Em
Brumas Espalhado & Mais
William
Lagos, 18-27 set 2015
EM BRUMAS ESPALHADO I – 18 SET 15
(Para Kátia Chiappini)
Meu sangue derramei em cem poemas
E se espalhou no chão, como um tapete,
A ser pisado por quem quer que se intromete
No meu jardim, com esporas ou verbenas.
Como pétalas de flor, rasguei-me apenas,
Minha caneta empregando em canivete;
Minhas hemácias distribuí feito confete
Ou andorinhas revoando por mil cenas.
E que interesse podes ter, se um dia sofri,
Se cada um só vive o próprio sofrimento?
Esse meu sangue alhures coagula
Mas se alegria ou reflexão eu concedi
A quaisquer outros, tão só por um momento,
Essa derrama talvez não fosse nula...
EM BRUMAS ESPALHADO II
Talvez em versos eu seja só prolixo,
Mas sem de fato decidir o que dizer,
Pois versos brotam a se contradizer,
Sem ideologia ou sem programa fixo.
As cores de outras almas assim mixo,
Em mil vertentes de bizarro comprazer;
Nessa olimpíada qualquer há de vencer,
Medalhas nobres a ostentar como prefixo.
Mas tu que lês, vales muito mais que eu,
Pois é teu peito que dará acolhimento
A tais poemas por brumas espalhados;
E a cada vez que o coração forte bateu,
Tua emoção a prolatar o julgamento,
Deste a minhalma abraços abençoados.
EM BRUMAS ESPALHADO III
Pois então foste para mim gentil farol
Para os poemas perdidos no nevoeiro:
Caminho acharam para teu travesseiro
Ou molharam teus cabelos sob o sol...
Bem sei que alguns trouxeram seu anzol
E em tuas pestanas se prendeu algum brejeiro,
Nas tuas narinas escondeu-se outro traiçoeiro
Ou nos ouvidos, do labirinto em caracol...
Mas é tão fácil para ti a sua expulsão!
Quantos os olham por aí, sem sequer ler?
Os que aprecias, de fato, te pertencem.
Será em tua vida que terão prorrogação
As pobres rimas, se teu peito as acolher,
Enquanto as brumas para mim se adensem...
VERME DO ESPAÇO I – 19 SET 15
(Para Pérola Maria Bensabath Oiye)
Quando alguém morre, para onde vai a sua cultura
e especialmente, aonde vão habilidades?
O trabalhoso forjar de afinidades,
no toque de instrumento em nota pura?
Onde o domínio do pincel ou da escultura,
no palco o empenho das possibilidades,
diplomacia a conter as mil vaidades
que guerras causam com feroz investidura?
“Para onde vai a chama, quando o fogo apaga?”
Dizia o provérbio de sutileza zen.
O que me assombra é esse vasto desperdício
do instrumentista que não mais afaga
suas teclas ou suas cordas ou também
da bailarina após cessar o seu bulício...
VERME DO ESPAÇO II
Não é assim com a obra que perdura.
Morre o escultor, mas deixa para trás
a quantidade de esculturas que perfaz;
morre o pintor, mas deixa os quadros de lisura
monodimensional; o poeta, em sua candura,
deixa um lamento que mais ou menos satisfaz;
o romancista deixa a obra mais sagaz,
o ceramista o que queimou da argila pura.
Mas então morrem e nada mais produzem,
muitos deles no esplendor, na flor da idade,
com têmperas e sinfonias incompletas...
Só por exemplo, talvez, é que conduzem
as novas gerações da humanidade,
a repetir suas tentativas como atletas...
VERME DO ESPAÇO III
Grava-se a voz, o concerto e a sinfonia:
quantas imagens nos restam do cinema!
Mas esse dramatismo, em triste pena,
nunca mais ante a ribalta se veria...
E a técnica, no exercício em que vivia,
horas a fio, em que a saúde empena,
os vocalismos de antemão a cada cena,
tantos papéis a decorar em companhia!...
Para onde vai toda essa habilidade,
conquistada após anos de trabalho?
Talvez o espírito conserve a sua cultura,
mas terão mãos almas na eternidade
ou as sapatilhas sobre o palco, em leve malho,
serão levadas a qualquer vida futura?
BLÜTENTRÄUBEN I – 20 SET 15
(Para Lúcia Laborda)
Penduram-se no ar os amentilhos,
como “caudas de raposas” arroxeadas,
como “lágrimas de sangue” amendoadas,
a farfalhar das gavinhas nos atilhos...
E assim zéfiros cantam, de Éolo filhos,
enquanto os beija-flores, às bicadas,
buscam o néctar nessas flores penduradas,
densas, peludas, como caudas de zorrilhos...
E caem então sobre elas saraivadas,
despetalando a inflorescência mais sagrada,
nesse tapete de brumas degredadas,
talos despidos nessas revoadas,
na melancólica emoção dessa toada
que purga o coração, mas leva a nada...
BLÜTENTRÄUBEN II
Também penduro amentilhos de papel
no farfalhar de qualquer rede social;
mil flores roxas meus versos, afinal,
vermelhas lágrimas de monge sem burel;
palavras simples fantasiadas de ouropel,
na cibernética flutuando em espiral;
de sentimentos esvazio o meu bornal
e assim se espalham, a pedir quartel
nos corações de quem as assimila
e escuta despertar a pulsação,
um suspiro a soltar de seus pulmões;
e como pétala, a palavra então rutila,
prendida ao ramo pela pontuação,
no irrefletido trautear de suas canções...
BLÜTENTRÄUBEN III
De fato, algumas encontrarão guarida
nos corações revestidos de saudade
ou naqueles incrustados de ansiedade:
forte emoção durante anos recolhida!
Mas algazarra enfrentam, incontida
e se perdem nos pixeis sem bondade:
fotos e frases de toda a humanidade,
igual saraiva potente em sua descida!
Assim tais versos quais glicínias são,
amarfanhados por descaso ou zombaria,
limitados pela linguagem em que estão;
se fosse em inglês, quiçá fossem mais lidos:
não Blütenträuben, mas a suave Wisteria
num Rock in Rio a serem exibidas!...
UNIVERSO EM FUGA I – 21 SET 15
(Para Roberta Pereira de Souza)
A vida humana é um fio de
melodia,
que pode parecer simples ou feia,
feroz alguma, outra que receia
o seu confronto com mil outras
que via.
Às antigas suítes pertencia
composição musical de vasta veia,
originada do cânone, em que a voz
leia
desencontradamente o canto que
fugia.
Então na “fuga” quatro cantos se
juntaram,
uns perseguindo os outros, à
porfia,
em harmonias particularmente
belas,
que os mestres, pouco a pouco,
elaboraram
nos vastos panos de som da
sinfonia,
enquanto as notas pingavam quais estrelas...
UNIVERSO EM FUGA II
Assim as vidas vão, entrelaçadas,
cantando notas simples, dia a
dia;
de vez em quando, alguma
interrompia;
novas canções aos poucos
esboçadas,
seguindo assim as notas
combinadas,
num contraponto que aos milhares
prosseguia,
uns repetindo a mais simples
melodia,
outros largando ao ar notas
airadas...
De tudo isso, quem é o
compositor?
Quem coordena o vasto musical,
em sua tremenda verticalidade?
Quem poderia ser, salvo o Senhor
de todo o bem e também de todo o
mal,
imóvel a mover a eternidade!?...
UNIVERSO EM FUGA III
Somente Um anima essa batuta
e determina o que as vozes
cantarão,
criando outras que ao coro
ajuntarão
pequenas vozes, quase que em
disputa;
e conhecendo apenas parte da
labuta,
contra o seu tema alguns protestarão,
mas no devido lugar todos estão:
só quem escuta o coral é que o
desfruta.
Bem mais que essas que chamam de
“galeras”,
que a vasta fuga com gritos
interrompem
e com palmas um tanto alucinadas,
sem compreender “a melodia das
esferas”
ou que, talvez, do conjunto se
amedrontem,
temendo as partes que lhes foram
destinadas...
PROTESTOS PARALELOS I – 22 SET 15
(Para Adélia Einsfeldt)
o problema com a poesia
é que, por um ano e um dia,
por um século ou um ano,
um período desumano,
proclamaram por poesia
a página quase vazia,
em que punham riscos tersos,
afirmando serem versos,
que nem sequer conseguiam
ser as crônicas que viam,
impressas em antologias,
incompreensíveis que lias,
palavras sem elegia
impostas a quem as lia,
sem métrica ou ritmo interno,
simples folhas de caderno,
sem rimas, sem ter cesuras,
no medíocre obscuras
PROTESTOS PARALELOS II
contudo, existe quem sabe
manejar o quanto cabe
no que chamam verso branco,
em seu confessar mais franco;
ou então, no livre verso,
nesse pequeno universo
lançando ideia concisa,
num só poema indivisa,
com certa magnitude
e também qualquer virtude;
acho bem raro encontrar
quem o possa dominar;
às vezes, tem forma grácil,
parece também ser fácil,
mas para mim não o é,
só escrevo versos com pé,
hexâmetros ou espondeus
na perfeição dos troqueus.
PROTESTOS PARALELOS III
na verdade, não consigo:
nesse verso sou mendigo,
raramente sou conciso,
dependo do verso liso,
com a métrica e cesura,
buscando rima mais pura,
em que o ritmo se impõe
e a liberdade compõe;
de fato, me sinto preso
pelo verso livre e teso;
a cada vez que o começo,
percebo pagar um preço,
sem mais naturalidade
na pretensa liberdade;
por isso tanto admiro,
por mais que em sonetos giro,
quem esse meio domina
e em verso livre fascina
O MUNDO
NUM CORDÃO I – 22 SET 15
(Para
Fergi Cavalca [Fernando Gimeno])
Minha taça
já esvaziei e chega a hora
em que
irei partir do atual momento,
do qual
conservo mais aborrecimento
do que
prazer ou a dor que nos deflora.
Comi meus
pratos, sem nada jogar fora,
transformei
em poesia o sofrimento;
sempre uma
forma, afinal, de testamento
dos mil
instantes furtados ao outrora!
Tão
somente permiti que a alma escorresse,
em torno
de meus pés foi lodaçal
deixado
atrás de mim, que me esvaziava,
sem que
minhalma liquefeita ali morresse...
Segui em
frente, vazio meu embornal,
enquanto a
luz da Lua me acenava!...
O MUNDO
NUM CORDÃO II
Sempre
julguei que me seria possível
o
livre-arbítrio, um certo grau de liberdade,
sempre
assumindo a responsabilidade
por cada
escolha, mesmo a imperceptível;
cada erro
cometido e intransponível,
consegui
repudiar com majestade,
sempre
aceitando, em equanimidade
a
equipolência do material com o invisível.
Contudo
ocorrem ainda tantas vezes
isso que
dizem ser coincidências,
igual que
fatos pendurados num cordel,
a mão
alheia a cobrar-me tantos meses
e a me
cortar a escolha de tendências,
em
serpentinas douradas de ouropel...
O MUNDO
NUM CORDÃO III
Porém não
creio existir firme destino,
mas tão
somente uma obra a realizar,
sem ser um
títere em todo o meu andar,
porém
cumprindo o trabalho em que combino.
Por mais
que penda assim de cordão fino,
sempre
depende de mim o meu cantar,
nessa
recusa ou aceitação do meu calar,
que só aos
poucos conquistei, desde menino.
Assim, se
tenho de realizar esse labor,
derramo em
versos inteiro o coração,
alguns
retalhos de minhalma me sobrando;
na
desconfiança dessa teia sem perdão,
o quanto
faço, eu o faço com fervor,
contra
essas cordas ainda protestando!
DEBRUNS i – 23 SET 2015
(para maria luiza bremide)
ANTIGAMENTE, EM CADA FLOR EU VIA
O ROSTO DESSA QUE EU IDOLATRAVA;
SEUS SEIOS VIA NA AVE QUE PASSAVA
E NOS GORJEIOS ERA SUA VOZ QUE OUVIA.
E JUNTO DELA, A CERTEZA ME ACUDIA
DE QUE SUA FACE PARA SEMPRE AMAVA
E QUE O DESEJO CONSTANTE PERDURAVA
NA CHAMA ESTRANHA QUE EM SUA VISTA RELUZIA.
O TEMPO PASSA E DEIXA UM SEDIMENTO,
POR SOBRE O SUBSTRATO QUE EXISTIA
E PERMANECE A MEU LADO, NA VERDADE,
PORÉM TORNOU-SE BEM REAL O SEU ALENTO:
NÃO MAIS A ESCUTO NO PÁSSARO QUE PIA
E DESSA ANTIGA ILUSÃO SINTO SAUDADE!
DEBRUNS II
ASSIM É O SER HUMANO.
O QUE POSSUI
SE ACEITA NATURAL, COMO UM COSTUME;
PASSA O CALOR E SOME O VAGALUME
E A REDE LUMINOSA NÃO MAIS FLUI.
E NESSES CAMPOS JÁ NÃO MAIS EU FUI,
EM QUE ESBARRAVA NESSE VASTO LUME
QUE EM NADA ME QUEIMAVA QUANDO ASSUME
ESSA GAIOLA DE LUZ QUE CONSTITUI
NÃO SOMENTE ILUSÃO E FALCATRUA;
PISCAM AS LUZES E DESLIZAM OS INSETOS
PARA ACENDEREM APÓS MIM OS SEUS FARÓIS,
TAL QUAL QUIMERA DE AMOR SE PERPETUA,
DANÇA LIGEIRA DE SONHOS E DE AFETOS,
DURANTE AS NOITES A FUGIR DOS ARREBÓIS.
DEBRUNS iii
HOJE EU A VEJO SEMPRE CHEIA DE VIGOR:
PASSA CUIDANDO COM CARINHO DO JARDIM,
MAIS DEDICADA A CADA PLANTA ASSIM
E AINDA A CONTEMPLO, IGUAL A ESTOUTRA FLOR.
ELA SE MOVE QUAL EM VOO SEDUTOR,
AMANDO AS FLORES MUITO MAIS QUE A MIM,
EM SEU LAZER FAZ-SE PÓLEN DE JASMIM:
MELANCOLIA SINTO AGORA MAIS QUE AMOR.
COMO ESTÁ PERTO, NÃO É MAIS A MARIPOSA,
PORÉM SÓLIDA PRESENÇA DO MEU LADO,
NUMA GUIRLANDA DE CERTEZA DENSA,
MAS COMO NINFA A IMAGINO, IGUAL QUE ROSA,
CUJO PERFUME VEZ EM QUANDO ME INCENSA:
DEBRUM SUAVE DE TODO O MEU PASSADO...
ESPRAIADA I – 23 SET 2015
(Para Elvira Macedo Nascimento)
Falo de amor com frequência
demasiada,
na minha lírica sou fantasma pueril,
por vez que outra expressando-me
sutil
e em outras tantas, num carnal em
revoada.
Talvez devera, em concretude
consternada,
pensar apenas em firme impulso
varonil:
como enfrentar vigoroso o mundo vil,
tantos embates que não levam nunca a
nada...
Nem sei por que descrevo ainda o
amor
e o partilhar individual do beijo,
que se divide, mas que agora
compreendi
que a doce sensação de tal fulgor
jamais é mútua, em seu luzir sem
pejo,
mas cada um a vai sentir só para
si...
ESPRAIADA II
Versos de amor, em terna descrição
já redigi aos milhares; sei, também
que tantos outros iguais versos têm
nessa temática de perpétua duração.
E não me cabe o enfrentar da
multidão
de quem amor no coração contém,
de quem desfruta o diuturno bem,
que se renova a cada geração...
Porém tais versos me brotam de
repente,
posta de lado toda vã filosofia,
mais fortes a insistir que a
religião
e sem sei como, escrevo um verso
diferente,
penso no amor do passado que sentia
e no futuro já o percebo de
antemão...
ESPRAIADA III
Sei que também, até mesmo na
amargura,
amor conservas em teu imo coração;
jamais te deixa em paz essa emoção,
por mais elástica que seja a sua
candura.
em quaisquer situações, sempre é
mais pura
nesse buquê de carinho e de ilusão,
cornucópia da abundância, em
profusão;
por mais amor que dás, mais te
perdura...
E em minhas frases antigas e batidas
o amor que sentes mal posso
descrever
que se espraia a teu redor e em vão
eu pinto.
Nos corações em mil batidas
incontidas,
que nem velhice consegue combater
e em tantos olhos rebrilhar ainda
sinto...
CONTRA-ALÍSIOS I – 13 JUN 07
A bordo vinha minhalma,
acompanhada
pelas almas de
outros. Ao timão,
até julgava estar, mas, de
antemão,
já percebia achar-se contrariada
pela vontade da tripulação:
esses sonhos hirsutos... Engodada
pela mesma ilusão, antecipada,
de que pudesse tornar-se capitão
e demarcar qual rumo seguiria,
ao girar, com esforço, todo o
leme,
ao decidir qual seria sua
derrota,
como antigo marujo, a
expressaria...
Mas se viu arrastada e, agora,
geme,
por derrotada, de fato, sem ser
rota...
CONTRA-ALÍSIOS II – 24 SET 15
(Para Sheila Maria Teixeira
Correia)
Não obstante, minha alma foi
esperta:
se não podia comandar o rumo,
sempre o podia embaciar com fumo,
no diário de bordo sempre alerta,
sem registrar o que, de fato, na
coberta,
caberia exatamente em tal resumo,
os incidentes excluídos desse
insumo,
só registrando o pouco orgulho
que desperta,
em direção a seu mapa do tesouro,
cuja rota não se achava sobre o
mar,
nem ao sabor dos ventos em
desvio,
diverso plano traçando em
nascedouro,
para aos pósteros algum dia se
narrar
de como o mundo conquistara com
seu brio...
CONTRA-ALÍSIOS III
Memórias são assim. Não das ondas
no percurso,
porém nas páginas de um grosso
pergaminho;
pena de ganso a retraçar falso
caminho,
aos seguidores ocultando o real
curso;
ao invés dos alísios em concurso,
deixando a tinta correr,
devagarinho,
símbolos negros derramados de
mansinho,
literatura como um último
recurso.
A latitude faz-se métrica de
verso
e a longitude marca o número de
linhas,
as estrofes a indicar profundidade,
o astrolábio em acentuação
converso
dessas estrelas presas em
entrelinhas,
no meteórico luzir da opacidade.
CONTRA-ALÍSIOS
IV
Porém já era de
esperar o resultado:
não foi apenas
o registro deformado;
o próprio
trânsito somente descuidado,
os ventos livres
em contra-atacação;
sem uma rota,
não houve atracação,
sem um destino,
não houve ancoração;
sem ter
registro para a comparação,
nunca pôde esse
barco ser achado.
Mas no
naufrágio se preservou o diário,
caixa de
estanho encaixando sua madeira,
firme a
salsugem a impedir de penetrar.
Porém depois,
quando aquanauta vário
achou o poema
na lama pegadeira,
em desaponto,
lançou tudo sobre o mar.
ciúme dos ossos I – 25 SET 15
(Para Amanda Varela)
meu amor eu reduzi a estilhaços
e os pulverizei, coerentemente,
em poeira feito, nessa atenção
frequente
e misturado a fuligem nos almaços
criei potes de tinta, mil abraços
a descrever nas páginas,
fremente;
a polvadeira cega que me alente,
que sejam madrepérola meus
traços.
que marque a testa a cólera dos
deuses,
que amor esfacelei sem
condolência,
fiz dele tão somente um mar de
sonhos;
e seja amor assim, como outras
vezes,
apenas uma escusa da indolência
em recompor pedaços tão bisonhos.
ciúme dos ossos II
meu esqueleto contemplou essas
estilhas,
assim forjadas de amor, poeira e
fuligem,
em si próprio a sentir que algo
lhe impingem
continuamente, no verter de
tantas bilhas.
e então tremeram meus ossos em
suas quilhas
ante a nova construção de emoção
virgem,
que a seu próprio arcabouço traz
caligem,
que ameaça contivesse em suas
presilhas.
assim os ossos aos músculos
forçaram
para moer ainda mais ossos de
amor,
sem premência de rangido ou de
estridor;
mas pelos dedos mil caquinhos
penetraram,
substituindo as falanges com
vigor,
na mesma proporção com que
esmagaram.
ciúme dos ossos III
e desta forma, pouco a pouco,
caco e tinta
foram subindo ao longo de meus
braços,
ao cálcio corrompendo com seus
traços,
a carne humana acolhendo a negra
finta,
que lentamente, todo o esqueleto
pinta,
assédio louco de surpreendentes
laços,
feitos poeira de amor os meus
dois braços,
nesse impulso feroz que o corpo
sinta.
assim meus ossos já não são mais
o que eram,
seus ancestrais alambrados
branquicentos,
mas por tais penas de amor
fortalecidos
e do ciúme e dolo se esqueceram,
para a emoção e a dor já
suficientes,
ossos de amor em outro amor já
convertidos.
ALVAIADE I – 26 SET 15
(PARA NORMA APARECIDA)
NUM CHÁ DE SALSAPARRILHA
BEBI OLHOS AMENDOADOS
BEIJEI LÁBIOS ENCARNADOS
SORVI ÁCIDO DE PILHA
NUMA FACE QUE SE ESTILHA
REMI TODOS TEUS PECADOS
TEUS SABORES PERFUMADOS
TEUS CABELOS DE ANDARILHA
MAS NÃO TIVE
NEM ESTIVE
NÃO SE ATREVE
QUALQUER GREVE
NUM CHÁ DE HORTELÃ PIMENTA
VI TEU ROSTO REVELADO
POR DOIS SULCOS ENCANTADO
COMO LÁGRIMAS DO CÉU
MEU AMOR SÓ SE CONTENTA
COM O SABOR ACIDULADO
DE GERGELIM ESMAGADO
DO QUE RECOBRE TEU VÉU
ALVAIADE II
E NUMA ESPERANÇA MORTA
FIZ NO ROSTO MAQUIAGEM
DE ALVAIADE EM PEROLAGEM
A MÁGOA NA BOCA TORTA
QUE LÁGRIMA A VISÃO ME CORTA
NO GESSO SEM ENFERMAGEM
NA SECULAR DESCORAGEM
DA COMÉDIA QUE SE ABORTA
NÃO FUI PALHAÇO
NEM ARLEQUIM
DA COLOMBINA
NÃO TIVE A SINA
E NUMA ESPERANÇA VIVA
TODA A FACE NOVAMENTE
EU LAVEI INCONTINENTI
NO LANGOR QUE MAIS ME ATIVA
E NO TATO QUE ME CRIVA
ME LANCEI INERMEMENTE
TÃO SOMENTE PERTENCENTE
AO PENAR QUE ME CATIVA
ALVAIADE Iii
NÃO AMOR DE PURA BUSCA
MAS AMOR DE ACEITAÇÃO
ACEITEI CONTINUAÇÃO
DA VELHA SAGA VETUSTA
QUE POR MAIS SEJA VELHUSCA
ESSA ANTIGA DESCRIÇÃO
QUE PASSOU DE MÃO EM MÃO
TER AMOR AINDA ME OFUSCA
NA PEDERNEIRA
CHISPA LIGEIRA
A ALMA SE AFIA
E A MENTE ABRIA
NO MEU AMOR DE BRANCURA
DE MARFIM E DE ALVAIADE
QUE MEU PEITO TODO INVADE
NUMA EXPLOSÃO DE TERNURA
MALÍCIA NESSA CANDURA
SEM A BÊNÇÃO DE UM ABADE
QUE O CORAÇÃO TODO NADE
NA FONTE QUE MAIS PERDURA
ENDLÖSUNG I [solução final] – 23
jun 07
Problemas se resolvem, cedo ou
tarde:
basta aceitar, ao vê-la, a
solução
que se encara, por pior a
situação
e se revela, tranquila e sem
alarde.
O problema é desejar, sem
revulsão,
a solução final que nos aguarde,
sem se julgar agir como um
covarde,
somente ao não causar sua
reversão...
Porque a vida nos mostra que a
ilusão
albergada no peito, é apenas
isso:
seu resultado é simples e
concreto.
As coisas se resolvem, sem
paixão,
sem ser o que queríamos... E é
nisso
que a vida é aranha e a alma
nossa inseto.
ENDLÖSUNG II – 27 set 2015
(Para o Dr. Ives Gandra Martins)
É tal dificuldade, justamente,
que nos impede de avistar as
soluções
sob o domínio de nossas emoções,
baraço a nos prender
constantemente.
Sobre baraço hoje se fala bem
frequente,
a cada vez que novelos ou ilusões
se superpõem no enredo das
paixões
ou se uma encontra outra
diferente.
Mas “baraço”, antigamente,
referia
só o nó de corda em que era
pendurado
um infeliz, por crime ou por
vingança.
E no patíbulo, enfim, ele pendia,
igual que o coração será
engasgado
pelas malhas impiedosas da
esperança.
ENDLÖSUNG III
A vida tal qual é, se for aceita,
nos dará muito mais
tranquilidade;
não é de fato má a adversidade,
nem bem essa ocasião que nos
deleita;
é nosso próprio interesse que se
ajeita
para encarar com longanimidade
o que nos satisfaz; desprezando,
na verdade,
o quanto a tal prazer não se
sujeita.
E quanta vez a fruta mais
perfeita
revela no seu seio a podridão
e quanta vez a vida é contrafeita
por resultados em plena oposição,
se a dor, doença ou febril
maleita
resulta em grande bem ao coração?
ENDLÖSUNG IV
Sei muito bem da má conotação
que traz o termo, um nome de
martírio,
mas a esse grande mal acendo um
círio
pelo impacto que causou em tua
emoção.
Foi o holocausto dessa grande
multidão
um sacrifício a deuses de
delírio;
rebrotou, segundo dizem, em
branco lírio,
quando foi dada ao restante uma
nação.
Ora, direis, mas em que isto
compensa
esse massacre de tantos
inocentes?
Qual o pecado que, enfim, cometeu
Jó
na descrição da narrativa densa?
As circunstâncias na verdade
indiferentes
que teu bem e teu mal tornam em
pó.
ENDLÖSUNG V
“Não andeis
ansiosos,” é o que nos aconselha
longa parábola
contida na Escritura;
Deus te
concede, com a maior candura,
as mil flores
do bem em uma corbelha...
Mas não o que
tu queres. Toda a abelha
vai em busca de
néctar com bravura;
algumas
trazem-no para a geleia pura,
mas outras
morrem de frio ou sobre a grelha.
Assim será
contigo. Pois cada solução,
cedo ou mais
tarde, molhará tua mão,
indiferente ao
dom que suplicavas;
quebra-cabeças
que se completarão,
mas não as
peças em que insistias e forçavas:
somente aquelas
que ali se encaixarão.
ENDLÖSUNG VI
Não que eu
afirme seja a morte o abecedário
do alpha ao
zeta, em seu gozo tumular;
garras aduncas,
cantilena secular,
mas certamente
existe ali algum sacrário.
De fato,
Tânatos é um temível usurário,
que em vasto
cofre tudo quer guardar:
anos de vida
vem a Eros emprestar
e de seus juros
nós somos numerário...
Toda cultura
humana tem um mito
de qualquer
superveniência após a morte
e o bem e o mal
só se acham de permeio;
e pouco importa
em qual deles acredito:
com ironia
enfrento qualquer sorte,
somente da
revolta a ter receio!...
CONTRAGAMA I – 07 jul 07
Ela se foi. Consigo foi a
sorte,
nestes primeiros anos tão
ditosa...
Veio sombra abafada e perniciosa:
em tudo para mim a má consorte.
Trabalhei mal. Uma pequena
morte
instalou-se na tarde calorosa...
Nada mais fiz de quanto a
mente esposa:
até o computador sentiu o forte
desse miasma pálido e
indolente...
Custava a funcionar. Pouco
rendia
o meu esforço de horas indiletas.
Mesmo estando
mais perto, é impotente
a reviver a sorte que trazia,
nessas primeiras semanas
indiscretas...
CONTRAGAMA II – 27 set 15
(Para Simone Szortyka de Souza)
Hoje eu convido a dealbar meu
grito,
sonoro e repugnante em sua
delícia.
Até queria rendesse-me à malícia
dos estrofantos nus, nesse
infinito
e blandicioso mar, em que me
agito,
sem que possa confiar em qualquer
um.
Podendo me apoiar somente num:
e esse sou eu, torporizado e
aflito.
A vida é branca e passa sem
alarma.
A noite verde-azul é indiferente.
E os deuses riem quando acenam
esperança,
somente ao zombeteiro e
sóbrio carma
lançarem sobre mim... Nesse
dolente
esmaecer em mim de tua lembrança.
CONTRAGAMA
III
No
céu castanho vejo as nuvens verdes,
de
um sol azul iluminadas negras...
Vermelha
é a relva e, contrariando regras,
cresce
horizontalmente; e logo perdes
a
orientação mais natural que herdes,
ao
ver a lua rósea, em tons alegres...
Contra
o vento da noite rosa integres
tua
mente lilás hoje. Também verdes
serão teus
passos no arco-íris falsiforme:
te
beija o vento em carícia de navalha.
O
chão é mole a teus pés, como a paixão,
decomposta
que senti, no céu disforme.
E
enquanto gemes, a teu redor se espalha,
se
estilhaça, em cristais, toda a emoção.
CONTRAGAMA IV
Hoje percebo que amor fez-se
miasma:
os perfumes cerúleos que seduzem
provêm do ventre e, mesmo que te
escusem,
não são desculpa real ao teu
fantasma.
No rosto da mulher, teu beijo
orgasma
um farnel de ilusões, que se
reduzem
ao arco-íris... À poeira
te conduzem:
à lantejoula morta que se
espasma...
Amor de feromones, ou nem isso:
não mais do que emoção feita
sorriso,
que me assaltou em meio à
escuridão.
Almas penadas nesse amor
castiço:
eflúvios que afastar de mim
preciso,
para salvar meu precioso
coração.
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