terça-feira, 15 de setembro de 2015




IGNEZ DE CASTRO, DRAMA HISTÓRICO
(Versão poética William Lagos, 6 Setembro 2015)
(Dedicado à minha WEB-amiga, “Inês”.)

IGNEZ DE CASTRO I

Reconheço ser um vasto atrevimento
de minha parte retomar o velho tema
por Camões e tantos grandes já descrito.
Mas só lhe peço a atenção por um momento:
não é vaidade a me mover a pena,
mas o desejo de retrazer o amor aflito
à atenção dos que já o esqueceram
e aos jovens que jamais o conheceram.

Esta não é, em absoluto, fantasia:
Dom Pedro e Dona Ignez de fato amaram
e cruelmente foram separados
pela política da Afonsina dinastia;
três barões portugueses a mataram,
somente dois a serem castigados,
mas de seus filhos três sobreviveram,
passados séculos, deles muitos descenderam.

Se, por acaso, tens sangue português,
ou conservas da Espanha tua ascendência,
descendes desses dois, provavelmente;
mas de Constância não guardas o jaez,
seus filhos a morrer sem descendência.
Mas outros filhos também teve, certamente,
o Rei Dom Pedro após a morte de sua Ignez
e a Dinastia de Aviz assim se fez...


O rei Fernando, o Formoso, morreu cedo
e com Dona Leonor não teve filhos,
último rei da Dinastia Afonsina...
Mas João das Regras escolheu a dedo
filho ilegítimo de Pedro em largos trilhos,
o primeiro rei Aviz, de longa sina,
subindo ao trono como D. João Primeiro.
Mas é de Pedro e de Ignez que hoje me abeiro.

IGNEZ DE CASTRO II

Nasceu Dona Ignez em berço de nobreza:
Dom Pedro Hernández de Castro era seu pai;
na Galícia de Lemos e Sarria era o senhor;
era sua mãe da aristocracia portuguesa,
que com o nobre galego casar vai,
três filhos vivos com o qual teria:
Dona Aldonça Loureiro de Valladares,
Descendente de reis e antigos pares...

Sua avó, Violante Sánchez de Castela,
filha ilegítima de Dom Sancho Quarto,
rei de Castela e a senhora de Lizero;
seu bisavô de ascendência também bela,
D. Rodrigo Alfonso de León, o Farto,
filho de Alfonso Nono de León, que de Aligero
era o senhor, no antigo reino de Leão,
que só mais tarde a Castela daria a mão.

Se não bastasse, Dona Ignez descendia
do Infante Sancho Henriques de Portugal,
irmão de Affonso Henriques, o Conquistador,
filhos de Henri de Borgonha, o qual havia,
vindo da França e por dom matrimonial
do velho Porto nomeado o grão-senhor.
Melhor sangue quem desejar podia,
mesmo que fosse através de bastardia?

Dom Pedro era filho de Dom Affonso Quarto
e de sua esposa, Dona Beatriz,
senhora de Molino e de Castela;
não foi, de fato, o seu primeiro parto,
que a morte de outros o destino quis;
em 1320 ele nasceu, de boa estrela,
mas no final, reinou tão só dez anos,
após seu pai, por direitos soberanos.

IGNEZ DE CASTRO III

Ora, como era a prática de então
e não somente entre a aristocracia,
os casamentos eram arranjados,
mais pelo dote ou pela posição,
praxe oposta, de fato, à que existia
entre os mouros dali desalojados,
em que o noivo é que devia comprar
a sua esposa, por um dote a combinar.

Em Portugal, era o pai quem outorgava
um dote mais ou menos “valeroso”,
em terras, em joias ou em dinheiro.
E assim foi que Affonso Quarto combinava
que Pedro, o Infante, se tornasse o esposo (*)
de D. Constança de Castela e, bem ligeiro,
chegou-lhe a noiva, com seu belo cortejo,
mais pelo dote que por seu doce beijo...
(*) Infante era o título dos filhos e netos dos reis de Portugal.

