O ANÃO MÁGICO (Folklore alemão,
recolhido pelos
Irmãos Grimm, hommage a Nancy
Springer,
versão poética William Lagos, 30 JAN 14.)
O ANÃO MÁGICO I
Era uma vez um
moleiro na Inglaterra,
que constante em
seu moinho trabalhava,
fosse o tempo de
paz, fosse de guerra,
de sua farinha
sempre se necessitava;
traziam-lhe trigo
por campos e por serra
e com facilidade o
transformava,
sem cobrar nada,
mediante percentagem,
ambas as partes
vendo nisso boa vantagem.
Junto ao grão, muitas
vezes vinha palha,
que separava para alimentar
seus animais,
mas a moinha, o pó que
o vento espalha,
era amontoada em fossas
naturais;
até que a filha mais
velha, sem mais falha,
começou a trançar esses
juncais,
fazendo cestos muito
cuidadosos
e também sacos,
bastante numerosos.
Guardava neles o
moleiro a sua farinha
e nos cestos todo o pão
que cozinhava;
muito em breve, comprar
sacos já não tinha
e sua farinha
facilmente ele ensacava,
sem precisar prender
fogo na moinha
e então, de sua filha
se gabava,
que lhe fiava toda a
palha em ouro,
contribuindo para
aumentar o seu tesouro.
Ora, é claro que
essa gabolice
chegou aos ouvidos
do rei daquela terra,
que movido por
ambição ou por tolice,
quis ver seu cofre
e o ouro que ele encerra,
querendo impostos
para o tempo da velhice
ou como forma de
financiar alguma guerra...
E o moleiro,
temendo os seus soldados,
veio entregar-lhe
os lucros angariados.
O ANÃO MÁGICO II
Era bem pouco e ao
rei não satisfez...
“Mas isso é tudo
que guardou no seu tesouro?”
“Majestade,” em mil
desculpas se desfez,
“eu comprei terras
e trabalho como um mouro,
tenho dez
empregados... e a cada mês
pago os impostos,
sem nenhum desdouro...
Pouca coisa me
sobra para dar,
salvo a farinha que
Vossa Majestade precisar...”
Ora, o rei não era o
tipo do tirano
que julgando haver mais
ouro acumulado
o levaria a suas
masmorras, com o plano
de fazê-lo confessar,
se torturado
e submetido a um
ordálio desumano,
o local em que seu ouro
havia enterrado.
Caso o moleiro
morresse, perderia
os bons impostos que
mensalmente recebia...
Mas não queria que
julgassem que era tolo
e assim, ele indagou,
severamente:
“De sacos de farinha um
alto bolo
posso enxergar pelos
cantos, claramente;
e vejo a poeira subindo
em largo rolo:
de sua mó e do ariel a
erguer-se permanente...”
“Sim, Majestade, porém
os camponeses
só me dão uma parcela e
algumas rezes...”
“Minha percentagem
eu levo até a cidade
e a ponho à venda,
com meus carroções...
Daí resulta bronze
e ouro, na verdade,
mas gasto tudo com
suas taxações...
E este que mostrei,
na realidade,
guardava para pagar
os tabeliães,
que a cada fim de
mês vem, fielmente,
cobrar as taxas, de
forma bem frequente...”
O ANÃO MÁGICO III
O rei então escutou
seus conselheiros,
que lhe vieram
cochichar ao ouvido:
“Está certo”,
confirmaram os despenseiros.
“O moleiro paga
sempre o que é devido,
todas as taxas e
impostos corriqueiros
e envia farinha...”
“Seu dever está cumprido,
mas me falaram de
sua filha, Marybeth,
e de um estranho
poder que lhe compete...”
“Mas que poder?”
engasgou-se o bom moleiro.
“Meu amigo, o seu rei é
inteligente...
Correm boatos de seu
modo sobranceiro,
de seu gabar, perante
toda a gente,
de que sua filha sabe
fiar ligeiro
essa palha que põem
fora, indiferente,
e transformá-la em
belos fios de ouro,
de tal modo a acumular
vasto tesouro...”
“Mas, Majestade, foi
bobagem minha!...
Era só uma forma de
falar!...
