BEIJOS DE ANTANHO I
– 16 MAR 14
Lembro teu beijo
com sabor de chuva,
Gotas aladas na
língua desmanchando,
Toda a poeira da
amargura despachando
Para o passado,
qual descartada luva.
Lembro teu beijo,
doce baga de uva,
Contra o céu de
minha boca se roçando,
Ao verdadeiro céu
me transportando,
Mas depois me
corroendo qual saúva.
Por não se repetir,
passados anos,
O mesmo ácido
frequente me retorna,
A língua seca de em
si mesma se roçar,
Meus lábios a
mortalha desses danos,
Por queimadura de
tua boca morna
Que só outro beijo
teu pode abrandar.
BEIJOS DE ANTANHO
II
Lembro teu beijo
com sabor de amora,
Doce no início,
mesclado de acidez,
Beijo perdido
quando amor se fez
Na tarde oculta de
distante outrora.
Lembro teu beijo em
cheiro de demora,
Por empoeirado o
retorno, em sonho e pez;
Tornou-se apenas
nas palavras que hoje lês,
Triste ressaibo de
tão distante hora.
Passam as décadas,
sem dúvida, e a lembrança
Retorna ainda, de
certo engalanada,
Por tanta vez no
passado recordada.
Deixou teu beijo de
ser uma criança,
Adolesceu, fez-se
maduro, se casou
E na minha boca só
o ressaibo me ficou.
BEIJOS DE ANTANHO
III
Lembro teu beijo
com sabor de fada,
Mescla potente de
alegria e solidão,
Inesperado beijo,
sem paixão,
Pequeno beijo, sem
conduzir a nada.
Lembro teu beijo de
condão, em cada
Cerrar de olhos no
cansaço da estação;
A palma cobre da
tarde sua invasão,
Nesse usufruto da
memória inesperada.
Mas já se foi tanto
tempo, que receio
Seja o teu beijo
tão somente devaneio,
Cria e colheita
desta imaginação,
Numa lembrança que
apenas figurei
De tanto repetir do
sono ao meio,
Que até acredite
que algum dia te beijei.
BEIJOS DE ANTANHO
IV
Lembro teu beijo
como um vagalume
Que minha boca
enxergou, mas não o olhar;
Beijo teu beijo em
constante meditar,
Por onde quer que
minha lembrança rume.
Beijo teu beijo
como o quente cume
Da adolescência,
num passado milenar,
Lembro a frescura
que soube despertar
De sensações
brilhantes como lume.
Lembro teu beijo no
estridor que desce
Pela garganta e me
enche o coração,
Descendo ao ventre
em nova sensação.
Mais difícil
descrever do que uma prece,
Súbito choque
forjado de surpresa,
Metade susto,
metade uma incerteza.
ONIROMANTE I – 16/7/2006
Eu me acordei de um
sonho, em que deitavas,
Sobre meu peito; as
ondas dos cabelos
Me acarinhavam, na
vaga dos desvelos:
Mesmo ao ver que eu
não queria, me beijavas.
E quantas vezes
busquei que me abraçasses
E recusaste, por
qualquer pretexto...
Mas sempre que fugi
desse contexto,
Algo fazia com que
retornasses...
Depois de tudo que
tinha acontecido,
Não foi estranho
que eu, um sonhador,
Por me ver desse
modo entristecido,
Em consequência de
teu querer despótico,
Por grande fosse a
potência desse amor,
Me contentasse
afinal, com um sonho erótico.
ONIROMANTE II – 14
mar 14
Sonhos eróticos a
todos acometem,
Se bem que muitos
não os queiram relembrar:
Censura onírica
costumam mencionar,
Vergonha ou medo do
que os sonhos nos remetem.
Ressentimento,
porque os sonhos se intrometem
Em nossa vida de
consciente planejar
Ou na aquiescência
do tranquilo conformar,
Por tais
inquietações que nos projetem...
Ou então se aceita
o que os sonhos nos prometem,
Talvez com um certo
sorriso de ironia,
Nessa armadilha
que, quiçá, nem se queria,
Quando erotismos
reais se nos repetem
Ou que se os julga
para sempre ultrapassados,
Melhor nos sendo
que sequer fossem lembrados.
