segunda-feira, 25 de novembro de 2013




PRÓFUGOS DA AURORA I (8 SET 13)

É tão batido o amor, tanto soneto
que eu mesmo fiz, na emoção da aurora,
que insisti em redigir na exausta hora
e inda compus no fosso mais secreto.

Amor em que teimei, por puro afeto
ao próprio amor, com toda a sua demora,
amor já morto, que ainda amei, embora
o seu presente me fosse bem discreto.

Amor que lembro em clara nostalgia,
esse amor que sobrevinha e depois ia,
tão certamente como o Sol se vai

e que lambo em meus dedos, quando sai
a farpa desse anseio em noite fria,
por amor morto, que mesmo assim, não cai.

PRÓFUGOS DA AURORA II

Já escrevi do amor bem sucedido,
que certamente os tive na minha vida
ou desse amor que só nalma tem guarida
e nunca foi às claras pretendido;

já descrevi sexual amor desimpedido,
falando claramente em voz despida,
da hipocrisia em seu calor nutrida,
amor do corpo, gozado e sem sentido;

já recebi do amor o cintilante
orgasmo multicor que rasga os ossos,
que lança o sangue contra o precipício,

salto mortal de risco culminante,
o próprio cérebro a derramar em fossos
de um outro corpo, em elegia ou vício.

PRÓFUGOS DA AURORA III

Já escrevi do amor que nunca houve,
do amor por um perfume pressentido,
sem que a fonte sequer tivesse havido
para as papilas que o olfato louve.

Sei lá que amor minhas narinas move
em tal instante, meu faro desnutrido:
talvez perfume de mulher sentido,
talvez de flor que o imaginar comove.

Talvez apenas um desses detergentes
que alguma casa enchem de fragrância,
anéis benzoicos de odor hexagonal,

meu romantismo a recompor frequentes
esses estímulos em feminina instância,
como a ânsia insaciada do sensual.

PRÓFUGOS DA AURORA IV

E quando a noite morre e desfalece
ante os primeiros talhos da alvorada,
abro a janela, qual quem não quer nada,
abro as narinas na mais ingênua prece.

Então os cheiros chegam e se esquece
que sejam riscas de olor ou pena alada,
a nossa própria pena alvoroçada
por esse faro esguio que se entretece.

Então se quer que nunca chegue a aurora,
com seus odores de cálida energia
e se procura o instante fugidio

guardar no mudo canto desse outrora
em que se foge à luz que se inseria,
nariz a dentro, em caudaloso rio.

IMOLAÇÃO I – 9 SET 13

Para explodir em derradeira chama
é preciso, primeiro, ter receio
de água ou lago ou qualquer outro meio
que reidrate o corpo que reclama.

É preciso acreditar que toda fama
deva ser rejeitada num ceceio,
não aceitar assim qualquer esteio
que esfaça a poeira num lençol de lama.

Desidratado assim o ser inteiro,
os soluços e o pranto todos secos,
o sangue em grumo negro coagulado,

chega essa hora do esforço derradeiro,
riscado um fósforo em silenciosos ecos
e num fulgor queimar todo o passado!

IMOLAÇÃO II

É bem verdade que o passado é incombustível,
todo inserido na linfa da memória,
revestido do limbo, em peremptória
construção pela espada imarcescível

do arcanjo constritor do inexaurível
retidão vigorosa em missão fória:
que não escape do Éden sem história
o menor fragmento do invisível.

Bem ao contrário do paradisíaco interdito,
quer-se é as lembranças impedir que saiam
e não guardar santa árvore da vida,

antes da árvore da morte, em dom aflito,
que para fora os frutos não recaiam
como sementes sobre a lama endurecida.

IMOLAÇÃO III

Não são as dores que se mostra ao mundo
as que se mostram de fato mais dolentes.
É a persistência dos embargos infringentes
que as conservam num hesitar profundo

e nos revelam sempre o mais imundo
destas lembranças eternas, recorrentes,
que nos riem ante o rosto, de insolentes
e reprimidas, retornam num segundo.

Enquanto as boas lembranças ou as tristes
custam a vir ou em choro se dissolvem:
como é difícil recordar felicidade!...

Essa mistura dos instantes que vivestes,
enclausurados em alegrias que se toldem,
muito mais imaginárias que verdade!...

IMOLAÇÃO IV

Deste modo, os momentos mais felizes
precisamos recordar com certo esforço,
enquanto humilhações guardam o escorço
e vêm à tona sem quaisquer deslizes,

como de vida própria, em seus matizes,
dotadas finalmente, em alvoroço,
como cordas penduradas ao pescoço,
tais albatrozes de lembranças infelizes.