Marybeth é só
cesteirazinha:
ela aprendeu a palha a
transformar,
esse restolho que não
produz farinha
em cesto e sacos para a
carregar...
E como eu vendo mais
farinha, facilmente,
que ouro tecia
comentei, estupidamente...”
“Mas não é nada
disso, Majestade,
ela somente cestos
e sacos fia,
nunca teceu fios de
ouro, na verdade!...
Foi só besteira que
da boca me escorria...”
“Agora, chega!” –
disse o rei, com acridade,
e apontou para uma
jovem que se via,
meio escondida
entre os sacos, a um canto,
dos seus olhos já a
escorrer um certo pranto...
O ANÃO MÁGICO IV
“Traga ela aqui!...
Vou levá-la a meu castelo!...”
E o moleiro não
teve alternativa,
senão
chamá-la... E ao ver seu rosto belo,
falou o rei: “Mas
tem beleza que cativa...
Sou viúvo quatro
vezes, triste zelo...
Essas princesas e
nobres, tanta diva,
Morrem de parto,
sem me deixar herdeiro,
sangue plebeu pode
ser mais verdadeiro...”
“Pois veja bem: caso
sua filha fie
a palha em ouro, como
você falou,
não será um matrimônio
que se adie,
melhor esposa nenhum
rei já encontrou...
Porém, se da tarefa se
desvie,
será enforcada, pois
verei que me enganou.
Quanto a você, desde já
lhe perdoarei
quaisquer impostos que
lhe exija a lei.”
Ficou o moleiro até bem
satisfeito
em trocar a própria
vida pela filha,
mesmo porque tinha o
rei pleno direito
de forçá-la a seguir a
amarga trilha
e a seus soldados
achava-se sujeito.
Chorou a moça de pranto
quase bilha,
mas a puseram na garupa
de um cavalo
e a comitiva partiu em
longo abalo.
E lá se foi
Marybeth até o castelo,
sem na verdade
sentir falta do pai,
que não mostrava
por suas mãos desvelo,
calos e talhos que
do trançar a palha sai,
sem qualquer lucro
obter por tanto anelo:
cada vintém do pai
nos cofres cai...
Levava apenas seu
gasto vestidinho,
anel barato e de
contas colarzinho...
O ANÃO MÁGICO V
Porém chorou ao
longo do caminho,
molhando as costas
do infeliz soldado;
não que sentisse
falta do moinho,
mas do jantar...
que havia sido adiado;
porém consolo
encontrou, devagarinho,
porque um banquete
lhe seria dado,
certamente, ao
chegarem no castelo
e imaginando se o
seu quarto seria belo...
Mas ai dela!... Não ganhou jantar nenhum
e muito menos um quarto
belo ou feio...
Sua Majestade só
pensava em ter algum
ouro fiado bem
depressa... E de permeio
a encerrou em um galpão
comum,
cheio de palha até o
teto; e bem no meio
uma roca e um fuso
haviam posto,
viu Marybeth, para seu
total desgosto...
“Mas eu não sei fazer
ouro de palha!”
a donzela, em
desespero, protestou.
“Não banque a
tola! Vai fiar sem falha!...
Se até amanhã seu labor
não terminou,
será enforcada, com
baraço e malha!...”
Severamente, Sua
Majestade proclamou.
“Mas completando com
cuidado sua tarefa,
será minha esposa e lhe
darei o quanto peça!...”
Ora, não era o rei
nenhum galã
e ser viúvo quatro
vezes a assustava,
porém trancada, com
medo da manhã,
Marybeth chorava e
até uivava!
Transformar palha em ouro? Coisa vã!
Por que o rei na mentira acreditava,
nas gabolices de seu pai moleiro...?”
Mas a noite ia
passando, bem ligeiro...
O ANÃO MÁGICO VI
Foi nesse instante
que cruzou o portão
uma estranhíssima e
magra criatura:
não tinha um metro
esse amarelo anão,
nariz, queixo e
orelhas em ponta dura,
as roupas verdes,
sapatos em bicão
e um chapéu cônico
que ainda mais feiura
acrescentava a seu
pequeno visitante,
que a avaliava, com
um ar expectante...
