domingo, 9 de fevereiro de 2014





O ANÃO MÁGICO (Folklore alemão,
recolhido pelos Irmãos Grimm, hommage a Nancy Springer,
versão poética William Lagos, 30 JAN 14.)

O ANÃO MÁGICO I

Era uma vez um moleiro na Inglaterra,
que constante em seu moinho trabalhava,
fosse o tempo de paz, fosse de guerra,
de sua farinha sempre se necessitava;
traziam-lhe trigo por campos e por serra
e com facilidade o transformava,
sem cobrar nada, mediante percentagem,
ambas as partes vendo nisso boa vantagem.

Junto ao grão, muitas vezes vinha palha,
que separava para alimentar seus animais,
mas a moinha, o pó que o vento espalha,
era amontoada em fossas naturais;
até que a filha mais velha, sem mais falha,
começou a trançar esses juncais,
fazendo cestos muito cuidadosos
e também sacos, bastante numerosos.

Guardava neles o moleiro a sua farinha
e nos cestos todo o pão que cozinhava;
muito em breve, comprar sacos já não tinha
e sua farinha facilmente ele ensacava,
sem precisar prender fogo na moinha
e então, de sua filha se gabava,
que lhe fiava toda a palha em ouro,
contribuindo para aumentar o seu tesouro.

Ora, é claro que essa gabolice
chegou aos ouvidos do rei daquela terra,
que movido por ambição ou por tolice,
quis ver seu cofre e o ouro que ele encerra,
querendo impostos para o tempo da velhice
ou como forma de financiar alguma guerra...
E o moleiro, temendo os seus soldados,
veio entregar-lhe os lucros angariados.

O ANÃO MÁGICO II

Era bem pouco e ao rei não satisfez...
“Mas isso é tudo que guardou no seu tesouro?”
“Majestade,” em mil desculpas se desfez,
“eu comprei terras e trabalho como um mouro,
tenho dez empregados... e a cada mês
pago os impostos, sem nenhum desdouro...
Pouca coisa me sobra para dar,
salvo a farinha que Vossa Majestade precisar...”

Ora, o rei não era o tipo do tirano
que julgando haver mais ouro acumulado
o levaria a suas masmorras, com o plano
de fazê-lo confessar, se torturado
e submetido a um ordálio desumano,
o local em que seu ouro havia enterrado.
Caso o moleiro morresse, perderia
os bons impostos que mensalmente recebia...

Mas não queria que julgassem que era tolo
e assim, ele indagou, severamente:
“De sacos de farinha um alto bolo
posso enxergar pelos cantos, claramente;
e vejo a poeira subindo em largo rolo:
de sua mó e do ariel a erguer-se permanente...”
“Sim, Majestade, porém os camponeses
só me dão uma parcela e algumas rezes...”

“Minha percentagem eu levo até a cidade
e a ponho à venda, com meus carroções...
Daí resulta bronze e ouro, na verdade,
mas gasto tudo com suas taxações...
E este que mostrei, na realidade,
guardava para pagar os tabeliães,
que a cada fim de mês vem, fielmente,
cobrar as taxas, de forma bem frequente...”

O ANÃO MÁGICO III

O rei então escutou seus conselheiros,
que lhe vieram cochichar ao ouvido:
“Está certo”, confirmaram os despenseiros.
“O moleiro paga sempre o que é devido,
todas as taxas e impostos corriqueiros
e envia farinha...” “Seu dever está cumprido,
mas me falaram de sua filha, Marybeth,
e de um estranho poder que lhe compete...”

“Mas que poder?” engasgou-se o bom moleiro.
“Meu amigo, o seu rei é inteligente...
Correm boatos de seu modo sobranceiro,
de seu gabar, perante toda a gente,
de que sua filha sabe fiar ligeiro
essa palha que põem fora, indiferente,
e transformá-la em belos fios de ouro,
de tal modo a acumular vasto tesouro...”