Nunca entendi por que assim ocorre,
que sejam cheias de energia nossas mágoas,
porém tão flébeis os contentamentos;

que essa angústia de fato nunca morre,
as suas nuances escorrendo como águas
nos dicionários de meus pensamentos...

ALIANÇAS I – 10 SET 13

É tão frequente a seta de Cupido
atravessando corações convencionais,
desprovidos de veias, nada mais
que um contorno apenas concebido;

por muita gente em deboche percebido
como nádegas bem pouco espirituais,
essa flecha sugerindo atos sexuais,
em malicioso amor reconhecido.

Não existem artérias nesse esboço,
somente velas vermelhas em tal barco,
sob a música do vento, em intenções

de prender duas vidas num retoço
e o deus ceguinho vai passando o arco
num violino de dois corações...

ALIANÇAS II

Como esse anel que nos dedos é enfiado,
eterno círculo de amor e romantismo,
fidelidade expressada em seu modismo,
num simbolismo claro e descarado

de como o corpo da mulher, alçado,
o homem prende em laço e naturismo,
prisão inconsequente em saudosismo:
ninguém esqueça que já foi caçado!...

E nesse esfíncter de ouro vaginal
fica selado o orgasmo peniano
(ou, pelo menos, existe essa esperança...)

se bem que hoje até pareça natural
desprezar o matrimônio, sem engano,
simplesmente por questões de segurança!

ALIANÇAS III

E nem sequer se pensa em confissão;
como sinal de inteligência é proclamado:
“muito melhor pegar homem casado,
porque se cuida mais em sua traição!”

Quanto o solteiro é descuidado em cada ação,
nenhum convite poderá ser recusado,
para evitar depois ser acusado
de preferir a masculina comunhão!...

Assim as nádegas do “cúpido Cupido”
mostram de fato o vero simbolismo
e a flecha as corta num empalamento;

sem as cordas das veias, emudecido
o violino em inerme sinfonismo,
nesse perímetro vermelho de um momento.

COÁGULOS I – 19 mar 2008               

Parti meus ossos em busca desse amor
inveterado; e nem sequer sorri.
Quebrei-me as pernas e nem padeci
mais do que a bênção fecunda do estertor.

Rasguei-me as veias empós um tal ardor
imoderado; e nem sequer sofri.
Vazio meu coração, nem percebi,
na escala muda do arco-íris incolor...

Nessa tortura branda, assim me giro
no túmulo da alma, sepultando
as ânsias mudas deste amor mesquinho.

E, por quebrar as pernas, já não ando;
e, por perder meu sangue, não respiro,
senão meus versos... secos de carinho.

COÁGULOS II – 11 set 13

E desses versos de luz coagulados
recolhi fibra a fibra, mansamente;
aos poucos fui trançando, lentamente,
novos esteios para os pés despedaçados,

ossos mais fortes em lianas debruados,
as articulações de falha mais frequente,
o desgaste dos ilíacos, gemente,
os nervos comprimidos aliviados.

E o não faria, se corresse o sangue
tão facilmente qual no meu passado:
como prender-lhe as gotas entre os dedos?

Essas plaquetas de avermelhado tangue,
em seu odor metálico escoado,
cada pingo denunciando meus segredos.

COÁGULOS III

E nunca nova teia entreteci,
em meus lazeres de sobrevivente,
palavras vãs de sangue incandescente,
voltadas para o amor que já esqueci;

coagulado amor que então eu vi
escorrendo no marfim opalescente,
gotas de aurora em amor adolescente,
gotas de um sonho que nem sequer nutri.

Mas que seria de mim, se não pingasse
sobre os momentos ressequidos do passado
as gotas rubras de tal remordimento?

Se minhas lembranças então não perquirisse
e as contemplasse no espelho estilhaçado
por mil retalhos de puro esquecimento?

CUPINS DA INSÔNIA I – 12 SET 13

Durante a noite, será leve o sono,
por cupins devorado, facilmente.
Batem à porta diante mim, frequente,
com impaciência, como o faz o dono.

Mas nada existe, zombeteiro mono
se introduziu no sonho, abruptamente,
e me fez acordar, impertinente,
para custar a dormir, em desabono.

Ou ouço vozes que por mim reclamam,
às quatro da manhã, sabendo embora
ninguém estar desperto nessa hora.

Por que minha sonolência assim difamam?
Já durmo pouco e sobrevém a mágoa
de meus olhos embaciados em deságua.

