sábado, 3 de outubro de 2015






CÓDEX – 9 AGO 79 – 01 SET 10
Duodecaneto de William Lagos

CÓDEX I   (9 ago 79)

Não me cabe indagar, eu hoje só te aceito,
eu hoje só te quero, eu só, em meu despeito,
te abro em claro verso as fibras de meu peito
e aguardo, de encantado, os guizos do ouropel.

Não me cabe instigar, eu hoje só te espero,
eu hoje só compreendo, eu nunca desespero,
do firme sentimento os termos nunca altero
e aguardo a lantejoula em fios de seda e mel.

Não me cabe instilar, porém aqui destilo,
nos termos compassados do mesmo arcaico estilo,
tisana e pergaminho, nos versos em que firo

tua mente e coração, no mesmo ideal de entrega
que à alma assimilou-se, tratado que se apega
às fibras feitas carne, em glória de papiro.

CÓDEX II  (1 set 10)

E contudo, eu indago, recuso-me a aceitar;
por mais que ainda te queira, me sinto despeitar,
não mais te quero abrir, prefiro conservar
fechado o coração, sem fé de menestrel.

Contudo, ainda instigo, mas nem aguardo mais
ou quase desespero de te possuir jamais:
até meu sentimento já se alterou demais
e vejo a serpentina imersa em fios de gel...

Contudo, ainda instilo, na busca deste anseio:
quem sabe mesmo longe, tão cheia de receio,
te disponhas assim minha flama a retribuir,

que eu mesmo já apaguei e ainda bruxuleio:
por sob cinzas mortas, a brasa ainda incendeio
e queimará teus dedos no seu tremeluzir. 

CÓDEX III

Amor, contudo, é apenas grade de armadilha
com que a Natureza envolve, permanente,
a quantos ela alcança, em veneno reluzente,
espanto saboroso que a alma nos encilha;

amor é uma corrente que nos impele à trilha
outrora palmilhada e até hoje tão frequente
percorrida por todos em seu impulso ingente
buscando a cornucópia, somente achando a bilha.

Sempre novo esse amor e sempre avelhantado,
pois vê-se em toda parte o mesmo ideal alado
que é máscara e disfarce do dever reprodutor,

embora seja hoje mais fácil renegar,
negado haver amor, sem sexo negar,
por meio de artifícios que impeçam tal pendor...

CÓDEX IV

Pois nunca a Natureza se viu assim frustrada:
causam anticoncepcionais sua insatisfação,
quando sexo se pratica sem qualquer resolução,
na cópula vazia que não resulta em nada;

do Carnaval a orgia se faz descontrolada:
o sêmen todo morre em súbita expulsão,
escorrem os óvulos no sangue, sem paixão
e até prostituição é institucionalizada.

Contudo, nunca houve tanta gente como agora.
Quem sabe fosse até a própria Natureza,
que antes de iludida é a nós que nos ilude,

pois já não há prazer nos filhos como outrora;
talvez mesmo pretenda domar-nos, com certeza
e para nos cortar sua intenção desnude.

CÓDEX V

Vamos supor, portanto, que Gaia insatisfeita
decidisse abreviar nosso número excessivo,
artifícios empregando sem dar-nos lenitivo
para tornar menor o povo que a sujeita,

em sua superfície, que da vida se aleita
das plantas e animais e em seu orgulho altivo
se crê da Criação senhor, pelo motivo
de ser inteligente e saber que a morte o espreita,

(enquanto os animais e as plantas ainda menos
não têm noção do tempo e vivem dia a dia,
sem a busca constante de ter mais segurança)

e a Gaia dilapidam e permeiam de venenos
os mares e as terras, na mais feroz orgia
que pode a própria Terra trazer à sua lembrança.

CÓDEX VI

Mas não será tudo isso apenas ilusão?
Em antropocentrismo, lamente a humanidade
o mal que causa à Terra, enquanto, na verdade,
a Terra não projete qualquer retaliação?

Bem mais mal causa ao mundo a cinza de um vulcão,
a atmosfera poluindo só por casualidade,
durante anos a fio a causar calamidade
que a vida inteira afeta, isenta de paixão?

Ou quando um meteoro a própria fundação
abala do planeta, em impacto tremendo,
tapando a luz do Sol por dez anos ou mais?

Ou faz ferver oceanos em lenta ebulição
e nuvens de vapor, nesse calor horrendo,
faz muito mais ferozes que homens ou animais?

CÓDEX VII

Provavelmente a Terra é tão só indiferente
às ações desse “mofo pensante”, como disse
Schopenhauer; ou mesmo que as sentisse,
importância não daria às tolices dessa gente

que nada de importante tem feito, francamente
sobre a crosta terrestre; ou nada que atingisse
de maneira profunda esta Terra, que insurgisse
contra tanta violência uma luta permanente.

Pois muito mais os micróbios e os corais
vêm há éons afetando o equilíbrio do planeta
que nossas plantações ou as mais profundas minas;

bactérias anaeróbicas mudaram muito mais
a própria atmosfera, em sua ação discreta
e atóis ainda nos brotam das vastidões salinas.

CÓDEX VIII

E foram as aeróbicas que, aos poucos, permitiram
a expansão ininterrupta do mundo vegetal,
criando uma camada na crosta mineral
em que, mui lentamente, os animais surgiram;

porque isso de dizer que ao planeta destruíram
seres humanos, é vaidade sem igual;
qualquer grande terremoto, de modo natural,
cria mais destruição que os homens conseguiram,

numa questão de horas, enquanto nós, humanos,
espalhamo-nos há séculos, um fungo, na verdade,
que apenas se alimenta de quanto o mundo dá,

mas devolve as suas fezes, no decorrer dos anos,
tal qual reverte em cinzas a inteira humanidade
que, se desaparecer, nem bem, nem mal fará.

CÓDEX IX

Se algo pode o mundo transformar, são os insetos,
artrópodes e vírus, que estão em toda parte
e ali se instalam, sem ter “engenho ou arte”,
sem pensar, sem sentir, sem usufruir de afetos.

A vida já sofreu massacres bem completos
e se recuperou, sem que do chão se aparte;
já se expandiu bastante, sem que Gaia se farte
e impeça o surgimento de numerosos fetos.

Todo o mal provocado pela humana poluição
só concerne realmente à vida sobre a Terra;
o planeta sequer sente a mais leve coceira,

que todo o resultado da humana agitação
só pode restaurar a antiga atmosfera
e a vida transformar, tal qual surgiu primeira.

CÓDEX X

Não me cabe indagar, portanto, eu só aceito
o rápido expandir de toda a raça humana
como algo natural que seu destino inflama
e até com complacência essa expansão espreito.

Quiçá a própria Gaia, com seu esquivo jeito,
tenha criado o homem, em calma soberana,
para a si mesma servir e à Natureza insana
destruir lentamente, efeito por defeito,

aos poucos transformando a artificial redoma
em gases naturais, sem hidrocarbonetos,
provocando a hecatombe do mundo vegetal;

e assim a superfície inteira ela retoma,
reduzida aos elementos do início mais secretos,
sem quaisquer parasitas em forma de animal!...

CÓDEX XI

Mas nada do que escrevo aqui é importante,
exceto se servir de alguma advertência;
não me parece exista em mim qualquer potência
que as tendências humanas de algum modo espante.

E nem o quero tentar...  Seria delirante
pretender nas mudanças exercer qualquer agência;
apenas observo o entorno com leniência
e descrevo o que me ocorre em subitâneo instante.

Até maugrado meu, sem ter como intenção,
aos outros proclamar, nas linhas que escrevi,
pois não sou pregador nem exerço julgamento;

nesse grande cenário em secundária posição:
não escrevi a peça nem o roteiro eu li,
tão só vejo o que passa em seu veloz momento.

CÓDEX XII

Volto a falar de amor no fim desta comédia,
que novamente afirmo não ser mais do que armadilha,
pois cada geração percorre a mesma trilha,
buscando ser feliz nos termos da tragédia,

sem conseguir que a Morte uma grama menos nédia
se torne a nos sugar do sangue a inteira bilha;
os corpos se acumulam, em solitária pilha,
mas há sobreviventes e a Vida tira a média.

Que seja enfim Amor o impulso dessa Gaia,
que nos quer numerosos para mais destruir
ou para realmente a superfície conquistar?

Ou que destino maior em nossas mãos recaia,
a muito mais além da Terra se expandir,
um Império Galáctico finalmente a dominar!...

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



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