CIÚME DO BEIJO
& MAIS
William Lagos
CIÚME DO BEIJO I – 31 JAN 14
Eu quis ser beijo, que não me contentava
a somente nos teus lábios pôr os meus:
logo esquecias que haviam sido teus,
quando a toalha ou guardanapo os esfregava.
Quis projetar-me quando menos esperava
e inserir-me através descuidos seus,
para instalar-me de seus pulmões nos véus,
do hálito a partilhar que respirava...
Porém, ao penetrar, fui aspirado
e aprisionado de maneira imponderável
no céu da boca por seus anzóis pendentes,
igual migalha, ali sempre conservado,
a debater-me, como pássaro notável,
entre as grades formadas por seus dentes...
CIÚME DO BEIJO II
Não quis ser beijo, então, porém deixar
esse meu beijo permanente em ti;
que vida ele alcançasse de per si,
o seu ressaibo constante a refrescar
a tua memória do antigo meu beijar,
que igual eu fosse como um colibri,
que então pousasse unicamente ali
e repelisse qualquer outro a se achegar.
Seria um beijo feroz de rebeldia,
incapaz de aceitar qualquer desvio,
esse meu beijo de potente calafrio,
que na tua boca eterno pousaria,
“Beijo da Guarda” perante um pretendente,
lembrança minha a recordar frequente...
CIÚME DO BEIJO III
E nem um beijo assim permitiria
que não fosse o próprio beijo que deixei;
com esse ósculo de tua boca me apossei,
que a ti em serva minha encantaria.
E qualquer outro que a ti se achegaria,
ao encontrar a sentinela que deixei
desafiado seria, como guarda de algum rei,
que a posse única para mim garantiria.
Sem perceber que o defensor feroz
provavelmente, nem me reconheceria
e acesso negaria aos lábios teus;
que o beijo único seria o meu algoz,
pois nem a mim em tua boca aceitaria,
esquecido de que teus lábios foram meus...
O ERRE PERDIDO I [para
Neusa Tânia] – 15/7/06
Se meu Erre for
peRdido, o que farei?
Reconquistar,
Rastrear, Recuperar, Reter?
uma palavRa mais já
não posso concebeR
que me indique o
caminho; já nem sei
para o que seRve esse
Erre doRavante:
Rasgar, Roubar,
Recalcitrar, Rugir?
pela falta de um Erre
peRquirir
onde ocultou-se esse
sinal Rascante...
o Erre Risca o céu,
como um coRisco,
Rapidamente Retira a
propRiedade,
transfoRma AMO em Ramo
sem vaidade...
e, num Relance,
peRcebo, com abalo:
o Erre não me Rasga,
mas belisco
o céu da boca, a fim
de pRonunciá-lo...
O ERRE PERDIDO II – 01
FEV 14
(Em remoer
nefelibático.)
Será que errei ao
tentar recuperar
o rastro desse erre
recessivo?
O raio desse erre
reincidivo
na ruindade de seu
rude regougar?
Será que regateei ao
retornar
ao rasgo de retórica restivo,
ranger rabínico de
roto recessivo,
relampejante raio,
qual repto a riscar?
Rangendo os dentes por
rivalidade,
rompi o meu retábulo
rampante,
o reinado em rompante
de rugido,
na rampa rotular da
realidade,
rito de raiva redonda
num rasante
voo em rubor de rútilo
rangido...
O ERRE PERDIDO III
Riso em raso e
repentino retalhar,
em rigor repulsivo e
repugnante,
em renda revelada e
repousante,
um repuxo reprimido a
requebrar,
em resenha resedá a
repulsar,
o requisito do repúdio
represante,
o renascer renal
remunerante,
o renovo rendido em
rendilhar,
rei da renúncia em
ringue a repicar
a repisada réplica em
recalcitrante
rondó rasgado pela
repetição,
na regra régia de
reles rezingar,
regurgitando o
relativo rejeitante
repipocar de refinada
reflexão.
O ERRE PERDIDO IV
Com garra longa de
alfabética rasteira,
a mim mesmo em tal
rascunho retalhei.
