IMAGEM AOS BORRIFOS &
MAIS
William Lagos
IMAGEM AOS BORRIFOS I
– 14 dez 06
Bem a conheço, tanto
que a vi nua,
não há segredos que
seu corpo esconda,
por mais que seu
amor assim me ronda,
já mais vezes a vi que
a luz da lua...
E quando ela se banha,
como estua,
em gotas peroladas,
pura onda,
que escorre, que
respinga e que me sonda
o coração; e a alma
perfura como pua...
Mas ela corre a
cortina, em seu pudor
e eu fico fora, por
ódio ou por amor,
da intimidade que não
posso partilhar...
E é como se jamais
tivesse visto:
e é por isso que
tal sombra olhar insisto,
nesse mistério da
cortina a farfalhar...
IMAGEM AOS BORRIFOS II
– 27 FEV 15
É opaca essa cortina,
mas há luz
que vem das janelinhas
do banheiro
e a silhueta se
reflete qual poleiro
de beija-flores negros
nessa cruz.
Imperfeita essa imagem
que seduz,
vista de lado, em
revoar ligeiro,
os respingos a
interpor-se nesse aceiro,
sombra ante sombra que
para mim reluz.
Porque os borrifos
essa imagem borram
e em aliança formam
serpentina,
que a sombra amiga em
palidez devoram,
sem deixar
transparente essa cortina
e as silhuetas com
vigor se reafirmam
nessa ilusão de imagem
que perdura...
IMAGEM AOS BORRIFOS
III
Meus olhos de mirón buscam segredos
no escondido que em
nada desconheço;
que fosse branca essa
silhueta peço
ou que a pudesse
prender entre meus dedos.
Mais vai o olhar
somente em tais enredos:
as estruturas de tais
sombras meço
e pelo corpo invisível
agradeço,
a reviver os mais
antigos medos...
Qual voyeur cego e de tato destituído,
só posso a mãe da
sombra imaginar
contra o passado já no
peito desnutrido,
olhos fechados, mais
posso enxergar,
desse sonho de pudor
compartilhar,
vago demais para entre
os dedos ser mantido.
IMAGEM AOS BORRIFOS IV
Contudo, a imagem
negra na cortina,
por tantos riscos
dágua esmaecida,
em mil borrifos aos
confetes tida,
ainda escorre pelo
ralo, em serpentina.
E tenho inveja do
sugar que ali se atina,
roubando a imagem em
tal água perdida,
em cada gota a pele
inteira compreendida,
nessa furtiva diluição
que me fascina.
Pois de real somente
enxergo o braço
e a mão que a toalha
firmemente agarra,
que novamente se
frustram a meu olhar,
e então me resta
recordar de cada traço
de sua nudez, que a
memória amarra,
em que o presente se
desfaz a turbilhar...
AMOR DE CÂMARA XXIX-A
– 14 dez 2006
Quando a tomo em meus
braços, cada dia
e sinto o seu perfume
e o som da pele
e a voz do coração
quanto me apele,
sou envolvido na cor
dessa elegia...
Quando a mim nos
braços toma, nessa fria
cordialidade dos
tempos de calor,
a tal ponto me
refresca, em seu amor,
que a pele acalma e a
mente me esvazia.
A cada vez, me sinto
mais surpreso,
que retome o anseio de
seu beijo,
em tal orgasmo,
refletido em intermezzo.
Que assim retome a
força do desejo,
cálido e leve, sol em
seus afélios,
amor fazendo aos
acordes de Sibelius.
A MANGRA* DA PUREZA I
– 14 dez 06
"Branca e
radiante, vai a noiva,"
como descrito no
bolero antigo,
a igreja cheia,
sob esse inimigo
olhar das
outras... Corta como goiva
a maldade com que
tantas observam;
a mamãe chora, o pai
vai emproado,
o noivo espera junto
ao altar, cansado
desse longo ritual em
que o conservam...
E avança a noiva,
em toda a sua pureza...
Mas, de repente, seus
olhos se arregalam,
suas faces de rubor se
fazem roxas...