CUPINS DA INSÔNIA II

     Já é bem normal que durma meia-hora
e então me acorde; mas viro para um lado
e vejo o sono novamente conciliado,
por curto prazo que me renda, embora.

Eu deixo o som ligado nessa hora,
um disco a repetir-se, renovado
e nesse embalo me sinto enovelado,
sem o ruído que influencia e me devora.

Mas se deixo a trocar no carrossel
ou se escuto a repetir-se algum vinil,
esse breve intervalo me desperta,

que há mais cupins escondidos no dossel
deste meu sono interrupto, em ceitil,
a curtas prestações minha mente aberta.

CUPINS DA INSÔNIA III

Mas há ocasiões em que mesmo esta mesada
de apenas uns duzentos e quarenta
minutos com que a noite me contenta
é interrompida e, em parte, devorada.

Desse dossel do sono, em revoada,
desce o cupim e a traça se apresenta,
chega o lepisma de prata em marcha lenta,
meu sonho a transformar em quase nada.

Assim devoram devaneios pelos cantos,
famintos os cupins dessa alvorada,
inda que a música me permita descansar;

e ali fico a estudar maviosos prantos,
nas árias líquidas da ópera encantada,
ou melhor a orquestração a compreender.

CUPINS DA INSÔNIA IV

E nessas ocasiões, me ponha a ler
qualquer romance ou livro para estudo,
diante dos olhos a página em escudo,
até que venha novamente a adormecer,

o livro então meu rosto a percorrer
e não meus olhos a desvendar-lhe tudo;
perante o sono, o livro fica mudo
e bem depressa o devo recolher

a essa mesa de minha cabeceira,
onde se encontra com outros, numa pilha,
antes que as traças saltem de minha mente

e suas folhas devorem, desde a beira,
em carunchado pavor, milha após milha,
tornando a história em sonho decadente.

CUPINS DA INSÔNIA V

E assim, nem sei se do livro sai cupim
ou se da mente escapa-se gorgulho,
se a insônia em que, à noite, me debulho
afeta o livro ou desperta a história enfim.

Será que a música traz insetos do jardim,
a devorar de cada sonho o orgulho?
Ou é da mente que desperta o engulho
e o livro come em dentes de marfim?

Apenas sei que o sonho me escasseia
e que o livro, cedo ou tarde, se termina;
por mais que lento o meu olhar o leia,

sai um cupim de meus olhos e assassina
a cada página, em indiferente teia,
qual uma aranha a lhe sugar a sina.

CUPINS DA INSÔNIA VI

Pois mesmo que esse livro guarde então,
já devorei com o olhar seu conteúdo,
já o mastiguei, metabolismo mudo
e já conservo nos neurônios seu bordão.

Enquanto a traça do livro meu irmão
sai dentre as páginas e me devora tudo,
o meu cérebro furando de desnudo,
ovos deixando por futura brotação.

Serão cupins de insônia então meus versos,
que se expandem de mim como adversos
retalhos loucos das falhas memoriais?

Ou foi a insônia que me forjou cada cupim,
alimentado de quanto existe em mim,
até que os versos se percam no jamais?

JARDIM DA INSÂNIA I – 13 SET 13

Não que me sinta presa da loucura,
mas que seria de mim sem tal insânia?
Quem se dispõe a suportar a infâmia
sofre na mente um corte que perdura.

E não se trata de inconsciência pura,
nem se ver dessecado pela lâmia,
nem desgastado por aborrecida inânia,
nem entrevisto em tenebrosa agrura.

Insânia e insônia são gêmeas vitelinas,
diferençadas por uma letra apenas
(talvez exista qualquer outra interação);

quer seja a insônia a origem dessas sinas
ou cause a insânia as solitárias penas
de quem perdeu do sonho a proteção.

JARDIM DA INSÂNIA II

Apenas sei que, em meus sonhos coloridos,
eu não encontro o fio do racional;
o sonho é circular e nem faz mal
que não se encontrem os resultados perseguidos.

Na matemática do sonho são contidos
os resultados do sistema decimal;
na hegemonia do duodecimal
sonhamos sonhos sumérios esquecidos,

presas nas fímbrias as chagas dos guerreiros
e o ardor das fornalhas do passado
em flores rubras de carne alaranjada,

cinzas lançadas de mistura nos canteiros,
sem dar lugar ao sábio atribulado
ou a raciocínios de secura dessangrada.

JARDIM DA INSÂNIA III

Assim os sonhos da insânia são bromélias,
dando ninho para larvas de mosquitos,
a gerar em pesadelos faniquitos
monstros do Id em cataduras velhas,

sacrifícios a imolar nas aracélias,
para os Baals e Moloques infinitos,
no rebrotar das preces dos aflitos,
no despencar constante das camélias.