Por que razão no erre
rebolquei,
refocilando em resgate
de rigueira,
rivalizando na mesma
roubalheira,
rijamente rajado eu
rastejei,
ralei as rugas como rã
e recalquei
as rotas roxas da roda
mais rueira,
sem refletir no rigor
dessa retórica,
rasguei os dedos em
ramos de cristal
arrancados ao ruir da
ribanceira,
no ríspido rufar da
rocha armórica,
só recobrando um
rascante radical
a reluzir contra as raias
da ratoeira.
PAROXISMO I – 01 FEV
14
Há certos fatos na
vida tão marcantes
que nunca abandonamos
seus fantasmas;
eles retornam dia a
dia, como asmas,
que nos cortam o
pulmão por dois instantes.
Em geral, esses fatos
perturbantes
não são momento que em
prazer te pasmas,
nem são de medos em
que pavor espasmas,
porém as ocasiões mais
humilhantes.
Quando menos se
espera, essa memória
nos pega de tocaia,
desde a infância,
e nos envolve em
desgosto o coração.
E como é clara essa
visão inglória,
igual que fosse, na
sua exuberância,
garra de espinhos que
nos rasga a mão.
PAROXISMO II
Não sei por que há tal
perversidade,
que nos aflige e remói
constantemente,
mas surge a mágoa em
festival urgente,
dançando triste sobre
a realidade.
É como se um duende de
maldade
habitasse na gaiola do
inconsciente
e se escapasse da
guarda facilmente,
quando o peito
relaxasse sua vontade.
Então imagem, perfume
ou qualquer som
abrem passagem à má
recordação
que por instantes nos
controlaria,
sem que qualquer
lembrança de bom-tom
tivesse igual poder de
persuasão
e somente com esforço
afloraria...
PAROXISMO III
É claro que essa atroz
pinacoteca
é recolhida de volta à
sua prisão,
sem grande esforço, só
tem breve duração,
porém lá fica, estéril
biblioteca.
E nesse instante em
que a censura peca,
já nos volta a leprosa
multidão
de lembranças de
qualquer desilusão
que, por instantes,
toda a alegria resseca.
Acredito que quem
sofra depressão
nem consiga tais
memórias reprimir
e que elas dancem em
caleidoscópio,
num baço arco-íris de
plena negação
de qualquer sensação a
redimir
os fantasmas que se
nutrem de tal ópio.
SONS DE LÍRIOS I – 2
FEV 14
(Para William e Sarita
Merrick Thomas)
É tão inútil viver
para o passado
que já se coalesceu e
nunca muda,
os sons-delírios que a
memória estuda,
experiência que se
agrega a cada lado.
Nosso presente
tampouco é demorado:
só por instantes nossa
vida escuda,
fugaz momento em que o
futuro se desnuda
e as horas corta,
ansiando ser passado.
Mas o porvir ainda nos
pertence
e pode ser sorteado,
certamente,
que os dados giram ao
sabor da mão.
Por mais que a
escuridão hoje se adense,
nova rota se toma,
incontinente,
a cada volta, giro e
toque do timão.
SONS DE LÍRIOS II
Houve um tempo em que
os lírios conversavam
não apenas entre si, porém
comigo;
em meu jardim, no qual
havia dado abrigo
aos lírios roxos que
em hastes se espalhavam.
Eram Lírios da
Virginia, que espelhavam
a Flor-de-Lis daquele
emblema antigo
adotado pela França,
que consigo
os meus padrinhos
trouxeram e aqui plantaram
as íris púrpura que a
si mesmas perfilharam
e conversavam comigo
nesse encanto,
que viam em mim, num
simbolismo santo;
mas trazidas para cá,
elas secaram,
muito embora suas
lâminas desnudas
se tenham projetado em
muitas mudas...
SONS DE LÍRIOS III
De meu padrinho
norte-americano
foi que o nome de
William eu herdei;
com o apelido de Bill
me acostumei
ou então Billy, em
infantil arcano
que ainda me
acompanha, por engano,
já que a infância há
longo tempo abandonei;
o restante de meu nome
desprezei,
sem demonstrar
desrespeito soberano.
Luis e Humberto são
nomes mais comuns,
que ainda emprego na
documentação,
mas já então os lírios
me falavam,
assoprando-me aos
ouvidos, incomuns,
o velho nome de
anglicana tradição
em que seus tons de
roxo se espelhavam.