É que a mancha
vermelha, com certeza,
que lhe marca o
vestido, todas falam:
é o sangue menstrual
entre suas coxas!...
(*) Mácula, mancha.
A MANGRA DA PUREZA II
– 28 FEV 2015
Por que a vergonha
feita de escarlate
que cobre a veste de
branco virginal,
nesse toque de cansado
carnaval,
em tal rubor sobre ela
então se abate?
Talvez bem ao
contrário é o que se acate:
se menstrua, não se
acha grávida, afinal;
seu matrimônio não
esconde prévio mal,
nem gravidez prematura
que se date...
Se bem não faltem
vozes de malícia,
um seu possível aborto
a mencionar,
falsas amigas
propalando sua vergonha;
e nestes tempos atuais
de impudicícia,
em que é tão fácil
proteção se colocar,
ficam zombando do
descuido da cegonha...
A MANGRA DA PUREZA III
Segundo consta, isto
de fato aconteceu
e uma noiva,
realmente, numa igreja
saiu regando tais
degraus que aleija,
pingo após pingo, com
rosal que feneceu...
Não sei ao certo em
que cidade aconteceu
este fato embaraçoso,
que ainda adeja
em cada boca
desdentada que não beija:
sussurros murchos de
quem não o esqueceu...
Alguns dizem que
ocorreu na catedral,
outros falam em uma
igreja protestante,
como castigo por tal
apostasia... (*)
Melhor seria em um
cartório, é natural,
em que a noiva, em
carmesim vibrante,
não precisasse descer
a escadaria!...
(*) Abandono da
verdadeira religião.
A MANGRA DA PUREZA IV
Talvez melhor como
“mácula” se alçasse
o título desta série
de sonetos;
pingos vermelhos sem
nada de secretos,
no sacrifício mensal
que se anunciasse!
E que só na imaculada
se estampasse
esta marca de terrores
abjetos,
antes do Modess ou Tampax mais discretos,
que a castidade de uma
noiva proclamasse!
Mas afinal, a mangra
marca a flor,
em seu desenho amarelo
ou acastanhado
e assim provoca que o
frescor desapareça;
enquanto a pobre
noiva, em seu pudor,
foi perante a
sociedade desventrada,
nesta historinha de
horror que não se esqueça!
O RELÓGIO DA ESTRELA I – 14 dez 06
enquanto a estrela sobre mim pingavA
o seu brilho de cor esverdinhadA
e em ultravioleta me irradiavA
e me remodelava a compassadA
rítmica do coração e me cegavA
os olhos para a Terra acobertavA
de infravermelho e então me derramavA
de cobalto a taça ardente reveladA;
então me despertou para a alegriA
o âmago da vida, finalmentE,
porém no próprio dom, assim jaziA
o veneno da velhice e da emoçãO,
pois se me fez viver completamentE,
também o ritmo me adiantou do coraçãO!
O RELÓGIO DA ESTRELA II – 1º MAR 2015
mas era a astúcia que me acompanhavA
e que desde o nascimento contemplavA,
da sorte estrela que a face não beijavA,
da morte a lava que a pele me queimavA.
a boa estrela é que me desamparavA,
com luz intermitente me zombavA,
estrela indiferente, nem me odiavA,
e nem me amava, tão somente calcinavA
como fitava a tantos, lá do céU:
a sua irradiação nos distribuíA,
justiça falha a chamar de
complacênciA,
do largo cosmos perpassando o véU,
enquanto a astrologia me iludiA
que só aguardasse meu futuro com paciênciA!...
O RELÓGIO DA ESTRELA III
era outra estrela sobre mim voltadA,
a cada hora cada pena demarcadA,
albor do fado que não me dava nadA,
mas só cuidava, a evitar minha escapadA.
estrela mística, não a guia destinadA,
para orientar qualquer pessoa conciliadA,
do firme sulco a estrela encarregadA,
as minhas horas a cortar, desapiadadA!
e só assim, se me via bem contentE,
contava o tempo em ritmo dobradO
e quando era infeliz, mais lentamentE;
sua luz impura em cada instante decepadO
desses poucos que ainda tenho pela frentE,
mais fiel que um amor apaixonadO!