Mas são os sonhos da insônia racionais
ou apenas de fragor sentimental,
perseguição de contas nos espelhos?

Caleidoscópicos prazeres sensoriais
de insânia fluorescente no quintal
em que se digladiam escaravelhos...

A CRUZ DOS CRUSTÁCEOS I

MEUS PENSAMENTOS
SÃO DESNUDOS DE CASCAS OU CALCÁRIOS
SÃO FEITOS DE CARBONOS TRANSITÓRIOS
O FERRO VIBRA NA COR DE MINHAS HEMÁCIAS
NÃO TENHO CLORO

MEUS SENTIMENTOS
SE MANIFESTAM EM ARRANJOS MAIS FLORAIS
ASSIM REBROTO NOS CANTEIROS DO JAMAIS
NÃO SOU FRUTO DE FERVENTES ACIARIAS
AÇO NÃO TENHO

MEUS JULGAMENTOS
INFLUENCIADOS PELO MOLIBDÊNIO
POSSUEM TRAÇOS DE CERTO TUNGSTÊNIO
E MESMO O SOL A SUSTENTAR-ME A VIDA
NÃO TENHO HÉLIO

MEUS TEGUMENTOS
SEM HIDROGÊNIO NÃO SERIAM COMESTÍVEIS
SEM CÁLCIO NÃO SERIAM PROTEGÍVEIS
OLIGOELEMENTO ALGUM QUIÇÁ ME SOBRE
TALVEZ DE COBRE

A CRUZ DOS CRUSTÁCEOS II

TIVERA EU HÉLIO
MEUS VERSOS FACILMENTE FLUTUARIAM
MINHAS CANÇÕES O UNIVERSO CONTERIAM
TALVEZ A GALÁXIA INTEIRA EU OCUPASSE
E ALGUM ARGÔNIO

SE EU RESPIRASSE
TÃO SOMENTE NEÔNIO E CRIPTÔNIO
E EXPIRASSE RADÔNIO E MAIS XENÔNIO
SERIA ALGURES COMETA ENTRE AS ESTRELAS
MAS SEM TER OURO

SE EU DEVORASSE
PRATA E PLATINA OU DE PALÁDIO ESCUDO
SÓDIO E POTÁSSIO EM DESCANTAR DESNUDO
NÃO PODERIA ANDAR PELAS PLANÍCIES
NÃO TENHO EXOESQUELETO

CASO EU POSSUÍSSE
ESSA ARMADURA E NÃO A ARMAÇÃO
DO ENDOESQUELETO EM MINHA FORMAÇÃO
TALVEZ PUDERA CARREGAR A CRUZ
DOS MIL CRUSTÁCEOS

A CRUZ DOS CRUSTÁCEOS III

SERIA O MANTIMENTO
UMA CRUZ DE APENAS ALUMÍNIO
COM ALGUNS LAIVOS DE PROTACTÍNIO
EMBUTIDO NAS REDES SILICAIS
DE QUÊ OS CRAVOS?

SERIAM DE BRONZE
COBRE OU ESTANHO, CITRINO OU DE FERRITA
OU DE UMA LIGA DE ELECTRO BONITA
CUJO SEGREDO DE FABRICAÇÃO
JÁ SE PERDEU?

E EU ANDARIA
PARA TRÁS, PARA A FRENTE OU PARA O LADO
OU VOGARIA PELA ÁGUA TRANSPORTADO
ATÉ AS REDES DE UM PESCADOR
A ME ROUBAR A CASCA

OU SIMPLESMENTE
EU COMPORIA O KRILL DE MIL BALEIAS
FORMATARIA O ÓLEO DE SUAS VEIAS
E A RESISTÊNCIA DE SUAS BARBATANAS
QUE NINGUÉM HOJE QUER MAIS

DESVARIO  1 – 15 SET 13

Caso de fato me tornasse um camarão
Talvez até o povo me apreciasse
E lá no cais do porto alguém comprasse
Para cozer em saborosa refeição.

Certamente há maior procuração
De camarões que assim se descascasse
Do que versos de que a página virasse
Qualquer leitor de poema em promoção.

A casca descartada não se devoraria,
A carne entrecortada de salgada,
Ao invés de me buscar  em livraria

Ou então a casca seria aproveitada
Como um adubo que à horta serviria
Ou ao mar de volta simplesmente despejada.

DESVARIO 2

Mas que fazer com a casca de um poema?
Especialmente a dos novos, digitados.
Se imprimem capas para os interessados,
Porém não há lombada, triste pena!