SONS DE LÍRIOS IV
Existem hoje lírios no
jardim.
São íris brancas que
também se plantam
e em sua frustração
gemem e cantam,
pois não têm terra
para plantar-se assim.
Secam-se as mudas no
empedrado, enfim;
sobre ladrilhos e
pedras não transplantam;
têm somente as
melodias que descantam,
em vaso grande, a se
queixar de mim.
Mas sejam brancas ou
íris violetas,
elas conservam suas
canções secretas
lírios de vento
tangidos no sem-fim,
que apenas eu escuto
tal perfim
a alma inteira
perfurada em tal brasão
ao transplantarem-se
bem fundo ao coração.
CABEÇAS DE PONTE I – 3 FEV 14
O mundo somos nós e o reinventamos
E quanto vemos, só de
nós provém;
Existem bases para as
coisas que se veem
Ou que se abrigam no que apenas degustamos.
Existem moldes para o que tocamos;
Os sons ouvidos
diapasões contêm,
Mas nossas percepções
tais bases leem
E as interpretam do modo que as sonhamos.
Sem dúvida, o que eu chamo de paixão
Não é o mesmo que vês
exatamente,
Possui arco-íris de vasta gradação
Que suas tésseras agita, em subjacente
Caleidoscópio a tingir
cada emoção,
A recriar-se em cada dia diferente...
CABEÇAS DE PONTE II
Forma-se o mundo de um milhar de criaturas,
Não necessariamente de
pendores animais
E nem forçosamente
vegetais,
Nem poeiras de almas de funções obscuras.
Pois habitamos permeio às formas puras,
Mais realmente por
entre elementais,
As estruturas que
chamou de universais
Grego filósofo em diálogos e escrituras.
E a tais formas achamo-nos sujeitos,
Porém a nosso modo as
interpretamos:
Cada um colore suas próprias abstrações
E as recompõe à luz de seus defeitos
E as qualidades que
lhes emprestamos
Nos devaneios que chamamos de ilusões.
CABEÇAS DE PONTE III
Cada qual em si mesmo mergulhado,
A interpretar, até
mesmo sem querer,
As sensações que lhe chegam
pelo ver,
Pelo ouvido ou pelo tato retalhado.
Não o fazemos a nosso bel-prazer,
Mas nosso eu é ele
mesmo interpretado,
Por tais conjuntos de
fatos marchetado
Ou pelos nexos de um primevo proceder.
Naturalmente, o que eu chamo de vermelho
É o mesmo segmento do
visível,
Denominado desde o tempo velho...
Mas quem te diz que a cor perceptível
É a mesma refletida
pelo espelho
De qualquer outro nesse espectro do possível?
CABEÇAS DE PONTE IV
Chamo a relva de verde e assim a chamas;
Chamo o fogo de encarnado
e assim o vês;
Ao céu eu chamo azul e
assim o crês,
Tons de amarelo nas areias e nas lamas.
Mas esse meu azul que igual proclamas
Pode ser tom bem
diverso nessa tês;
Dás-lhe o nome que
desde a infância lês,
Mas outras sílfides talvez bailem nessas flamas.
Se assim não fora, por que o daltonismo?
Nessas pessoas de quem
dizemos que confundem
O verde e o encarnado e o veem cinzento.
Ou noutros casos de mais grave ilusionismo
Em que só veem o
amarelo e assim se iludem
Com tons de cinza do amplo firmamento.,,
CABEÇAS DE PONTE V
Assim as cores de aproximada percepção
Cujos limites percebo
interpretados,
Azuis e verdes em dez
tons misturados,
Laranja e rosa em mais estranha confusão.
Ocorre o mesmo com os sons que aqui estão
Na dependência de vibrações
acostumados
Ou no toque de
texturas confirmados
Ou nos sabores e faros de ocasião.
Há quem confunda a dor com o prazer
E quem perceba
diversamente o frio
Ou o toque da libélula na pele.
Tudo em função do próprio conceber,
Muitos capazes de
discutir, com brio,
Com quem alheia interpretação revele.
CABEÇAS DE PONTE VI
Será que as cores existem, realmente,
Os sons, os toques, os
múltiplos sabores?
Será que existem os
ódios e os amores
Ou é tudo projeção do subconsciente?
