segunda-feira, 26 de maio de 2014






FECUNDAÇÃO & MAIS
William Lagos


FECUNDAÇÃO I – 26 MAR 2014

Quando eu crescer, pretendo ser um rio
E levarei minhas águas para ti;
Em mim te banharás e, logo ali,
Penetrarei teu corpo em pleno brio.

Pela água da torneira corre o fio
Dessa semente que para ti servi;
Que então me beberias, percebi,
Dessedentando o ventre no teu cio.

Serei assim o rio dentro do seio,
A percorrer das artérias todo o espaço,
Serei teus rins, tuas virilhas, teus pulmões,

A água minha feita sangue em cada veio
Até o suor que te proteja no regaço
E a vida mesma a palpitar tuas ilusões.

FECUNDAÇÃO II

Quando eu crescer, serei o sangue teu.
Serei tua linfa, tua lágrima e suor,
De Bertholin serei suco de amor
E cada hemácia que de ti verteu.

Quando eu crescer, o som que te escolheu,
Percorrerá teu cérebro em fervor,
Serei sobre teus pelos o tremor
Que inteiramente para ti se deu.

Serei teu frio, serei o teu calor
E viverei nas trompas do teu ventre,
Serei teu pai, teu filho e teu amante

E aceitarei tuas ânsias de sexor,
Ao receberes em teu corpo dentre
Qualquer semente alheia em teu descante.
 
FECUNDAÇÃO III

Quando eu crescer, serei aroma puro
E escorrerei como óleo em teus cabelos;
Mesmo que cedas a outrem teus desvelos,
Será teu corpo para mim maduro,

Pois estarei em ti, mesmo perjuro,
Teu coração é a força de meus selos;
Serei carnes ardentes nos teus zelos
E de teus medos o porto mais seguro.

Pois não te quero como escrava minha
E nem tampouco servo teu serei,
Porém em ti me aninharei inteiro,

Serei tua capa, tua fímbria e tua bainha
E em cada fibra de ti me acolherei,
Até que expires o suspiro derradeiro.

CIRCULAÇÃO I – 27 MAR 14

em sístole e diástole te amo,
pelas válvulas tricúspide e mitral
corre meu sangue em vermelho natural
em busca do teu ser por que proclamo.

em meus alvéolos só por ti reclamo,
na linfa e nas plaquetas, em total
e completo compromisso o ser neural
te busca em pulsação com que conclamo.

que as células de ti se prendam todas
às células de mim, erguida a pele
e que a carne à carne molde num suspiro

e que as cadeias do cérebro em tais bodas
sejam grilhão que as nossas mentes sele
no ressonar de um único respiro.

CIRCULAÇÃO II

pois eu te amo em meu catabolismo,
meu corpo inteiro voltado para ti;
na minha eucaristia eu te bebi
e te concentro em meu metabolismo.

eu serei teu apesar do anabolismo:
nas retinas circádicas te ungi,
nos afetos diuturnos te  escolhi
e teu serei em perene cataclismo.

sem que haja vestigial de servilismo,
que ao dar-me inteiro, te recebo toda,
ao dar-te inteira, recebes-me completa,

nesse duplo e oximorial solipsismo,
qual uma estrela de entorno a outra roda,
no mútuo gravitar que a ambas afeta.

CIRCULAÇÃO III

a mente inteira se envolve, cerebrina,
e o cerebelo e o bulbo nos completam;
da protuberância os impulsos nos afetam,
que por medula o corpo então se afina.

por elétricos impulsos se origina
a sensação e o amor que nos conectam,
os feromônios que os sexos insectam,
cada explosão que se embasa na retina.

e meu amor, fisicamente enfático,
percorre cada nervo e cada veia,
domina o sangue que a jugular transporta,

e se transmite nos ramos do simpático
neural sistema, sem interferência alheia,
nos capilares que escorrem de tua aorta.