Ora, calhou que como aia viesse
Ignez de Castro, boa amiga da princesa,
que foi chamada de “mísera e mesquinha” (*)
por Camões, ainda que tivesse
“Colo de Garça” e uma real beleza:
da corte inteira se tornou ela a rainha,
por sua graça e a virtude que mostrou,
mas a Dom Pedro foi quem mais encantou...
(*) No sentido de “infeliz””.

Corria o ano de Mil trezentos e quarenta
e o casamento, a seguir, se consumou,
porém Dom Pedro só pensava nela...
Em seus ciúmes, a princesa tenta
Impossível tornar que essa donzela
sequer pudesse se tornar amante
do vigoroso e varonil Infante...

IGNEZ DE CASTRO IV

Tão logo teve seu primeiro filho,
a Ignez convidou para madrinha...
Seria incesto, segundo as leis da Igreja,
de qualquer relação haver um trilho:
Ignez seria como irmã, que lhe convinha,
mas nesse tempo Dom Pedro já a corteja
e como o pobre Dom Luiz logo morresse,
o vínculo madrinhal pronto desfez-se...

Morreu pouco depois Dona Constança,
deixando um filho apenas, Dom Fernando,
pouco saudável e que pensavam falecer.
De seu amor por Ignez Pedro não cansa
e a seduziu, com galanteios se insinuando,
a linda jovem acabando por ceder...
Ele a instalou meio distante do castelo,
a contemplar diariamente o rosto belo...

Ora, tornar-se de um rei a amante
era uma honra, então; e Pedro, o herdeiro,
cedo ou tarde a seu pai sucederia...
Tornaram-se, então, de Pedro o Infante
bons amigos seus irmãos e bem ligeiro,
Dom Hernando e Dom Álvaro tem valia,
ou seja, conselheiros se tornaram
e os cortesão ferozmente os invejaram.

E os intrigaram com Affonso, o Bravo,
assim chamado após a vitória de Salado,
a mencionar-lhe o perigo dessa união,
vários reunidos nesse tal conchavo:
outro casamento devia ser realizado,
traria ao Reino novo dote e proteção.
Em breve tempo, Dom Affonso proibiu
a seu filho o grande amor que o seduziu!

IGNEZ DE CASTRO V

Mas quem pode governar um coração?
Dom Pedro contra o pai se rebelou,
pois ter Ignez como amante não bastava;
submeter-se não iria a nova união;
e dessa forma, secretamente se casou
com Dona Ignez, a mulher que tanto amava,
que um a um, quatro filhos lhe dera,
um ventre fértil e sempre à sua espera!

Os nobres alegaram que Castela,
pois a Galícia desse reino era uma parte,
estenderia em Portugal seu poderio.
Seria o reino assim perdido para a bela;
Castela dominaria sua nação destarte,
tão logo Affonso deixasse ali um vazio...
E ressaltavam como Leonor de Gusmão
dominara de Alfonso Nono o coração!

Não que Castela, por amor da concubina,
Alfonso Nono tivesse desonrado...
Mas os Castro eram casa poderosa
e a Galícia tinha fronteira fina
com Portugal.  E se, igual que no passado,
Castela, dessa perda temerosa,
voltasse a lhe atacar seu Portugal,
causando ao rei e ao reino grande mal?

Inicialmente, o rei só temporizou:
mandou prender Dona Ignez em um convento,
que era a Santa Clara consagrado;
porém Dom Pedro até lá a acompanhou,
provando às freiras que havia um casamento
e o quarto filho ali acabou sendo gerado:
morto o primeiro, os outros três bastante fortes,
consternação causando nessas cortes...

IGNEZ DE CASTRO VI

Enquanto isso, o Infante Dom Fernando
permanecia fraco e doentio;
temiam os nobres pela própria segurança.
Embora gente haja até hoje duvidando
que real fosse do matrimônio o lavradio,
às leis canônicas havia total observança
pelas monjas que povoavam o convento
e isto comprova a aceitação do casamento.

Fosse o que fosse, Dom Pedro ali pousava,
lado a lado com os filhos e sua amada,
embora às vezes saísse para a caça.
Dos seus cunhados advertências escutava,
porém não cria em ação desnaturada
da parte de seu pai, que a honra a embaça.
Não obstante, os tais fidalgos insistiam
E finalmente a Dom Affonso convenciam!