Mas se, de fato, fosse tudo diferente,
Mal poderíamos
concordar em tais pendores,
Cada um a debater, com
seus vigores,
A sensação que um outro sinta divergente.
Por sorte existem, permeio ao imponderável
Que só se encontra em
nossa própria mente,
Essas gestalten de
básica estrutura,
A constituir uma ponte mais durável
Entre esse mundo
externo e subjacente
E os fantasmas que a percepção conjura!...
TEMOR
DOS MONSTROS 1 – 4 FEV 14
Sempre
existiram, nas historias infantis,
os
mais saudáveis elementos de terror;
não
é o mundo esse lugar de amor
dessas
sagas disneyanas pueris.
Convém
que se recorde aos bons guris
que
existem monstros de real vigor,
disfarçados
em gente; e que o pavor
é
verdadeiro nos anos juvenis.
Foi
muito raro que lobos atacassem;
algumas
fêmeas até protegem as crianças;
quem
mais ataca são os cães domesticados
que
em defesa do lar mais se treinassem;
ou
os gatinhos, criaturinhas mansas,
por
quem tantos bebês são arranhados!...
TEMOR
DOS MONSTROS 2
Na
verdade, os nossos pesadelos
são
atávicos e vêm de priscas eras,
dos
ancestrais que já enfrentaram feras,
temor
dos mortos nutrindo nos seus zelos,
especialmente
nos países em que os gelos
os
conservam através longas esperas,
tantos
deixados pelas pestes nas esteiras
ou
pelas guerras em abandono e desmazelos.
Bem
melhor faziam os antigos,
que
cadáveres cremavam sem demoras,
até
mesmo nas batalhas de suas guerras,
enquanto
nós nos expomos a perigos,
decompostos
os corpos em mil horas,
pestilência
a distribuir por tantas terras.
TEMOR
DOS MONSTROS 3
É
uma tolice criticar o super-herói
que
se demonstra bem mais forte que os humanos;
cada
um combate os seres mais insanos,
cuja
ameaça se afasta e se destrói.
Antigas
crenças o tempo queima e mói:
anjos
e santos eram super-humanos;
eram
demônios monstros desumanos;
hoje
essa fé a moderna vida rói.
Mas
certamente há sociopatas demoníacos,
que
pretendem ser vampiro ou lobisomem
e
vitimam as pessoas mais normais.
Difícil
crer em seres paradisíacos;
bem
mais fácil aceitar-se um super-homem
ou
um policial com dons paranormais.
TEMOR
DOS MONSTROS 4
Pois preenchem infantil necessidade
da
proteção que não lhe dão os pais,
longe
de casa, por deveres naturais,
como
requer a atual civilidade.
E
até o contato com a comunidade
de
outras crianças traz toques infernais;
existem
grupos que rejeitam as demais,
outras
demonstram ter pura maldade.
Existem
monstros sim, mesmo na infância,
que
outros maltratam em pura covardia:
é
falsa essa ilusão de sua inocência;
e
um super-herói combate essa arrogância
e
fortalece a quem tem menos valia,
de
outro modo perdido na impotência.
TEMOR
DOS MONSTROS 5
Nos
contos de fadas, em seu formato antigo,
há
uma série de emblemas concebidos:
três
desafios veem-se sempre repetidos,
por
cada monstro um ajudador amigo.
E
por maior que seja o seu perigo,
sempre
os heróis aos monstros têm vencidos;
há
três irmãos, os menores oprimidos
pelos
mais velhos, mas de pensar, consigo
entender
que são apenas três idades,
compartilhadas
por uma só criança,
que
cresce, vence e então conquista o mundo,
nessas
lições de perfeita majestade,
de
que sempre pode haver a esperança
da
escolha certa conduzindo a um fim jocundo.
TEMOR
DOS MONSTROS 6
Ao
contrário de provocarem pesadelos,
fortalecem
a infantil personalidade;
os
pesadelos são descritos, na verdade,
mas
são vencidos pelos próprios zelos.
Têm
os desenhos de hoje outros desvelos,
adocicados
por falsa humanidade,
monstros
tolos, quase de incapacidade,
sem
grandes lutas a derreter tais gelos.