“Mas, Majestade, foi bobagem minha!...
Era só uma forma de falar!...
Marybeth é só cesteirazinha:
ela aprendeu a palha a transformar,
esse restolho que não produz farinha
em cesto e sacos para a carregar...
E como eu vendo mais farinha, facilmente,
que ouro tecia comentei, estupidamente...”

“Mas não é nada disso, Majestade,
ela somente cestos e sacos fia,
nunca teceu fios de ouro, na verdade!...
Foi só besteira que da boca me escorria...”
“Agora, chega!” – disse o rei, com acridade,
e apontou para uma jovem que se via,
meio escondida entre os sacos, a um canto,
dos seus olhos já a escorrer um certo pranto...

O ANÃO MÁGICO IV

“Traga ela aqui!... Vou levá-la a meu castelo!...”
E o moleiro não teve alternativa,
senão chamá-la...  E ao ver seu rosto belo,
falou o rei: “Mas tem beleza que cativa...
Sou viúvo quatro vezes, triste zelo...
Essas princesas e nobres, tanta diva,
Morrem de parto, sem me deixar herdeiro,
sangue plebeu pode ser mais verdadeiro...”

“Pois veja bem: caso sua filha fie
a palha em ouro, como você falou,
não será um matrimônio que se adie,
melhor esposa nenhum rei já encontrou...
Porém, se da tarefa se desvie,
será enforcada, pois verei que me enganou.
Quanto a você, desde já lhe perdoarei
quaisquer impostos que lhe exija a lei.”

Ficou o moleiro até bem satisfeito
em trocar a própria vida pela filha,
mesmo porque tinha o rei pleno direito
de forçá-la a seguir a amarga trilha
e a seus soldados achava-se sujeito.
Chorou a moça de pranto quase bilha,
mas a puseram na garupa de um cavalo
e a comitiva partiu em longo abalo.

E lá se foi Marybeth até o castelo,
sem na verdade sentir falta do pai,
que não mostrava por suas mãos desvelo,
calos e talhos que do trançar a palha sai,
sem qualquer lucro obter por tanto anelo:
cada vintém do pai nos cofres cai...
Levava apenas seu gasto vestidinho,
anel barato e de contas colarzinho...

O ANÃO MÁGICO V

Porém chorou ao longo do caminho,
molhando as costas do infeliz soldado;
não que sentisse falta do moinho,
mas do jantar... que havia sido adiado;
porém consolo encontrou, devagarinho,
porque um banquete lhe seria dado,
certamente, ao chegarem no castelo
e imaginando se o seu quarto seria belo...

Mas ai dela!...  Não ganhou jantar nenhum
e muito menos um quarto belo ou feio...
Sua Majestade só pensava em ter algum
ouro fiado bem depressa... E de permeio
a encerrou em um galpão comum,
cheio de palha até o teto; e bem no meio
uma roca e um fuso haviam posto,
viu Marybeth, para seu total desgosto...

“Mas eu não sei fazer ouro de palha!”
a donzela, em desespero, protestou.
“Não banque a tola!  Vai fiar sem falha!...
Se até amanhã seu labor não terminou,
será enforcada, com baraço e malha!...”
Severamente, Sua Majestade proclamou.
“Mas completando com cuidado sua tarefa,
será minha esposa e lhe darei o quanto peça!...”

Ora, não era o rei nenhum galã
e ser viúvo quatro vezes a assustava,
porém trancada, com medo da manhã,
Marybeth chorava e até uivava!
Transformar palha em ouro?  Coisa vã!
Por que o rei na mentira acreditava,
nas gabolices de seu pai moleiro...?”
Mas a noite ia passando, bem ligeiro...

O ANÃO MÁGICO VI

Foi nesse instante que cruzou o portão
uma estranhíssima e magra criatura:
não tinha um metro esse amarelo anão,
nariz, queixo e orelhas em ponta dura,
as roupas verdes, sapatos em bicão
e um chapéu cônico que ainda mais feiura
acrescentava a seu pequeno visitante,
que a avaliava, com um ar expectante...