Tal homicídio o próprio reino salvaria!...
Ou foi tomado pela obstinação,
seu amor-próprio por tal filho ofendido?
De Montemor partiu assim cavalaria
até Coimbra, após a má resolução:
em Cinquenta e Sete foi tal ato decidido,
por insistência principal de três barões,
orgulho e inveja a remoer seus corações!...

Eram Álvaro Gonçalves, do reino o Meirinho,
que chamaríamos de Ministro da Justiça;
Pero Coelho, dos irmãos Castro desafeto;
e Diogo Lopes Pacheco, o ribeirinho
senhor de Ferreira de Aviz, na fera liça,
ao rei impondo o seu rancor secreto.
Assim partiu para Coimbra a comitiva
e as freiras cedem à real presença altiva!

IGNEZ DE CASTRO VII

Chegou o rei até o apartamento
em que Ignez se achava, com seus netos;
esta notou de imediato o seu perigo
e pegando os dois menores, num momento
lançou-se aos pés do rei com os diletos
meninos de seu sangue em seu abrigo;
e tanto suplicou que o velho rei
arrependeu-se: “Tal mal não poderei!...”

Saiu depressa, as lágrimas a secar
e deu ordens para todos irem embora,
mas os fidalgos se encheram de temor
e insistiram para a sentença consumar:
morta a “Colo de Garça” nesta hora
de Dom Pedro se extinguiria o amor,
achavam eles – e se reconciliaria
e a nova noiva então desposaria...

Pensavam mal, mas a Dom Affonso convenceram
quando montara já em seu cavalo:
“Não tereis parte nisso, Majestade!...”
E ao inconstante de novo demoveram:
“Fazei o que quiserdes.  Eu me calo...”
o rei lhes disse, em pusilanimidade.
E os três voltaram, de sangue já sedentos,
no apartamento a ingressar a passos lentos...

Fizeram os pajens segurar Ignez
e com seus ferros, lhe causaram morte,
diante das vistas dos dois filhos pequenos!
Cravaram seus punhais todos os três;
Outra versão menciona alheia sorte:
Dom Diogo a degolou, sem mais, nem menos;
ou ainda, a teria decapitado,
considerando ser de nobre estado...

IGNEZ DE CASTRO VIII

De qualquer forma, ela foi assassinada,
sem que as monjas o pudessem impedir:
tão só puderam a Dom Pedro ir avisar,
as crianças protegendo na hora azada,
antes que um nobre chegasse a decidir
que era melhor a todos três eliminar...
Mas eram netos do rei!  Não se atreveram
e tal maldade, enfim, não cometeram...

Finalmente, Dom Pedro regressou,
seu cavalo incitando a toda a brida,
mas como disse por sua vez o grande vate:
“Agora é tarde: Ignez é morta!” – constatou.
Bem pouco havia que perdera a vida
e de lástima o Infante então se abate.
Mas como as freiras seus filhos preservaram,
com tristeza todos quatro se abraçaram...

Lavado o corpo, o velório transcorrido,
levantaram umas lajes da capela
e ali dentro depositaram o ataúde...
Desde então, só pelo ódio foi movido:
decidido a vingar a amada bela,
formou exército para o combate rude,
a guerra a declarar ao rei seu pai
e de imediato para as pelejas sai!...

Mas Dom Affonso não queria a guerra
com o próprio filho, o Infante seu herdeiro,
recuando sempre, a evitar combate,
deixando assim que devastasse a terra,
talvez roído por um remorso verdadeiro...
Porém de Pedro a fúria não se abate
e devastou o Entredouro e o Minho
e Trás-os-Montes, quanto achou no seu caminho...

IGNEZ DE CASTRO IX

Por mais de um ano perdurou a disputa,
até que veio pedir-lhe Beatriz,
sua Rainha e Mãe, que ao velho pai perdoasse
e que cessasse a fratricida luta:
“Não foi seu pai que essa morte quis:
mau conselheiro permitiu que o enganasse!”
Disse então Pedro desistir de sua vingança,
sem nos culpados despertar vera esperança...