Isso
explica essa atual popularidade
dos
videoguêimes de morte simulada
e
de ressurreição quase imediata
ou
esses filmes de terror da atualidade,
com
pesadelos tornados realidade,
sem
que de fato na vida se combata.
ABORTO I – 5 FEV 14
Era de noite e nos meus braços tive
bela mulher de ânsia dadivosa.
Igual que dizem, era rosa perfumosa,
perante o cravo totalmente livre.
Era de dia e junto a ela estive
manhã inteira, plena e langorosa,
melhor que desjejum, em capitosa
oração que na memória assim me crive.
Ao meio-dia, ainda desvestidos,
de permeio aos lençóis amarfanhados,
se a devorava, a mim ela comia,
na estranha prece que o desejo permitia,
seus membros por meu corpo demarcados,
meus membros por sua boa deglutidos...
ABORTO II
Era de noite e num sonho esmeraldino,
nos seus olhos mergulhei, inteiramente,
toda a minha turmalina de descrente,
marchetada em crisopraso peregrino.
Era de dia e em suspiro pequenino
ela aceitou ser minha novamente...
Havia marcas no lençol enrubescente,
gemia o colchão sob o esforço matutino.
Ao meio-dia, sob ducha virginal,
seu corpo contra o meu, em carnaval,
sem que o adeus da carne sobreviesse.
E novamente, em melopeia triunfal,
os azulejos renovaram o festival,
pequenos gotas escorrendo numa prece.
ABORTO III
Mas toda noite é noite e dia é dia:
a lucidez que em seu olhar luzia
já me anunciava o fim dessa novena.
Amor perfeito, como é leve a pena,
gota silente que se desprendia,
ai, como a imagem prender mais queria
na bateria de luzes dessa cena!...
Como eu queria reter essa verbena
que se evolava e, aos poucos, se esvaía...
Como essa plácida certeza eu já temia:
arauto duplo que à solidão condena!
E todo dia é dia e noite é noite...
Chegou a tarde e já vestida, como açoite,
ela partiu, em despedida plena...
ANÚNCIOS
PISADOS I – 6 FEV 14
VOLTO ÀS
CALÇADAS QUE PERCORRI CONSTANTE:
MAL AS
PERCEBE QUEM SÓ ANDA DE AUTOMÓVEL
E QUE NÃO
ANDA, AFINAL, MAS MARCHA IMÓVEL,
CONTRADIÇÃO
DE NATUREZA OBSEDANTE...
MAS EM MEUS
PASSOS EU SOU PERSEVERANTE
E O TEMPO QUE
SE PASSA EM PASSO MÓVEL
CRIA EM MINHA
MENTE UM MARTELAR SOLÚVEL,
NUMÉRICO SEU
CRISMAR DE CADA INSTANTE.
E ENQUANTO
CONTO OS PASSOS AO DESTINO,
COMO UM
ROSÁRIO QUE ME SERVE DE PATIM,
OBSERVO VINTE
FIOS QUE ALI ESCORREM,
NÃO NOS MEUS
PÉS, MAS NOS OLHOS DE MENINO,
SIMULANDO MEU
MARCHAR SOBRE UM JARDIM
DE ANTIGOS REINOS
COMO SONHOS QUE NÃO MORREM.
ANÚNCIOS
PISADOS II
POUCO A
POUCO, ESSAS TÉSSERAS PISADAS
QUE FORMAVAM
DESENHOS NAS CALÇADAS,
COM CUIDADO
SOBRE ARGILA CALCETEADAS,
POR MEIO-FIO
DE GRANITO COMPASSADAS,
DERAM LUGAR
ÀS QUADRADAS TIJOLETAS
DE CIMENTO COMPRIMIDO
E, POR COMPLETAS,
COLOCADAS
DENTRO A UM TANQUE, EM DIRETAS,
PERPENDICULARES
FILEIRAS COMO ATLETAS
E SÓ DEPOIS
SENDO EXPOSTAS PARA O SOL,
POR COMPLETAR
O SEU ENDURECIMENTO:
PRIMEIRO
ÁGUA, DEPOIS SOMBRA, ENTÃO A RUA.
AS MAIS LISAS
COLORIDAS EM CRISOL
DE ROXO-TERRA
E ANILINA, PARA ASSENTO
NOS
CORREDORES EM QUE A UMIDADE SUA.