Mas o que quer comigo esse anãozinho
e como foi que conseguiu entrar?
Para abrir o cadeado é tão baixinho!
Será que o rei o mandou a me vigiar...?
E a criatura indagou-lhe, de mansinho:
“Bela jovem Marybeth, por que está a chorar?”
Mas como foi que o meu nome descobriu?
E de que jeito aqui se introduziu...?

“Isso não importa!” – foi tal qual seu pensamento
tivesse sido pelo anão adivinhado.
“Qual a razão de tanto sofrimento?
De longe ouvi como tem você chorado...”
E ela, com medo de um futuro julgamento,
mentiu ser alergia que havia provocado
todo o seu pranto dentro do galpão;
sentia falta também da refeição...

Riu-se o anão, porém bem indulgente:
“Ora, comida não lhe tenho para dar...
Mas para a sua tarefa eu sou potente.
Se a palha eu fio, o que irei ganhar?”
Marybeth não era muito inteligente,
contudo estava inteiramente a desconfiar
das intenções do anão. “Eu sou noiva do rei,
portanto um beijo lhe dar não poderei...”

O ANÃO MÁGICO VII

“Ora, minha filha, de que me serve um beijo?
Sei que sou feio, mas consigo fiar ouro,
posso comprar todo o carinho que desejo...
Quem sabe me oferece outro tesouro...?”
Marybeth nada mais lembrou no ensejo:
“Quer meu colar?  É de cristal, em fio de couro...”
“Pois muito bem!  Dê-me o colar, então
e fiarei toda esta palha do galpão!...”

Marybeth concordou, ainda a desconfiar
e o colarzinho do pescoço retirou...
O anão amarelo se pôs a trabalhar
e toda a palha do galpão fiou...
Marybeth teve, é claro, de ajudar,
palha alcançava e o ouro ela empilhou.
E no final, pois tanto se esfalfara,
que ter feito toda a obra até pensara...

Findo o serviço, o anão desapareceu
e bem a tempo, pois o portão se abriu,
entrando o rei, que até se surpreendeu,
maravilhado com o metal que reluziu.
O tesoureiro examinou e recolheu:
“É ouro puro, Majestade!” – garantiu.
“São belos fios para tecer seus laçarotes,
mas derretido, transformamos em lingotes...”

“Meus parabéns, minha filha, que agiu bem!”
Ia o rei abraçá-la, mas recuou: estava suada,
o rosto imundo, suas duas tranças também,
porém bonita, apesar de desgrenhada...
Fez conduzi-la então a um ponto mais além,
pensando a moça numa mesa preparada...
Porém, ai dela!   O rei nem percebera
que tinha fome, que ele mesmo já comera...

O ANÃO MÁGICO VIII

E a infeliz Marybeth, para seu espanto,
a um galpão ainda maior foi conduzida,
cheio de palha e, mesmo com seu pranto,
foi encerrada e a promessa repetida:
“Fie esta palha e lhe darei um manto
e uma tiara... Depois, como rainha será tida;
Porém não a fie e será levada à morte!”
Ficou Marybeth a lamentar sua triste sorte...

Mas de nada adiantou, ficou trancada,
com toneladas de palha a seu redor...
E de repente, eis que estava acompanhada
pelo anãozinho, qual na noite anterior...
“Que me dará, se esta palha for fiada
e transformada em ouro de valor...?”
E Marybeth ofereceu seu anelzinho,
de cobre e pedra encontrada em riachinho...

“Pois muito bem!  Dê-me seu anel, então!
Mas ande logo a me alcançar a palha!
Desta vez, é bem maior nossa missão
e os fios de ouro vai trançar sem falha!...”
Marybeth trabalhou até a exaustão,
rolos de ouro amontoando em grande malha.
O anão terminou tudo, com um suspiro,
deu três voltas e sumiu no mesmo giro!

