CÓDEX – 9 AGO 79 – 01 SET 10
Duodecaneto de William Lagos
CÓDEX I (9
ago 79)
Não me cabe indagar,
eu hoje só te aceito,
eu hoje só te quero,
eu só, em meu despeito,
te abro em claro verso
as fibras de meu peito
e aguardo, de
encantado, os guizos do ouropel.
Não me cabe instigar,
eu hoje só te espero,
eu hoje só compreendo,
eu nunca desespero,
do firme sentimento os
termos nunca altero
e aguardo a lantejoula
em fios de seda e mel.
Não me cabe instilar,
porém aqui destilo,
nos termos compassados
do mesmo arcaico estilo,
tisana e pergaminho,
nos versos em que firo
tua mente e coração,
no mesmo ideal de entrega
que à alma
assimilou-se, tratado que se apega
às fibras feitas
carne, em glória de papiro.
CÓDEX II
(1 set 10)
E contudo, eu indago,
recuso-me a aceitar;
por mais que ainda te
queira, me sinto despeitar,
não mais te quero
abrir, prefiro conservar
fechado o coração, sem
fé de menestrel.
Contudo, ainda
instigo, mas nem aguardo mais
ou quase desespero de
te possuir jamais:
até meu sentimento já
se alterou demais
e vejo a serpentina
imersa em fios de gel...
Contudo, ainda
instilo, na busca deste anseio:
quem sabe mesmo longe,
tão cheia de receio,
te disponhas assim
minha flama a retribuir,
que eu mesmo já
apaguei e ainda bruxuleio:
por sob cinzas mortas,
a brasa ainda incendeio
e queimará teus dedos
no seu tremeluzir.
CÓDEX III
Amor, contudo, é
apenas grade de armadilha
com que a Natureza
envolve, permanente,
a quantos ela alcança,
em veneno reluzente,
espanto saboroso que a
alma nos encilha;
amor é uma corrente
que nos impele à trilha
outrora palmilhada e
até hoje tão frequente
percorrida por todos
em seu impulso ingente
buscando a cornucópia,
somente achando a bilha.
Sempre novo esse amor
e sempre avelhantado,
pois vê-se em toda
parte o mesmo ideal alado
que é máscara e
disfarce do dever reprodutor,
embora seja hoje mais
fácil renegar,
negado haver amor, sem
sexo negar,
por meio de artifícios
que impeçam tal pendor...
CÓDEX IV
Pois nunca a Natureza
se viu assim frustrada:
causam
anticoncepcionais sua insatisfação,
quando sexo se pratica
sem qualquer resolução,
na cópula vazia que
não resulta em nada;
do Carnaval a orgia se
faz descontrolada:
o sêmen todo morre em
súbita expulsão,
escorrem os óvulos no sangue,
sem paixão
e até prostituição é
institucionalizada.
Contudo, nunca houve
tanta gente como agora.
Quem sabe fosse até a
própria Natureza,
que antes de iludida é
a nós que nos ilude,
pois já não há prazer
nos filhos como outrora;
talvez mesmo pretenda
domar-nos, com certeza
e para nos cortar sua
intenção desnude.
CÓDEX V
Vamos supor, portanto,
que Gaia insatisfeita
decidisse abreviar
nosso número excessivo,
artifícios empregando
sem dar-nos lenitivo
para tornar menor o
povo que a sujeita,
em sua superfície, que
da vida se aleita
das plantas e animais
e em seu orgulho altivo
se crê da Criação
senhor, pelo motivo
de ser inteligente e
saber que a morte o espreita,
(enquanto os animais e
as plantas ainda menos
não têm noção do tempo
e vivem dia a dia,
sem a busca constante
de ter mais segurança)
e a Gaia dilapidam e
permeiam de venenos
os mares e as terras,
na mais feroz orgia
que pode a própria
Terra trazer à sua lembrança.
CÓDEX VI
Mas não será tudo isso
apenas ilusão?
Em antropocentrismo,
lamente a humanidade
o mal que causa à
Terra, enquanto, na verdade,
a Terra não projete
qualquer retaliação?
Bem mais mal causa ao
mundo a cinza de um vulcão,
a atmosfera poluindo
só por casualidade,
durante anos a fio a
causar calamidade
que a vida inteira
afeta, isenta de paixão?
Ou quando um meteoro a
própria fundação
abala do planeta, em
impacto tremendo,
tapando a luz do Sol
por dez anos ou mais?
Ou faz ferver oceanos
em lenta ebulição
e nuvens de vapor,
nesse calor horrendo,
faz muito mais ferozes
que homens ou animais?
CÓDEX VII
Provavelmente a Terra
é tão só indiferente
às ações desse “mofo
pensante”, como disse
Schopenhauer; ou mesmo
que as sentisse,
importância não daria
às tolices dessa gente
que nada de importante
tem feito, francamente
sobre a crosta
terrestre; ou nada que atingisse
de maneira profunda
esta Terra, que insurgisse
contra tanta violência
uma luta permanente.
Pois muito mais os
micróbios e os corais
vêm há éons afetando o
equilíbrio do planeta
que nossas plantações
ou as mais profundas minas;
bactérias anaeróbicas
mudaram muito mais
a própria atmosfera,
em sua ação discreta
e atóis ainda nos
brotam das vastidões salinas.
CÓDEX VIII
E foram as aeróbicas
que, aos poucos, permitiram
a expansão
ininterrupta do mundo vegetal,
criando uma camada na
crosta mineral
em que, mui
lentamente, os animais surgiram;
porque isso de dizer
que ao planeta destruíram
seres humanos, é
vaidade sem igual;
qualquer grande
terremoto, de modo natural,
cria mais destruição
que os homens conseguiram,
numa questão de horas,
enquanto nós, humanos,
espalhamo-nos há
séculos, um fungo, na verdade,
que apenas se alimenta
de quanto o mundo dá,
mas devolve as suas
fezes, no decorrer dos anos,
tal qual reverte em cinzas
a inteira humanidade
que, se desaparecer,
nem bem, nem mal fará.
CÓDEX IX
Se algo pode o mundo
transformar, são os insetos,
artrópodes e vírus,
que estão em toda parte
e ali se instalam, sem
ter “engenho ou arte”,
sem pensar, sem
sentir, sem usufruir de afetos.
A vida já sofreu
massacres bem completos
e se recuperou, sem
que do chão se aparte;
já se expandiu
bastante, sem que Gaia se farte
e impeça o surgimento
de numerosos fetos.
Todo o mal provocado
pela humana poluição
só concerne realmente
à vida sobre a Terra;
o planeta sequer sente
a mais leve coceira,
que todo o resultado
da humana agitação
só pode restaurar a
antiga atmosfera
e a vida transformar,
tal qual surgiu primeira.
CÓDEX X
Não me cabe indagar,
portanto, eu só aceito
o rápido expandir de
toda a raça humana
como algo natural que
seu destino inflama
e até com complacência
essa expansão espreito.
Quiçá a própria Gaia,
com seu esquivo jeito,
tenha criado o homem,
em calma soberana,
para a si mesma servir
e à Natureza insana
destruir lentamente,
efeito por defeito,
aos poucos
transformando a artificial redoma
em gases naturais, sem
hidrocarbonetos,
provocando a hecatombe
do mundo vegetal;
e assim a superfície
inteira ela retoma,
reduzida aos elementos
do início mais secretos,
sem quaisquer
parasitas em forma de animal!...
CÓDEX XI
Mas nada do que
escrevo aqui é importante,
exceto se servir de
alguma advertência;
não me parece exista
em mim qualquer potência
que as tendências
humanas de algum modo espante.
E nem o quero
tentar... Seria delirante
pretender nas mudanças
exercer qualquer agência;
apenas observo o
entorno com leniência
e descrevo o que me
ocorre em subitâneo instante.
Até maugrado meu, sem
ter como intenção,
aos outros proclamar,
nas linhas que escrevi,
pois não sou pregador
nem exerço julgamento;
nesse grande cenário
em secundária posição:
não escrevi a peça nem
o roteiro eu li,
tão só vejo o que
passa em seu veloz momento.
CÓDEX XII
Volto a falar de amor
no fim desta comédia,
que novamente afirmo
não ser mais do que armadilha,
pois cada geração
percorre a mesma trilha,
buscando ser feliz nos
termos da tragédia,
sem conseguir que a
Morte uma grama menos nédia
se torne a nos sugar
do sangue a inteira bilha;
os corpos se acumulam,
em solitária pilha,
mas há sobreviventes e
a Vida tira a média.
Que seja enfim Amor o
impulso dessa Gaia,
que nos quer numerosos
para mais destruir
ou para realmente a
superfície conquistar?
Ou que destino maior
em nossas mãos recaia,
a muito mais além da
Terra se expandir,
um Império Galáctico
finalmente a dominar!...
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