Mas o que quer comigo esse anãozinho
e como foi que conseguiu entrar?
Para abrir o cadeado é tão baixinho!
Será que o rei o mandou a me vigiar...?
E a criatura
indagou-lhe, de mansinho:
“Bela jovem Marybeth,
por que está a chorar?”
Mas como foi que o meu nome descobriu?
E de que jeito aqui se introduziu...?
“Isso não importa!” –
foi tal qual seu pensamento
tivesse sido pelo anão
adivinhado.
“Qual a razão de tanto
sofrimento?
De longe ouvi como tem
você chorado...”
E ela, com medo de um
futuro julgamento,
mentiu ser alergia que
havia provocado
todo o seu pranto
dentro do galpão;
sentia falta também da
refeição...
Riu-se o anão,
porém bem indulgente:
“Ora, comida não
lhe tenho para dar...
Mas para a sua
tarefa eu sou potente.
Se a palha eu fio,
o que irei ganhar?”
Marybeth não era
muito inteligente,
contudo estava
inteiramente a desconfiar
das intenções do
anão. “Eu sou noiva do rei,
portanto um beijo
lhe dar não poderei...”
O ANÃO MÁGICO VII
“Ora, minha filha,
de que me serve um beijo?
Sei que sou feio,
mas consigo fiar ouro,
posso comprar todo
o carinho que desejo...
Quem sabe me
oferece outro tesouro...?”
Marybeth nada mais
lembrou no ensejo:
“Quer meu
colar? É de cristal, em fio de couro...”
“Pois muito
bem! Dê-me o colar, então
e fiarei toda esta
palha do galpão!...”
Marybeth concordou,
ainda a desconfiar
e o colarzinho do
pescoço retirou...
O anão amarelo se pôs a
trabalhar
e toda a palha do
galpão fiou...
Marybeth teve, é claro,
de ajudar,
palha alcançava e o
ouro ela empilhou.
E no final, pois tanto
se esfalfara,
que ter feito toda a
obra até pensara...
Findo o serviço, o anão
desapareceu
e bem a tempo, pois o
portão se abriu,
entrando o rei, que até
se surpreendeu,
maravilhado com o metal
que reluziu.
O tesoureiro examinou e
recolheu:
“É ouro puro,
Majestade!” – garantiu.
“São belos fios para
tecer seus laçarotes,
mas derretido,
transformamos em lingotes...”
“Meus parabéns,
minha filha, que agiu bem!”
Ia o rei abraçá-la,
mas recuou: estava suada,
o rosto imundo,
suas duas tranças também,
porém bonita,
apesar de desgrenhada...
Fez conduzi-la
então a um ponto mais além,
pensando a moça
numa mesa preparada...
Porém, ai
dela! O rei nem percebera
que tinha fome, que
ele mesmo já comera...
O ANÃO MÁGICO VIII
E a infeliz
Marybeth, para seu espanto,
a um galpão ainda
maior foi conduzida,
cheio de palha e,
mesmo com seu pranto,
foi encerrada e a
promessa repetida:
“Fie esta palha e
lhe darei um manto
e uma tiara...
Depois, como rainha será tida;
Porém não a fie e
será levada à morte!”
Ficou Marybeth a lamentar
sua triste sorte...
Mas de nada adiantou,
ficou trancada,
com toneladas de palha
a seu redor...
E de repente, eis que
estava acompanhada
pelo anãozinho, qual na
noite anterior...
“Que me dará, se esta
palha for fiada
e transformada em ouro
de valor...?”
E Marybeth ofereceu seu
anelzinho,
de cobre e pedra
encontrada em riachinho...
“Pois muito bem! Dê-me seu anel, então!
Mas ande logo a me
alcançar a palha!
Desta vez, é bem maior
nossa missão
e os fios de ouro vai
trançar sem falha!...”
Marybeth trabalhou até
a exaustão,
rolos de ouro
amontoando em grande malha.
O anão terminou tudo,
com um suspiro,
deu três voltas e sumiu
no mesmo giro!
Na mesma hora,
girou a fechadura
e entrou o rei, com
sua comitiva.
Marybeth estava
exausta e em amargura,
sem esperar desta
vez a recidiva...
