quarta-feira, 25 de março de 2015







EXÓTICA E MAIS – William Lagos

EXÓTICA I – 10 MAR 15

De primeiro, eu escutava o som de passos,
a se afastarem firmemente de minha porta;
hoje só escuto deslizar, que se comporta
como um silvo de pneus em chiados baços.

Eu escutava, certamente, os descompassos,
os saltos duros a claquetear na rua torta,
nas longas horas de minha espera morta,
em minha mente a memória de seus traços.

Em tal cantar ritmado havia laços,
esticados em borracha e serpentina,
nas longas horas em que se não rompiam...

Mas como posso prender entre meus braços
esse ronco de motor que me assassina,
levando passos que nem sequer se ouviam?

EXÓTICA II

De tão forte, possui sombra minha saudade:
eu a guardo no meu bolso, com cuidado,
um novelo de sombras enrolado,
que beijo às vezes, com sinceridade...

Furtei tua sombra em mansa alacridade,
da derradeira vez que do meu lado
te afastaste e cruzaste, em passo alado
o meu portão, num assomo de vaidade...

O que roubei foi a sombra do carinho,
pois era desse que sentiria saudade
forte bastante para me assombrar...


mas quando prosseguiste em teu caminho,
levaste a sombra da felicidade,
sem ao menos teu orgulho me deixar!

EXÓTICA III

Quem redigiu a estranha história de Schlemihl
foi Adelbert von Chamisso; e assim roubei
a sobra tua do amor que não guardei,
qual o demônio então fizera, em ato vil,

descrito nessa história.  Mas vejo algo senil
em meu guardar dessa sombra que furtei,
enquanto a minha certamente não te dei:
corre comigo sob o vasto céu de anil...

Mas afinal, por que sombra de saudade
por mim sentida quererias conservar,
se ainda me guardas no teu coração?

Nalgum cantinho, talvez só por amizade,
mas que inteiro me levaste, em turbilhão,
jamais saudade precisando experimentar!

OS TRÊS MOSQUETEIROS I – 11 MAR 15

De sentinela, no fundo da garganta,
a úvula e as amígdalas se perfilam;
os alimentos por ali desfilam,
em escorreita e deliciosa manta.

Das bactérias o cortejo ali se imanta,
bem escondidas, pois decerto não cintilam;
como alimentos reais até se estilam,
em mimetismo tão perfeito que me espanta.

A própria língua só distinguirá o sabor
e nesse mesmo é bastante limitada:
doce, amargo, azedo e ácido, não mais;

mas esses três, despertados com ardor,
impedir tentam, na veloz marcha avistada,
a invasão de adversários naturais...

OS TRÊS MOSQUETEIROS II

Algumas vezes, alcançam bom sucesso,
todo o veneno expelindo por inteiro;
mas o ser civilizado, bem ligeiro,
reprime o impulso do primeiro acesso...

Desce o alimento, da saliva em gesso,
sem que se passe o choque bem certeiro,
o esôfago num desvão hospitaleiro,
em contrações que subconsciente meço.

Mas dos Três Mosqueteiros a enervação
manda mensagens para seu quartel,
comunicando esse assalto ao organismo,

dos ácidos estomacais a prevenção
a diluir, na maioria, o fel
das criaturas, peristáltico esse abismo!

OS TRÊS MOSQUETEIROS III

Contudo, após vencido tal combate,
não é enviada qualquer condecoração,
ao que me consta, a tal primeira proteção,
mas nem por isso o forte trio se abate!

Resistente quais as fibras do açafate,
continua a exercer a sua função,
algumas vezes a sofrer infecção,
após conter o pernicioso embate!...

Antigamente, porém, houve o modismo
de extrair as amígdalas e deixar
a pobre úvula sozinha a trabalhar!...

Não admira que, em tal paroxismo,
de “campainha”, como sinos a tocar,
em seu rebate, fosse o povo a apelidar!...

ESTRELA GUIA I – 12 MAR 15

Não é que esteja distante teu sorriso,
mulher de poeira e asfalto que incendeia,
mulher de espuma, mulher de polvadeira,
que alarga os lábios em seu esgar preciso.

Um toque de saliva no seu riso,
um leve brilho nas cúspides meneia;
a luz reluz nos dentes; mesmo feia,
se faz donzela bela em tal inciso...

Sorriso de mulher, mesmo distante,
sempre a torna formosa, quer sua boca
se abra para nós, quer para estranhos;

mais bela ainda, nesse vago instante,
em que seus olhos, da esperança louca,
negam sinceros os mais falsos arreganhos...