Na mesma hora, girou a fechadura
e entrou o rei, com sua comitiva.
Marybeth estava exausta e em amargura,
sem esperar desta vez a recidiva...
Mas, que nada!  Ao ver completa a obra pura,
dar-lhe comida nem passou na mente esquiva
de Sua Majestade, que a levou a um terceiro
galpão ainda maior, que seria o derradeiro...

O ANÃO MÁGICO IX

“Juntei aqui toda a palha que restava...”
disse o rei.  “Faça só mais esta vez,
que a capela real já preparava...
Repita apenas o trabalho que já fez!...”
“Mas tenho fome!” – Marybeth suplicava...
“É quanto basta que este ouro a mais me dês!
Amanhã comes no banquete nupcial!
Anda logo, que trabalho não faz mal!...”

Desta vez, ela só se lamentava
pela fome que sentia, de amargar;
e de fato, nem mais lágrimas chorava,
pois sem beber, quem as pode derramar?
Mas a tarefa já não mais a assustava,
tinha certeza de que o anão iria chegar...
E de fato, logo a seguir se apresentou.
“Que me darás hoje...?” – ele indagou.

O coração de Marybeth deu um pulinho:
Ora, por esta nem ao menos esperava!...
Nada mais tinha para dar ao anãozinho,
que sorridente o seu rosto contemplava.
“Já não tenho mais nada, meu amiguinho!”
“Ora, não faz mal.  Pois para mim bastava
que seu primeiro filhinho me prometa...
Nossa aliança vai continuar secreta...”

Marybeth ficou muito surpreendida:
Mas para que ele ia querer um nenezinho?
Pois já assistira, muita vez, na vida,
os seus irmãos fazendo cocozinho...
E chorando a noite inteira, triste lida
e sua mãe já nem lhe dava mais carinho...
Ao contrário, era obrigada a ajudar,
trazer leitinho, mil fraldas a trocar...

O ANÃO MÁGICO X

E deste modo, concordou, sem hesitar.
A fome lhe turvava o pensamento
e nem sabia se algum nenê iria ganhar
se não cumprisse a tarefa do momento...
Pois só queria era dormir e descansar,
morta de sono, de sede e sofrimento...
E o anãozinho, percebendo como estava,
Tudo fez só, enquanto ela cochilava...

E de manhã, ao chegar de novo o rei,
disse diante da comitiva numerosa,
“Fez muito bem!  Minha promessa cumprirei.
Deem-lhe um banho e roupa bem vistosa,
que minhas bodas hoje eu celebrarei:
quero minha noiva muito glamorosa!...
E logo as aias, de quem nem sabia o nome,
deram-lhe vinho e pão para sua fome...

Mas qual era a intenção do anãozinho?
Que ninguém pense que fosse algum ser mau
que de nenês fizesse um churrasquinho
ou pretendesse transformá-los num mingau...
Nada disso!   Ele só era sozinho,
da estirpe o último dos Anões de Pau.
Haviam morrido todos os seus parentes;
não o aceitavam outros seres diferentes...

Não era gnomo, nem kobold da caverna,
nem leprechaun, nem das águas qualquer níxie,
tampouco um elfo de vida quase eterna,
não era um sílqui e nem sequer um píxie,
nem um glamor, nem banshi e nem falerna,
nem hamadríade, duende ou raro bráunie...
Ninguém do povo léchy o aceitava
E cada sílfide e sereia o rejeitava...

O ANÃO MÁGICO XI

Não era ogro, troll ou criatura
que algum mal fizesse para humanos;
ia às aldeias com a intenção mais pura
e o escorraçavam com mil gritos insanos;
levava longa vida de tortura:
quando nascera dominavam os romanos;
e mesmo quando lhes dava qualquer ouro,
diziam ser bruxaria o seu tesouro...

Mas se tivesse um nenê, de pequeninho,
que apenas o seu rosto conhecesse,
iria criá-lo com o maior carinho,
alimentá-lo até que ele crescesse...
Ensinaria à criança o bom caminho
e as artes de magia que pudesse...
Se quisesse, até das fraldas faria ouro,
Mas companhia seria seu maior tesouro...