Mas, que nada! Ao ver completa a obra pura,
dar-lhe comida nem
passou na mente esquiva
de Sua Majestade,
que a levou a um terceiro
galpão ainda maior,
que seria o derradeiro...
O ANÃO MÁGICO IX
“Juntei aqui toda a
palha que restava...”
disse o rei. “Faça só mais esta vez,
que a capela real
já preparava...
Repita apenas o
trabalho que já fez!...”
“Mas tenho fome!” –
Marybeth suplicava...
“É quanto basta que
este ouro a mais me dês!
Amanhã comes no
banquete nupcial!
Anda logo, que
trabalho não faz mal!...”
Desta vez, ela só se
lamentava
pela fome que sentia,
de amargar;
e de fato, nem mais
lágrimas chorava,
pois sem beber, quem as
pode derramar?
Mas a tarefa já não
mais a assustava,
tinha certeza de que o
anão iria chegar...
E de fato, logo a
seguir se apresentou.
“Que me darás hoje...?”
– ele indagou.
O coração de Marybeth
deu um pulinho:
Ora, por esta nem ao
menos esperava!...
Nada mais tinha para
dar ao anãozinho,
que sorridente o seu
rosto contemplava.
“Já não tenho mais
nada, meu amiguinho!”
“Ora, não faz mal. Pois para mim bastava
que seu primeiro
filhinho me prometa...
Nossa aliança vai
continuar secreta...”
Marybeth ficou
muito surpreendida:
Mas para que ele ia querer um
nenezinho?
Pois já assistira,
muita vez, na vida,
os seus irmãos
fazendo cocozinho...
E chorando a noite
inteira, triste lida
e sua mãe já nem
lhe dava mais carinho...
Ao contrário, era
obrigada a ajudar,
trazer leitinho,
mil fraldas a trocar...
O ANÃO MÁGICO X
E deste modo,
concordou, sem hesitar.
A fome lhe turvava
o pensamento
e nem sabia se
algum nenê iria ganhar
se não cumprisse a
tarefa do momento...
Pois só queria era
dormir e descansar,
morta de sono, de
sede e sofrimento...
E o anãozinho,
percebendo como estava,
Tudo fez só,
enquanto ela cochilava...
E de manhã, ao chegar
de novo o rei,
disse diante da
comitiva numerosa,
“Fez muito bem! Minha promessa cumprirei.
Deem-lhe um banho e
roupa bem vistosa,
que minhas bodas hoje
eu celebrarei:
quero minha noiva muito
glamorosa!...
E logo as aias, de quem
nem sabia o nome,
deram-lhe vinho e pão
para sua fome...
Mas qual era a intenção
do anãozinho?
Que ninguém pense que
fosse algum ser mau
que de nenês fizesse um
churrasquinho
ou pretendesse transformá-los
num mingau...
Nada disso! Ele só era sozinho,
da estirpe o último dos
Anões de Pau.
Haviam morrido todos os
seus parentes;
não o aceitavam outros
seres diferentes...
Não era gnomo, nem
kobold da caverna,
nem leprechaun, nem
das águas qualquer níxie,
tampouco um elfo de
vida quase eterna,
não era um sílqui e
nem sequer um píxie,
nem um glamor, nem
banshi e nem falerna,
nem hamadríade,
duende ou raro bráunie...
Ninguém do povo
léchy o aceitava
E cada sílfide e
sereia o rejeitava...
O ANÃO MÁGICO XI
Não era ogro, troll
ou criatura
que algum mal
fizesse para humanos;
ia às aldeias com a
intenção mais pura
e o escorraçavam
com mil gritos insanos;
levava longa vida
de tortura:
quando nascera
dominavam os romanos;
e mesmo quando lhes
dava qualquer ouro,
diziam ser bruxaria
o seu tesouro...
Mas se tivesse um nenê, de pequeninho,
que apenas o seu rosto conhecesse,
iria criá-lo com o maior carinho,
alimentá-lo até que ele crescesse...
Ensinaria à criança o bom caminho
e as artes de magia que pudesse...
Se quisesse, até das fraldas faria ouro,
Mas companhia seria seu maior tesouro...