ESTRELA GUIA II

Conferi bem seu olhar quando sorria,
algumas vezes as faces a enrugar,
com quase trinta dentes a mostrar,
que o siso apenas no fundo se escondia.

Conferi o brilho que em tal olhar luzia,
vendo se as pálpebras estavam-se a apertar,
nas comissuras alguns vincos a mostrar:
reflexo oculto de tão estreita guia.

De fato, dupla estrela me contempla;
dificilmente as conseguem apartar,
só as sobrancelhas, talvez, a revirar;

mas é ali que o mais sincero se retempla,
em que confiro qualquer ausência de rancor
subjacente a um sorriso de calor.

ESTRELA GUIA III

E quanta vez na boca se esfacela
qualquer sorriso, sem para mim chegar,
mas nos seus olhos consigo divisar
o amor perdido que se conserva nela!

Vejo os caprichos e desdém com que me apela,
sem querer seus sentimentos revelar,
porém traído assim, por seu olhar,
das palavras o amargor dessa procela!

Embora digam que todo amor é cego,
quão mais difícil seria aquilatar,
salvo por tato, em tremor ou movimentos,

da mulher cega reconhecer o apego,
sem essa dupla guia a nos mostrar
essa vasta multidão de sentimentos!

OLHANDO ESTRELAS I – 13 MAR 15

Vou confessar que para mim é fato estranho
Esse medo que exprimem tanto pela morte;
Não me parece que seja mais que um corte,
Como as unhas se aparam após o banho,

Ou os cabelos se adéquam ao tamanho
Que melhor nos parece; e então à sorte
Dos esgotos; ou lançamos a outro norte
Nossos desejos, sem de fato causar lanho.

A morte é assim: também jogamos fora
O que não mais queremos nessa fonte,
Seguindo bem mais leves de cuidados;

Não mais que um novo corte nessa hora,
No momento em que cruzarmos nova ponte,
Os velhos corpos para trás abandonados.

OLHANDO ESTRELAS II

Pois cada um de nós é irmão do orvalho,
Que em cada inverno se transforma em geada,
Sobre o frescor do verde ressecada
Cada intenção reformada em ato falho.

São pisoteados sob os pés, qual malho,
Cada dor e gemido em cavalgada,
Sob o peso dos anos estalada,
No sangue branco que sobre  o solo espalho.

Mas no verão, o orvalho sobe ao céu
E ali se adensa em cem nuvens de algodão,
Deixando sobre o chão um quase nada.

O mesmo ocorre quando se nos rompe o véu
Que nos chumbava nesta encarnação,
Só a tristeza a largar abandonada!...

OLHANDO ESTRELAS III

Fica o orvalho no chão, olhando estrelas,
Pequena gota de mar, a refletir
As mil fagulhas do firmamento a reluzir,
Ansiando alçar-se para miragens belas!

Olham estrelas velhos e donzelas,
O seu destino de geada a comprimir
O coração, contra a relva a competir,
Forração branca ansiando ser estelas! (*)
(*) Colunas comemorativas, em geral esculpidas.

Mas terminada a vida, densa a noite,
Como o orvalho, voamos para o alto,
Volutas leves na evaporação,

Na atmosfera recebidas em acoite,
Ou subindo mais além a outro ressalto,
Galgando firme a final ressurreição!...

EMULAÇÃO I – 14 MAR 15

Na rua escura, encontro os namorados,
no aconchego das reentrâncias das paredes,
firmes contidos por Eros em suas redes,
embora pensem se acharem libertados.

Quando se unem assim, desesperados,
esquecidos do mundo, quando os vedes,
seu amor bem sucedido nunca medes,
nem se voltam para ti os apaixonados...

Ainda que o muro seu amor acalentasse,
afastando-lhe do vento todo o açoite,
enquanto trocam muito mais que beijos...

E se acaso essa parede engravidasse,
em pura inveja de seu amor afoite
e escorressem na calçada os seus desejos?

EMULAÇÃO II

Seria então de supor que paredinhas,
se espalhassem ao longo das calçadas,
com cimento e com chuva alimentadas,
vidas concretas, bem mais que são as minhas!

Ou as tuas, quando a carne te acarinhas...
Mas ao passarem, evita as tropeçadas,
se as paredinhas já se movem, desmamadas:
que lindo ver suas estranhas engatinhas!...

Ainda têm medo de descer pelas sarjetas,
aos tornozelos teus pedindo colos,
talvez querendo que as leves ao quintal!

Onde então crescem, para virar muretas,
sem ser ainda nem sequer tijolos,
sujando ainda em suas fraldinhas de cal!...

EMULAÇÃO III

Mas já pensaste se ali mesmo crescem
para formar rua inteira de muralhas?
Teu suor com esforço ali espalhas,
mas as adubas e de novo te agradecem!

E tendo vida, sob o sol se aquecem...
Com britadeira ou picareta quando as talhas
toda a caliça em fragmento esgalhas...
E nos aterros, se de novo envivescessem? 

E de repente, os alicerces se rachassem,
ante os impulsos das novas paredinhas,
que vêm brotando, a se escapar do solo

e pelo teu assoalho penetrassem,
mamadeiras suplicando, as pobrezinhas,
ainda ansiosas por subir para teu colo?

INCÓLUME I –  2002

Em vezo zombeteiro me percebo,
excluído do mundo que excluí,
quando agir diferente decidi
do que ao entorno de mim observava.

Quando da taça da ironia eu bebo,
distraído desse mundo que traí,
como Neruda, "confesso que vivi",
sem condenar o quanto me rodeava.

Mas sendo diferente, que a exclusão
primeiro vem de fora e me endureço
e em bajular eu nunca me apeteço,

vivendo assim à luz da própria ética,
embora oscile ainda o coração,
que amaria bem mais as leis da estética.

INCÓLUME II – 15 MAR 15

Tudo o que faço pertence à minha zetética (*)
pesquisada através da noosfera, (+)
ou recebida na mais passiva esfera:
não sou senhor do verso ou da poética...
(*) Processo de Investigação.
(+) Camada de pensamentos que rodeiam a Terra.

Redijo em ricochete a dialética,
que os versos nem são meus, ai, quem me dera!
Mas me ponho a discutir na alheia esfera,
metade crente, outra porção bem cética.

Assim passam por mim os julgamentos
e por eles nem me sinto responsável,
como já disse, “eu só trabalho aqui”,

da inspiração meus dedos instrumentos,
a transmitir o banal e o admirável,
nessa surpresa de quanto recebi!...

INCÓLUME III

Por isso danço por entre as labaredas
ou mergulho no azulado das geleiras,
neve no pico das montanhas altaneiras,
pequena chama nas fogueiras ledas...

Bom Dioniso, ainda quero que me cedas (*)
por muitos anos, as majestosas jeiras,
versos a fio, irresistíveis nas esteiras
que sob os passos não permanecem quedas!
(*) O deus grego da inspiração artística.

Não que à força de Apolo me recuse,
mas os seus versos são mais lentos e retráteis,
e me obrigam a buscar métrica e rima;

porém se a Dioniso permitir me use,
correm os versos, quais lianas tácteis,
sem precisarem de polimento ou lima!...

INCÓLUME IV

Ante esses versos intocado permaneço,
apenas dou-lhes o tempo em que os escrevo
e mais as horas que digitando levo:
passados dias, de novo tudo esqueço

e me surpreendo, quando a fichários desço
que havia deixado em seu local primevo:
muitos que encontro, mal e mal me atrevo
que sua autoria acreditar mereço!

Não sou eu que estou ali, contudo sou:
há células de mim em cada verso,
nelas desgasto as minhas digitais...

E quantas vezes já bem cansado estou
de manter sentinela ao Eu disperso,
mas chega a musa e me obriga a fazer mais!

QUEIXUME DE MIM I – 2002

Estranho, quando leio o verso antigo,
tal se o não escrevera, já que esqueço
das emoções do momento que padeço
e que ficou atrás, qual se inimigo

eu fora do passado; mas sei que digo
o que pensava então e que enobreço
ou chocarreio, descrevo ou enalteço,
com bem maior frequência que maldigo,

pois não zombo de ideais mais elevados,
porém me encontro tanto tempo defasado
do que escrevi então, no meu antanho,

que me surpreende esse fulgor estranho
ou o teor tão simples do cansado
sabor de tantos versos empoeirados...

QUEIXUME DE MIM II – 16 MAR 15

Antigamente, eu nem sequer datava
e ali ficavam os versos escondidos
numa tocaia, tão só submetidos
a uma falsa vassalagem, como a lava,

que se dispunha, na cratera em que brotava
a conservar-se por anos esquecidos
e então reluz, em ribombares destemidos
e várzea e prado, tudo avassalava!...

Ou mesmo a rocha tida em solidez,
ao ser partida, revela o seu vermelho:
queima tuas mãos, em gestos de magia!

E quando vejo do verso a antiga tês,
ainda me espanto do queimor de relho:
mil chibatadas a zurzir em romaria!...

QUEIXUME DE MIM III

Mas esses versos me tomam de roldão,
as cascas arrancando das feridas,
de curadas tão somente parecidas,
para exigir de mim continuação!...

Assim me vejo em tal consternação,
sem recordar quais lembranças malqueridas
provocaram essas chagas malferidas
na purulência de meu coração!... (*)
(*) Ferida inflamada.

Dizem que a mente, de fato, nunca esquece,
porem oculta, para nossa proteção,
os milenares momentos de uma vida;

mas versos acho tão ímpios em sua prece,
a emular entre si por atenção,
horas a fio me tomando de vencida!

QUEIXUME DE MIM IV

De fato, um pouco cedo e um pouco nego,
pois não quero ser escravo de mim mesmo,
desse meu ego que distribuiu a esmo
mil dias mortos a que não mais me apego.

Pois cada verso com meu sangue rego,
mesmo naqueles em que nada cismo,
mas que me singram, como um cataclismo,
que para o mundo indiferente eu lego!...

Sem ter por eles um só pingo de vaidade,
pois qualquer fama, de fato, nem me importa,
mas que não sejam pelos outros esquecidos

esses meus versos que brotaram de outra idade
e que minha própria memória não comporta,
mas que se encontram sobre as nuvens encolhidos!

PROVETAS I – 14 dez 2006

Teu corpo vai-se abrindo, lentamente,
gemido após gemido, persistente,
um pouco de luxúria,
                                um pouco de protesto...

Enquanto eu te penetro, gentilmente,
mas sem me interromper, vou insistente,
até prender-me inteiro,
                                em amplo gesto.

Talvez me empurres, talvez até resistas,
mas nessa indecisão, tu me conquistas.

Pois finges que te entregas, mas possuis:
sou eu que sou possuído, em tons azuis...

Jamais eu pude compreender esse mistério.
                       pois dizem que é a mulher
que cede e dá,
mas me devora,
                       no instante em que me está
recebendo em calidez e refrigério...

PROVETAS II – 17 MAR 15

Minha mente inteira se perde em tal loucura,
nesse momento de luxúria pura:
nada mais quero
e tudo quero, embora!

E nessa exaltação que me perdura,
meus lábios balbuciam a antiga jura
a que domino,
mas que é de mim senhora!...

Dança de antanho em sua culminação,
nos momentos finais dessa ilusão...

Amor julgado romântico e afinal,
consecução  verdadeira do hormonal...

Não há mistério verdadeiro nessa hora:
é tão somente a saga secular
que se repete
e a mulher complete
a raça inteira para continuar,
sem aceitar um só instante de demora!...

PROVETAS III

Queria, contudo, que fosse diferente.,
não fosse sexo apenas complacente
com esse anseio,
tão só por procriar...

Mas real amor achar subjacente,
sem que a mulher não fosse mais fervente
após o término
indesejado do ovular.

Que realmente amasse mais o homem,
não por ter filhos que sua semente tomem.

E que seus feromônios não cessassem,
quando o enfado seus olhos estampassem.

Porém que o sexo fosse algo mais sublime
em tal ato de amor
que o sacrifício,
sem meretrício,
envolvesse todo o corpo de calor
e que somente com amor então se rime!

PROVETAS IV

Mas sempre algo requer a madurez:
que a ilusão se expanda na sua vez,
para ceder então,
quiçá, ao carinho...

Já que a mulher emprega a sua nudez,
consciente ou inconsciente, tal que a vês,
como artifício
para tecer seu ninho...

Se algo mais faz, é tão só por solidão,
mas sem hormônios, esmaece a sua paixão.

Enquanto duram os hormônios masculinos
por tempo bem maior que os femininos.

E assim se busca outro caleidoscópio:
dormem as tésseras , (*)
real a menopausa,
forçada a andropausa,
dançam soldados  ainda na proveta,
muitos viáveis na visão do microscópio!
(*) Pedrinhas de vidro colorido.

12/14/2006
PROVÉRBIO I – 14 dez 2006

não existe mulher sem Bruxaria...
elas têm um poder oculto e Quedo,
de que homem algum tem o Segredo,
num mágico fulgor...   Feitiçaria

refulge em precipício de Atração,
num castiçal de luz, num Candelabro,
em que me adejo, por mais que Descalabro
perceba no absurdo da Ilusão...

e assim me vejo, mau grado meu, Alçado:
lançado em frigidez de Compromisso
ao baço recordar desses Refolhos...

e me percebo escravo e Alvoroçado,
que sempre foi um tipo de Feitiço
que me prendeu até hoje nos teus Olhos...

PROVÉRBIO II (18 MAR 15)

mesmo aquela que possui menos Cultura
tem estratégia certeira e bem Nativa;
das ancestrais a flama Rediviva,
qual neblina a brotar da Sepultura...

por mais sua mente pareça ser Escura,
ela sabe como agir e nos Cativa;
em sedução e desdém o ser nos Criva
de uma atração que ao coração Perdura...

e quando ela estudou os seus Romances
e aplica em nós a sua Psicologia,
não há este que a possa Resistir...

sua teia a nos tecer em mil Nuances,
humana aranha em sua Psicofagia, (*)
encasulando nossa alma no Iludir!
(*) Devorar da alma.

PROVÉRBIO III

e nessa dança antiga da Conquista,
em que o parceiro se julga o Caçador
e é simples presa do feminino Odor
ou dos meneios que em seu andar se Avista.

embosca de inopino a quem Resista
e cega a caça com singular Fulgor,
que o romântico pretende seja Amor,
enquanto o cínico só do sexo segue a Pista...

mas quanta vez tropecei no Labirinto,
sem ter jamais saído dele Ileso:
pior ainda, a amar cada Momento

dessa ilusão especular que Sinto,
quando na rede me percebo Preso,
abrindo mão total do Julgamento!

PROVÉRBIO IV

mesmo ingressando com o olhar Aberto
nesses meandros de redolente Aroma,
percebendo a arapuca que me Toma,
julguei meu erro ser divino Acerto;

de meu pendor romântico bem Perto,
esse dédalo que a mente assim Embroma,
em romaria que nunca atinge Roma,
por mil caminhos de destino Certo,

todas as vias conduzindo ao Amor,
por mais que se percebam seus Desvios,
correndo a esteira para o seio Dela

e nessa ostentação do seu Calor,
eu me entreguei, consciente, aos Desvarios
da bela morte ante a mulher mais Bela!

INCANDESCÊNCIA I – 14 dez 06
[para Berenice Lagos Guedes]

A Grande Mãe me esqueceu de aquinhoar...
Nem sei onde se encontra o meu feitiço!...
Meus mistérios logo deixo desvelar,
sou transparente em meu fideicomisso.

Se a bruxaria faz parte dos segredos
de que somos guardiãs, missão eu falho.
Não tenho sedução, em meus degredos:
meus sentimentos ao redor espalho...

E se é a mulher que devora o seu amante,
ela também se queima: é mariposa,
em torno à lamparina incandescente...

E ao se entregar, no banquete palpitante,
quer casualmente, quer sob o véu de esposa,
termina em pó, de forma permanente...

INCANDESCÊNCIA II (19 MAR 15)

Eu fui fiel nestes versos iniciais
a essas frases que ouvi de minha irmã,
a contestar meus queixumes naturais
de que o amor queimava qual sezã,

pois afirmou, nessa data temporã,
que a iludida fora ela nos sarçais,
que devorara as sementes da romã,
ficando presa nos reinos infernais! (*)
(*) Alusão ao mito de Perséfone.

Quando de lá saiu, deixou a malícia,
dando a Caronte a sua sagacidade,
não tendo óbolos para seu transporte,

condenada pela própria pudicícia
a virar presa da masculinidade,
numa gaiola de ignota sorte...

INCANDESCÊNCIA III

E foi nessa ilusão que se queimou,
quando a caça tornou-se o caçador,
presa nas brumas de um infiel amor
que a alma engana e que a contaminou;

que existe o homem que muito experimentou,
contra as argúcias femininas trovador,
empregando as mesmas armas, com louvor,
de outra mulher que no passado o derrubou.

Sem dúvida, se irá tornar profissional
na arte da ilusão das inocentes,
que nele vêm o Príncipe Encantado

e assim as queima no jogo terrenal,
usando as regras em trapaças bem frequentes,
para depois descartá-las para um lado!

INCANDESCÊNCIA IV

Será que existe, realmente, algum culpado
nesse jogo do amor e da conquista?
Não há derrota de quem não segue a pista:
quem nela ingressa já traz tudo calculado!...

Pensando ter a sorte do seu lado
ou a habilidade, se constante insista;
cartas marcadas, cedo ou tarde, avista,
podendo usá-las ou ser por elas derrotado.

Também eu me queimei nessa fogueira,
saindo ileso tão só por bruxaria,
valendo a pena o bem e o mal hauridos;

porém nunca enganei qualquer parceira,
que era sincero no amor que prometia,
até que os sonhos me fossem exauridos!

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com


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