ANÚNCIOS
PISADOS III
AINDA HAVIA
NESSA ÉPOCA ESCARIOLAS,
BASICAMENTE
POR GESSO CONFORMADAS,
ALGUMAS COM
DESENHOS ESMALTADAS,
OUTRAS
SOMENTE COM MANCHAS E VIROLAS.
MAS ERAM DE
PAREDE, SEM QUE ÀS SOLAS
FOSSEM
EXPOSTAS DE MARCHAS APRESSADAS,
PELA VISÃO
PERIFÉRICA CONTEMPLADAS,
BREVES
MOSAICOS LISOS COMO GOLAS,
AMPARADOS NOS
TAPETES DE LADRILHOS,
ALGUNS DOS
QUAIS COM MOTIVOS CAPRICHOSOS,
INTERCALADOS
COMO VESTES DE ARLEQUINS,
OUTROS
ROSÁCEAS TERRESTRES OU EM TRILHOS,
ESTRELAS
PURAS NOS PISOS PRESTIMOSOS,
COM DOIS OU
TRÊS DEGRAUS QUAL ALFENINS.
ANÚNCIOS
PISADOS IV
JÁ NAS
CALÇADAS, EM SUAS CINZAS ESVERDEADAS,
FORMAS EM
GRADE O CIMENTO COMPRIMINDO,
ESSAS
RANHURAS O PASSO PERMITINDO,
SEM QUE OS
PASSANTES PERDESSEM SUAS PISADAS.
TAMBÉM TINHAM
SEUS NOMES: BOLACHINHA,
COM UMA SÉRIE
DE QUADRADOS DEFININDO;
OUTRAS EM
CURVAS SINGELAS DIFERINDO,
QUE OS
FABRICANTES CHAMAVAM DE PEDRINHA.
AINDA A
OUTRAS CHAMAVAM DE CATETE,
EM ALUSÃO À
CALÇADA PALACIAL
QUE ACESSO
DAVA, NO RIO DE JANEIRO,
A ESSE
PALÁCIO EM QUE, SOB CONFETE,
DAVAM POSSE À
PRESIDÊNCIA NACIONAL,
EM MODESTA
IMITAÇÃO DE UM ESTRANGEIRO.
ANÚNCIOS
PISADOS v
AQUI E ALI,
EM UM LANCE DE CALÇADA,
LEVE TOQUE DE
VERDE REFLETIDO NO CINZOR,
SE DESTACAVA
UMA PLACA COM VIGOR,
CORES BAÇAS
EM SUA LISURA DESCUIDADA.
BOA PARTE
DELAS JÁ FOI ARRANCADA,
QUE OS
FABRICANTES PERDERAM SEU PENDOR,
LADRILHADOS
EM SUAS TUMBAS SEM AMOR,
FIRMAS
FECHADAS OU PROFISSÃO ABANDONADA.
MAS AINDA
VEJO ALGUNS NOMES CONHECIDOS,
LEMBRANDO
ROSTOS DE MINHA ADOLESCÊNCIA,
DE MINHA
INFÂNCIA OU INICIAL MATURIDADE.
CARUCCIO E
OBERST, QUE CONHECI FALIDOS,
SEGUNDO
DEIRO, COM FIRMA DE POTÊNCIA,
DURANTE
DÉCADAS FUNCIONANDO NA CIDADE.
ANÚNCIOS
PISADOS Vi
“MATERIAIS AGRÍCOLAS
E DE CONSTRUÇÕES”,
QUE
FACILMENTE ENCAIXEI NESTE SONETO;
ALGUNS MAIS
RAROS, DE NOME MAIS SECRETO,
ALGUMAS
CHAPAS DE METÁLICAS FUNÇÕES.
“EXGOTTOS”,
DIZIAM ALGUMAS, EXCLAMAÇÕES
FUNDIDAS EM
ORTOGRÁFICO ABJETO,
POR MUITOS
ANOS CRITICADAS POR COMPLETO,
MAS FUNDIR
NOVAS TRARIAM INCOMODAÇÕES...