Pouco depois, Dom Affonso faleceu;
Pedro Primeiro então foi coroado
e os assassinos julgaram-se perdidos.
O trio malvado em Castela se escondeu,
acreditando achar-se ali abrigado...
De extradição, porém, foram pedidos
e a Casa de Castro com seu rei instou
e este em breve com seu rogo concordou...

Ora, o então rei de Castela prometera
aos três culpados conceder asilo;
Álvaro e Pero em sua palavra se fiaram;
Diogo, porem, da promessa que fizera
não se fiou... e suas roupas de estilo
deu a um mendigo, cujos trapos lhe assentaram.
Seguiu a pé pela estrada, sem ter pressa,
até julgar que o perigo maior cessa...

E simples roupas de burguês numa estalagem
comprou, com o ouro que levava,
mais um cavalo, com sela e com arreios
e se tocou para a Espanha, com a coragem
que lhe emprestara o medo que o tocava,
somente em França a aliviar os seus receios...
Porém Álvaro e Pero ao rei mandaram
e seus algozes de início os torturaram!...

IGNEZ DE CASTRO X

E o rei mandou arrancar seus corações,
de um pelas costas e do outro pelo peito
e depois disso, seus restos fez queimar,
a banquetear-se com vastas colações
de vinho e carne, qual era o seu direito,
enquanto os corpos assistia a se cremar,
negando assim o cristão sepultamento,
lançando as cinzas num rio, nesse momento!

Mas não tardou a consolar-se da tristeza
com a filha do então Senhor de Aviz,
a quem dera as terras do assassino;
e dessa ligação, plena é a certeza,
um outro filho nasceu, a quem bem quis
e que sempre protegeu desde menino.
Mas se esperava a jovem casamento,
logo sofreu bom desapontamento...

Em Mil trezentos e sessenta, em Castanhede,
fez Dom Pedro registrar seu casamento
nos livros oficiais de um tabelião,
que nada mais que sua palavra pede,
mas apresentou seus lacaios no momento
como suas testemunhas na ocasião,
mais as monjas que o haviam conhecido,
que o celebrante então já havia falecido!

Ninguém lhe contestou da fidalguia
e Faria de Souza, o seu cronista,
registrou que Dona Ignez foi exumada
e coroada morta, em elegia,
em cerimônia a que qualquer um que assista
foi convidado a beijar a fímbria dourada
das vestes que ao cadáver revestiam:
coroa e cetro sobre os ossos ali viam!...

IGNEZ DE CASTRO XI

Durante séculos, essa história se contou
de boca em boca e, é natural, foi transformada,
pois cada um novo detalhe ajunta...
Não a fímbria, mas a mão se lhe beijou,
com uma luva de pedrarias cravejada;
depois beijavam as falanges da defunta!...
Não é de admirar que alguns contestem
a cerimônia, mesmo que crônicas a atestem!

Foi Dom Pedro apelidado O Justiceiro,
embora alguns ainda façam confusão
com o rei chamado Pedro, de Castela,
dito O Cruel, também Pedro Primeiro...
O fato é que, após o beija-mão,
foi o ataúde transportado “de cancela”, (*)
até Alcobaça, para o final sepultamento,
onde se encontra até o nosso momento!
(*) Carruagem, em português arcaico; hoje portão de madeira.

Nunca houve em Portugal outro cortejo
acompanhado de igual pompa e circunstância;
mais de metade da sua população
foi convocada pelo rei em tal ensejo,
tochas erguendo com total constância,
igual que estrelas numa constelação,
pois quis o rei encetar marcha noturna
como um desfecho a cerimônia tão soturna!

Por muitas léguas marchou toda a nobreza
e de Coimbra o total dos habitantes,
vindos de longe também muitos camponeses,
para que Ignez repousasse, com certeza,
com tantos reis já falecidos antes,
garantidores dos direitos portugueses.
Ali se achavam os quatro Affonsos enterrados,
E Brites, a esposa do Terceiro, confrontados!

IGNEZ DE CASTRO XII

Talvez daí Dom Pedro teve a ideia
de mandar esculpir os dois jazigos,
de frente um para o outro, que pudessem,
no chegar da Ressurreição santa epopeia,
logo se olharem como dois amigos,
que de mãos dadas para os céus subissem.
Affonso Henriques construiu Alcobaça,
de Portugal o sacrário de mais graça!