Quanto ao rei, sabia
bem não ser amado,
mas que importava, se
lhe desse o herdeiro?
Já estou velho, quatro vezes enviuvado
e já me sinto a decair ligeiro...
Se essa plebeia o filho desejado
Me gerasse, o dever chega primeiro...
Por essa graça, eu a recompensaria,
mais que por ouro, rainha a tornaria!...
Além do mais,
aquele ouro lhe chegava;
pagava as dívidas e
os juros dos agiotas;
e a quem ousasse
indagar, ele afirmava,
achando mesmo que
os demais eram idiotas,
que esse dom da
rainha se esgotava
após o parto do
herdeiro, mas que as rotas
da dinastia valiam
mais que ouro
e esse seu filho
era o principal tesouro!
O ANÃO MÁGICO XII
E Marybeth, após
saciada a fome,
Adaptou-se à sua
nova situação
bem facilmente,
pois agora tinha o nome
de rainha e
igualmente a posição,
cujo orgulho sua
vaidade em nada dome,
só submetida à real
dominação.
Se por acaso
pensava no anãozinho,
punha a lembrança
da memória num cantinho...
É claro que essa filha
do moleiro,
que arduamente sempre
trabalhava,
em casamento sonhava
só, primeiro,
para ser dona da casa
em que morava.
Amor não lhe era artigo
corriqueiro,
pois em paixão ela nem
sequer pensava...
E viver sem trabalhar,
feita rainha,
em nenhum sonho seu
passado lhe provinha.
Mas, de repente,
Marybeth engravidou
e no devido tempo, deu
à luz:
por seu nenê então se
apaixonou,
a compensar de toda a
vida a cruz...
Mas era menina! E o rei se desgostou...
Era menino que queria,
se deduz,
embora a lei de seu
país lhe permitisse
subir ao trono, se
nenhum irmão se visse...
Mas, pelo menos, desta vez ele
acertara!
Marybeth era fértil e ainda vivia;
em consequência, o rei fácil aceitara
que de outro filho ela engravidaria...
Seria menino o próximo! – acreditara;
pela menina, não se
apaixonaria,
mas a honraria, com
seu dever de rei,
tudo fazendo
consoante manda a lei!...
O ANÃO MÁGICO XIII
Já Marybeth
lembrou-se, de repente,
que ao anãozinho
fizera uma promessa!...
Mas convenceu-se
que fora diferente:
era o primeiro filho o prometido, nunca essa
menina linda que
tinha pela frente:
Essa não dou, por mais que ele me
peça!
Mas fechar-lhe os
portões não adiantou;
em sete noites, o
anão se apresentou!...
“Eu vim buscar meu
prêmio”, ele falou.
“De forma alguma, só
prometi um filho
e esta é uma menina!” –
Marybeth protestou.
“Pouco me importa o
sexo, é o mesmo brilho,
garoto ou donzela,
Vossa Alteza já a trocou
pela palha feita em
ouro: eu a perfilho
e a criarei, igual que
fosse minha...
Entregue-a pois, por
favor, minha rainha!...”
Mas Marybeth chorou e
ameaçou
chamar os guardas para
o expulsar.
“Será inútil...” – o
anão dela debochou:
“Fiz que dormissem
antes de eu entrar...”
Mas a rainha tanto se lamentou
que o anão acabou por
concordar,
porque, afinal, tinha
um bom coração,
sabendo bem quanto dói
a solidão...
“Pois muito
bem! Uma proposta então vos faço.”
“O que quer? Tenho agora de joias um montão!”
“Não quero joias,
nem tampouco seu abraço,
só quero alguém que
me dê seu coração...
De amor por mim não
tendes um só traço,
mas vos servi
quando tínheis precisão...
Pelos três dias em
que trabalhou e passou fome,
dou-lhe três dias
para adivinhar meu nome.”
O ANÃO MÁGICO XIV
“Se o conseguir,
abro mão do meu direito;
caso contrário,
essa criança levarei;
a poder algum me
encontrarei sujeito,
salvo esse único a
que me submeterei:
quando alguém, a
meu nome contrafeito
me ordene – é a lei
antiga e obedecerei.
