FECUNDAÇÃO & MAIS
William Lagos
FECUNDAÇÃO I – 26 MAR 2014
Quando eu crescer, pretendo ser um rio
E levarei minhas águas para ti;
Em mim te banharás e, logo ali,
Penetrarei teu corpo em pleno brio.
Pela água da torneira corre o fio
Dessa semente que para ti servi;
Que então me beberias, percebi,
Dessedentando o ventre no teu cio.
Serei assim o rio dentro do seio,
A percorrer das artérias todo o espaço,
Serei teus rins, tuas virilhas, teus pulmões,
A água minha feita sangue em cada veio
Até o suor que te proteja no regaço
E a vida mesma a palpitar tuas ilusões.
FECUNDAÇÃO II
Quando eu crescer, serei o sangue teu.
Serei tua linfa, tua lágrima e suor,
De Bertholin serei suco de amor
E cada hemácia que de ti verteu.
Quando eu crescer, o som que te escolheu,
Percorrerá teu cérebro em fervor,
Serei sobre teus pelos o tremor
Que inteiramente para ti se deu.
Serei teu frio, serei o teu calor
E viverei nas trompas do teu ventre,
Serei teu pai, teu filho e teu amante
E aceitarei tuas ânsias de sexor,
Ao receberes em teu corpo dentre
Qualquer semente alheia em teu descante.
FECUNDAÇÃO III
Quando eu crescer, serei aroma puro
E escorrerei como óleo em teus cabelos;
Mesmo que cedas a outrem teus desvelos,
Será teu corpo para mim maduro,
Pois estarei em ti, mesmo perjuro,
Teu coração é a força de meus selos;
Serei carnes ardentes nos teus zelos
E de teus medos o porto mais seguro.
Pois não te quero como escrava minha
E nem tampouco servo teu serei,
Porém em ti me aninharei inteiro,
Serei tua capa, tua fímbria e tua bainha
E em cada fibra de ti me acolherei,
Até que expires o suspiro derradeiro.
CIRCULAÇÃO I – 27 MAR 14
em sístole e diástole te amo,
pelas válvulas tricúspide e mitral
corre meu sangue em vermelho natural
em busca do teu ser por que proclamo.
em meus alvéolos só por ti reclamo,
na linfa e nas plaquetas, em total
e completo compromisso o ser neural
te busca em pulsação com que conclamo.
que as células de ti se prendam todas
às células de mim, erguida a pele
e que a carne à carne molde num suspiro
e que as cadeias do cérebro em tais bodas
sejam grilhão que as nossas mentes sele
no ressonar de um único respiro.
CIRCULAÇÃO II
pois eu
te amo em meu catabolismo,
meu
corpo inteiro voltado para ti;
na
minha eucaristia eu te bebi
e te concentro
em meu metabolismo.
eu
serei teu apesar do anabolismo:
nas
retinas circádicas te ungi,
nos
afetos diuturnos te escolhi
e teu
serei em perene cataclismo.
sem que
haja vestigial de servilismo,
que ao
dar-me inteiro, te recebo toda,
ao
dar-te inteira, recebes-me completa,
nesse
duplo e oximorial solipsismo,
qual
uma estrela de entorno a outra roda,
no
mútuo gravitar que a ambas afeta.
CIRCULAÇÃO
III
a mente
inteira se envolve, cerebrina,
e o
cerebelo e o bulbo nos completam;
da
protuberância os impulsos nos afetam,
que por
medula o corpo então se afina.
por
elétricos impulsos se origina
a
sensação e o amor que nos conectam,
os
feromônios que os sexos insectam,
cada
explosão que se embasa na retina.
e meu
amor, fisicamente enfático,
percorre
cada nervo e cada veia,
domina
o sangue que a jugular transporta,
e se
transmite nos ramos do simpático
neural
sistema, sem interferência alheia,
nos
capilares que escorrem de tua aorta.
CIRCULAÇÃO IV
assim juntos, separamos o linfático
sistema contra alheia infecção;
no mesmo ritmo bate cada coração
e vivo em ti qual no sonho mais enfático.
caso meu verso te soar nefelibático,
vivo nas nuvens perpétuas da emoção
e como chuva, controlo a brotação
de cada espiga em seu calor empático.
do mesmo modo que, em mim, pressinto
igual centelha a percorrer-me a vida,
que meus pulmões tomaste de vencida
e a cada expiração um verso pinto,
tinta e caneta o esmalte de tuas unhas,
enquanto a alma inquieta tu me expunhas.
SOMBRAS CINZAS I – 28 MAR 14
NAS TARDES FEITAS DE CHUVA
DAS CEM MIL FACAS SEM COR
DAS NUVENS DEDOS DE LUVA
MORTAS TARDES DE CINZOR
NAS TARDES FEITAS DE LAVA
TARDES MORTAS DE CALOR
DO AR COM PESO DE CLAVA
MORTO O VENTO SEM AMOR
NAS TARDES DE SÉSTIA MORNA
SOB O PONCHO ACONCHEGADO
LISTRAS RETAS DO MEU FADO
NAS TARDES MALHO E BIGORNA
MORTA A FOME DO MEU LADO
ENQUANTO A CINZA RETORNA...
SOMBRAS CINZAS II
NAS TARDES DE LUZ GRISALHA
VERDE A SOMBRA NO CAMINHO
FRACA SOMBRA QUE SE ESPALHA
DILUÍDO O SEU CARINHO
CLARA SOMBRA QUE SE TALHA
PERFURADA PELO ANCINHO
MIL MOEDAS NESSA ESGALHA
ENTRE AS AGULHAS DE PINHO
NAS TARDES DE SOMBRAS MANSAS
PERSEGUDAS PELO SOL
DE NUVENS ENTRETECIDAS
NAS TARDES SEM ESPERANÇAS
FISGADA A ALMA EM ANZOL
MEIGAS SOMBRAS ESQUECIDAS...
SOMBRAS CINZAS Iii
TARDES DE SOMBRAS CINZENTAS
QUE NEGRAS NUNCA SE TORNAM
NAS TARDES SEM SOMBRAS BENTAS
TONS DE AMARELO SE ADORNAM
NAS TARDES DE GOTAS LENTAS
CONTRA OS CALORES QUE ENFORNAM
DESCEM GOTAS SUDORENTAS
QUE IGUAIS COLARES ME ORNAM
TARDE DE CHUVA ABAFADAS
NAS TARDES DE POUCA LUZ
EM QUE SE ENCOLHEM AS SOMBRAS
PELOS CANTOS ENTOCADAS
FUGINDO DO LUSCOFUZ
PELO AVESSO DAS ALFOMBRAS...
SONETO TROVADO I – 29 MAR 14
NAS HORAS DE ATREVIMENTO
PERDIDO NO NÃO-AINDA
DA ALIGEIRANÇA BEM-VINDA
CANTO MEU PADECIMENTO.
TALVEZ NEM CANTE A CONTENTO,
POIS SOFRESTE SIM-AINDA
NA MERENCÓRIA MAL-VINDA
DO FALSO CONTENTAMENTO.
PORÉM ME ATREVO AO PORTENTO
DE INICIAR ALGARAVIA
SEM SABER DO SURGIMENTO
QUAL RESPOSTA BROTARIA
CRESCENDO DO SENTIMENTO
DE TUA ALMA EM CANTORIA.
SONETO TROVADO II
NESSAS HORAS ME CONTENTO
NA ESPERA DA MARAVILHA,
NA EXPECTATIVA DA FILHA,
EM LANGOROSO MOMENTO.
ESTENDIDA EM TAL PORTENTO
SOBRE O PAPEL QUE SE ENCILHA
ESCORRE A TINTA DA BILHA
NO VERSO DO ESQUECIMENTO.
DENTRO ALGUNS MESES, NEM EU
VOU LEMBRAR DO QUE ESCREVI,
QUANTO MANDARAM COMPOR,
QUE O PAPEL JÁ SE PERDEU.
DIGITEI, NUNCA MAIS LI
NO CREPÚSCULO DO AMOR.
SONETO TROVADO III
NAS HORAS DE ATREVIMENTO
SIMPLESMENTE TOMO A PENA
E MINHALMA SE DESPENA
EM PURO CONVENCIMENTO.
QUE ME BASTA ESTE MOMENTO
PARA O SOM QUE ME ENVENENA
A CULPA QUE ME CONDENA
ESCORRER SEM MAIS TORMENTO.
TÃO ATREVIDO ESTE VERSO
QUE INSISTE POR SER ESCRITO
DANDO O DITO POR NÃO DITO,
MANIFESTANDO O DIVERSO.
ENQUANTO ESCORRE ESTA HORA
DO QUE SENTI NESSE OUTRORA.
TONTURA I – 30 MAR 14
quando te vejo, no entontecimento,
meio perdido neste descontrole,
não distingo se é a cabeça que me role
ou gire o mundo envolto em seu tormento.
será que rola o
mundo em tal momento
ou giro eu, sem
ter quem me console,
se ao redor
ando, em mágico rebole
ou roda o mundo
para o esquecimento?
nem sei se é
rotação ou translação
que então me
envolve no padecimento:
quando criança,
brincava de rodar,
até cair nesse
mar de agitação...
por que, ao ver
teu vulto, o pensamento
também se agita
até tonto me deixar...?
TONTURA II
quando te vejo, o mundo gira em volta
ou giro eu em volta do teu mundo?
sou afetado na vertigem do profundo
ou sobe o abismo para andar à solta?
quando te vejo,
em vastidão envolta,
o sol te deixa
o rosto rubicundo
ou dás ao sol o
seu fulgor rotundo,
em tal
cambiante de outra luz revolta?
que coisa
estranhamente corriqueira
esse amor tonto
em nuance irracional
que tantos mais
sentiram no passado!
em sensação
sempre nova e derradeira,
que nos invade
em punhalada natural
a cada vez que
amor senta-se ao lado!
TONTURA III
que certamente tal entontecimento
é como privação de meus sentidos,
na negação romântica envolvidos,
não mais que carrossel em movimento.
para outros,
talvez, um passatempo
ou para
elaborar sonhos compridos,
mas é sólida a
tontura e estarrecidos
meus estertores
permeio ao catavento...
não acredito
seja assim tão diferente...
quantos
sofreram antes tal voragem
quando esse
espanto de visão lhes vem?
deve mover-te
então, sensivelmente,
esse mesmo
rodamoinho de miragem
que por certo
já sentiste assim também...
FACETAS XXVIII -- A
ENFERMEIRA I – 16/7/2006
Bondosa é essa mulher
que cura as dores
daqueles tantos que
encontra sofredores,
no corpo e nalma, essa
curandeira,
que lava e desinfeta o
corpo e à beira
do leito de um doente
paciente permanece,
que cuida e atende
sempre e até esquece
de si mesma, na faina de
altruísta.
dando o que pode, sem
ânsia de conquista.
E todas são assim... até
as perversas
sabem curar as almas
quando querem,
sabem curar os corpos,
se desejam;
e até os corações
perdidos beijam,
quando tomadas por
emoções diversas,
especialmente daqueles
que mais ferem...
A ENFERMEIRA II – 31
MAR 14
Já encontrei no
passado e já perdi
e nem sei se os
carinhos já esqueci
quem me tratasse com
tal poder de cura
e certa luz me
trouxesse à vida escura.
Quando remexo nas
vagas da memória
já mal recordo a razão
peremptória
que me levou a abrir
mão desses cuidados,
talvez tomado por
sonhos assanhados
de o mundo conquistar,
em oposto clima,
meu próprio afeto a
outrem distribuindo,
nele buscando idêntica
esperança...
Não é a vida medíocre
em sua rima
e à cada relação que
vai nutrindo,
inquieta rega um novo
tipo de bonança...
A ENFERMEIRA III
Porém existe na alma
feminina
essa tendência à
enfermeira sina,
talvez tão só por ânsia
visceral
ou só movida pela
força do hormonal.
Como os bebês que
geram, tão frequente,
surge ante elas o
corpo do doente,
que certamente, não
podem pôr no colo,
porem abraçam, a
transmitir consolo...
E então a filha igual
mãe se transforma,
junto ao corpo
malferido de seu pai:
dá-lhe alimento, qual
fora o próprio leite;
seca-lhe as fraldas
dessa urina morna
e o acalenta, enquanto
a vida esvai,
cheia de mágoa
mesclada com deleite.
A ENFERMEIRA IV
Assim a contemplei,
quando cuidava
e seu pai moribundo
ela abraçava
e minha própria
compunção sentia,
numa mistura de inveja
e simpatia,
enquanto distribuía
tal carinho,
que para mim sempre
fora mais mesquinho;
mas como uma palavra
lhe diria,
vendo o doente que se
desvanecia?
Sem ter remorsos de sobrevivente,
pois tudo eu mesmo fiz
por conservá-lo
e a noite inteira de
inverno de seu lado
permaneci, qual
velador silente...
Dormiam os demais, sem
desprezá-lo,
pois já se fora de seu
corpo atribulado.
A ENFERMEIRA V
Muito mais a mulher
cuida a doença
ou procura acalentar a
mente tensa
do que o homem, de
índole diversa,
sua atenção por mil
coisas dispersa,
enquanto se concentra
a mãe latente,
todo o desvelo para o
seu doente,
por algum tempo
novamente infante,
por entre dores e
culpa delirante.
E mesmo quando a voz
quebrada balbucia,
variando com a febre;
e cheira mal,
essa enfermeira o
atende com cuidado,
tal qual se fora a
criança que vagia,
de novo mãe, no
esforço natural
de proteger a quem
encontra do seu lado...
A ENFERMEIRA VI
Será que existe mesmo um
altruísmo,
ou vige nela um rasgo de
estoicismo,
que então triunfa igual
solipsismo
e nela vive, qual
vitória contra o mundo?
O seu dever para com a
raça mais profundo
que qualquer sentimento
mais imundo,
que a Grande Mãe,
afinal, foi só mulher,
mesmo agraciada com seu
grão mister?...
E é assim que em tal
serviço ela perdura,
nessa mescla de prazer e
de tortura,
sem bem saber dos próprios pensamentos,
enquanto, sem julgar, a
si se doa
e a mais perversa se
transforma em boa,
nesse pensar de alheios
sofrimentos...
DILIGÊNCIA I – 01 ABR 14
COMO JACOB, JÁ DESLOQUEI QUADRIL,
MEUS BRAÇOS, FEITO OS DE MOISÉS, PENDERAM,
COM ALHEIA AJUDA SÓ NÃO SE RENDERAM:
NINGUÉM SOZINHO ESCAPA AO FADO VIL.
E EMBORA O FOSSE EM TERRAS DO BRASIL,
COM ESCALPELO MEU LADO LANCETARAM
E ÁGUA E SANGUE DALI SE DERRAMARAM:
COM BISTURI ESCULPIDO E COM BURIL.
SE TRINTA CICLOS DE PRATA UM DIA PAGARAM
A ISCARIOTES, PELO PREÇO DA TRAIÇÃO,
DE MINHA VESÍCULA RETIRARAM PEDRAS TRINTA.
POR NÃO QUERÊ-LAS, NO LIXO AS ATIRARAM.
PORQUE GUARDÁ-LAS PERANTE O CORAÇÃO,
POR MAIS AMOR QUE POR TAIS PEDRAS SINTA?
DILIGÊNCIA II
AS TRINTA PEDRAS
FORAM DESCARTADAS
PARA MELHOR O
FÍGADO GUARDAR;
NÃO VI MOTIVO PARA
AS CONSERVAR
E NUMA AMPOLA
VÊ-LAS RESGUARDADAS.
MUITAS DÉCADAS
ATRÁS, AS VI MOSTRADAS
PELO MEU PAI,
DEPOIS DE SE OPERAR...
SÓ IMAGINO SE IRIA
CONSERVAR
AS MÃOS OU PERNAS
APÓS SEREM AMPUTADAS.
ESTRANHAMENTE, OS
OSSOS DE MEU PAI
ESTÃO GUARDADOS NUM
TÚMULO DE IGREJA,
POR MAIS QUE FOSSE
SUA VIDA ESPIRITUAL.
PORÉM MINHA PRÓPRIA
CARNE UM DIA VAI
SER CREMADA, NO
MOMENTO QUE SE ENSEJA
E ASSIM ESPERO DAR
FIM AO MATERIAL.
DILIGÊNCIA III
SEM TER AMOR POR
MEU CORPO ILUSÓRIO,
EU GUARDARIA, COM
BEM MELHOR RAZÃO
AS TRINTA PEDRAS DE
MEU CORAÇÃO,
ALI GUARDADAS POR
DANO PEREMPTÓRIO.
COMO PREÇO A PAGAR
POR FADO INGLÓRIO,
POIS TRINTA VEZES
COMETI TRAIÇÃO
A MEUS PRINCÍPIOS,
SEM REABILITAÇÃO.
PESAM-ME AS PEDRAS
COMO UM RESPONSÓRIO.
POIS JUNTAS RANGEM:
“Senhor, tem piedade!
Não somos pedras de
rins, amareladas,
Nem terracota, de
vesícula tiradas,
Somos só pedras
aqui postas por maldade
Que permitimos que
outros nos fizessem!”
enquanto a outrem
meus males talvez descem.
DILIGÊNCIA IV
PORÉM NÃO QUERO OPERAR MEU CORAÇÃO,
NEM OUTRA VEZ QUE CAIA O MEU QUADRIL,
NEM BRAÇOS FROUXOS SOB O CÉU DE ANIL,
NEM UMA LANÇA A LANHAR-ME SEM RAZÃO.
E MUITO MENOS DESFAZER-ME DA ILUSÃO
DAS TRINTA PEDRAS EM QUE RANGE O SOM SUTIL.
COMETI ERROS, SEM GRANJEAR O PREÇO VIL:
ENQUANTO RANGEM, CAUSAM-ME EMOÇÃO.
QUE MINHA DILIGÊNCIA É BEM DIVERSA:
QUE SE RENOVEM AS PEDRAS ENCARNADAS,
SEM QUE, POR ISSO, A AORTA ME OBSTRUAM,
MAS QUE SE FAÇAM EM POEIRA BEM DISPERSA
E PELOS DEDOS ESCORRAM, TRANSFORMADAS
NESSES MIL VERSOS A QUE FAZER ME ATUAM.
CADÊNCIAS I – 02
ABR 2014
Não quero ainda o
sol enviesado
que me penetra nas
janelas do escritório;
o calor só me
transforma em emunctório,
inda que o outono
já tenha aqui chegado,
que por frieiras
raramente fui chagado
como surpresa de
relance transitório,
mas o calor é
antegozo de velório
que corpo e alma já
me tem queimado.
De fato, o meu
Sahara se afastou:
da Antártida jorrou
vento e soprou chuva
e o clima se tornou
mais suportável,
já em outro ângulo
o Sol se aproximou,
bem mais furtiva é
hoje a chama fulva,
mas para mim ainda
um pouco abominável.
CADÊNCIAS II
A Terra e o Sol têm ritmos de dança
e o que percebo é o Sol nessa mudança;
não sinto a Terra mover-se sob mim,
embora saiba que gira e não se cansa.
O dia e a noite, em rotação, assim,
ela produz, mas o que vejo, enfim,
são esses raios de luz e ardente lança,
longas na aurora e nas tardes de cetim.
Durante o inverno, com véus de celofane,
mas no verão qual gradil de churrasqueira
e embora o outono agora principie
e leve brisa menor calor abane,
minha própria carne se aquece bem ligeira
e ainda se esconde do queimor que o Sol envie.
CADÊNCIAS III
Ainda percebo os
ritmos diários,
mesmo que Apolo
pareça mais cansado
ou então desvie seu
carro a outro lado,
algures a verter
seus dispensários.
Suas rajadas de
luz, entre pessários,
sem maior
fecundação do chão gelado;
em sua trôpega
cadência atribulado,
Febo contemplo em
atributos vários.
No piano-forte da
perfeita sinfonia,
a Terra dança a seu
redor e o Sol
perante a sua
corcunda se descerra.
Em sua órbita
atrevida de guria,
baila o planeta
seduzindo o arrebol
na água desnuda que
sua carne encerra.
SUSPEITAS I
– 03 ABR 14
Igual que o
Outono suspeita a Primavera
de um caso
ter com seu primo, o Verão
ou que o
Inverno repreende sem razão
o primo
Outono, por não saber o que espera...
“Apaixonar-se,
ora, quem lhe dera!
sua Primavera
é leviana de ocasião,
em cada
flor faz brotar um coração
e amor
inspira até na besta-fera!...”
Mas o Verão
logo desgasta sua energia,
desperdiçando-a
nos arroubos da folia,
o filho
pródigo que renasce a cada ano...
E cabe ao
Outono proteger, na desvalia,
frutos de
amor que a Primavera cria,
para
entregá-los ao Inverno mais arcano...
SUSPEITAS II
Ao ver Amor tratar com simpatia
e mais carinho que a mim me comunica,
igual a Outono, quando nada o justifica,
surge a suspeita da menos-valia...
Que por irmão e amigos mais sentia
do que por mim o seu meneio indica;
não é ciúme o que me petrifica,
mas solidão que o amor seu defendia.
Pois tanta vez no passado o meu desejo
era que fosse bem mais carinhosa
essa mulher que percebo ensimesmada
e que me declarou, em tanto ensejo,
que a própria índole não era dadivosa,
porém nos próprios sentimentos entranhada.
SUSPEITAS
III
E deste
modo, meu coração palpita,
vai-se
empedrando aos poucos, arredio,
pois nunca
lhe bastou tê-la no cio,
mas para
mais carinho ele a concita.
Meu pobre
coração, em longa fita
de lianas
acendradas, corredio,
de mim
reclama e então me refugio
no abraço
ideal de melodia bonita.
Não que
sinta suspeitas de traição,
somente
acho que deveria ser meu
o afeto
puro que a outros assim gera;
que seja
embora para primo ou irmão
tira de mim
o quanto não me deu
no seu
verde esplendor de Primavera.
DESPEDIDA I –
04 ABR 14
Quando alguém
que se ama, de repente,
de nós se
afasta, talvez numa viagem
ou consumida
pela morte na voragem,
não morre amor
de forma permanente.
Mas permanece
ali, sempre latente,
esse amor que
se volta para a imagem,
esse amor de
esperança na miragem
de achar de
novo tal amor presente.
Seja em
retorno, após longa estadia,
seja num mundo
que apenas se imagina
ou do fundo da
mente aos corredores,
quando essa
ausência não mais o olhar sentia,
porém a alma a
conserva, peregrina,
no cofre escuro
em que dormem os amores.
DESPEDIDA II
Mas quando alguém que se
ama, devagar,
vai-se afastando, mesmo a
nosso lado,
amor estiola, incrédulo e
esfaimado,
sem mais se ver refletido
em seu olhar.
Enquanto o tempo amargo
vê passar,
tão insensível, pouco a
pouco de afastado,
as pontes caem, o laço é
quebrantado,
a antiga imagem a
desfazer-se sobre o altar.
E mal se o nota, talvez,
lento penar
que muito mais se
assemelha a cicatriz,
branco gilvaz no próprio
coração,
que vai gelando, quase
sem pensar,
as radículas cortadas na
raiz,
enquanto morre a urtiga
da paixão.
DESPEDIDA III
Pois nem sequer
se tem aonde acenar
um lenço
branco, na hora da partida,
nem quando a
caixa final é conduzida
e se sabe em
que gaveta a irão guardar.
Mas essa lenta
despedida, a deslizar,
pela ladeira
que não tem subida,
o coração
carrega de vencida
e nada sobra a
que possa se amarrar.
Antes que haja
subitânea interdição,
quando se
guarda imagem especular
e a esta se
ata, bem firme, o pensamento,
do que esta
vaga seca de verão,
as visões
mortas, sem qualquer regar
ante o completo
estiolar do sentimento.
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