Quanto ao rei, sabia bem não ser amado,
mas que importava, se lhe desse o herdeiro?
Já estou velho, quatro vezes enviuvado
e já me sinto a decair ligeiro...
Se essa plebeia o filho desejado
Me gerasse, o dever chega primeiro...
Por essa graça, eu a recompensaria,
mais que por ouro, rainha a tornaria!...

Além do mais, aquele ouro lhe chegava;
pagava as dívidas e os juros dos agiotas;
e a quem ousasse indagar, ele afirmava,
achando mesmo que os demais eram idiotas,
que esse dom da rainha se esgotava
após o parto do herdeiro, mas que as rotas
da dinastia valiam mais que ouro
e esse seu filho era o principal tesouro!

O ANÃO MÁGICO XII

E Marybeth, após saciada a fome,
Adaptou-se à sua nova situação
bem facilmente, pois agora tinha o nome
de rainha e igualmente a posição,
cujo orgulho sua vaidade em nada dome,
só submetida à real dominação.
Se por acaso pensava no anãozinho,
punha a lembrança da memória num cantinho...

É claro que essa filha do moleiro,
que arduamente sempre trabalhava,
em casamento sonhava só, primeiro,
para ser dona da casa em que morava.
Amor não lhe era artigo corriqueiro,
pois em paixão ela nem sequer pensava...
E viver sem trabalhar, feita rainha,
em nenhum sonho seu passado lhe provinha.

Mas, de repente, Marybeth engravidou
e no devido tempo, deu à luz:
por seu nenê então se apaixonou,
a compensar de toda a vida a cruz...
Mas era menina!  E o rei se desgostou...
Era menino que queria, se deduz,
embora a lei de seu país lhe permitisse
subir ao trono, se nenhum irmão se visse...

Mas, pelo menos, desta vez ele acertara!
Marybeth era fértil e ainda vivia;
em consequência, o rei fácil aceitara
que de outro filho ela engravidaria...
Seria menino o próximo! – acreditara;
pela menina, não se apaixonaria,
mas a honraria, com seu dever de rei,
tudo fazendo consoante manda a lei!...

O ANÃO MÁGICO XIII

Já Marybeth lembrou-se, de repente,
que ao anãozinho fizera uma promessa!...
Mas convenceu-se que fora diferente:
era o primeiro filho o prometido, nunca essa
menina linda que tinha pela frente:
Essa não dou, por mais que ele me peça!
Mas fechar-lhe os portões não adiantou;
em sete noites, o anão se apresentou!...

“Eu vim buscar meu prêmio”, ele falou.
“De forma alguma, só prometi um filho
e esta é uma menina!” – Marybeth protestou.
“Pouco me importa o sexo, é o mesmo brilho,
garoto ou donzela, Vossa Alteza já a trocou
pela palha feita em ouro: eu a perfilho
e a criarei, igual que fosse minha...
Entregue-a pois, por favor, minha rainha!...”

Mas Marybeth chorou e ameaçou
chamar os guardas para o expulsar.
“Será inútil...” – o anão dela debochou:
“Fiz que dormissem antes de eu entrar...”
Mas a rainha tanto se lamentou
que o anão acabou por concordar,
porque, afinal, tinha um bom coração,
sabendo bem quanto dói a solidão...

“Pois muito bem!  Uma proposta então vos faço.”
“O que quer?  Tenho agora de joias um montão!”
“Não quero joias, nem tampouco seu abraço,
só quero alguém que me dê seu coração...
De amor por mim não tendes um só traço,
mas vos servi quando tínheis precisão...
Pelos três dias em que trabalhou e passou fome,
dou-lhe três dias para adivinhar meu nome.”

O ANÃO MÁGICO XIV

“Se o conseguir, abro mão do meu direito;
caso contrário, essa criança levarei;
a poder algum me encontrarei sujeito,
salvo esse único a que me submeterei:
quando alguém, a meu nome contrafeito
me ordene – é a lei antiga e obedecerei.
Amanhã retorno, sem impedimento
e mais duas vezes vereis meu surgimento!...”