CIRCULAÇÃO IV

assim juntos, separamos o linfático
sistema contra alheia infecção;
no mesmo ritmo bate cada coração
e vivo em ti qual no sonho mais enfático.

caso meu verso te soar nefelibático,
vivo nas nuvens perpétuas da emoção
e como chuva, controlo a brotação
de cada espiga em seu calor empático.

do mesmo modo que, em mim, pressinto
igual centelha a percorrer-me a vida,
que meus pulmões tomaste de vencida

e a cada expiração um verso pinto,
tinta e caneta o esmalte de tuas unhas,
enquanto a alma inquieta tu me expunhas.

SOMBRAS CINZAS I – 28 MAR 14

NAS TARDES FEITAS DE CHUVA
DAS CEM MIL FACAS SEM COR
DAS NUVENS DEDOS DE LUVA
MORTAS TARDES DE CINZOR
NAS TARDES FEITAS DE LAVA
TARDES MORTAS DE CALOR
DO AR COM PESO DE CLAVA
MORTO O VENTO SEM AMOR
NAS TARDES DE SÉSTIA MORNA
SOB O PONCHO ACONCHEGADO
LISTRAS RETAS DO MEU FADO
NAS TARDES MALHO E BIGORNA
MORTA A FOME DO MEU LADO
ENQUANTO A CINZA RETORNA...

SOMBRAS CINZAS II

NAS TARDES DE LUZ GRISALHA
VERDE A SOMBRA NO CAMINHO
FRACA SOMBRA QUE SE ESPALHA
DILUÍDO O SEU CARINHO
CLARA SOMBRA QUE SE TALHA
PERFURADA PELO ANCINHO
MIL MOEDAS NESSA ESGALHA
ENTRE AS AGULHAS DE PINHO
NAS TARDES DE SOMBRAS MANSAS
PERSEGUDAS PELO SOL
DE NUVENS ENTRETECIDAS
NAS TARDES SEM ESPERANÇAS
FISGADA A ALMA EM ANZOL
MEIGAS SOMBRAS ESQUECIDAS...

SOMBRAS CINZAS Iii

TARDES DE SOMBRAS CINZENTAS
QUE NEGRAS NUNCA SE TORNAM
NAS TARDES SEM SOMBRAS BENTAS
TONS DE AMARELO SE ADORNAM
NAS TARDES DE GOTAS LENTAS
CONTRA OS CALORES QUE ENFORNAM
DESCEM GOTAS SUDORENTAS
QUE IGUAIS COLARES ME ORNAM
TARDE DE CHUVA ABAFADAS
NAS TARDES DE POUCA LUZ
EM QUE SE ENCOLHEM AS SOMBRAS
PELOS CANTOS ENTOCADAS
FUGINDO DO LUSCOFUZ
PELO AVESSO DAS ALFOMBRAS...

SONETO TROVADO I – 29 MAR 14

NAS HORAS DE ATREVIMENTO
PERDIDO NO NÃO-AINDA
DA ALIGEIRANÇA BEM-VINDA
CANTO MEU PADECIMENTO.

TALVEZ NEM CANTE A CONTENTO,
POIS SOFRESTE SIM-AINDA
NA MERENCÓRIA MAL-VINDA
DO FALSO CONTENTAMENTO.

PORÉM ME ATREVO AO PORTENTO
DE INICIAR ALGARAVIA
SEM SABER DO SURGIMENTO
QUAL RESPOSTA BROTARIA

CRESCENDO DO SENTIMENTO
DE TUA ALMA EM CANTORIA.

SONETO TROVADO II

NESSAS HORAS ME CONTENTO
NA ESPERA DA MARAVILHA,
NA EXPECTATIVA DA FILHA,
EM LANGOROSO MOMENTO.

ESTENDIDA EM TAL PORTENTO
SOBRE O PAPEL QUE SE ENCILHA
ESCORRE A TINTA DA BILHA
NO VERSO DO ESQUECIMENTO.

DENTRO ALGUNS MESES, NEM EU
VOU LEMBRAR DO QUE ESCREVI,
QUANTO MANDARAM COMPOR,
QUE O PAPEL JÁ SE PERDEU.

DIGITEI, NUNCA MAIS LI
NO CREPÚSCULO DO AMOR.

SONETO TROVADO III

NAS HORAS DE ATREVIMENTO
SIMPLESMENTE TOMO A PENA
E MINHALMA SE DESPENA
EM PURO CONVENCIMENTO.

QUE ME BASTA ESTE MOMENTO
PARA O SOM QUE ME ENVENENA
A CULPA QUE ME CONDENA
ESCORRER SEM MAIS TORMENTO.

TÃO ATREVIDO ESTE VERSO
QUE INSISTE POR SER ESCRITO
DANDO O DITO POR NÃO DITO,
MANIFESTANDO O DIVERSO.

ENQUANTO ESCORRE ESTA HORA
DO QUE SENTI NESSE OUTRORA.

TONTURA I – 30 MAR 14

quando te vejo, no entontecimento,
meio perdido neste descontrole,
não distingo se é a cabeça que me role
ou gire o mundo envolto em seu tormento.

será que rola o mundo em tal momento
ou giro eu, sem ter quem me console,
se ao redor ando, em mágico rebole
ou roda o mundo para o esquecimento?

nem sei se é rotação ou translação
que então me envolve no padecimento:
quando criança, brincava de rodar,

até cair nesse mar de agitação...
por que, ao ver teu vulto, o pensamento
também se agita até tonto me deixar...?

TONTURA II

quando te vejo, o mundo gira em volta
ou giro eu em volta do teu mundo?
sou afetado na vertigem do profundo
ou sobe o abismo para andar à solta?

quando te vejo, em vastidão envolta,
o sol te deixa o rosto rubicundo
ou dás ao sol o seu fulgor rotundo,
em tal cambiante de outra luz revolta?

que coisa estranhamente corriqueira
esse amor tonto em nuance irracional
que tantos mais sentiram no passado!

em sensação sempre nova e derradeira,
que nos invade em punhalada natural
a cada vez que amor senta-se ao lado!

TONTURA III

que certamente tal entontecimento
é como privação de meus sentidos,
na negação romântica envolvidos,
não mais que carrossel em movimento.

para outros, talvez, um passatempo
ou para elaborar sonhos compridos,
mas é sólida a tontura e estarrecidos
meus estertores permeio ao catavento...

não acredito seja assim tão diferente...
quantos sofreram antes tal voragem
quando esse espanto de visão lhes vem?

deve mover-te então, sensivelmente,
esse mesmo rodamoinho de miragem
que por certo já sentiste assim também...

FACETAS XXVIII -- A ENFERMEIRA I – 16/7/2006

Bondosa é essa mulher que cura as dores
daqueles tantos que encontra sofredores,
no corpo e nalma, essa curandeira,
que lava e desinfeta o corpo e à beira

do leito de um doente paciente permanece,
que cuida e atende sempre e até esquece
de si mesma, na faina de altruísta.
dando o que pode, sem ânsia de conquista.

E todas são assim... até as perversas
sabem curar as almas quando querem,
sabem curar os corpos, se desejam;

e até os corações perdidos beijam,
quando tomadas por emoções diversas,
especialmente daqueles que mais ferem...

A ENFERMEIRA II – 31 MAR 14

Já encontrei no passado e já perdi
e nem sei se os carinhos já esqueci
quem me tratasse com tal poder de cura
e certa luz me trouxesse à vida escura.

Quando remexo nas vagas da memória
já mal recordo a razão peremptória
que me levou a abrir mão desses cuidados,
talvez tomado por sonhos assanhados

de o mundo conquistar, em oposto clima,
meu próprio afeto a outrem distribuindo,
nele buscando idêntica esperança...

Não é a vida medíocre em sua rima
e à cada relação que vai nutrindo,
inquieta rega um novo tipo de bonança...

A ENFERMEIRA III

Porém existe na alma feminina
essa tendência à enfermeira sina,
talvez tão só por ânsia visceral
ou só movida pela força do hormonal.

Como os bebês que geram, tão frequente,
surge ante elas o corpo do doente,
que certamente, não podem pôr no colo,
porem abraçam, a transmitir consolo...

E então a filha igual mãe se transforma,
junto ao corpo malferido de seu pai:
dá-lhe alimento, qual fora o próprio leite;

seca-lhe as fraldas dessa urina morna
e o acalenta, enquanto a vida esvai,
cheia de mágoa mesclada com deleite. 

A ENFERMEIRA IV

Assim a contemplei, quando cuidava
e seu pai moribundo ela abraçava
e minha própria compunção sentia,
numa mistura de inveja e simpatia,

enquanto distribuía tal carinho,
que para mim sempre fora mais mesquinho;
mas como uma palavra lhe diria,
vendo o doente que se desvanecia?

Sem ter remorsos de sobrevivente,
pois tudo eu mesmo fiz por conservá-lo
e a noite inteira de inverno de seu lado

permaneci, qual velador silente...
Dormiam os demais, sem desprezá-lo,
pois já se fora de seu corpo atribulado.

A ENFERMEIRA V

Muito mais a mulher cuida a doença
ou procura acalentar a mente tensa
do que o homem, de índole diversa,
sua atenção por mil coisas dispersa,

enquanto se concentra a mãe latente,
todo o desvelo para o seu doente,
por algum tempo novamente infante,
por entre dores e culpa delirante.

E mesmo quando a voz quebrada balbucia,
variando com a febre; e cheira mal,
essa enfermeira o atende com cuidado,

tal qual se fora a criança que vagia,
de novo mãe, no esforço natural
de proteger a quem encontra do seu lado...

A ENFERMEIRA VI

Será que existe mesmo um altruísmo,
ou vige nela um rasgo de estoicismo,
que então triunfa igual solipsismo
e nela vive, qual vitória contra o mundo?

O seu dever para com a raça mais profundo
que qualquer sentimento mais imundo,
que a Grande Mãe, afinal, foi só mulher,
mesmo agraciada com seu grão mister?...

E é assim que em tal serviço ela perdura,
nessa mescla de prazer e de tortura,
sem  bem saber dos próprios pensamentos,

enquanto, sem julgar, a si se doa
e a mais perversa se transforma em boa,
nesse pensar de alheios sofrimentos...

DILIGÊNCIA I – 01 ABR 14

COMO JACOB, JÁ DESLOQUEI QUADRIL,
MEUS BRAÇOS, FEITO OS DE MOISÉS, PENDERAM,
COM ALHEIA AJUDA SÓ NÃO SE RENDERAM:
NINGUÉM SOZINHO ESCAPA AO FADO VIL.

E EMBORA O FOSSE EM TERRAS DO BRASIL,
COM ESCALPELO MEU LADO LANCETARAM
E ÁGUA E SANGUE DALI SE DERRAMARAM:
COM BISTURI ESCULPIDO E COM BURIL.

SE TRINTA CICLOS DE PRATA UM DIA PAGARAM
A ISCARIOTES, PELO PREÇO DA TRAIÇÃO,
DE MINHA VESÍCULA RETIRARAM PEDRAS TRINTA.

POR NÃO QUERÊ-LAS, NO LIXO AS ATIRARAM.
PORQUE GUARDÁ-LAS PERANTE O CORAÇÃO,
POR MAIS AMOR QUE POR TAIS PEDRAS SINTA?

DILIGÊNCIA II

AS TRINTA PEDRAS FORAM DESCARTADAS
PARA MELHOR O FÍGADO GUARDAR;
NÃO VI MOTIVO PARA AS CONSERVAR
E NUMA AMPOLA VÊ-LAS RESGUARDADAS.

MUITAS DÉCADAS ATRÁS, AS VI MOSTRADAS
PELO MEU PAI, DEPOIS DE SE OPERAR...
SÓ IMAGINO SE IRIA CONSERVAR
AS MÃOS OU PERNAS APÓS SEREM AMPUTADAS.

ESTRANHAMENTE, OS OSSOS DE  MEU PAI
ESTÃO GUARDADOS NUM TÚMULO DE IGREJA,
POR MAIS QUE FOSSE SUA VIDA ESPIRITUAL.

PORÉM MINHA PRÓPRIA CARNE UM DIA VAI
SER CREMADA, NO MOMENTO QUE SE ENSEJA
E ASSIM ESPERO DAR FIM AO MATERIAL.

DILIGÊNCIA III

SEM TER AMOR POR MEU CORPO ILUSÓRIO,
EU GUARDARIA, COM BEM MELHOR RAZÃO
AS TRINTA PEDRAS DE MEU CORAÇÃO,
ALI GUARDADAS POR DANO PEREMPTÓRIO.

COMO PREÇO A PAGAR POR FADO INGLÓRIO,
POIS TRINTA VEZES COMETI TRAIÇÃO
A MEUS PRINCÍPIOS, SEM REABILITAÇÃO.
PESAM-ME AS PEDRAS COMO UM RESPONSÓRIO.

POIS JUNTAS RANGEM: “Senhor, tem piedade!
Não somos pedras de rins, amareladas,
Nem terracota, de vesícula tiradas,

Somos só pedras aqui postas por maldade
Que permitimos que outros nos fizessem!”
enquanto a outrem meus males talvez descem.

DILIGÊNCIA IV

PORÉM NÃO QUERO OPERAR MEU CORAÇÃO,
NEM OUTRA VEZ QUE CAIA O MEU QUADRIL,
NEM BRAÇOS FROUXOS SOB O CÉU DE ANIL,
NEM UMA LANÇA A LANHAR-ME SEM RAZÃO.

E MUITO MENOS DESFAZER-ME DA ILUSÃO
DAS TRINTA PEDRAS EM QUE RANGE O SOM SUTIL.
COMETI ERROS, SEM GRANJEAR O PREÇO VIL:
ENQUANTO RANGEM, CAUSAM-ME EMOÇÃO.

QUE MINHA DILIGÊNCIA É BEM DIVERSA:
QUE SE RENOVEM AS PEDRAS ENCARNADAS,
SEM QUE, POR ISSO, A AORTA ME OBSTRUAM,

MAS QUE SE FAÇAM EM POEIRA BEM DISPERSA
E PELOS DEDOS ESCORRAM, TRANSFORMADAS
NESSES MIL VERSOS A QUE FAZER ME ATUAM.

CADÊNCIAS I – 02 ABR 2014

Não quero ainda o sol enviesado
que me penetra nas janelas do escritório;
o calor só me transforma em emunctório,
inda que o outono já tenha aqui chegado,

que por frieiras raramente fui chagado
como surpresa de relance transitório,
mas o calor é antegozo de velório
que corpo e alma já me tem queimado.

De fato, o meu Sahara se afastou:
da Antártida jorrou vento e soprou chuva
e o clima se tornou mais suportável,

já em outro ângulo o Sol se aproximou,
bem mais furtiva é hoje a chama fulva,
mas para mim ainda um pouco abominável. 

CADÊNCIAS II

A Terra e o Sol têm ritmos de dança
e o que percebo é o Sol nessa mudança;
não sinto a Terra mover-se sob mim,
embora saiba que gira e não se cansa.

O dia e a noite, em rotação, assim,
ela produz, mas o que vejo, enfim,
são esses raios de luz e ardente lança,
longas na aurora e nas tardes de cetim.

Durante o inverno, com véus de celofane,
mas no verão qual gradil de churrasqueira
e embora o outono agora principie

e leve brisa menor calor abane,
minha própria carne se aquece bem ligeira
e ainda se esconde do queimor que o Sol envie.

CADÊNCIAS III

Ainda percebo os ritmos diários,
mesmo que Apolo pareça mais cansado
ou então desvie seu carro a outro lado,
algures a verter seus dispensários.

Suas rajadas de luz, entre pessários,
sem maior fecundação do chão gelado;
em sua trôpega cadência atribulado,
Febo contemplo em atributos vários.

No piano-forte da perfeita sinfonia,
a Terra dança a seu redor e o Sol
perante a sua corcunda se descerra.

Em sua órbita atrevida de guria,
baila o planeta seduzindo o arrebol
na água desnuda que sua carne encerra.

SUSPEITAS I – 03 ABR 14

Igual que o Outono suspeita a Primavera
de um caso ter com seu primo, o Verão
ou que o Inverno repreende sem razão
o primo Outono, por não saber o que espera...

“Apaixonar-se, ora, quem lhe dera!
sua Primavera é leviana de ocasião,
em cada flor faz brotar um coração
e amor inspira até na besta-fera!...”

Mas o Verão logo desgasta sua energia,
desperdiçando-a nos arroubos da folia,
o filho pródigo que renasce a cada ano...

E cabe ao Outono proteger, na desvalia,
frutos de amor que a Primavera cria,
para entregá-los ao Inverno mais arcano...

SUSPEITAS II

Ao ver Amor tratar com simpatia
e mais carinho que a mim me comunica,
igual a Outono, quando nada o justifica,
surge a suspeita da menos-valia...

Que por irmão e amigos mais sentia
do que por mim o seu meneio indica;
não é ciúme o que me petrifica,
mas solidão que o amor seu defendia.

Pois tanta vez no passado o meu desejo
era que fosse bem mais carinhosa
essa mulher que percebo ensimesmada

e que me declarou, em tanto ensejo,
que a própria índole não era dadivosa,
porém nos próprios sentimentos entranhada.

SUSPEITAS III

E deste modo, meu coração palpita,
vai-se empedrando aos poucos, arredio,
pois nunca lhe bastou tê-la no cio,
mas para mais carinho ele a concita.

Meu pobre coração, em longa fita
de lianas acendradas, corredio,
de mim reclama e então me refugio
no abraço ideal de melodia bonita.

Não que sinta suspeitas de traição,
somente acho que deveria ser meu
o afeto puro que a outros assim gera;

que seja embora para primo ou irmão
tira de mim o quanto não me deu
no seu verde esplendor de Primavera.

DESPEDIDA I – 04 ABR 14

Quando alguém que se ama, de repente,
de nós se afasta, talvez numa viagem
ou consumida pela morte na voragem,
não morre amor de forma permanente.

Mas permanece ali, sempre latente,
esse amor que se volta para a imagem,
esse amor de esperança na miragem
de achar de novo tal amor presente.

Seja em retorno, após longa estadia,
seja num mundo que apenas se imagina
ou do fundo da mente aos corredores,

quando essa ausência não mais o olhar sentia,
porém a alma a conserva, peregrina,
no cofre escuro em que dormem os amores.

DESPEDIDA II

Mas quando alguém que se ama, devagar,
vai-se afastando, mesmo a nosso lado,
amor estiola, incrédulo e esfaimado,
sem mais se ver refletido em seu olhar.

Enquanto o tempo amargo vê passar,
tão insensível, pouco a pouco de afastado,
as pontes caem, o laço é quebrantado,
a antiga imagem a desfazer-se sobre o altar.

E mal se o nota, talvez, lento penar
que muito mais se assemelha a cicatriz,
branco gilvaz no próprio coração,

que vai gelando, quase sem pensar,
as radículas cortadas na raiz,
enquanto morre a urtiga da paixão.

DESPEDIDA III

Pois nem sequer se tem aonde acenar
um lenço branco, na hora da partida,
nem quando a caixa final é conduzida
e se sabe em que gaveta a irão guardar.

Mas essa lenta despedida, a deslizar,
pela ladeira que não tem subida,
o coração carrega de vencida
e nada sobra a que possa se amarrar.

Antes que haja subitânea interdição,
quando se guarda imagem especular
e a esta se ata, bem firme, o pensamento,

do que esta vaga seca de verão,
as visões mortas, sem qualquer regar
ante o completo estiolar do sentimento.




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