EM OUTRO DIA,
TALVEZ OUTRAS MENCIONE;
AGORA BASTA
DIZER QUE A PROPAGANDA
TEVE OU NÃO
TEVE RESULTADO POSITIVO,
JÁ QUE O
OLHAR HUMANO É MAIS EM CONE
QUE SE
PROJETA NOS ROSTOS, QUANDO ALTIVO
OU POR SER
TÍMIDO, AO HORIZONTE SÓ DEMANDA.
POEMAS DE ÁGUA I – 7 FEV 14
O que dizer, se um dia o amor acaba,
sem que se saiba o porquê do terminar?
Quando a outrem alguém só quer deixar,
nessa inquietude em que tudo se desaba?
O que dizer, quando a obra que se gaba
não se reflete no prazer de um elogiar?
Quando alguém quer simplesmente se afastar,
que não suporta mais a palha de sua taba?
O que dizer, quando esse alguém nem saiba
qual a razão de seu desejo de partir
e nem encontra razão de se queixar,
porém nossa presença nem mais caiba
em seus fantasmas sonolentos do iludir
e nem a si própria consiga se explicar...?
POEMAS DE ÁGUA II
O que fazer, quando nada de concreto
existe a se apontar entre nós dois?
Que o pensamento escuro do depois
sejam só olhos abertos em secreto,
em tal momento de fingir completo,
em que o sono se pretende, dois a dois?
Nesse leve fungar que vem depois
de feito amor sem o orgasmo mais dileto?
O que fazer, se nem sequer o sexo
entre nós dois se tornou satisfatório?
O que fazer, ao ver feitas as malas,
sem ter motivo, sem sequer revelar nexo?
O que fazer, esgotado o repertório,
tudo já dito, sem sobrar nada que calas?
POEMAS DE ÁGUA III
O que fazer, se a solidez derrama
as suas moléculas em aquáticos filetes?
O que fazer das cartas e joguetes
já liquefeitos sobre a nossa cama?
O que fazer, quando amor não mais reclama
e nem protesta de um desgosto que projetes?
O que fazer, ao notar que em nada afetes
o amor de teu parceiro ou de tua dama?
Nada resta a fazer, é bem verdade,
quando as palavras de amor se liquefazem
e outras moléculas ocupam seu lugar,
deixando apenas um resquício de umidade,
da ponta de teus dedos a pingar,
enquanto os prantos lentamente se desfazem...
tempo
de sábado I – 8 fev 14
para
quem tem afinco no trabalho
o
dia sexto é dia de esperança
que
se possa usufruir com mais bonança,
sem
compromisso, sem medo de ato falho;
por
cinco dias sob o estridor do malho,
surge
então a manhã dessa esquivança;
o
descanso ao meio-dia se embalança
como
de velho pescoço em perigalho...
não
assim para mim. fim de semana
sempre
trouxe renovado compromisso:
uma
parte para a igreja, sem que Deus
fosse
de fato respeitado nessa inana,
cujas
horas empreguei para o castiço
completar
de meus deveres fariseus.
tempo
de sábado II
com
frequência, as ditas horas de descanso
redundavam
em maior ocupação;
sempre
havia a visita de ocasião
a
requerer de mim o seu balanço.
se
para os outros era repouso manso,
para
mim era maior expectação;
o
sábado esperava em inquietação:
de algum
incômodo esperando o ranço.
depois
me aposentei, teoricamente,
pois
então me dediquei à tradução,
feriado
ou dia santo sendo o mesmo
e
tudo se inverteu, estranhamente,
já
que hoje a igual cansaço de ocasião
atendo
facilmente em dia a esmo...
tempo
de sábado III
que
significado tem o sexto dia?
o
sétimo, sem dúvida, deveria
ainda
ser e até mesmo o calendário
ainda
marca o domingo por primeiro...
caso
eu fosse judeu ou adventista,
todo
o domingo teria trabalho à vista,
o
sábado consagrando por inteiro.
porém
afirmam como sendo verdadeiro,
de
um por-do-sol a outro, na sua crista,
o
verdadeiro sábado em sua lista:
chegando
a noite do dia derradeiro
o
culto sabatista se cumpria.
mas
e o domingo, com seu santo sudário,
todo
ao trabalho se consagraria?
tempo
de sábado IV
foi
o domingo escolhido, cristãmente,
como
o dia do descanso e tal trabalho
seria
tomado como ofensa e talho
caso
os judeus obrassem abertamente.