De fato, é o maior templo do país;
em Mil cento e quarenta e oito iniciada a construção.
que em Mil duzentos e vinte dois foi terminada;
com cento e dezesseis metros o rei a quis,
de comprimento, por dezesseis de vastidão
e vinte e um de altura, ao completada,
sendo românico o seu primeiro estilo,
embora a muitas reformas desse asilo...

Deu o rei aos Bernardos o cuidado,
uma das primeiras ordens monacais;
ainda é igreja, mas monumento nacional,
que pela UNESCO igualmente foi tombado;
os dois jazigos, em rendilhado triunfal,
os mais belos de todo o Portugal,
trabalho ímpar da mais bela escultura,
em complemento da nobre arquitetura.

As estátuas dos túmulos são jacentes, (*)
nas figuras de Dom Pedro e Dona Ignez,
protegidas por anjos ajoelhados;
dizem que as tochas do cortejo permanentes
estrelas se tornaram por sua vez;
serão por elas os dois acompanhados
e do Juízo Final rompido o véu
irão os dois diretamente para o céu!...
(*) Estátuas deitadas na figura dos sepultados.

IGNEZ DE CASTRO XIII

Sobre o túmulo, Ignez usa a coroa
que nunca pôde ostentar durante a vida;
Dom Pedro sua coroa e a armadura.
Mais cinco anos foi real a sua pessoa,
em Sessenta e sete sua vigência concluída.
De Dom Fernando foi então a investidura
e O Formoso reinou até Oitenta e três:
dezesseis anos, mas sem filhos por sua vez.

Por mais dois anos ficou o país sem rei,
com cinco pretendentes à porfia,
sem chegar a se travar guerra civil,
no que a cordura portuguesa louvarei.
Dom João das Regras em Lisboa então regia
a Universidade, com firmeza senhoril,
e foi a ele submetida essa disputa,
antes que os Sete Pretendentes vão à luta.

Na verdade, eram quatro os pretendentes,
mas João das Regras a expressão originou
e seis deles desqualificou o orador;
o morto Affonso citou entre os descendentes
de Dona Ignez, um nenê que não vingou
e ainda João, de Valença do Campo o senhor,
seu irmão, que nem tinha pretensão,
aos dois negando ter qualquer razão.

Os outros quatro eram Dona Beatriz,
Condessa de Albuquerque e sua irmã;
Don Juan Primeiro, então rei de Castela;
O Duque de Cifuentes, Dom Diniz,
também filho do casal, mente louçã
e Dom João de Alba de Tormes, de outra estela.
E a todos estes João desqualificou:
Dom João de Aviz, porém, nunca citou.

IGNEZ DE CASTRO XIV

Pois deste último ele apoiava a pretensão
e foi chamado João Primeiro, o Boa Memória;
filho de Pedro e também Mestre de Aviz.
Diogo Pacheco não recebeu condenação,
mas voltou a Portugal e da vitória
de Aljubarrota participou, pois ele quis
demonstrar seu apoio à nomeação
de Dom João, aos espanhóis em negação.

Em Mil trezentos e oitenta e cinco foi Aljubarrota;
depois disso, ainda em Algarves combateu;
morreu de velho, já em Noventa e três,
Oitenta e oito anos em sua rota...
Enquanto vivo, Dom Pedro concedia
condados pelo solo português
a seus três filhos, a mais velha, Beatriz,
Condessa de Albuquerque nomear quis.

Fez Dom Diniz o Conde de Cifuentes;
abriu mão do seu Dom João, feito Duque de Valença
em Castela, por matrimônio e preferência;
por isso muitos ficaram descontentes,
sem lhes dar o valor que seu pai pensa,
reforçando assim de Aviz a sua potência.
Foi Dom João legitimado por sua vez,
por ter nascido após a dupla viuvez...

A estátua mais antiga conhecida
de Ignez de Castro a mostra assentada,
mas com a cabeça pendente de tristeza;
foi por Simões de Almeida ela esculpida.
De Ignez a história foi em versos recontada
por Antonio Ferreira, com vastíssima nobreza
em Mil quinhentos e oitenta e oito: outra tragédia
fez João Baptista Gomes, de valia apenas média.

EPÍLOGO

Naturalmente, por Camões mais a lembramos...
Há muitos quadros inspirados nesta história:
O Assassinato de Ignez, de Columbano
Gonçalves Pereira, porém mais recordamos
essa gravura da mais perfeita glória
de Salvador Martínez Cubells, sem engano.

Foi uma história real dos dois amantes
e não relatos de fadas deslumbrantes,
pois na vida real é diferente
e um fim feliz não premia a toda a gente...

OBSERVAÇÕES:

Dona Beatriz, a filha mais velha sobrevivente de Dona Ignez e Dom Pedro, que recebeu o nome da mãe deste e foi feita Condessa de Albuquerque, casou-se com Dom Sancho de Castela, filho do rei Alfonso Onze.  Teria tido cinco filhos e os cronistas discordam se dois ou quatro sobreviveram. 

Dom Diniz casou em Navarra com Dona Joana Henriques (ou Juana Enriquez), filha do rei Henrique Segundo e teve dois filhos, Dom Pedro e Dona Beatriz, ambos atingindo a idade adulta.  A vida aventurosa deste príncipe daria um romance, mas não é este nosso objetivo.

Dom João casou-se duas vezes, com a fidalga Dona Maria Telles de Menezes, com a qual teve um filho, irmã da rainha Leonor de Castela, recebendo como dote o ducado de Valenza del Campo, abrindo mão de seu feudo português e de qualquer pretensão à coroa; por morte desta, com Dona Constanza de Castela, apelidada La Rica Hembra, ou A Bela Fêmea, que lhe deu duas filhas. 

Deste modo, os filhos de Dona Ignez e de Dom Pedro Primeiro mantiveram sua linha de descendência por, ao menos, sete filhos e filhas, seus netos se espalhando pela França e pela Espanha, além de Portugal. 

É claro que Dom João das Regras, mestre ou doutor em Bolonha, na Itália, cujo nome verdadeiro era Joannes ou Guannes Affonso de Aregas, 1377-1404, apoiava desde o início a coroação de Dom João, Mestre de Aviz, filho ilegítimo de D. Pedro Primeiro, legitimado pelo pai e pela igreja.  Mas o argumento principal contra a investidura dos filhos de Dona Ignez era que o Papa Inocêncio VI se havia recusado a legitimar o seu casamento, portanto seus quatros filhos eram bastardos.  Contudo, o Protetor (Reitor) da Universidade de Lisboa, mesmo assim, referiu-se aos quatro como Infantes, prova de que ele mesmo reconhecia sua legitimidade, mas não poderia jamais contrariar a decisão papal.

Alguns historiadores afirmam que a recusa papal foi devida a instâncias de Castela, cujo rei pretendia o trono português.  O fato é que em 1385 Castela invadiu Portugal, sendo derrotada na famosa batalha de Aljubarrota, que confirmou a soberania portuguesa e a Dinastia de Aviz.  Mas pela morte de seus últimos representantes, a Espanha, já praticamente unificada, insistiu em sua pretensão, governando Portugal de 1580 a 1640.  Durante esse período, perdeu quase todo o império colonial português para seus inimigos, em especial a Inglaterra e a Holanda.  Somente a Restauração, com a coroação do Duque de Bragança permitiu que o Brasil fosse retomado aos holandeses e Angola e Moçambique aos ingleses, em grande parte graças ao denodo de Mousinho de Albuquerque. 

Alguns genealogistas afirmam que os eurodescendentes podem traçar a sua ascendência a todos os europeus que viveram e deixaram filhos no século quinze, que dirá deste casal que viveu e morreu ainda no século quatorze.

Finalmente, é uma ironia da história que Diogo Pacheco, o principal dos assassinos, jamais fosse punido e morresse de boa velhice como válido de D João I, o Mestre de Aviz... Também teve uma vida aventurosa, recebido pelos então reis da França e de Castela.  A bondade deste último retribuiu combatendo contra ele em Aljubarrota.




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