“Se Vossa Alteza ainda nada conseguir,
essa menina comigo eu levarei;
de nada adiantará tentardes me impedir,
profundo sono sobre todos lançarei.”
Com as três voltas de costume o viu sumir
Marybeth, que foi queixar-se para o rei.
“Mas por que foi fazer essa promessa?
E nada existe mesmo que o impeça...?”

“É que ele é mágico, meu querido rei!...”
“Querido, eu?   Não sabia que me amava...
Mas tudo bem, seus erros perdoarei,
pensou que acreditei que ouro fiava?
De qualquer tipo de mágica suspeitei...
Mas prometer que a minha filha dava!...
Até que ponto pode ser tola uma mulher?
Sem nem saber se eu o permitiria, sequer!”

“Mas reconheço que fui até meio cruel;
não esperava receber o seu amor;
posso ser rei, mas já bebi amargo fel;
com minhas esposas sempre fui um sofredor.
Mas com seu ouro reformei o meu quartel
e paguei de minhas dívidas o valor;
a maior parte está ainda armazenada,
nos meus subterrâneos bem guardada...”

O ANÃO MÁGICO XV

Marybeth ficou muito surpreendida
pela maneira com que o rei então falou.
“E o que faremos?  Minha filha é tão querida!
De entregá-la a esse anão capaz não sou!”
“É minha filha, também.  Foi perseguida
em quatro esposas e nunca antes me chegou...
Vamos fazer o quanto for possível
Por corrigir a sua promessa incrível!...”

E o rei determinou aos conselheiros,
sem explicar, que lhe fizessem listas
de muitos nomes; e ordenou aos cavalheiros
que indagassem por suas terras e conquistas,
todos os velhos, aldeãos e pegureiros,
que de seus montes percorriam as cristas,
se conheciam a história desse anão
e qual o nome de sua designação.

E Marybeth indagou, pelo castelo,
entre as aias, cozinheiras e criadas,
todo o nome que sabiam, para tê-lo
nas longas listas que foram compiladas.
Para sorte de Marybeth, em seu desvelo
quis o moleiro filhas alfabetizadas,
coisa rara nesse tempo e nem o rei
era obrigado a ler, pela sua lei!...

Naquela noite, chegado o anãozinho,
Marybeth o aguardava, com papiros
e pergaminhos, que leu devagarinho...
Sorria o anão, a cabeça dando giros:
“Não, meu nome não é esse, nem pintado!
Lamento muito, errou todos os seus tiros!
Mas se acertar, eu lhe confessarei,
pois nem querendo o meu nome negarei...”

O ANÃO MÁGICO XVI

No outro dia retornou, na mesma hora,
sentando calmamente, para ouvir,
para a menina olhando, sem demora:
que já era sua começava a se iludir;
preferiam os meninos nesse outrora,
mas para sua solidão iria servir...
A rainha de dizer nomes ficou rouca;
foram três horas, parecendo coisa pouca.

“Bem,” disse o anão, “você tem até amanhã,
mas duvido que consiga adivinhar...
Já me chamaram muitos nome, minha irmã,
e apenas o verdadeiro vou aceitar...
De Grigrigredimmenufretin, que coisa insã!
resolveram os franceses me chamar...
Bulleribasius na Suécia apelidaram,
Tittelintuure na Finlândia me chamaram...”

“Piaseidimio os italianos, nome vil;
outros em tcheco, hebreu ou japonês;
e houve até quem me chamasse, no Brasil,
Mirabolão Perneta Cara de Chinês
do Nariz de Flecha Cor de Anil...
Tenho outros nomes em grego e polonês,
mas não importa o que me chamem noutra terra:
eu só obedeço ao meu nome na Inglaterra!”

De madrugada, o rei saiu a caçar.
“Sou eu que trago carne para o castelo!”
disse, altaneiro, quando ela veio a reclamar
que outros nomes não lhe desse, por desvelo.
“E eu nem sei ler!  De que iria adiantar
Um nome procurar, se nem sei lê-lo?...
O reino inteiro está fazendo listas,
Como posso lhe trazer mais outras pistas?”

O ANÃO MÁGICO XVII

Mas ocorreu que, entranhado na floresta,
ouviu barulho no meio de clareira
e lá foi espiar, armada a besta
com bom virote, sua flecha bem certeira,
para matar quem estivesse nessa festa
e surpreendeu-se por não ser caça ligeira,
mas um anão amarelo que dançava
e o próprio nome, com alegria, cantava...

O rei raciocinou que seu virote
provavelmente não o mataria
e decorou bem o nome, sem dar bote,
por ser o que Marybeth esperaria;
teria o prazer de lhe dar aquele escote,
o anão vencendo em breve zombaria!
Marybeth, é natural, ficou encantada
e até o beijou, sem ser solicitada...

E quando o anão se apresentou, à noite,
suas longas listas ela leu, com ironia.
“Agora chega,” disse o anão, cheio de afoite,
“Só mais um nome e acabou a cantoria!”
E Marybeth, voz cortante como açoite:
“Rumpelstiltskin é o seu nome, senhoria!”
Ficou o pobre anão embasbacado:
só por seu nome seria comandado...

“Não é bem assim... Lá na Alemanha
é Rumpelstiltschen, essa é a verdade...”
“Rumpelstiltskin, deixe de manha:
só o nome inglês, nesta oportunidade,
é o que tem valor em tal patranha:
salvei minha filha de toda a sua maldade!”
“Senhora, eu não lhe faria mal algum:
Seria um bom pai, melhor não foi nenhum...”

O ANÃO MÁGICO XVIII

“Rumpelstiltskin, pelo seu nome eu mando
que parta agora e não volte nunca mais!...”
“Eu sou forçado a obedecer a seu comando,
Mas eu lhe dei favores por demais...”
“É seu problema, por andar favores dando...
Pois vá-se embora, sem retornar jamais!...”
“Ouço e obedeço, senhora minha rainha,
Porém me deixe dar um nome à princesinha...”

“Espere um pouco, qual o truque nessa história?”
“A senhora sabe, sou Rumpelstiltskin,
por nascer muito magro, coisa inglória...
É “Perninhas de Vareta”, foi assim
que minha mãe me chamou, como se escória
eu fosse e não seu filho... Mas triste fim
teve toda a minha família e estou sozinho...
Quero somente transmitir seu nomezinho...”

“Que nome é esse?  Será alguma bruxaria?”
“Não, minha senhora: será Softsilkskin:
Pele de Seda Macia...  Não é magia,
só essa princesa é delicada assim...”
Marybeth olhou a filha que sorria
e achou o nome bem adequado, enfim...
Também sorriu a concordar e anuiu...
O anão rodopiou e no ar sumiu...

E do seu sono despertou o rei,
que ali estava adormecido, do seu lado,
e juntamente com ele toda a grei,
o seu castelo inteiro despertado...
“Ele sumiu, respeitando a antiga lei...”
“Graças a Deus!” disse o rei, bem aliviado
e ao ouvir o nome, “Pele de Seda Macia”:
“Até cai bem, esse nome de magia...”

EPÍLOGO

E depois disso, os dois até se enamoraram
e ainda teriam mais três filhos no futuro.
“Pele de Seda” – Silkskin – a batizaram.
Ela cresceu, com destino bem seguro
e com um Príncipe Encantado a desposaram;
mas o anãozinho teve um fadário duro,
só de longe protegendo a sua menina,
que nunca partilhou sua triste sina...

Mas consolou-se, porque os humanos vivem pouco:
se à menina grande amor desenvolvesse,
ver sua velhice o deixaria quase louco...
melhor deixar que entre os pais ela crescesse.
Gritar seu nome na clareira o deixou rouco,
para evitar que aquele rei bobo o esquecesse...
Pois à rainha ele fizera um grande bem,
na clara pista que lhe ofereceu também!...




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