O RELÓGIO DA ESTRELA IV
ao mesmo tempo, de algum modo protegiA,
não se adiantasse o tempo que corriA,
não se atrasasse o tempo que desviA,
clepsidra a magra estrela que escorriA, (*)
(*) Relógio de água.
pingo após pingo que em minha vida permitiA,
sem acidentes que cortassem a alegriA,
ou enfermidade que me enfraqueceriA:
dia após dia assim controlariA...
estranha a deusa estrela que mediA
o fio da vida que me pertenciA,
com uma tesoura de esquilar à mãO
e que, até hoje, meu novelo desenrolA,
antes gigante, pequena agora a bolA
com que demarca o final de minha missãO.
INSETAÇÃO I – 14 dez
06
São quase cinco e me
sinto pirilâmpico,
estuando de energia e
vagalúmico,
tal qual o mundo, tão
lamelibrânquico
deixasse para trás e,
assim, gafanhotúmico,
saltasse pela
relva, ser besôurico,
a meu redor tão doce,
quase grílico,
ou projetasse casulo
aracnídico,
no mundo a
debater meu eu cascúdico.
Talvez devera me
tornar um ser mosquítico,
sugar meu próprio
sangue, em maripôsico
reler de antigos
versos, borbolético,
repelindo a mim mesmo,
num mutúquico
zombar de mim, em
zumbido pernilônguico,
preso nas garras
de meu signo escorpiônico.
Insetação II – 14 dez
06
e novamente sinto-me
morcêguico,
a viajar num curso
carrapático,
repleto de desejo
sanguessúguico,
porém em lar seguro e
caracólico,
mesmo que
seja apenas tartarúguico
este meu adejar tão
maripôsico,
este meu requeimar
quase falênico
e o nojo de mim mesmo
assim lepísmico.
desse modo permaneço
só um vérmico,
à alegria
fugindo, num virótico
reproduzir de versos
bactérico,
no reluzir
balsâmico e escaravélhico
de quem pretende ser
colorido lepidóptero,
mas sem passar
de negro coleóptero.
NOCTÍGRAFO I – 14 dez
2006
Não vivo bem durante o
dia. É no calígero
fulgor opalescente das
estrelas
que mais trabalho e
que palavras belas
sei redigir ao público
carnívoro,
que não me aceita bem,
pois sou frugívoro:
o que eu fruo e
aprecio são as telas
de um teor mais
pálido, são as velas
semienfunadas, mas de
sabor aurívoro;
que não falo do que
esperam, quando escolho
escutar as minhas
vozes, na atenção
de um atalaia que
somente noticia;
são os poemas da noite
que refolho,
enquanto outros que
faço apenas são
cortesias a quem vive
à luz do dia...
NOCTÍGRAFO – 2 MAR 15
Há ocasiões em que
passo a madrugada,
até as pequenas horas
da manhã,
nas garras de uma
febre, qual sezã
de uma malária ao
trabalho dedicada;
ou faço versos à
aurora estremunhada,
antes que venha, com
seus dedos de lã
o sol a impor, com
firmeza e a noite vã
vá expulsar para
região descompassada...
Assim oscilo: ou deito
às cinco horas,
Para me erguer três
horas no depois
ou deito às duas para
erguer-me às cinco,
sempre envolvido na
trama das desoras,
abraçado com minha
musa, sem que os dois
desistam de se amar
com mais afinco...
NOCTÍGRAFO III
Não sei se a noite é
prenda da poesia
ou se é à noite que a
poesia me prende;
não sei se as horas a
poesia me vende
ou se eu as roubo à
noite fugidia...
Só sei que no calor
que o Sol me envia,
minha vontade de
escrever se rende
ou a poesia afogueada
não me atende,
nas horas claras em
que domina o dia...
Acho o esplendor ao
redor das cinco horas:
eu me recubro com o
manto de veludo
e o terciopelo escorre
entre meus dedos;
no divisor de água das
demoras,
não sei se canto aquilo
em que me iludo
ou se me conta a
ilusão os seus segredos...
NOCTÍGRAFO IV
Conheço apenas o meu
desgosto do calor,
quando a modorra me
pesa sobre a alma,
na mansidão de
desnutrida calma,
na longa sesta de um
sono sem amor...
Só sei que busco as
horas sem palor,
em que a noite ganha
cor e a mim embalma
e que à palidez do dia
leve a palma
nas brisas leves e
melífluas do frescor...
E como as musas me
abraçam nos instantes
em que o povo amortece
mais a ardência!
Então trocamos
vampíricos segredos...
Ou então surgem meus
sonhos delirantes,
arrebatando sonetos em
potência,
enquanto a noite me
suga entre seus dedos...
SPIDERMAN I – 15 dez
06
[a pedido de Andréia
Macedo]
Peter Parker amava
Gwendolyn,
a loura filha do chefe
de polícia;
todavia, em um momento
de estultícia,
por uma aranha se
deixou picar; e assim,
tornou-se o Homem
Aranha; e n'O Clarim
foi atacado, em
artigos de malícia,
pelo seu editor, Jonah
Jameson e a fictícia
fama de monstro
adquiriu por fim...
Mas por sorte, Mary
Jane se tornou
de sua existência
a última paixão:
salvou-lhe a vida e
seu amor retém...
Assim queria eu, no
amor que me encantou
que conseguisse,
pendurado pela mão,
num fio de teia, te
conquistar também...
SPIDERMAN II – 03 MAR
15
Terpsícore estranhou o
signo estranho
da deusa aranha,
envolta no cordel,
no perpétua lampejar
desse ouropel,
meu coração a iludir
de amor tamanho;
por algum tempo,
submeteu-me ao lanho;
entrou na dança,
montada num corcel
e a musa então girou,
lábios de mel,
a envolver-me de
música em seu banho...
Nesse oscilar entre a
loura Gwendolyn
e a morena Mary Jane,
em longa dança,
mal eu sabia demarcar
um tal balé,
cega minha mente nesse
baile, assim,
a balançar até onde o
fio alcança,
aranha presa em suja
chaminé...
SPIDERMAN III
De minha parte, nunca
fui um vigilante
a pular pelos
telhados,sorrateiro,
os malfeitores a
discernir ligeiro,
para enfrentá-los na
surpresa mais vibrante;
não fui mais que um
dublê contracenante,
nos bastidores de um
teatro, pegureiro,
como um pastor, a
perscrutar, fagueiro,
mil horizontes de uma
vida circundante;
e como Spiderman, só quatro patas,
pelas paredes,
aleijadamente,
poucas ventosas para
minha ascensão
e por minhas quedas
somente desatadas
as gargalhadas,
zombeteiramente,
de minhas picadas
radioativas só ilusão!...
SPIDERMAN IV
Pois sempre oscilo de
outras platibandas:
não são os prédios com
seus desfiladeiros,
nem percorro os
alcantis de mil ribeiros,
nem os abismos de
vastidões nefandas;
eu me contento em
saltitar nas bandas
destes retalhos de
papel, argueiros
do meu olhar a
transformar, faceiros,
em linhas negras ou em
azuis locandas...
Dependia Spiderman
dos roteiristas...
De quem será que
depende meu destino?
Quem planeja minhas
ações, desde menino
e quem desenha as
derrotas e as conquistas?
Ah, Gwendolyn, que um
dia já amei tanto,
vertendo em lágrimas
de tinta escuro pranto!...
EM SÍMILE BANAL I – 15
dez 06
Meu tio falava sentir
inspiração
quando queria
dirigir-se ao vaso...
E aqui me encontro eu,
no mesmo caso,
sentado na latrina, em
exaltação,
enquanto o "eu
fecal", sem ilusão,
se aventura aos
esgotos, no embaraço
de um ato solitário...