Amanhã retorno, sem
impedimento
e mais duas vezes
vereis meu surgimento!...”
“Se Vossa Alteza ainda
nada conseguir,
essa menina comigo eu
levarei;
de nada adiantará
tentardes me impedir,
profundo sono sobre
todos lançarei.”
Com as três voltas de
costume o viu sumir
Marybeth, que foi queixar-se
para o rei.
“Mas por que foi fazer
essa promessa?
E nada existe mesmo que
o impeça...?”
“É que ele é mágico,
meu querido rei!...”
“Querido, eu? Não sabia que me amava...
Mas tudo bem, seus
erros perdoarei,
pensou que acreditei
que ouro fiava?
De qualquer tipo de
mágica suspeitei...
Mas prometer que a
minha filha dava!...
Até que ponto pode ser
tola uma mulher?
Sem nem saber se eu o
permitiria, sequer!”
“Mas reconheço que
fui até meio cruel;
não esperava
receber o seu amor;
posso ser rei, mas
já bebi amargo fel;
com minhas esposas
sempre fui um sofredor.
Mas com seu ouro
reformei o meu quartel
e paguei de minhas
dívidas o valor;
a maior parte está
ainda armazenada,
nos meus
subterrâneos bem guardada...”
O ANÃO MÁGICO XV
Marybeth ficou
muito surpreendida
pela maneira com
que o rei então falou.
“E o que
faremos? Minha filha é tão querida!
De entregá-la a
esse anão capaz não sou!”
“É minha filha,
também. Foi perseguida
em quatro esposas e
nunca antes me chegou...
Vamos fazer o
quanto for possível
Por corrigir a sua
promessa incrível!...”
E o rei determinou aos
conselheiros,
sem explicar, que lhe
fizessem listas
de muitos nomes; e
ordenou aos cavalheiros
que indagassem por suas
terras e conquistas,
todos os velhos,
aldeãos e pegureiros,
que de seus montes
percorriam as cristas,
se conheciam a história
desse anão
e qual o nome de sua
designação.
E Marybeth indagou,
pelo castelo,
entre as aias,
cozinheiras e criadas,
todo o nome que sabiam,
para tê-lo
nas longas listas que
foram compiladas.
Para sorte de Marybeth,
em seu desvelo
quis o moleiro filhas
alfabetizadas,
coisa rara nesse tempo
e nem o rei
era obrigado a ler,
pela sua lei!...
Naquela noite,
chegado o anãozinho,
Marybeth o
aguardava, com papiros
e pergaminhos, que
leu devagarinho...
Sorria o anão, a
cabeça dando giros:
“Não, meu nome não
é esse, nem pintado!
Lamento muito,
errou todos os seus tiros!
Mas se acertar, eu
lhe confessarei,
pois nem querendo o
meu nome negarei...”
O ANÃO MÁGICO XVI
No outro dia
retornou, na mesma hora,
sentando
calmamente, para ouvir,
para a menina
olhando, sem demora:
que já era sua
começava a se iludir;
preferiam os
meninos nesse outrora,
mas para sua
solidão iria servir...
A rainha de dizer
nomes ficou rouca;
foram três horas,
parecendo coisa pouca.
“Bem,” disse o anão,
“você tem até amanhã,
mas duvido que consiga
adivinhar...
Já me chamaram muitos
nome, minha irmã,
e apenas o verdadeiro
vou aceitar...
De Grigrigredimmenufretin, que coisa insã!
resolveram os franceses
me chamar...
Bulleribasius na Suécia apelidaram,
Tittelintuure na Finlândia me chamaram...”
“Piaseidimio os italianos, nome vil;
outros em tcheco,
hebreu ou japonês;
e houve até quem me
chamasse, no Brasil,
Mirabolão Perneta Cara de Chinês
do Nariz de Flecha Cor de Anil...
Tenho outros nomes em
grego e polonês,
mas não importa o que
me chamem noutra terra:
eu só obedeço ao meu
nome na Inglaterra!”
De madrugada, o rei
saiu a caçar.
“Sou eu que trago
carne para o castelo!”
disse, altaneiro,
quando ela veio a reclamar
que outros nomes
não lhe desse, por desvelo.
“E eu nem sei
ler! De que iria adiantar
Um nome procurar,
se nem sei lê-lo?...
O reino inteiro
está fazendo listas,
Como posso lhe
trazer mais outras pistas?”
O ANÃO MÁGICO XVII
Mas ocorreu que,
entranhado na floresta,
ouviu barulho no
meio de clareira
e lá foi espiar,
armada a besta
com bom virote, sua
flecha bem certeira,
para matar quem
estivesse nessa festa
e surpreendeu-se
por não ser caça ligeira,
mas um anão amarelo
que dançava
e o próprio nome,
com alegria, cantava...
O rei raciocinou que
seu virote
provavelmente não o
mataria
e decorou bem o nome,
sem dar bote,
por ser o que Marybeth
esperaria;
teria o prazer de lhe
dar aquele escote,
o anão vencendo em
breve zombaria!
Marybeth, é natural,
ficou encantada
e até o beijou, sem ser
solicitada...
E quando o anão se
apresentou, à noite,
suas longas listas ela
leu, com ironia.
“Agora chega,” disse o
anão, cheio de afoite,
“Só mais um nome e
acabou a cantoria!”
E Marybeth, voz
cortante como açoite:
“Rumpelstiltskin é o seu nome, senhoria!”
Ficou o pobre anão
embasbacado:
só por seu nome seria
comandado...
“Não é bem assim...
Lá na Alemanha
é Rumpelstiltschen, essa é a verdade...”
“Rumpelstiltskin,
deixe de manha:
só o nome inglês,
nesta oportunidade,
é o que tem valor
em tal patranha:
salvei minha filha
de toda a sua maldade!”
“Senhora, eu não
lhe faria mal algum:
Seria um bom pai,
melhor não foi nenhum...”
O ANÃO MÁGICO XVIII
“Rumpelstiltskin,
pelo seu nome eu mando
que parta agora e
não volte nunca mais!...”
“Eu sou forçado a
obedecer a seu comando,
Mas eu lhe dei
favores por demais...”
“É seu problema,
por andar favores dando...
Pois vá-se embora,
sem retornar jamais!...”
“Ouço e obedeço,
senhora minha rainha,
Porém me deixe dar
um nome à princesinha...”
“Espere um pouco, qual
o truque nessa história?”
“A senhora sabe, sou
Rumpelstiltskin,
por nascer muito magro,
coisa inglória...
É “Perninhas de
Vareta”, foi assim
que minha mãe me
chamou, como se escória
eu fosse e não seu
filho... Mas triste fim
teve toda a minha
família e estou sozinho...
Quero somente
transmitir seu nomezinho...”
“Que nome é esse? Será alguma bruxaria?”
“Não, minha senhora:
será Softsilkskin:
Pele de Seda Macia... Não é magia,
só essa princesa é
delicada assim...”
Marybeth olhou a filha
que sorria
e achou o nome bem
adequado, enfim...
Também sorriu a
concordar e anuiu...
O anão rodopiou e no ar
sumiu...
E do seu sono
despertou o rei,
que ali estava
adormecido, do seu lado,
e juntamente com
ele toda a grei,
o seu castelo
inteiro despertado...
“Ele sumiu,
respeitando a antiga lei...”
“Graças a Deus!”
disse o rei, bem aliviado
e ao ouvir o nome,
“Pele de Seda Macia”:
“Até cai bem, esse
nome de magia...”
EPÍLOGO
E depois disso, os dois até se enamoraram
e ainda teriam mais três filhos no futuro.
“Pele de Seda” – Silkskin
– a batizaram.
Ela cresceu, com destino bem seguro
e com um Príncipe Encantado a desposaram;
mas o anãozinho teve um fadário duro,
só de longe protegendo a sua menina,
que nunca partilhou sua triste sina...
Mas consolou-se, porque os humanos vivem pouco:
se à menina grande amor desenvolvesse,
ver sua velhice o deixaria quase louco...
melhor deixar que entre os pais ela crescesse.
Gritar seu nome na clareira o deixou rouco,
para evitar que aquele rei bobo o esquecesse...
Pois à rainha ele fizera um grande bem,
na clara pista que lhe ofereceu também!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário