NUDEZ
I – 4 MAR 14
O
corpo é muito fácil desvestir,
Peça
após peça, menos no verão,
Um
dar de ombros, um repuxar da mão,
Os
quadris num relance a sacudir,
No
erguer dos joelhos as vestes a fluir,
Nos
tornozelos um momento de aflição,
Um
pontapé de leve ou sopetão,
A
pele intacta no instante do remir.
Um
certo esforço para as meias retirar:
Talvez
seja suficiente o indicador,
Talvez
seja preciso o polegar,
Até
que a planta se assenta sobre o chão,
Descartadas
as roupas com odor,
Por
motivos de higiene ou coração...
NUDEZ
II
Então
o banho se intercala com o amor
Ou
é o amor que é seguido pelo banho.
Igual
que a terra sofre o seu amanho
Faz-se
o chuveiro da pele o lavrador.
Quiçá
nem haja um momento sedutor,
Quando
os cabelos sob a ducha assanho;
Correm
filetes pela pele em lanho
A
poeira a dissolver como o suor.
Talvez
nem haja sequer esse chuveiro,
Somente
a troca veloz de indumentária:
Trocar
de roupa dizem ser um meio-banho...
Talvez
a pressa tudo torne mais ligeiro;
Ainda
há perfume de importância vária
(mas
de usar desodorante ainda me acanho!)
NUDEZ
III
Já
desvestir a alma e o coração
Requer
bem mais esforço e incentivo;
Toda
a mentira desodorante ativo,
Como
um antitranspirante de ocasião...
Será
a verdade uma melhor loção,
Com
odor de santidade em pleno crivo?
Será
o perdão condicionador lascivo
A
dispensar a verdadeira contrição?
Não
sei se a alma em versos desnudei;
Talvez
a tenha, de fato, revestido
De
sedas multicores e de arminho;
Contudo
sei que em cada linha que te dei
O
coração banhei nesse incontido
Borbulhar
irreprimível de carinho...
MOSAICO DE CARNE I – 5 MAR 14
Vejo teu rosto pelas ruas da
cidade,
aos fragmentos – cá encontro teu
nariz,
as comissuras dos lábios que já
quis,
logo adiante, teu olhar de
claridade;
uma testa cobre o rosto, em
opacidade,
as orelhas delineadas como giz;
miro teu queixo em gestos que já
fiz:
eis teus cabelos a flutuar em
liberdade.
Mas nem um só destes rostos por
inteiro
recorda o rosto entrevisto nos
meus sonhos,
nem a expressão completa por que
ansiei.
Talvez só as grades no limiar do
cativeiro,
que contiveram os pesadelos mais
tristonhos,
os traços guardem que tanto
busquei.
MOSAICO DE CARNE II
Quiçá tu mesma moldaste alguma
imagem
contra esse espelho de lâmina
mortal
que só enxergas recoberto o teu
cristal
pelas pestanas, bem firme na
ancoragem;
somente ali, no cochilo da
miragem,
gravaste a fogo o retrato
inaugural,
perante o qual, ao refletir cada
sinal,
se desmerece o concreto da visagem.
Essa colagem dos traços de teus
pais
com os do Príncipe Encantado das
gravuras
ou algum ator que percorreu
televisão,
voando à toa na balsa do jamais,
semiencoberto por juras e
perjuras,
na ânsia melíflua de teu
coração.
MOSAICO DE CARNE III
Existem hoje, nos computadores,
esses programas que em questão
de instantes
efetuam mil mudanças de
semblantes,
rostos belos desfazendo-se em
horrores;
ou opostamente, a mangra dos
pavores
se redesenhe nos mais belos
mirantes
para atingir seus alvos expectantes,
trocando pixels em rápidos
fulgores...
O que chamavam de fantasmagoria,
nos fadários dos contos mais
antigos,
metamorfoses de atroz
feitiçaria,
hoje se compra, igual que outros
artigos
e os velhos truques da
fotografia
só se encontram das filmotecas
nos abrigos.
MOSAICO DE CARNE IV
E quanta vez fizeste coisa
igual,
piscando os olhos para
transformar
rosto real no que querias
buscar,
entre os cílios a trocar cada
sinal!...
E a pouco e pouco, a face
natural
as tuas pupilas souberam
transmutar
naquela imagem mais profunda do
sonhar,
até perdê-la entre as sombras do
afinal!
E de igual modo o seu
comportamento
a pouco e pouco por ti foi sendo
aceito,
os pixels a bailar dentro em tua
mente,
da velha imagem ideal perdido o alento,
tal qual se fora fisionomia sem
defeito
que só teu sonho mais recôndito
apresente.
COSMO DE SANGUE I – 6 MAR 14
UM PACTO FIRMEI COM O COSMO INTEIRO,
DENTRO EM MIM A RECOLHER GALÁXIA PURA,
NÃO SÓ A VASTA VIA LÁCTEA CRIATURA,
PORÉM ANDRÔMEDA, EM SEU MARCHAR LIGEIRO;
DE MAGALHÃES AS NUVENS, EM PEGUREIRO
EXPLORAR, PARA ALÉM DA SENDA ESCURA;
CADA COORTE ESTELAR EM MIM PERDURA
DO CONJUNTO LOCAL O DOM FAGUEIRO.
E MAIS ALÉM ENVIEI CADA MIASMA
DA MENTE, COMO FÚLGIDA GAVINHA,
OUTRAS GALÁXIAS A BUSCAR PRENDER ASSIM,
PORÉM MEUS DEDOS FORAM GARRAS DE FANTASMA
E EM TAL PERSEGUIÇÃO QUE ME ENTRETINHA
O COSMO INTEIRO VI FUGIR DE MIM.
COSMO DE SANGUE Ii
ENTÃO ME DISSE A MEIGA VIA LÁCTEA,
DAS GOTAS PURAS DO LEITE DE AMALTEIA
FORMADA, SEM PASTEUR E SEM HIGEIA:
Não te estendas demais em flor e bráctea,
Que as outras são diversas, uma é de sakya
Muni, o velho buddha da epopeia;
Outra toma a tartaruga como deia;
Não busques nelas o vinho em dança báquica.
As tuas gavinhas de seda e mosto rosa
Não conseguem alcançá-las com sua laca
E se o fizessem, as laçariam de volta
E nessa grande contração de nebulosa
A mim mesma esmagarias nessa faca
De hostes de sóis em multidão revolta.
COSMO DE SANGUE III
Destarte, o meu delírio restringi
Aos domínios de uranos e de chronos,
Os velhos deuses a cochilar nos tronos
No tique-taque macabro que aprendi
E à via láctea somente me prendi,
Com suas três companheiras em abonos;
Os meus anzóis de estrelas foram donos
E sobre o leite meu mosto distribuí.
Soube demais e demais vi.
O meu império,
Mesmo restrito, mal pude visitar;
Buracos negros cruzei em disparada
E na espiral desnovelei-me a sério
Na impura ânsia de tudo palmilhar,
a alma deixando, aos poucos, desbotada.
TRATATIVAS
I – 7 MAR 14
Há violência
inata em toda vida
que um
ser inteiro busca tudo dominar,
as
energias dispersas a agregar,
ao
caos soberbo levando de vencida!
À
distropia mostrei minha acolhida,
para
maior conhecimento congregar;
de
alfarrábios e grimórios o meu lar
enchi a
pouco e pouco, em longa lida.
Sem
dúvida, estudei filosofias,
porém
mantendo curvada a comissura
de
meus lábios, em ascética peneira;
das
religiões às longas homilias
dei
acolhida com menor ternura,
de
tantas delas minhalma sendo herdeira...
TRATATIVAS
II
No meu
espírito, todas digladiaram,
seus
fragmentos agudos mil farrapos
esmerilaram,
debicando os fatos:
pelos
éons, umas às outras devoraram.
Os
filósofos, a seu vezo, procuraram
demonstrar-se
racionais em longos tratos,
sem
alegarem dos deuses santos papos:
das
próprias mentes seus livros retiraram.
E não
há dois que concordem, realmente,
por
mais que linhas mestras eles sigam,
como
também se agrupam religiões,
conforme
a hagiologia ali presente,
que
das mais próximas discordar consigam,
em sua
disputa pelas vastas multidões.
TRATATIVAS III
E nessa longa busca da euforia
por haver toda a verdade conquistado,
por mais que amor e paz tenham pregado,
não concederam umas às outras alforria.
E mesmo Ahimsa, a não-violência, enfim trazia
a discussão para o cérebro cansado,
que a ordem não nos traz descanso amado:
mesmo a ciência modificar-se eu via.
Que paz existe tão somente na entropia,
cada átomo dos outros bem distante,
abdicando de si toda a energia,
pois só no caos toda a luta falecia,
perdido o tempo e o espaço em tal instante
que nem mais luz e calor conheceria...
JOGRAL DOS MUDOS I – 8 MAR 14
Se teu consciente relaxa um só momento
o coro surge das vozes do passado,
ferozes a ressoar no descampado
do devaneio vazio de julgamento.
Podem ser dedos de pressentimento
ou imagens contra o sono aproximado;
talvez acolhas seu teor amargurado
ou as repilas na frágua de um alento.
Em geral, essas vozes silenciosas
possuem dentes e garras afiadas,
teu sono a combater com energia,
pois mesmo mudas, as memórias mais dolosas
tocam teu peito em gotas apressadas
de adrenalina que de súbito surgia.
JOGRAL DOS MUDOS II
Talvez te surja qualquer fisionomia
já esquecida ou só em sonhos avistada
ou certa outra, inteiramente relembrada,
que teu descanso assim perturbaria,
pois talvez queiras revê-la, em euforia;
talvez até, junto de ti, se ache deitada,
talvez esteja sob o mármore enterrada,
talvez alguém que nessa tarde se veria;
ou, quem sabe? é um
remorso que te agita
ou uma saudade, já que vive e não a vês;
ou um rancor, por motivos mais diversos;
porém te assombra, quer feia, quer bonita
e teu sono se dispersa de uma vez,
para deitar-se em regaços mil dispersos.
JOGRAL DOS MUDOS III
Ou é uma voz, que só escutas no teu peito
de alguém que amas ou de ser desconhecido;
basta um estalo para o sono ser fendido,
por breve susto ou suspiro sem defeito;
mais outras coisas te perturbam no teu leito,
algum trabalho que queda interrompido,
qualquer fisgão de dor mal pressentido,
que logo passa, na troça do seu jeito;
porém o mais comum são as lembranças
de momentos de dor ou humilhação,
que à tona vêm, sem serem desejados;
esses fantasmas de mil desesperanças
a mastigar-te, devagar, o coração,
expulsos sempre e sempre retornados.
JOGRAL DOS MUDOS IV
Nem é preciso, sequer, que te recolhas;
basta que a guarda baixes por instante:
surge o abantesma com sua tromba de elefante
a abrir passagem e a destampar as rolhas;
então o cobres de cimento, com tuas trolhas
e ele se afoga em borbulhar constante;
mas outro surge, de teor mais inquietante,
das mágoas tuas no perpassar das folhas.
Bem os escutas, por mais que sejam mudos,
bem os enxergas, esses trasgos invisíveis,
autoritários e sem pedir licença,
festejando em coral os seus entrudos
esses monstros do Id imperecíveis,
qual penitência da confissão mais densa.
CULPAS DO MAR I –
9 MAR 14
Quando amor
chega, deixa a porta aberta
para um vislumbre
de penetração;
quem partilha
desse amor a confissão
busca inteirar-te
a fantasia desperta.
Na plenitude da
aceitação, a alerta
é envolta em
panos de amortalhação;
os sonhos puros,
de amor talha são:
talha-se a alma
para a invasão incerta.
Toda a reserva se
macula de esperança,
por mais que seja
o contrário da experiência,
já que amor tem
esse jeito de enganar
e em feromônios
torna a alma uma criança
ainda ingênua e
desnuda de sapiência,
nessa confiança
de saber-se amar.
CULPAS DO MAR II
Quando o mar
chega, invade a praia aberta,
onda após onda
galgando pela encosta,
na branca areia
que a maré mais gosta
ele se estende,
quer cheia, quer deserta.
Vem em borbulhas,
cada onda mais esperta
e então recua,
deixando a espuma exposta;
à luz do sol
explode a bolha e tosta:
retorna a vaga
contra a vaga certa...
E chegam outra e
outra, lentamente,
cada qual
devorando mais areia,
sem derreter-se
ao Sol ou à luz da Lua
e nesse amor,
cobre a praia totalmente
e toda a areia se
entrega e não receia
ser carregada,
expondo a rocha nua.
CULPAS DO MAR III
Também a alma
enfrenta a luz do mar,
nesse amplexo
cintilante e arcoirisado;
galga o amor por
teu peito dominado,
onda após onda,
em pleno conquistar.
Igual que o
oceano pode penhas encontrar
e se esbater, em
sua fúria revelado,
teimosamente o
penedo esfacelado,
em pertinácia e
em eterno palpitar,
será que amor tem
a força da maré
e assim avança e
rasga diariamente,
manso e suave no
coração aberto,
para um assalto
violento no sopé
das emoções de
resistência mais frequente
e então
conquista, para após deixar deserto?
CULPAS DO MAR IV
Será que amor é
salgado como o mar,
como é salgado o
sangue internamente?
Esse amor doce é
mentira inteiramente,
apimentada pelo
espírito a rasgar?
De quem a culpa,
do amor a dessangrar,
do mar salgado que
recobre totalmente,
do coração que se
abre incontinente,
nessa busca tão
só de se entregar?
De quem é a culpa
da antiga zombaria
na qual amor em
ti se espraia qual maré
e depois, desce
aos poucos, como veio?
Culpa do mar de
amor que a gente cria
ou desse peito
que se expõe ao cafuné
de onda após onda
a lhe afagar o seio?
AGUARDANÇA I – 10 MAR 14
Seja lá quem tu fores, sei me
esperas,
perdida nesses longos
quarteirões,
nos grandes prédios em que
corações
rugem sozinhos como tantas
feras.
Não vivo de ilusões, nem de
quimeras;
sigo minha lida, com suas
humilhações,
seus pequenos triunfos,
chateações,
nessa constância de rotinas
meras.
Pois me alimento, durmo e também
amo
e me defino tão só por meu
agora,
amealhando aos poucos quanto
quero;
mas por ti, desconhecida que
reclamo,
na solidão marchetada pelo
outrora,
que ainda aguardas por mim,
também espero.
AGUARDANÇA II
Bem sei me desconheces nessa
espera,
que já se estende quase há
gerações;
reconheceste-me, talvez, nas
multidões,
nessa esperança que toda espera
gera;
meus olhos viste em dupla alheia
esfera,
meu corpo, meus cabelos,
brotações
de teus ideais, em vagas
ilusões:
talvez até me viste – quem me
dera!...
Mas se te vi nas ondas dos
cabelos
ou nos passos ondulando na calçada,
mesmo em rodar laborioso e
cadeirante,
não te marquei com o carimbo de
meus selos
e assim prossigo perseguindo um
quase nada,
desfeito como brumas neste
instante.
AGUARDANÇA III
Enquanto espero, meu tempo não
espera,
enquanto esperas, sem saber por quê;
o olhar gira na esperança que se
dê
e gira a espera em seu girar de
esfera;
assim esperas por tão só vulto
de cera,
na aguardança do bronze que se
vê
no molde derretido em que se crê
estar a imagem por que a mente
deblatera.
Igual que eu, te contentas com o
agora,
na malfadada esperança do
amanhã,
na luz que se envelhece a cada
dia,
no entrelaçar do teu com o meu
outrora,
na trança espessa como fios de
lã,
tua seda a corromper de
nostalgia...
LEVADIÇA I – 11 MAR 14
Ouço dizer que a madrugada é ponte
entre a agonia sangrenta do poente
e do levante o vagir mais inocente,
nessa esperança vã que nos desponte.
Ouço dizer que a madrugada é fonte
desses sonhos que alimentam tanta gente,
que a energia restauram do descrente
perante a fímbria silente do horizonte.
Ouço dizer que a madrugada é berço
em que estertoram do ontem os fantasmas
e se aleitam os fantasmas do amanhã,
nesse período em que a luz vê seu inverso,
quando entre vida e morte te marasmas
e os pensamentos se emaranham feito lã.
LEVADIÇA II
Mas essa ponte recobre estranho rio
que nunca flui além de seu lugar;
talvez de um fosso esteja a se falar,
talvez de um poço de fulgor mais frio.
Pode ser que a madrugada seja o brio
da Lua apenas, em seu lento porejar,
sobre a Terra desnudada em seu vagar,
convés a Lua e a Terra apenas lio?
A madrugada assim une margem a margem
de uma corrente que só gira a seu redor,
um maelstrom de lúcido estridor,
Será que o tempo morre em nostalgia
ou nesse vácuo o tempo então se cria,
quando o próprio negror se faz miragem?
LEVADIÇA III
A mesma noite, afinal, outra miragem
e junto dela se escoa a madrugada;
o dia escorre no esplendor da toada
e a noite segue em mácula de imagem.
Se o dia vemos, igual é a abordagem
da noite oposta, como foice serrilhada,
a madrugada pela tarde acompanhada
e o dealbar do poente na visagem.
Que estranha ponte é essa que se adianta,
a carregar consigo, inteiro, o rio!
Estranha a tinta que sobre nós derrama,
enquanto nova torrente nos proclama,
para que a possa cobrir, em pleno cio,
a cada vez que outra alba se levanta.
LEVADIÇA IV
Ou, ao contrário, miragem é o dia,
que o Sol ardente e caprichoso pinta,
dourado o pigmento dessa tinta,
que apenas surge quando solo havia!
E a rotação com que a Terra se iludia
faz com que a luz do astro-rei nos minta;
a Terra gira e contra o brilho finta,
nessa perpétua e graciosa liturgia.
Mas é miragem, que ao redor de nós
é tudo pintalgado pelo escuro,
o Sol ponto de luz, perpetuamente,
que apenas brilha em solitária foz,
em seu desgaste contra o cosmo puro,
sem um espelho que em sua luz se alente...
ALFARROBEIRAS
1 –12 MAR 14
Postes
de luz dividem o cenário,
Como
se fossem requadros de revista:
Que
cada imagem em seu lugar persista,
Sem
se perder em vezo de antiquário.
Passa o veículo pelo espaço perdulário,
Nesse corte permanente em que ali insista,
A repartir em quadrinhos cada vista,
Igual mangá de layout atrabiliário.
As casas pelo meio recortadas
E até as pessoas em talho caprichoso,
Sem constituírem sequência permanente
E teu veículo avança, deformadas
Pelo olhar periférico e impiedoso
Aves e árvores em negação frequente.
ALFARROBEIRAS
2
Mas
se andas a pé, outra é a vista:
Lá
está o poste, alvo inerme de cachorro;
A
pouco a pouco, se vai subindo o morro,
Sem
que o cenário em deformar se insista.
Talvez se encontre mesmo uma conquista
De cujos trechos, se os devagar percorro
Se aprimoram e definem, lento Zorro,
Em que Antonio Banderas não se avista...
Erguem-se as casas por detrás dos
postes;
Surgem carvalhos, ipês, altos
pinheiros
E quem o quiser, consegue olhar em
torno,
Ou espiar ao longo dessas hostes,
Cujas lanças são fios bem altaneiros,
A rebrilhar ao sol de um dia morno.
ALFARROBEIRAS
3
Já
foram esses postes eucaliptos,
Esguias
árvores de australiana origem,
Galhos
podados sem qualquer vertigem,
Belos
e firmes, solarengos, ínclitos.
Em fila estendem três ou quatro, de olhos fitos,
No horizonte, a energia ante a caligem,
Transportando as mensagens que se impingem,
Com resultados horrendos ou bonitos.
Toca-se o cerne, descascado de
antemão,
Sem que derrame a seiva em âmbar
fontes;
Sem sua madeira, seriam postes de
cimento.
Para as luzes das casas proteção,
Para as imagens televisivas pontes,
Vida trazendo em seu padecimento.
ALFARROBEIRAS
4
Não
têm sementes esses postes verticais;
Talvez
das cepas já estejam rebrotados
Os
novos troncos, após serem cortados:
Três
ou quatro são, às vezes, naturais.
E aquelas duras nozes germinais,
Com desenhos caprichosos e variados,
Trazendo odores selvagens aprestados,
Não gerarão novas árvores jamais.
Mas podem ser guardadas muitos anos;
Seus núcleos duros não servem de
alimento,
Mas de miçangas, velho cheiro nas
narinas...
Tristes postes de luz, mortos insanos,
De que ainda vejo brotar, qual em
portento,
Símbolos fálicos revelados às meninas!
PERSEGUIDORA I – 13 MAR 14
Por entre arbustos e pedras do
caminho,
essa lua amarelada nos seguia;
face macabra em véu de fancaria,
lua tristonha e despida de carinho.
De mãos dadas, pés sobre o chão de
arminho,
a luz de fósforo qualquer mancha
permitia
aqui e acolá; e a pele luzidia
trazia penugem macia e sem espinho.
Nossos pés sobre a Lua marchetavam,
cada pedra uma finta de alvaiade
alabastrinos tantos ramos do arvoredo.
E mãos nas mãos, em despudor, suavam,
as digitais a compartir, em saciedade,
nessa espera expectante de um segredo.
PERSEGUIDORA II
A Lua Cheia, dizem, cresce mais,
que dela o olhar de Selene nos
contempla
e em suas órbitas vazias se retempla,
argênteo rosto suspenso no jamais.
Nenhuma estrela, com Vésper ademais
um brilho igual à vida nos exempla
quanto o da Lua, quando a fé assim a
entempla:
moeda mórbida no azinhavre dos finais.
Nesse contraste de negror e de
platina,
órbitas fundas como as das caveiras,
a contemplar sorrisos azulados...
sem reverbero, qual o Sol inclina,
mesmo nas horas de chispas mais
ligeiras,
por entre os gases do ar aperolados.
PERSEGUIDORA III
Persegue a Lua os passos dos amantes,
chovendo sombras de um preteor
profundo,
contraste vivo com o cortejo
lumibundo,
enquanto as folhas farfalham
delirantes.
Na lua pálida em seus Quartos Minguantes,
Na lua cega, a Lua Nova ao fundo,
Na Lua Crescente, em sonho gemebundo,
São os passos mais raros e
inconstantes.
Que nas esquinas espreitam
salteadores,
brandindo o brilho repentino dos
punhais
e quando jorra o sangue, escorre
preto.
Poucos amantes e muitos estertores,
nesse saque improfícuo de embornais,
só com bilhetes para encontro mais
secreto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário