sexta-feira, 20 de março de 2015





IMAGEM AOS BORRIFOS & MAIS
William Lagos

IMAGEM AOS BORRIFOS I – 14 dez 06

Bem a conheço, tanto que a vi nua,
não há segredos que seu corpo esconda,
por mais que seu amor assim me ronda,
já mais vezes a vi que a luz da lua...

E quando ela se banha, como estua,
em gotas peroladas, pura onda,
que escorre, que respinga e que me sonda
o coração; e a alma perfura como pua...

Mas ela corre a cortina, em seu pudor
e eu fico fora, por ódio ou por amor,
da intimidade que não posso partilhar...

E é como se jamais tivesse visto:
e é por isso que tal sombra olhar insisto,
nesse mistério da cortina a farfalhar...

IMAGEM AOS BORRIFOS II – 27 FEV 15

É opaca essa cortina, mas há luz
que vem das janelinhas do banheiro
e a silhueta se reflete qual poleiro
de beija-flores negros nessa cruz.

Imperfeita essa imagem que seduz,
vista de lado, em revoar ligeiro,
os respingos a interpor-se nesse aceiro,
sombra ante sombra que para mim reluz.

Porque os borrifos essa imagem borram
e em aliança formam serpentina,
que a sombra amiga em palidez devoram,

sem deixar transparente essa cortina
e as silhuetas com vigor se reafirmam
nessa ilusão de imagem que perdura...

IMAGEM AOS BORRIFOS III

Meus olhos de mirón buscam segredos
no escondido que em nada desconheço;
que fosse branca essa silhueta peço
ou que a pudesse prender entre meus dedos. 

Mais vai o olhar somente em tais enredos:
as estruturas de tais sombras meço
e pelo corpo invisível agradeço,
a reviver os mais antigos medos...

Qual voyeur cego e de tato destituído,
só posso a mãe da sombra imaginar
contra o passado já no peito desnutrido,

olhos fechados, mais posso enxergar,
desse sonho de pudor compartilhar,
vago demais para entre os dedos ser mantido.

IMAGEM AOS BORRIFOS IV

Contudo, a imagem negra na cortina,
por tantos riscos dágua esmaecida,
em mil borrifos aos confetes tida,
ainda escorre pelo ralo, em serpentina.

E tenho inveja do sugar que ali se atina,
roubando a imagem em tal água perdida,
em cada gota a pele inteira compreendida,
nessa furtiva diluição que me fascina.

Pois de real somente enxergo o braço
e a mão que a toalha firmemente agarra,
que novamente se frustram a meu olhar,

e então me resta recordar de cada traço
de sua nudez, que a memória amarra,
em que o presente se desfaz a turbilhar...

AMOR DE CÂMARA XXIX-A – 14 dez 2006

Quando a tomo em meus braços, cada dia
e sinto o seu perfume e o som da pele
e a voz do coração quanto me apele,
sou envolvido na cor dessa elegia...

Quando a mim nos braços toma, nessa fria
cordialidade dos tempos de calor,
a tal ponto me refresca, em seu amor,
que a pele acalma e a mente me esvazia.

A cada vez, me sinto mais surpreso,
que retome o anseio de seu beijo,
em tal orgasmo, refletido em intermezzo.

Que assim retome a força do desejo,
cálido e leve, sol em seus afélios,
amor fazendo aos acordes de Sibelius.

A MANGRA* DA PUREZA I – 14 dez 06

"Branca e radiante, vai a noiva,"
como descrito no bolero antigo,
a igreja cheia, sob esse inimigo
olhar das outras...  Corta como goiva

a maldade com que tantas observam;
a mamãe chora, o pai vai emproado,
o noivo espera junto ao altar, cansado
desse longo ritual em que o conservam...

E avança a noiva, em toda a sua pureza...
Mas, de repente, seus olhos se arregalam,
suas faces de rubor se fazem roxas...

É que a mancha vermelha, com certeza,
que lhe marca o vestido, todas falam:
é o sangue menstrual entre suas coxas!...
(*) Mácula, mancha.

A MANGRA DA PUREZA II – 28 FEV 2015

Por que a vergonha feita de escarlate
que cobre a veste de branco virginal,
nesse toque de cansado carnaval,
em tal rubor sobre ela então se abate?

Talvez bem ao contrário é o que se acate:
se menstrua, não se acha grávida, afinal;
seu matrimônio não esconde prévio mal,
nem gravidez prematura que se date...

Se bem não faltem vozes de malícia,
um seu possível aborto a mencionar,
falsas amigas propalando sua vergonha;

e nestes tempos atuais de impudicícia,
em que é tão fácil proteção se colocar,
ficam zombando do descuido da cegonha...

A MANGRA DA PUREZA III

Segundo consta, isto de fato aconteceu
e uma noiva, realmente, numa igreja
saiu regando tais degraus que aleija,
pingo após pingo, com rosal que feneceu...

Não sei ao certo em que cidade aconteceu
este fato embaraçoso, que ainda adeja
em cada boca desdentada que não beija:
sussurros murchos de quem não o esqueceu...

Alguns dizem que ocorreu na catedral,
outros falam em uma igreja protestante,
como castigo por tal apostasia... (*)

Melhor seria em um cartório, é natural,
em que a noiva, em carmesim vibrante,
não precisasse descer a escadaria!...
(*) Abandono da verdadeira religião.
       
A MANGRA DA PUREZA IV

Talvez melhor como “mácula” se alçasse
o título desta série de sonetos;
pingos vermelhos sem nada de secretos,
no sacrifício mensal que se anunciasse!

E que só na imaculada se estampasse
esta marca de terrores abjetos,
antes do Modess ou Tampax mais discretos,
que a castidade de uma noiva proclamasse!

Mas afinal, a mangra marca a flor,
em seu desenho amarelo ou acastanhado
e assim provoca que o frescor desapareça;

enquanto a pobre noiva, em seu pudor,
foi perante a sociedade desventrada,
nesta historinha de horror que não se esqueça!

O RELÓGIO DA ESTRELA I – 14 dez 06

enquanto a estrela sobre mim pingavA
o seu brilho de cor esverdinhadA
e em ultravioleta me irradiavA
e me remodelava a compassadA

rítmica do coração e me cegavA
os olhos para a Terra acobertavA
de infravermelho e então me derramavA
de cobalto a taça ardente reveladA;

então me despertou para a alegriA
o âmago da vida, finalmentE,
porém no próprio dom, assim jaziA

o veneno da velhice e da emoçãO,
pois se me fez viver completamentE,
também o ritmo me adiantou do coraçãO!

O RELÓGIO DA ESTRELA II – 1º MAR 2015

mas era a astúcia que me acompanhavA
e que desde o nascimento contemplavA,
da sorte estrela que a face não beijavA,
da morte a lava que a pele me queimavA.

a boa estrela é que me desamparavA,
com luz intermitente me zombavA,
estrela indiferente, nem me odiavA,
e nem me amava, tão somente calcinavA

como fitava a tantos, lá do céU:
a sua irradiação nos distribuíA,
 justiça falha a chamar de complacênciA,

do largo cosmos perpassando o véU,
enquanto a astrologia me iludiA
que só aguardasse meu futuro com paciênciA!...

O RELÓGIO DA ESTRELA III

era outra estrela sobre mim voltadA,
a cada hora cada pena demarcadA,
albor do fado que não me dava nadA,
mas só cuidava, a evitar minha escapadA.

estrela mística, não a guia destinadA,
para orientar qualquer pessoa conciliadA,
do firme sulco a estrela encarregadA,
as minhas horas a cortar, desapiadadA!

e só assim, se me via bem contentE,
contava o tempo em ritmo dobradO
e quando era infeliz, mais lentamentE;

sua luz impura em cada instante decepadO
desses poucos que ainda tenho pela frentE,
mais fiel que um amor apaixonadO!

O RELÓGIO DA ESTRELA IV

ao mesmo tempo, de algum modo protegiA,
não se adiantasse o tempo que corriA,
não se atrasasse o tempo que desviA,
clepsidra a magra estrela que escorriA, (*)
(*) Relógio de água.

pingo após pingo que em minha vida permitiA,
sem acidentes que cortassem a alegriA,
ou enfermidade que me enfraqueceriA:
dia após dia assim controlariA...

estranha a deusa estrela que mediA
o fio da vida que me pertenciA,
com uma tesoura de esquilar à mãO

e que, até hoje, meu novelo desenrolA,
antes gigante, pequena agora a bolA
com que demarca o final de minha missãO.

INSETAÇÃO I – 14 dez 06

São quase cinco e me sinto pirilâmpico,
estuando de energia e vagalúmico,
tal qual o mundo, tão lamelibrânquico
deixasse para trás e, assim, gafanhotúmico,

saltasse pela relva, ser besôurico,
a meu redor tão doce, quase grílico,
ou projetasse casulo aracnídico,
no mundo a debater meu eu cascúdico.

Talvez devera me tornar um ser mosquítico,
sugar meu próprio sangue, em maripôsico
reler de antigos versos, borbolético,

repelindo a mim mesmo, num mutúquico
zombar de mim, em zumbido pernilônguico,
preso nas garras de meu signo escorpiônico.

Insetação II – 14 dez 06

e novamente sinto-me morcêguico,
a viajar num curso carrapático,
repleto de desejo sanguessúguico,
porém em lar seguro e caracólico,

mesmo que seja apenas tartarúguico
este meu adejar tão maripôsico,
este meu requeimar quase falênico
e o nojo de mim mesmo assim lepísmico.

desse modo permaneço só um vérmico,
à alegria fugindo, num virótico
reproduzir de versos  bactérico,

no reluzir balsâmico e escaravélhico
de quem pretende ser colorido lepidóptero,
mas sem passar de negro coleóptero.

NOCTÍGRAFO I – 14 dez 2006

Não vivo bem durante o dia. É no calígero
fulgor opalescente das estrelas
que mais trabalho e que palavras belas
sei redigir ao público carnívoro,

que não me aceita bem, pois sou frugívoro:
o que eu fruo e aprecio são as telas
de um teor mais pálido, são as velas
semienfunadas, mas de sabor aurívoro;

que não falo do que esperam, quando escolho
escutar as minhas vozes, na atenção
de um atalaia que somente noticia;

são os poemas da noite que refolho,
enquanto outros que faço apenas são
cortesias a quem vive à luz do dia...

NOCTÍGRAFO – 2 MAR 15

Há ocasiões em que passo a madrugada,
até as pequenas horas da manhã,
nas garras de uma febre, qual sezã
de uma malária ao trabalho dedicada;

ou faço versos à aurora estremunhada,
antes que venha, com seus dedos de lã
o sol a impor, com firmeza e a noite vã
vá expulsar para região descompassada...

Assim oscilo: ou deito às cinco horas,
Para me erguer três horas no depois
ou deito às duas para erguer-me às cinco,

sempre envolvido na trama das desoras,
abraçado com minha musa, sem que os dois
desistam de se amar com mais afinco...

NOCTÍGRAFO III

Não sei se a noite é prenda da poesia
ou se é à noite que a poesia me prende;
não sei se as horas a poesia me vende
ou se eu as roubo à noite fugidia...

Só sei que no calor que o Sol me envia,
minha vontade de escrever se rende
ou a poesia afogueada não me atende,
nas horas claras em que domina o dia...

Acho o esplendor ao redor das cinco horas:
eu me recubro com o manto de veludo
e o terciopelo escorre entre meus dedos;

no divisor de água das demoras,
não sei se canto aquilo em que me iludo
ou se me conta a ilusão os seus segredos...

NOCTÍGRAFO IV

Conheço apenas o meu desgosto do calor,
quando a modorra me pesa sobre a alma,
na mansidão de desnutrida calma,
na longa sesta de um sono sem amor...

Só sei que busco as horas sem palor,
em que a noite ganha cor e a mim embalma
e que à palidez do dia leve a palma
nas brisas leves e melífluas do frescor...

E como as musas me abraçam nos instantes
em que o povo amortece mais a ardência!
Então trocamos vampíricos segredos...

Ou então surgem meus sonhos delirantes,
arrebatando sonetos em potência,
enquanto a noite me suga entre seus dedos...

SPIDERMAN I – 15 dez 06
[a pedido de Andréia Macedo]

Peter Parker amava Gwendolyn,
a loura filha do chefe de polícia;
todavia, em um momento de estultícia,
por uma aranha se deixou picar; e assim,

tornou-se o Homem Aranha; e n'O Clarim
foi atacado, em artigos de malícia,
pelo seu editor, Jonah Jameson e a fictícia
fama de monstro adquiriu por fim...

Mas por sorte, Mary Jane se tornou
de sua existência a última paixão:
salvou-lhe a vida e seu amor retém...

Assim queria eu, no amor que me encantou
que conseguisse, pendurado pela mão,
num fio de teia, te conquistar também...

SPIDERMAN II – 03 MAR 15

Terpsícore estranhou o signo estranho
da deusa aranha, envolta no cordel,
no perpétua lampejar desse ouropel,
meu coração a iludir de amor tamanho;

por algum tempo, submeteu-me ao lanho;
entrou na dança, montada num corcel
e a musa então girou, lábios de mel,
a envolver-me de música em seu banho...

Nesse oscilar entre a loura Gwendolyn
e a morena Mary Jane, em longa dança,
mal eu sabia demarcar um tal balé,

cega minha mente nesse baile, assim,
a balançar até onde o fio alcança,
aranha presa em suja chaminé...

SPIDERMAN III

De minha parte, nunca fui um vigilante
a pular pelos telhados,sorrateiro,
os malfeitores a discernir ligeiro,
para enfrentá-los na surpresa mais vibrante;

não fui mais que um dublê contracenante,
nos bastidores de um teatro, pegureiro,
como um pastor, a perscrutar, fagueiro,
mil horizontes de uma vida circundante;

e como Spiderman, só quatro patas,
pelas paredes, aleijadamente,
poucas ventosas para minha ascensão

e por minhas quedas somente desatadas
as gargalhadas, zombeteiramente,
de minhas picadas radioativas só ilusão!...

SPIDERMAN IV

Pois sempre oscilo de outras platibandas:
não são os prédios com seus desfiladeiros,
nem percorro os alcantis de mil ribeiros,
nem os abismos de vastidões nefandas;

eu me contento em saltitar nas bandas
destes retalhos de papel, argueiros
do meu olhar a transformar, faceiros,
em linhas negras ou em azuis locandas...

Dependia Spiderman dos roteiristas...
De quem será que depende meu destino?
Quem planeja minhas ações, desde menino

e quem desenha as derrotas e as conquistas?
Ah, Gwendolyn, que um dia já amei tanto,
vertendo em lágrimas de tinta escuro pranto!...

EM SÍMILE BANAL I – 15 dez 06

Meu tio falava sentir inspiração
quando queria dirigir-se ao vaso...
E aqui me encontro eu, no mesmo caso,
sentado na latrina, em exaltação,

enquanto o "eu fecal", sem ilusão,
se aventura aos esgotos, no embaraço
de um ato solitário... E eu mesmo faço
com que meu "eu poético", em calão

mais elevado, se aventure nas cloacas
da sociedade, que me exclui e excluo,
pois não pensamos juntos, certamente.

Meu eu fecal segue o destino das cacacas...
Pelo eu poético então me esforço e suo,
enquanto o verso escrevo mais potente!...

EM SÍMILE BANAL II – 4 MAR 15

Se por acaso esta símile é chocante
(Por que, afinal, te deveria chocar...?),
acostumei-me a versos defecar,
no mesmo ritmo e precisão constante...

Que tantos sintam a nudez como excitante,
(Já que o ato sexual pode inspirar!)
narra-se o amor de forma hospitalar,
cada autor a descrevê-lo mais vibrante!

E que se possam descrever as refeições,
cada drinque tomado e aperitivo
e o personagem possa até ir ao banheiro...

Mas ali só perfaz suas abluções,
sem dar ao oposto do alimento um lenitivo...
Este talvez sendo o mistério derradeiro!

EM SÍMILE BANAL III

Já houve quem tratasse seriamente
desta separação do “eu fecal”:
há “fase oral” e existe “fase anal”,
a psicanálise a referi-las simplesmente.

Por que então a poesia, francamente,
deve evitar uma função tão natural
(Para manter a saúde é essencial!)
e só abordar questão mais inocente?

Houve tempo em que o sexo era banido,
por metáforas tão somente referido
e mesmo o beijo mencionado em diagonal.

Que seja então, para o soneto, redimido
o malcheiroso e desprezado ato fecal,
por mais nojento que pareça esse sentido!

EM SÍMILE BANAL IV

Porque, de fato, nada existe de banal
nesta minha símile adrede referida;
fechada a porta à falta cometida,
na hipocrisia do que é mais natural!

Foi afirmado de forma bem vocal
que “civilização é a distância bem medida
entre as fezes pela gente produzida
e os humanos” que as geram, afinal!...

Mas é sempre correto recordar
que as cloacas de Roma ainda existem
e podem ser até mesmo visitadas!

Portanto, não se venha a desprezar
tais alusões, que em meu brincar persistem,
mas acolhidas com simples gargalhadas!...

DONZELA BELA I –15 dez 2006

Quando uma filha é bela, com certeza
que seja sempre bela se deseja
e que feliz se torne é o que se enseja:
que o amor sonhado aumente-lhe a beleza.

Quando se ama uma filha, que nos beija,
num amor puro e isento de vileza
e que nos trate com delicadeza,
sempre se quer que mais perfeita seja.

Mas não são qualidades que se ama.
Pode ser feia ou tola, o que se quer
É aceitá-la, tal qual como ela é.

Pois quem ama não julga, nem reclama
de seus caprichos, pois, sendo mulher,
é a borboleta de um gentil balé...

DONZELA BELA II – 5 MAR 15

Quando uma filha é feia, o que se espera
é que a feiura os outros ignorem
e que de formosura antes a dourem
os atavios com que o natural se altera.

É só na juventude que se gera
tal expectativa em que se aforem
os apanágios da beleza e então aflorem
peles perfeitas, qual em museu de cera.

Mas ai!  Não se confundam beleza e mocidade.
É muito fácil empanar-se o grácil,
pois bem depressa acomete a madurez.

Bela é quem guarda até a terceira idade
o que a vasta maioria perde fácil,
firme a ossatura recoberta por sua tês!...

DONZELA BELA III

O tempo chega como equalizador
e muita vez a infeliz adolescente,
em sua terceira década premente,
já adquiriu, aos poucos, seu primor,

enquanto a bela que granjeou tanto louvor
vai perdendo o seu fulgir opalescente,
cada espelho a lhe mostrar, indiferente,
cabelos brancos e rugas em candor.

Mas quanto mais se nutre da experiência,
mais ela sabe demonstrar-se feminina,
sendo a rival, aos poucos, superada.

Estranho o fado, que se aguarde com paciência
nessa mulher madura que fascina,
por sua mente pouco a pouco cultivada. 

DONZELA BELA IV

Pois mais que todas, dança a borboleta
que se gerou em lenta gestação;
cada filha um diamante na tua mão,
anel de ouro de expressão dileta;

pois sendo bela, a feiura nos completa
e sendo feia, nos espelha com razão,
sempre é esperança de continuação,
para o futuro a despedir a seta.

A filha feia para os pais é bela
e a filha bela um assombro continuado:
não se sabe o que se fez por merecê-la;

e nesse orgulho reside outro pecado,
nosso reflexo nela sendo amado,
a cada vez que nos permite vê-la...

ANÉIS PLANETÁRIOS I – 6 MAR 15

Há poucas coisas de que sinto medo.
Medos difusos, vagos, esses tenho,
Mas ficam lá por trás, em sonhos venho
Talvez simbolizá-los em segredo.

Tenho receios vagos do degredo
De meu conforto atual, mas não me empenho
Nada mais do que já faço, pois retenho
Alguma segurança e fico quedo,

Preparado para eventualidades
Que não espero cheguem, sem reais
Expectativas de que me mude a sorte,

Pois bastam a cada dia suas maldades,
Sem que precise temer as eventuais
E sem receio de minha própria morte.

ANÉIS PLANETÁRIOS II

Poucas coisas me causam amargura,
Embora muitas me deem ressentimento;
Isto me augura qualquer contratempo
Que em meu caminho plano assim perdura.

Mas algo em mim ressumbra e me segura,
Seja qual for o amargor desse momento;
Meu bom-humor conquista o novo tempo:
Transforma o mal em zombaria pura...

Nada consegue amargo me deixar
(Não que eu pretenda ser doce ao paladar)
Mas todo o mal domino em complacência,

Tudo na vida sendo transitório,
Sem temer qualquer azar perfunctório,
Caleidoscópio girando com paciência...

ANÉIS PLANETÁRIOS III

Ainda conservo a esperança no futuro,
Mesmo de olhos abertos para o mal;
A sociedade é um triste carnaval
De cuja rude influência me seguro.

Da vacuidade de tudo me asseguro
E não atolo meus pés no pantanal,
Tenho sendas demarcadas de jogral:
Na ironia o meu penar apuro...

Busco nos livros a perfeita sociedade,
Tendo a vantagem de saber várias linguagens,
Cujo domínio outros vejo que não têm;

E os alfarrábios peculiares em paisagens,
Mundos diversos para mim contêm,
Os quais posso desfrutar em saciedade.

ANÉIS PLANETÁRIOS IV

Dante Alighieri em círculos demarcou
O seu Inferno, um perfeito catecismo,
Seus inimigos castigados por egoísmo:
Todos os Guelfos nesses círculos lançou. (*)
(*) Partidários do Papa contra os Gibelinos, a seguir o Imperador.

Grande ousadia para a época mostrou,
Dos papas a descrever o simonismo,
Outros ainda a acusar de diabolismo:
Muito me espanta que nenhum o excomungou!

Mesmo porque, ainda em vida, publicou
E não se retratou, qual Galileu,
Nem sob as trevas da morte se escondeu,

Como Copérnico à glória em vida renunciou,
Nesse temor de um tribunal bem fariseu
Chamá-lo herege, quando a Terra desbancou!

ANÉIS PLANETÁRIOS V

Os Sete Céus foram por ele condenados,
O Sol repondo no centro do Universo,
Foi um progresso, mesmo que perverso,
Por Tycho Brahe outra vez retrogradados

Foram os planetas pela Terra dominados
E a própria Terra em torno ao Sol, giro diverso;
Somente Kepler se arriscou, em gesto terso
A afirmar que o Sol dava giros estrelados,

Errando em torno da Via Láctea dominante.
Contudo, mesmo ele foi astrólogo:
Como é difícil pôr de lado os preconceitos!

Que a vida humana fosse assim tão importante
Que cada ser mantivesse algum diálogo
Com o zodíaco dos astros em trejeitos!...

ANÉIS PLANETÁRIOS VI

Porém dos astros eu não nutro qualquer medo,
Salvo a cósmica influência em radiação,
Que pode em câncer decretar-me a perdição;
Do próprio Sol bem mais receio o albedo!...

Mesmo aos setenta, conservo meu segredo:
Do Sol me esforço por evitar a queimação;
Das rugas a máscara mantendo alienação,
Da carne de animal sempre em degredo.

Contudo, sempre penso em meteoro
Programado para com a Terra colidir,
Dentro de duas décadas e pouco...

Mas nem por isso em meu viver deploro:
Que Apophis venha todo o mundo a destruir!
Ter medo disso deixar-me-ia louco!

AURORA I – 7 MAR 15

A noite condensou-se em densa bruma;
um rolo se adensou por minha janela;
vi sem receio esse fulgor que nela
reluzia entre as nuvens dessa espuma.

Eram seus olhos somente, qual verruma,
que a alma me alanceava, doce estrela,
seus grandes olhos brilhantes, meiga vela,
por entre a névoa que ao redor se esfuma.

Cruzou-me as grades e condensou-se nua,
ao lado de meu catre, sonho e vida;
faminta me arrancou as vestimentas

e possuiu-me de amor a lâmia crua,
mas desfez-se de manhã, geada perdida
por entre as nuvens que flutuavam lentas...

AURORA II

Será que me assaltou doida neblina
ou foi a cerração que me acolheu?
Meu intelecto bem pouco percebeu
qual o nevoeiro que ao súcubo origina.

Afinal, se a sonolência me domina,
o entendimento dentre o sono se perdeu;
somente a dama seus braços me estendeu:
corpo de huri sob seus olhos de menina.

E nem ao menos as meninas de meus olhos
puderam dela a origem discernir,
em suas volutas de ânsias desvairadas;

sob as pestanas membranáticos refolhos,
heroínas a correr em meu dormir,
sem reluzirem em suas pompas estreladas!

AURORA III

Pois quanta vez, em erótica ilusão
compartilhei de tais visões esplendorosas,
ninfas e náiades em seu sabor de rosas,
fantasmagóricas  penugens de emoção!

E quanta vez partilhei dessa paixão,
nas oníricas noites dadivosas,
tais sombras em carmesim esperançosas,
deusas aladas em final consternação!

Pois recolheram então a minha semente,
mas não puderam levá-la consigo,
para tufões e ciclones fecundar...

Divididas pela grade ali presente,
em seus gemidos deixando o meu abrigo,
logo forçadas a um pleno evaporar!...

AURORA IV

Porque a aurora é das sílfides inimiga,
sua substância bem depressa a desmanchar;
sobem aos cirros velozmente a se jogar,
tornada em chuva cada donzela amiga!

E eu fico a meditar: talvez consiga
essa semente  que me pôde retirar
nos verdes prados quiçá a germinar
e nos desertos abrir sulcos de biga...

Qual descendência ali então teria,
disseminada pelas súcubos voláteis:
seriam cactos, tunas ou proteias?

Ou num espanto, até animal germinaria,
dentre as areias de  expressões contráteis,
como os dentes de dragão das epopeias?

AURORA V

E assim fico a matutar: qual o Sahara,
sob o espargir das sementes brotaria?
Mil tuaregues talvez até condensaria,
meus novos filhos de uma espécie rara...

Ou talvez ao Arizona fossem para
os Monstros Gila renovar em fantasia;
quem sabe geckos simplesmente geraria
essa semente que em meu sonho se dispara...

(E se depois, um a um, me processassem
esses filhos do acaso debutantes
e me pedissem pensão alimentícia?

e de algum modo deeneá me demonstrassem
os frutos dos sonetos delirantes
esculpidos por minha impudicícia?)

AURORA VI

Mas assim como são evaporadas
pelos raios ao fluir do dealbar,
as brumas da manhã em dissipar
ou reduzidas ao branquejar de geadas,

também as lâmias que me foram namoradas
se dissipam  em vapor no meu tocar
ou pela marcha do calor a desmanchar
toda esperança de gerações aladas!...

Talvez por isso assim ressinta a aurora
que me  dilui o sonho mais plangente,
por mais que os olhos insistissem no gerar

e rancor sinta dessa primeira hora
com que me ataca, em fulgidez potente,
nessa emboscada do primeiro dealbar!...

ATMOSFERA I – 8 MAR 15

O CHEIRO DE TUA MÃO ME ENTROU NOS OLHOS
E O GOSTO DE TEUS DEDOS NOS OUVIDOS;
PELAS UNHAS OS TEUS SONHOS PERQUIRIDOS,
AS MINHAS QUIMERAS LANCETADAS NOS REFOLHOS;

O ESTALAR DE TEUS DENTES, MIL ESCOLHOS
A PERCORRER-ME O TATO, DESVALIDOS
OS LÁBIOS EM DISCURSOS PERSEGUIDOS,
CADA GOTA DE SALIVA OUTROS ABROLHOS.

O TEU SABOR COMO ORVALHO DERRAMOU-SE
E O SENTI PENETRANDO NAS NARINAS,
PELA MINHA BOCA DIFUNDIU-SE O TEU ODOR

QUE EM MIM TURBILHA E TEU OLHAR ME TROUXE
CADA PAPILA A AUSCULTAR ALHEIAS SINAS
NO CORAÇÃO TREPIDANDO DE PAVOR!

ATMOSFERA II

COMO É ESPANTOSA A PRESENÇA DA MULHER
QUANDO SEUS FEROMÔNIOS NOS INVADEM!
DOCES MIASMAS QUE A CARNE NOS PERVADEM,
SEM QUE TALVEZ O PERCEBA ELA SEQUER!

QUE CONTROLE PODE TER O BEM-ME-QUER
SOBRE O ÁUREO PÓLEN QUE DELE DIMANA,
QUE POR ESTAMES E PISTILO SE DERRAMA
ESSA ÂNSIA POR LANÇAR-SE A OUTRO SER!

BEM NO FUNDO DAS NARINAS SEU PLANGER,
CADA PELO COMO AS CORDAS DE UMA LIRA,
ARMADILHA EM REVERSÃO, SONHO FRACTAL.

SERÁ QUE MORRE O OLOR NO PADECER
QUE SE DIFUNDE PELA PAIXÃO QUE INSPIRA
EM CADA CÉLULA POR EFEITO PRIMORDIAL?

ATMOSFERA Iii

MAS ESSA NOOSFERA (*) QUE A RODEIA
SÓ A PERCEBE EM DOM SUBLIMINAR
ESTA SOMA TOTAL DO FASCINAR
QUE NOVA VIDA PRODUZIR ANSEIA!
(*) Conjunto dos pensamentos que rodeiam a Terra.

ESSA NUVEM DE AROMA QUE PERMEIA
E QUE OS COSMÉTICOS BUSCAM DEPURAR
FOI CRIADA PARA EM HOMEM PROVOCAR
VASTA PAIXÃO QUE A MENTE LHE INCENDEIA!

E CONTUDO, NÃO PERCEBE O INFELIZ
QUE ESTE AMOR, TIDO À PRIMEIRA VISTA
E QUE LHE AFOGA OS OLHOS E OS OUVIDOS

PENETROU REALMENTE EM SEU NARIZ,
COMO CABEÇA DE PONTE DA CONQUISTA
QUE DESDE SEMPRE NOS FAZ SUBMETIDOS!




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