ONIROMANTE III
Mas quem em versos
se agita e se emaranha
Recebe bem tais
sonhos gritadores:
Da inspiração são
fiéis agitadores;
Cada erotismo de
poemas se acompanha.
Quando assaltado, o
cérebro se assanha,
Sem ter, na real
vida, iguais amores;
Sem dúvida, são
diversos seus ardores:
Por que sonhar o
que se tem e o que se ganha?
Pois muita vez, são
os sonhos esquecidos,
Mas no consciente
deixaram impressão
E por falta de
pudor, então se escreve
Não o retrato fiel
dos sonhos tidos,
Mas essas lascas
cravadas de emoção
Antes que o vento
da manhã as sopre e leve.
ONIROMANTE IV
Sonhos eróticos são
bem mais que fantasia
E não nos servem
para masturbação;
Sob o disfarce do
amplexo, inspiração
Se impõe aos dedos
em mortalha de elegia.
Que importa surjam
por fantasmagoria,
Se nos provocam
mental menstruação
E nos preparam para
a nova geração,
Nesses mil óvulos
de versos que se cria?
Sem dúvida, é um
pendor de bruxaria,
Que invoca
espíritos de fragor distante:
Escrever versos é
dos sonhos a magia...
Muito mais que
charlatão ou quiromante,
E sem buscar nada ganhar,
eu só queria
A nebulosa do
mister de oniromante!...
SOMBRAS CLARAS I –
15 MAR 14
A dor eu sinto
quando entredevoro
as mil palavras de
alheio desafeto,
cuja adesão em mim
jamais completo,
porém se tornam em
minha pena quando choro.
A pena é minha quando
o tema afloro,
não obstante, meu
não é seu objeto:
pena da pena e não
do meu afeto,
não é minha pena
que ao coração deploro.
Alheia a pena
dentro ao coração,
que tão somente
descrevo em empatia,
é minha a pena que
me brande a mão,
mais que essa pena
que ao peito nem sentia
por apenas
compreender tal emoção
mas não a mágoa em
que se desfazia.
SOMBRAS CLARAS II
Porque essas penas
que com penas descrevia
não eram mais que
sombras entrevistas
na minha vaidade,
ao vezo das conquistas
de estranhas mágoas
que apenas entrevia;
e se me escapavam
dos dedos, em folia,
nalma deixando tão
somente leves pistas,
sombras fugazes que
em teu suor avistas
sempre que idêntica
emoção te afetaria.
E em tal calor que
pelo rosto sobe
nesse rubor que te
poreja a testa,
não há palavras de
pedra, mas de adobe.
Sonhos de barro
ressecado ao sol,
que se recolhe na
mais branda festa
e se projeta e se
amplia qual farol.
SOMBRAS CLARAS III
São como as sombras
ao cair da tarde,
meio indecisas,
difusas no crepúsculo,
meio ocultadas pelo
lusco-fusco,
pobre fervor que
sequer na pele arde.
Mas recolhidas por
quem bem as enfarde,
são emoções de
pérola e corpúsculo,
presas em nervos,
sem vigor de músculo,
em fios de penas
que a memória encarde.
São claras sombras
tais alheias penas,
quase indistintas
no solar do egoísmo,
contra as paredes
encolhidas em empenas,
tortas, coitadas,
em tal desprezo alheio,
até a surpresa
feita de altruísmo
que inda as recolha
sem qualquer receio.
SOMBRAS CLARAS IV
Mas se tiveres o
dote da empatia,
poderás compreender
estes singelos
versos opacos, que
até pareçam belos
que mais não seja
por seu véu de nostalgia.
Porque tais sombras
recolho em simpatia
e em novas penas
simples de desvelos
quero torná-las
visíveis em meus zelos:
talvez não as
sintas igual como eu queria
penas idênticas às
que tens no coração,
pois ao espaço eu
lanço minhas gavinhas
para sonhar de ti
mágoa e tristeza;
mas caso te comova
esta emoção,
é de tua própria
sombra que avizinhas,
vogando assim em
tais penas de leveza...
BEIJOS DE SOL I – 17 MAR 14
O sol brilha dourado, mas só teus olhos vejo,
castanhos e leais, como no antigo fado,
a brilhar mais do que o sol iluminado,
mesmo nas pálpebras fechadas para o beijo.
Durante a noite, mais líquido é esse ensejo:
teus olhos me iluminam, do meu lado;
pestanas nutrem o farol para onde nado,
desnudo para ti, livre e sem pejo.
Meus lábios sopram a brincar assim contigo,
iguais que lamparina os olhos que respiro,
a luz tremula em resplendentes íris;
em última busca, alcanço o teu abrigo;
teu rosto contra o meu, em tal carinho viro
e me aqueço à flama azul de teu arco-íris.
BEIJOS DE SOL II
O beijo é fim em si ou só caminho
para outro beijo em boca mais profunda,
lábios carmim de esperança mais jocunda
(dizem que a rosa anseia pelo espinho).
O beijo é cálice do mais rubro vinho,
feito do sangue e suspiro mais fecundo,
tal beijo sem censura, beijo fundo,
nessa troca de gênero e azevinho.
Quando teu beijo de singulares traços,
já desde o início feito esquecimento,
semiadormece desde o despertar,
prelúdio apenas para mais abraços,
feroz prefácio para o esgotamento,
para outros beijos mais suaves provocar.
BEIJOS DE SOL III
Teus beijos queimam, sem dúvida, qual sol,
pois toda a vida do ontem carbonizam;
meus recordares se apagam e deslizam,
nessa luz longa que espalhas qual farol.
E assim toda a escuridão lança em crisol,
em tal memória de túnel que improvisam:
somente as bocas e os olhos que se visam
nesse cone de luz qual arrebol...
Todo o restante da vida feito em treva,
enquanto a luz do beijo, hospitaleira,
nos ilumina e nos ferve, num momento,
e para instante de luz maior nos leva,
até se apague a vela derradeira
desse beijo em baixamar de esquecimento.
Amor de rosário i – 18 mar 14
“SÓ QUEM AMOR NÃO VENCEU, O AMOR CONHECE”,
NOS DISSE AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT;
EMBORA PROSA FOSSE, É BOM QUE O IMITE
ESTE SONETO QUE TAL FRASE NÃO ESQUECE.
AMOR, SEM DÚVIDA, É NOVELA E PRECE,
AVEMARIAS A REPETIR QUE A MÃE INCITE
PARA ATENDER AO PEDIDO E QUE SE AGITE
AO REPETIR DA FÓRMULA QUE AQUECE.
BEM RARAMENTE TEM RESPOSTA A ORAÇÃO
OU QUANDO A TEM, DIFERE DO ESPERADO:
A GENTE GANHA O QUE PEDIU E NÃO QUERIA.
E ASSIM AMOR, EM SUA NOVELA DE PAIXÃO,
PERDIDO O OLFATO INICIAL DE SEU PECADO,
TAMBÉM SE ESGOTA EM SABOR DE NOSTALGIA.
Amor de rosário iI
HÁ MUITOS SÉCULOS, DIZIAM OS ROMANOS:
“PENSA BEM, QUANDO ESTIVERES SUPLICANDO;
ALGUM DEUS TALVEZ ESTEJA TE ESCUTANDO
E TE ATENDA AOS PEDIDOS MAIS INSANOS.”
POIS TEUS DESEJOS SÃO BUQUÊS DE ENGANOS;
PENSA BEM, AO FICARES TE AJOELHANDO
OU NOVAS VELAS SOBRE O ALTAR ILUMINANDO:
PRODUZ-SE A LUZ POR CAUSAR À CERA DANOS.
POIS TODO O AMOR É FEITO DE ESPERANÇA
E SE DESEJA TÃO SÓ O QUE NÃO SE TEM:
AMOR EXPLODE ENQUANTO AMOR NÃO VEM
E SE DERRETE DEPOIS QUE AMOR ALCANÇA,
SEM MAIS TEMOR OU QUERER DO CONHECIDO,
ANSIANDO ENTÃO POR NOVO BEM QUERIDO.
Amor de rosário iii
A CADA VEZ QUE POR AMOR SE ANSEIA,
POR ENTRE OS DEDOS SE ARREDONDA CONTA;
AS MESMAS LÁGRIMAS SÃO DE POUCA MONTA
EM MIL COLARES DE SALGADA VEIA.
A CADA VEZ QUE AMOR NOS ARRECEIA,
SALTA DO PEITO A ALMA EM FÚRIA TONTA:
PARA O FULGOR DO AMOR A FRECHA APONTA
E NESSA FLAMA O PEITO INTEIRO SE INCENDEIA.
MAS QUEM O AMOR NA VIDA ASSIM VENCEU,
SEM AO CONTRÁRIO, DO AMOR SER O VENCIDO,
AMOR CONFUNDE COM SEU NOVO SENTIMENTO
E PENSA ENTÃO SER AMOR APENAS ISSO,
PRESO NA TRAMA PERPLEXA DO CASTIÇO,
DEIXANDO AMOR FUGIR DO PENSAMENTO.
BEIJOS ÁVIDOS I – 19 MAR 14
de madrugada, as fantasmas me visitam,
mesmo do sono estando já acordado,
de meus sonhos sexuais bem despertado;
para outro nexo é que as larvas vêm e incitam.
para outras eróticas imagens não concitam,
pois delas vivo perpetuamente aparelhado,
em seu balé diuturno, lado a lado,
razão de ser desses poemas que me ditam.
mas as fantasmas me beijam, avidamente,
nos olhos e na nuca e sobre os dedos,
escorrem a límpida saliva dos segredos
e ao desvendarem o quanto complacente
fica meu ânimo a seus assentamentos,
escravo e amo de alheios julgamentos.
BEIJOS ÁVIDOS II
caso seus beijos deixassem em minha boca
essas lâmias furtivas e famintas,
a minha vida pautariam noutras tintas:
não é meu sêmen que essa tribo deixa louca,
pois cada súcubo que a carne me provoca
outras sementes espreme por suas fintas,
que não te cause pejo enquanto pintas
no imaginar o que o desejo aloca...
pois não me vêm roubar suor ou sangue
para levar a qualquer íncubo impotente;
é mais o cérebro que tornam quase exangue,
porém que sinto ser assim exercitado,
igual que músculo de expressão frequente
mais forte fica quanto mais solicitado.
BEIJOS ÁVIDOS III
pois vampiros, em geral, perdem o sexo,
por mais que busquem conservar tal qualidade;
são intangíveis ao comum da humanidade,
que nem sequer pressente o seu amplexo.
bem diferente é a força do seu nexo,
querem ainda pertencer à humanidade,
nessa avidez de beijos sem maldade,
em que o sexual nunca passa de um anexo.
assim, é mais meus dedos que perseguem
e do antebraço controlar a musculatura,
para expressar seus derradeiros pensamentos
e aonde vou tais espíritos me seguem,
intermediário da avidez mais pura
desses seus beijos de tranquilos sofrimentos.
OLHAR DIVINO I – 20 MAR 14
PELO BRILHO SEMPITERNO DAS ESTRELAS
SÃO MIL OLHOS DE DEUSES QUE ME VEEM
É CERTO CONTEMPLAREM A TI TAMBÉM
MAS EU PERCEBO MELHOR AS SUAS CANDELAS
NEM TODAS FORTES, PORÉM PÁLIDAS VELAS
CONTRA O VELUDO DO MANTO SE SUSTÊM
SÃO MIL TRAÇAS QUE O FURARAM COM DESDÉM
SOBRE NÓS A LANÇAR SUAS ESPARRELAS
CHAMAS DE RAIOS CÓSMICOS AS FAGULHAS
QUE BROTAM DESSES OLHOS, INCESSANTES
QUE A VIDA NOS CRIARAM E A DESTROEM
EM ILUSÃO, NOS ENREDAMOS NAS PAMPULHAS
ENQUANTO FOGOS NOS CORTAM, TRIUNFANTES,
TÃO SÓ TALVEZ PELO PRAZER
COM QUE NOS ROEM
OLHAR DIVINO Ii
AQUI NOS ACHAM SUAS VISTAS REBRILHANTES
DARDOS QUE CORREM MILÊNIOS SILENCIOSOS
FÁLICOS SÍMBOLOS SEUS FACHOS PODEROSOS
QUE NÃO SE EXTINGUEM,
POR MAIS SEJAM DISTANTES
ADORADOS POR HUMANOS INCONSTANTES
DORMEM ALGUNS NOS TÚMULOS UMBROSOS
ENGOLIDOS POR DEMÔNIOS INVEJOSOS
NO CAOS E NA ENTROPIA VIGILANTES
PORQUE AS ESTRELAS SÓ BRILHAM PARA NÓS
ENQUANTO FOREM POR NÓS RECONHECIDAS
DOS GRANDES TEMPLOS ESCUTANDO A VOZ
PORÉM CESSADAS SALMODIAS ESQUECIDAS
MENOS DE AMOR QUE DE TEMOR ATROZ
ASSIM SE APAGAM SUAS VISTAS RESSEQUIDAS.