a
explicação que se dá, constantemente,
é
que a Ressurreição, um ato falho
da crucifixão
romana ergueu o malho
contra
o sábado, de forma permanente.
seria
então dignificado esse domingo
pela
Páscoa do Cordeiro ressurreto
e
não o sábado de seu descanso tumular,
durante
o qual ressecaria cada pingo
do
sangue em coágulos, no túmulo secreto,
no
qual o corpo foi posto a descansar.
tempo
de sábado V
mas
a verdade é que as perseguições
dos
romanos aos judeus se dirigiram,
muito
mais que aos cristãos que então surgiram
e
se espalharam em quaisquer populações.
e
muitos mártires das primeiras ocasiões
com
os demais judeus se confundiram.
Jesus
Cristo era judeu e os que O seguiram
inicialmente,
através das conversões
eram
todos judeus e o bom Simão
acreditava
que a mensagem do Messias
para
os judeus tão só se destinava.
mas
quando submetidos à escravidão
eram
rebeldes os judeus de antigas vias
e
era por isso que a punição se originava.
tempo
de sábado VI
mas
por que deveria transcorrer
o
tempo do domingo ao mesmo passo
dos
dias de semana e não escasso
esse
período de descanso decorrer...?
que
cada hora ampliasse o parecer,
lançando
sobre outras o seu laço,
muitos
minutos roubando em seu abraço
dos
dias de trabalho e padecer...
exceto
para quem monotonia
encontra
num descanso sem prazer
e
até ressente a falta de trabalho.
que
então pudesse desmembrar o dia
e
lançar para a segunda mais viver,
cada
hora ampliada nesse esgalho...
AMOR DE SEREIA I – 9 FEV 14
Quando na praia o poeta devaneia,
especialmente no rugir do preamar,
as espumas a quebrar-se em seu flutuar,
surge-lhe o anseio pelo canto da sereia.
Porém a areia, como a concha, o passo peia
e esse canto se confunde ao marulhar...
Será a sereia que se escuta sobre o mar
ou o desamor que no seu peito anseia...?
A multidão que só busca a pele expor
para o assassino e fatídico bronzear
nem sequer pensa em sereias escutar;
só para olhar alheio o seu pendor,
em sua vaidade ou em seu envergonhar,
sob o velho e antigo jugo do sexor...
AMOR DE SEREIA II
Quando na praia a sereia devaneia,
especialmente ao fulgor do entardecer,
a baixamar da areia já a escorrer,
em seus pendores de caprichosa deia,
será que ante o anseio do poeta, devaneia
ou bem recorda a elegia do sofrer
da anderseniana sereia em seu morrer,
ao entregar-se do amor humano à peia?
Quando as sereias sobre o recife assomam
é
porque as luzes da praia já se acendem;
retornaram pescadores à sua aldeia
e os pecadores o seu bailar retomam,
nos bares e boates a que se prendem,
sem escutar qualquer lamento da sereia.
AMOR DE SEREIA III
Quando na praia devaneia a areia,
constante contra as conchas a roçar,
em suas carícias as solas a abraçar,
será que um grão pelo poeta devaneia?
Quando na praia o crepúsculo incendeia,
entre os marulhos das ondas a nadar,
erguem-se os grãos para logo repousar:
será que algum pela sereia anseia?
Cantam as deusas sem pernas sobre o mar,
as barbatanas em constante tremular
e sobre a areia, só o poeta escuta...
Na vasta ânsia de nova e arcana gruta,
em que sereia de areia a descantar
preencha o tímpano de seu perpétuo devanear...
AMOR DE SEREIA IV
Mas o que faz o poeta quando escuta,
sem qualquer dúvida, bem exatamente,
esse canto descrito tão frequente
dessas sereias, em sua perpétua luta?
Cada sereia em sua antiga fome bruta
de caminhar na praia livremente,
mas sem ter pernas, num ódio subjacente
por quem consegue pisar da areia a gruta!
Talvez deseje o poeta se entregar
aos braços da sereia mais faminta,
sem com o próprio afogamento se importar.
Mas o que anseia a sereia, a deslizar,
perante o estrondo das ondas, nessa finta,
sem que ao poeta possa ao menos escutar?
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