E eu mesmo faço
com que meu "eu
poético", em calão
mais elevado, se
aventure nas cloacas
da sociedade, que me
exclui e excluo,
pois não pensamos juntos,
certamente.
Meu eu fecal segue o
destino das cacacas...
Pelo eu poético então
me esforço e suo,
enquanto o verso
escrevo mais potente!...
EM SÍMILE BANAL II – 4
MAR 15
Se por acaso esta
símile é chocante
(Por que, afinal, te
deveria chocar...?),
acostumei-me a versos
defecar,
no mesmo ritmo e
precisão constante...
Que tantos sintam a
nudez como excitante,
(Já que o ato sexual
pode inspirar!)
narra-se o amor de
forma hospitalar,
cada autor a
descrevê-lo mais vibrante!
E que se possam
descrever as refeições,
cada drinque tomado e
aperitivo
e o personagem possa
até ir ao banheiro...
Mas ali só perfaz suas
abluções,
sem dar ao oposto do
alimento um lenitivo...
Este talvez sendo o
mistério derradeiro!
EM SÍMILE BANAL III
Já houve quem tratasse
seriamente
desta separação do “eu
fecal”:
há “fase oral” e
existe “fase anal”,
a psicanálise a
referi-las simplesmente.
Por que então a
poesia, francamente,
deve evitar uma função
tão natural
(Para manter a saúde é
essencial!)
e só abordar questão
mais inocente?
Houve tempo em que o
sexo era banido,
por metáforas tão
somente referido
e mesmo o beijo
mencionado em diagonal.
Que seja então, para o
soneto, redimido
o malcheiroso e
desprezado ato fecal,
por mais nojento que
pareça esse sentido!
EM SÍMILE BANAL IV
Porque, de fato, nada
existe de banal
nesta minha símile
adrede referida;
fechada a porta à
falta cometida,
na hipocrisia do que é
mais natural!
Foi afirmado de forma
bem vocal
que “civilização é a
distância bem medida
entre as fezes pela
gente produzida
e os humanos” que as
geram, afinal!...
Mas é sempre correto
recordar
que as cloacas de Roma
ainda existem
e podem ser até mesmo
visitadas!
Portanto, não se venha
a desprezar
tais alusões, que em
meu brincar persistem,
mas acolhidas com
simples gargalhadas!...
DONZELA BELA I –15 dez 2006
Quando uma filha é bela, com certeza
que seja sempre bela se deseja
e que feliz se torne é o que se enseja:
que o amor sonhado aumente-lhe a beleza.
Quando se ama uma filha, que nos beija,
num amor puro e isento de vileza
e que nos trate com delicadeza,
sempre se quer que mais perfeita seja.
Mas não são qualidades que se ama.
Pode ser feia ou tola, o que se quer
É aceitá-la, tal qual como ela é.
Pois quem ama não julga, nem reclama
de seus caprichos, pois, sendo mulher,
é a borboleta de um gentil balé...
DONZELA BELA II – 5 MAR 15
Quando uma filha é feia, o que se espera
é que a feiura os outros ignorem
e que de formosura antes a dourem
os atavios com que o natural se altera.
É só na juventude que se gera
tal expectativa em que se aforem
os apanágios da beleza e então aflorem
peles perfeitas, qual em museu de cera.
Mas ai! Não se confundam
beleza e mocidade.
É muito fácil empanar-se o grácil,
pois bem depressa acomete a madurez.
Bela é quem guarda até a terceira idade
o que a vasta maioria perde fácil,
firme a ossatura recoberta por sua tês!...
DONZELA BELA III
O tempo chega como equalizador
e muita vez a infeliz adolescente,
em sua terceira década premente,
já adquiriu, aos poucos, seu primor,
enquanto a bela que granjeou tanto louvor
vai perdendo o seu fulgir opalescente,
cada espelho a lhe mostrar, indiferente,
cabelos brancos e rugas em candor.
Mas quanto mais se nutre da experiência,
mais ela sabe demonstrar-se feminina,
sendo a rival, aos poucos, superada.
Estranho o fado, que se aguarde com paciência
nessa mulher madura que fascina,
por sua mente pouco a pouco cultivada.
DONZELA BELA IV
Pois mais que todas, dança a borboleta
que se gerou em lenta gestação;
cada filha um diamante na tua mão,
anel de ouro de expressão dileta;
pois sendo bela, a feiura nos completa
e sendo feia, nos espelha com razão,
sempre é esperança de continuação,
para o futuro a despedir a seta.
A filha feia para os pais é bela
e a filha bela um assombro continuado:
não se sabe o que se fez por merecê-la;
e nesse orgulho reside outro pecado,
nosso reflexo nela sendo amado,
a cada vez que nos permite vê-la...
ANÉIS PLANETÁRIOS I – 6 MAR 15
Há poucas coisas de que sinto medo.
Medos difusos, vagos, esses tenho,
Mas ficam lá por trás, em sonhos venho
Talvez simbolizá-los em segredo.
Tenho receios vagos do degredo
De meu conforto atual, mas não me empenho
Nada mais do que já faço, pois retenho
Alguma segurança e fico quedo,
Preparado para eventualidades
Que não espero cheguem, sem reais
Expectativas de que me mude a sorte,
Pois bastam a cada dia suas maldades,
Sem que precise temer as eventuais
E sem receio de minha própria morte.
ANÉIS PLANETÁRIOS II
Poucas coisas me causam amargura,
Embora muitas me deem ressentimento;
Isto me augura qualquer contratempo
Que em meu caminho plano assim perdura.
Mas algo em mim ressumbra e me segura,
Seja qual for o amargor desse momento;
Meu bom-humor conquista o novo tempo:
Transforma o mal em zombaria pura...
Nada consegue amargo me deixar
(Não que eu pretenda ser doce ao paladar)
Mas todo o mal domino em complacência,
Tudo na vida sendo transitório,
Sem temer qualquer azar perfunctório,
Caleidoscópio girando com paciência...
ANÉIS PLANETÁRIOS III
Ainda conservo a esperança no futuro,
Mesmo de olhos abertos para o mal;
A sociedade é um triste carnaval
De cuja rude influência me seguro.
Da vacuidade de tudo me asseguro
E não atolo meus pés no pantanal,
Tenho sendas demarcadas de jogral:
Na ironia o meu penar apuro...
Busco nos livros a perfeita sociedade,
Tendo a vantagem de saber várias linguagens,
Cujo domínio outros vejo que não têm;
E os alfarrábios peculiares em paisagens,
Mundos diversos para mim contêm,
Os quais posso desfrutar em saciedade.
ANÉIS PLANETÁRIOS IV
Dante Alighieri em círculos demarcou
O seu Inferno, um perfeito catecismo,
Seus inimigos castigados por egoísmo:
Todos os Guelfos nesses círculos lançou. (*)
(*) Partidários do Papa contra os Gibelinos, a seguir o
Imperador.
Grande ousadia para a época mostrou,
Dos papas a descrever o simonismo,
Outros ainda a acusar de diabolismo:
Muito me espanta que nenhum o excomungou!
Mesmo porque, ainda em vida, publicou
E não se retratou, qual Galileu,
Nem sob as trevas da morte se escondeu,
Como Copérnico à glória em vida renunciou,
Nesse temor de um tribunal bem fariseu
Chamá-lo herege, quando a Terra desbancou!
ANÉIS PLANETÁRIOS V
Os Sete Céus foram por ele condenados,
O Sol repondo no centro do Universo,
Foi um progresso, mesmo que perverso,
Por Tycho Brahe outra vez retrogradados
Foram os planetas pela Terra dominados
E a própria Terra em torno ao Sol, giro diverso;
Somente Kepler se arriscou, em gesto terso
A afirmar que o Sol dava giros estrelados,
Errando em torno da Via Láctea dominante.
Contudo, mesmo ele foi astrólogo:
Como é difícil pôr de lado os preconceitos!
Que a vida humana fosse assim tão importante
Que cada ser mantivesse algum diálogo
Com o zodíaco dos astros em trejeitos!...
ANÉIS PLANETÁRIOS VI
Porém dos astros eu não nutro qualquer medo,
Salvo a cósmica influência em radiação,
Que pode em câncer decretar-me a perdição;
Do próprio Sol bem mais receio o albedo!...
Mesmo aos setenta, conservo meu segredo:
Do Sol me esforço por evitar a queimação;
Das rugas a máscara mantendo alienação,
Da carne de animal sempre em degredo.
Contudo, sempre penso em meteoro
Programado para com a Terra colidir,
Dentro de duas décadas e pouco...
Mas nem por isso em meu viver deploro:
Que Apophis venha todo o mundo a destruir!
Ter medo disso deixar-me-ia louco!
AURORA I – 7
MAR 15
A noite
condensou-se em densa bruma;
um rolo se
adensou por minha janela;
vi sem receio
esse fulgor que nela
reluzia entre
as nuvens dessa espuma.
Eram seus olhos
somente, qual verruma,
que a alma me
alanceava, doce estrela,
seus grandes
olhos brilhantes, meiga vela,
por entre a
névoa que ao redor se esfuma.
Cruzou-me as
grades e condensou-se nua,
ao lado de meu
catre, sonho e vida;
faminta me
arrancou as vestimentas
e possuiu-me de
amor a lâmia crua,
mas desfez-se de
manhã, geada perdida
por entre as
nuvens que flutuavam lentas...
AURORA II
Será que me
assaltou doida neblina
ou foi a
cerração que me acolheu?
Meu intelecto
bem pouco percebeu
qual o nevoeiro
que ao súcubo origina.
Afinal, se a
sonolência me domina,
o entendimento
dentre o sono se perdeu;
somente a dama
seus braços me estendeu:
corpo de huri
sob seus olhos de menina.
E nem ao menos
as meninas de meus olhos
puderam dela a
origem discernir,
em suas volutas
de ânsias desvairadas;
sob as pestanas
membranáticos refolhos,
heroínas a
correr em meu dormir,
sem reluzirem
em suas pompas estreladas!
AURORA III
Pois quanta
vez, em erótica ilusão
compartilhei de
tais visões esplendorosas,
ninfas e
náiades em seu sabor de rosas,
fantasmagóricas penugens de emoção!
E quanta vez
partilhei dessa paixão,
nas oníricas
noites dadivosas,
tais sombras em
carmesim esperançosas,
deusas aladas
em final consternação!
Pois recolheram
então a minha semente,
mas não puderam
levá-la consigo,
para tufões e
ciclones fecundar...
Divididas pela
grade ali presente,
em seus gemidos
deixando o meu abrigo,
logo forçadas a
um pleno evaporar!...
AURORA IV
Porque a aurora
é das sílfides inimiga,
sua substância
bem depressa a desmanchar;
sobem aos
cirros velozmente a se jogar,
tornada em
chuva cada donzela amiga!
E eu fico a
meditar: talvez consiga
essa
semente que me pôde retirar
nos verdes
prados quiçá a germinar
e nos desertos
abrir sulcos de biga...
Qual
descendência ali então teria,
disseminada
pelas súcubos voláteis:
seriam cactos,
tunas ou proteias?
Ou num espanto,
até animal germinaria,
dentre as
areias de expressões contráteis,
como os dentes
de dragão das epopeias?
AURORA V
E assim fico a
matutar: qual o Sahara,
sob o espargir
das sementes brotaria?
Mil tuaregues
talvez até condensaria,
meus novos
filhos de uma espécie rara...
Ou talvez ao
Arizona fossem para
os Monstros
Gila renovar em fantasia;
quem sabe
geckos simplesmente geraria
essa semente
que em meu sonho se dispara...
(E se depois,
um a um, me processassem
esses filhos do
acaso debutantes
e me pedissem
pensão alimentícia?
e de algum modo
deeneá me demonstrassem
os frutos dos
sonetos delirantes
esculpidos por
minha impudicícia?)
AURORA VI
Mas assim como
são evaporadas
pelos raios ao
fluir do dealbar,
as brumas da
manhã em dissipar
ou reduzidas ao
branquejar de geadas,
também as
lâmias que me foram namoradas
se
dissipam em vapor no meu tocar
ou pela marcha
do calor a desmanchar
toda esperança
de gerações aladas!...
Talvez por isso
assim ressinta a aurora
que me dilui o sonho mais plangente,
por mais que os
olhos insistissem no gerar
e rancor sinta
dessa primeira hora
com que me
ataca, em fulgidez potente,
nessa emboscada
do primeiro dealbar!...
ATMOSFERA I – 8
MAR 15
O CHEIRO DE TUA
MÃO ME ENTROU NOS OLHOS
E O GOSTO DE
TEUS DEDOS NOS OUVIDOS;
PELAS UNHAS OS
TEUS SONHOS PERQUIRIDOS,
AS MINHAS
QUIMERAS LANCETADAS NOS REFOLHOS;
O ESTALAR DE
TEUS DENTES, MIL ESCOLHOS
A PERCORRER-ME
O TATO, DESVALIDOS
OS LÁBIOS EM
DISCURSOS PERSEGUIDOS,
CADA GOTA DE
SALIVA OUTROS ABROLHOS.
O TEU SABOR
COMO ORVALHO DERRAMOU-SE
E O SENTI
PENETRANDO NAS NARINAS,
PELA MINHA BOCA
DIFUNDIU-SE O TEU ODOR
QUE EM MIM
TURBILHA E TEU OLHAR ME TROUXE
CADA PAPILA A
AUSCULTAR ALHEIAS SINAS
NO CORAÇÃO
TREPIDANDO DE PAVOR!
ATMOSFERA II
COMO É
ESPANTOSA A PRESENÇA DA MULHER
QUANDO SEUS
FEROMÔNIOS NOS INVADEM!
DOCES MIASMAS
QUE A CARNE NOS PERVADEM,
SEM QUE TALVEZ
O PERCEBA ELA SEQUER!
QUE CONTROLE
PODE TER O BEM-ME-QUER
SOBRE O ÁUREO
PÓLEN QUE DELE DIMANA,
QUE POR ESTAMES
E PISTILO SE DERRAMA
ESSA ÂNSIA POR
LANÇAR-SE A OUTRO SER!
BEM NO FUNDO
DAS NARINAS SEU PLANGER,
CADA PELO COMO
AS CORDAS DE UMA LIRA,
ARMADILHA EM
REVERSÃO, SONHO FRACTAL.
SERÁ QUE MORRE
O OLOR NO PADECER
QUE SE DIFUNDE
PELA PAIXÃO QUE INSPIRA
EM CADA CÉLULA
POR EFEITO PRIMORDIAL?
ATMOSFERA Iii
MAS ESSA
NOOSFERA (*) QUE A RODEIA
SÓ A PERCEBE EM
DOM SUBLIMINAR
ESTA SOMA TOTAL
DO FASCINAR
QUE NOVA VIDA
PRODUZIR ANSEIA!
(*) Conjunto
dos pensamentos que rodeiam a Terra.
ESSA NUVEM DE
AROMA QUE PERMEIA
E QUE OS
COSMÉTICOS BUSCAM DEPURAR
FOI CRIADA PARA
EM HOMEM PROVOCAR
VASTA PAIXÃO
QUE A MENTE LHE INCENDEIA!
E CONTUDO, NÃO
PERCEBE O INFELIZ
QUE ESTE AMOR,
TIDO À PRIMEIRA VISTA
E QUE LHE AFOGA
OS OLHOS E OS OUVIDOS
PENETROU
REALMENTE EM SEU NARIZ,
COMO CABEÇA DE
PONTE DA CONQUISTA
QUE DESDE
SEMPRE NOS FAZ SUBMETIDOS!
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