picos e vales de coadas emoções,
qual serrote de quebradas sensações,
a serragem em conclusão peremptória.
A maravalha em volutas, fina escória,
manifestada em falsas convicções,
lembranças a volutear percepções,
biruta apenas, fingindo ser história.
Estranha rede de malhas pegajosas,
de que a mente pretende ser a aranha
e se encontra protegida por casulo
das ferozes visões mais perigosas
em que o pensar rebrota e então se assanha
por assaltar o universo em novo pulo.
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