E que faria Papai Noel sem rena?
Puxariam os arreios, pressurados,
Esses duendes na oficina acostumados
Dessa Lapônia de placidez serena?

Mas o que tem a ver Papai Noel
Com as cascas dos pobres camarões?
Talvez a cor das roupas para o inverno?

Ou alguém espera em desvario de fel
Encontrar qualquer lógica ou razões
Senão a rima ilógica do externo?

DESVARIO  3

O camarão num dia se aprecia,
Papai Noel em outro dias se espera.
São desejados e assim fora, quem me dera!
Talvez serei querido em qualquer dia...

Mas um poema que se engoliria
Depois de mastigar,  o enfado gera;
Papai Noel é uma esperança mera:
Nenhum poema assim me serviria.

Pois, de fato, o que eu mesmo gostaria
Era que fosse lido sete vezes,
Qaais camadas de cebola retiradas.

A cada vez, novo sentido mostraria
E poderia ser guardado muitos meses,
Como pétalas em livro enclausuradas.

CIDADE I – 16 SET 13

Versos não fiz para qualquer cidade.
E, por acaso, alguém os fez outrora?
Prosopopeia augusta nesta hora
não foi então destinada à humanidade?

Cidade alguma, em plena honestidade,
ir-me-á agradecer nessa desora
ou sequer me lerá com mais demora:
egrégoras não possuem voracidade. 

Ainda que tal espírito coletivo
paire nos céus com suposta proteção
e tudo veja, em sua inquietação,

não me lerá o grande ser altivo;
condescenderá sobre mim então, talvez,
porém somente no instante em que me lês.

CIDADE II

Portanto, quando escrevo, é para ti,
na busca de espertar-te uma emoção
ou abanar ante ti a sensação
de algo de novo que assim te transmiti.

Mas não tenho a ilusão que descobri
coisa alguma que não soubesses de antemão;
só tanjo as cordas de teu coração,
nessa busca de um ardor que pressenti.

Versos escrevo, talvez, por desfastio,
impulsionado quiçá por maldição,
mas nada faço, senão uma armação,

meus arames de sangue e do meu cio,
que a carne e ossos serão teus somente
caso tua alma ali derrames totalmente.

CIDADE III

Pois como poderia uma cidade
se dar integralmente, em empatia?
Somente os vivos possuem essa magia:
dormem os mortos em sua opacidade.

Servem os versos, portanto, à urbanidade,
esses que vivem e que a cidade lia.
É por seus olhos que perpassa a nostalgia
em suas mentes a reluzir eletricidade.

Que os versos que se escreve só despertam
nos habitantes as emoções contraditórias:
a gente espera comentários favoráveis

pelos tijolos que as vidas acobertam
e as multidões alicerçadas nas histórias
que cada um pretende intermináveis. 

SERRILHADA I – 17 SET 13

A gente tem a ilusão que pensamentos
ficam dentro da mente resguardados,
mas de fato no mundo são lançados
como fumaça em odor de condimentos.

Alguns deles com estranhos ornamentos,
pois bem de longe se nos foram copiados,
nos olhos e ouvidos alojados,
pequenas urnas de quaisquer procedimentos.

Outros nos surgem do fundo da memória
e se projetam ao longo do consciente,
para palavras e ações influenciar

e então nos deixam, de forma peremptória,
da boca no horizonte em salto ardente,
cruzando a serra sem nunca mais voltar.

SERRILHADA II

Porém não saem inteiros, totalmente:
deixam em nós as cores de sua poeira,
fica na alma essa impressão ligeira
que se conservem de forma permanente.

Contudo, os pensamentos têm a ingente
volição de se exporem nessa feira
das ilusões e da vaidade derradeira
que a sociedade compõem inteiramente.

Destarte, quando a boca firme cala,
são projetados pelo olhar avante
ou pelos próprios ademanes corporais

e se expandem em respingos, como bola,
nos concêntricos círculos da intrigante
demanda por fronteiras do ademais.

SERRILHADA III

Ficam assim sementes na memória,
picos e vales de coadas emoções,
qual serrote de quebradas sensações,
a serragem em conclusão peremptória.

A maravalha em volutas, fina escória,
manifestada em falsas convicções,
lembranças a volutear percepções,
biruta apenas, fingindo ser história.

Estranha rede de malhas pegajosas,
de que a mente pretende ser a aranha
e se encontra protegida por casulo

das ferozes visões mais perigosas
em que o pensar rebrota e então se assanha
por assaltar o universo em novo pulo.


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