OLHAR DIVINO Iii
POUCO IMPORTA O QUE FALEM OS CIENTISTAS
AS SUAS TEORIAS GÉLIDAS FARFALHAS
NENHUM DELES ASCENDEU A TAIS MEDALHAS
SÓ TELESCÓPIOS A AMPLIAR SUAS VISTAS
E SE ESTENDEREM AOS MONTES AS CONQUISTAS
VERÃO SOMENTE CEM IMGENS FALHAS
QUE AMPLIAÇÕES NÃO PASSAM DE ACENDALHAS
SÃO BEM DIVERSAS PARA QUEM
LHES SOBE ÀS CRISTAS
POR QUE SERIAM AS ESTRELAS SÓ FOGUEIRAS
QUE SE ACENDEM SEM FÓSFOROS OU ISQUEIROS
SERÁ QUE QUEIMAM A PRÓPRIA ESCURIDÃO?
ANTES QUE SEJAM FACES MAIS FAGUEIRAS
QUE NOS CONTEMPLEM DOS IMORTAIS LUZEIROS,
EM CADA QUAL A PALPITAR UM CORAÇÃO!
O TRUQUE DO CEGUINHO I – 21 MAR 14
Amor é um ceguinho bem guloso,
que anda tateando, de alumínio com bengala
e em cada coração depõe sua gala,
porém não por qualquer ato amoroso...
Amor é antes um ogro tenebroso
que pela escuridão erra e resvala;
o seu suporte encrava em cada fala,
buscando apenas um apoio poderoso.
E
quando vê que só há fragilidade
em
cada alma e peito dos humanos,
deixa
um buraco em cada coração
e
vai cravar sua bengala, sem maldade,
oca, afinal, já que foi feita de
canos,
em qualquer alma de que espere
proteção.
O TRUQUE DO CEGUINHO II
Porque Amor não vem trazer-nos benefício,
pois sendo cego, só quer em ti apoiar-se;
caso fracasse, só deseja levantar-se,
pouco lhe importa ter causado um malefício...
Amor é apenas um mendigo
sem ofício;
dos corações quer tão só
apoderar-se
para bem fundo sua muleta
assim cravar-se,
caolho ciclope a
perpetuar seu vício.
É assim que nos
machuca sem ter pena,
mesmo porque
não é mais que uma criança:
Amor é forte
apenas no começo,
quando
a ponteira nova senda acena,
tal
qual se houvesse ali uma esperança
e não
sua dança indiferente e sem apreço.
O TRUQUE DO CEGUINHO III
Ninguém devera por isso se espantar
que o coração, depois de perfurado,
bem facilmente possa ser quebrado
ou antes, partido, como a gente ouve falar.
E igualmente, é bem
difícil estranhar
que o coração, remendado
e revestido
por bondade ou por
carinho bem nutrido
não mais deseje outra vez
se enamorar!
Mas o menino cego e tão antigo
também dispõe de pequeno par de
asinhas
e então retorna, parecendo até
voar...
e sua bengala perfurante traz
consigo,
bem oculta entre as penas
pequeninhas,
os corações a iludir para
flutuar!...
O TRUQUE DO CEGUINHO IV
E no momento em que se baixa a guarda,
suas asas para, bem depressa, de abanar
e sua muleta de alumínio vem cravar
nos corações, qual aguilhão de carda
e uma nova paixão então não tarda
em azul e ouro e rosicler brilhar...
Desilusão vem de novo, sem tardar,
coberto o quadro de camada parda...
E então Amor, o ceguinho sem
vergonha,
ao ver que sua bengala ali já
afunda,
bate as asinhas e logo vai-se
embora...
Deixando o furo no coração que
sonha,
a alma curvada ao peso da
corcunda,
a dor lembrando que já sentiu
outrora!
DESLUMBRAMENTO I – 22 MAR 14
Que seja amor espanto, já foi dito,
lugar-comum da mágoa e do desdouro,
a frase feita ao tiracol de couro,
a balançar por sobre o peito aflito.
Que seja amor o sonho mais bonito
a perdurar na alma, qual tesouro,
já se disse também; e o quaradouro
em que desbota o julgamento mais contrito.
Que seja amor assim borra de anil,
polvilhada de leve, à luz do sol
ou as lascas estilhadas a buril
do coração a sonhar demais ao alto,
que foi lançado na cratera do crisol,
por se deixar levar de tão incauto!...
DESLUMBRAMENTO II
Que seja amor egoísmo e sofrimento
de quem anseia tê-lo sempre para si;
que seja amor o descuidar do bem-te-vi,
que nos previne em prévio julgamento;
que seja amor votado ao esquecimento
de quem não busca usufruí-lo aqui,
mas só gozá-lo igual que o colibri,
que apenas beija e se afasta num momento,
certo é que amor pode pairar no espaço
ou então pousar no alto da paineira,
pois não o podes agarrar, rápido o passo
que seja o teu, pois mais veloz se esvoa
e desse tronco cada espinho se aligeira
para o atrevido rasgar e o não perdoa!...
DESLUMBRAMENTO III
Porém amor é sonho de neblina,
em mil gotas refletindo a luz do Sol
ou te rodeia em rede de farol,
deslumbramento nos olhos da menina.
Afundamento no pantanal da sina,
mil sensações de multifário rol,
cem armadilhas para súbito crisol,
poça de cal que a carne rói e afina.
E no entretanto, a quem amor afeta,
por esse egoísmo que a si mesmo nega,
pouco lhe importa satisfação completa,
pois o que busca é a maior desfaçatez,
que o endorfina e deixa a alma cega,
pisando em falso no véu da embriaguez!
APÓLOGO I – 23 MAR
14
Existem poetas às
centenas por aí,
muitos mais do que
se pode imaginar,
cada um surpreso do
próprio versejar,
bicando versos no
adejar do colibri.
Entusiasmar a
alguns já me sofri,
os meus modelos,
porém, a lhes mostrar,
sem verso livre,
que qualquer pode montar:
figueira brava
cujos frutos não colhi.
Fui escolhido pelos
deuses do soneto
e a eles me
ajoelhei, em devoção,
sem pretender
praticar apostasia,
embora, às vezes,
algum formato mais dileto
empregue para
história ou narração,
a que o soneto não
se prestaria...
APÓLOGO II
E não me sinto
preso em tal formato;
pelo contrário,
dá-me liberdade,
muito mais que
essas linhas de vaidade
com que se expõem
os outros, sem recato,
por ser mais fácil
o gingar do pato
do que o vogar do
cisne, na verdade,
ainda que eu busque
a marmórea qualidade
no quartzo, na mica
e ao feldspato.
Não me prendi aos
temas harmoniosos
de um amor
cuidadoso e nada ousado,
que explicitei o
sexo em poemas,
nem limitei-me aos
tons voluptuosos,
mas invadi o
religioso, apressurado,
e discuti filosofia
em minhas verbenas.
APÓLOGO III
Que segue,
pois? Que a minha indumentária
se coaduna às
paredes do salão.
Seria até capaz de
usar fardão,
se a Academia não
me chamasse pária.
Mas roupagem usaria
até bem vária,
dependendo do
formato da ocasião.
De mangas curtas
afundado na emoção
ou de casaca em
situação hilária.
Na falta de chapéu,
uso boné,
sem meu verso
transformar em operário,
nem usar sobrepeliz
em auto-de-fé,
pois sou eu mesmo e
aceite quem quiser
esse meu jeito um
tanto ou quanto atrabiliário,
sem que plagie a
ninguém no meu mister.
APÓLOGO IV
Apenas deixo que a
palavra flua
e se acaso alguma
linha reconheço,
aspas coloco, a
demonstrar apreço:
acho obscena a
citação mais nua.
E caso alguém
detestar palavra crua,
sinto muito, mas
delas não me esqueço;
só as mais
grosseiras com cuidado meço,
sem permitir que
pernoitem em minha rua.
Mas trato as coisas
por seus próprios nomes
e descrevo sem
temor quaisquer ações,
igual que as lembro
ou como me mostraram;
ás pornográficas
apenas ergo os cones
alaranjados, nas
esquinas das paixões,
que até o presente
nunca me cruzaram.
LENOCÍNIO I – 24 MAR 14
Os passos andam pela rua escura,
qualquer ventre a buscar, desocupado;
amor não anda aqui: foi alijado,
só se demanda a impudicícia pura;
a carne longa à funda se mistura,
num movimento veloz e sincopado
ou então lento, meio a medo do pecado;
nada é gentil ou carinhoso nesta altura.
Grandes cidades tais coitos favorecem,
na mais casual e breve excitação:
o leito, às vezes, é só uma parede.
Anjos de carne que na Terra descem
para atender, despidos de emoção,
passos furtivos movidos pela sede.
LENOCÍNIO II
Hoje que é fácil ter, sem compromisso,
bocas promíscuas no canto da balada,
em qualquer canto, sem levar a nada,
ao custo apenas da entrada a preço fixo,
os ouvidos a estourar ao som prolixo,
bebida forte em moeda inflacionada,
um comprimido aqui, pastilha alada,
qualquer fungar de pó, boca de lixo,
em que meninas, sequer adolescentes
competem, na maior promiscuidade,
para ver quem pega mais na agarração,
seria até de esperar que poucas gentes
fossem às ruas para o ardor de opacidade
e assim entrasse em moratória a profissão.
LENOCÍNIO III
Mas muito embora a balada, em luz difusa,
ensurdecidas a mente e a audição,
bocas e mãos perdida a direção,
permita a semibreve ação escusa,
na proteção da plástica camisa,
na segurança de anticoncepcionais,
em que as drogas descontrolam ainda mais
a alma rasgada que ao prazer apenas visa,
existe o velho, o feio e o pervertido
e pelas ruas anda o desajustado,
buscando simples ou complexo tratamento
em tais lugares onde tudo é permitido,
o preço pago conforme combinado
e então os passos vão-se embora, num momento.
OFERENDA I – 25 MAR 14
À beira-praia ela se abre por
inteira,
Lábios e ninfas demandando sal.
O mar avança, em sua maré total
E ela recebe a investida
hospitaleira.
É de Posêidon a marcha alvissareira,
Ela se estende, aberta para o mal,
Vazia a praia, lua nova de estival
Penetração de onda em cordilheira.
Não lhe bastam os homens, afinal,
Ou talvez já os tenha tido em
demasia:
Ela se deita qual oferta a Iemanjá
E assim se lava, nesse empenho
divinal;
Ergue-se antes de beijar a maresia,
Recolhe as roupas e aonde vai? –
sabe-se lá!
OFERENDA II
Ou talvez, apenas deite sobre a
areia,
Semidesnuda para que a quiser ver,
Indiferente, quer a Apolo pertencer;
Se coliformes fecais muito receia,
Do crepitar do Sol porém anseia,
Julga ser bela a pele a escurecer,
Apenas deita junto ao mar, a oferecer
Pernas e ventre enquanto o peito se
incendeia.
E a multidão nem a vê, indiferente,
Alguns correm, outros nadam nas
marolas,
Alguns namoram, outros jogam
frescobol
E ela se orgasma em seu vício tão
frequente,
Nessas carícias que lhe sobem desde
as solas
De seus pés e a consomem num crisol.
OFERENDA III
Raros os homens que se deitam desta
forma,
Mais serve o mar para proezas de
surfismo,
Seus olhos buscam as carnes em
nudismo,
Dentro em sua pele, cada jovem se
conforma;
Basta o desejo que mais mulher a
torna,
Sem que dele compartilhe, em seu
egoísmo
Ou então sua imagem oferece, em
altruísmo,
Que a imaginação alheia, após,
adorna...
Talvez alguma demonstre até desprezo,
Ao ver-se assim por olhares
desnudada,
Cobiça alguma a fará ser desventrada,
Salvo ela escolha alguém, pelo seu
vezo
E o imagine qual sendo o Sol e o Mar
Por sal e luz se permitindo
fecundar...
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