A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS
(História contada em
prosa por Alexandre Dumas Père, atribuída por este ao poeta
Gérard de Nerval,
versão poética William Lagos, 26 ago 15)
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS I
No extremo leste do
reino da Hungria
havia há séculos uma
pequena aldeia,
tão pequena que nem
sequer está nos mapas,
durante o reino de
Maria Thereza,
imperatriz da Áustria,
a qual pertencia
a coroa da Hungria,
por direito hereditário;
Ali Madalena, uma
viúva, residia:
vivia de frutas,
hortaliças, mingaus, sopas,
sentando-se com ela,
junto à mesa,
seu filho Janos,
plantador de aveia,
em viver simples, bem
humilde e ordinário...
Janos, na época em que
transcorre a história,
vinte anos já fizera,
moço forte e vigoroso,
cabelos louros
crespos, franco e azul o olhar,
que trabalhava então
de sol a sol,
podando as árvores,
sem qualquer vanglória,
plantando a horta e
canteiros de flores,
trigo e centeio, sem
buscar vitória
entre as donzelas
lindas do lugar,
algumas vezes pescando
com anzol,
em um regato claro e
vagaroso,
trutas e carpas de
variadas cores...
Quase nunca ele da
chácara saía,
pois Madalena é que
vendia na feira
as frutas e legumes
que sobravam;
um ao outro
extremamente dedicados.
Só aos domingos ele à
missa a conduzia,
na pequena capela de
sua aldeia;
após a missa, nas
tardes, porém ia
escutar os musicistas
que tocavam
as melodias do povo,
em tons bem afinados
e então dançava ante a
música ligeira,
com as donzelas, a
quem o ritmo incendeia.
Madalena com as amigas
se assentava,
algum ciúme sentindo
de seu filho,
mulher alguma a achar
merecedora
desse formoso rapaz
que ela gerara...
Mas Janos a nenhuma
namorava
e retornava com sua
mãe, de tardezinha;
segunda-feira, bem
cedo, levantava...
Madalena era também
trabalhadora,
porém Janos há muito
tempo a acostumara
aos trabalhos mais
leves: moía o milho,
o trigo e a aveia e
cuidava da cozinha...
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS II
De fato, até mais a
pouparia,
se na granja o tempo
todo não gastasse;
contudo a casa era
pequena; ela lavava,
bem pouca roupa sujando
os dois assim,
mas no trabalho o
ajudar não permitia:
“Mamãe, a senhora me
criou
com o máximo esforço
que podia;
Papai da guerra nunca
retornava,
firme lutando ao toque
do clarim,
sem sabermos se
morrera ou se encontrasse
prisioneiro após
batalha que travou!”
A essa altura, é quase
certo que morrera,
pois os turcos aos
prisioneiros não poupavam
e há mais de quinze
anos fora embora...
Se Madalena o seguia
até o pomar,
ela sentava numa
esteira que tecera,
as prédicas a ler no
seu missal;
cantava Janos as
melodias que aprendera,
louvando a pátria ou a
rainha nessa hora;
era patriota, sem
querer ser militar,
pois era arrimo e
assim o dispensavam, (*)
pois o trabalho na
terra era vital!...
(*) Responsável pelo
sustento da família.
Mas certo dia, já Janos
não cantava
e seguia trabalhando
sem vontade...
Pior ainda, quando
havia lua cheia,
ficava horas na rua,
sem entrar...
Madalena com ele então
se preocupava,
mas continuava no
labor, forte e robusto:
sua saúde ainda plena
conservava,
só não falava no almoço
e nem na ceia
e era inútil para a
mãe o interrogar,
pois respondia, a
pretender sinceridade
que nenhum mal lhe
causava qualquer custo.
Mas tanto a mãe com
Janos insistiu,
que, certa noite,
afinal, lhe confessou:
“O meu problema é que
estou apaixonado...”
“E essa moça maldosa o
rejeitou...?”
“Não, Mamãe, não fez
troça e nem se riu,
mesmo assim, o meu
amor é impossível!”
“Por que, meu filho,
quem é?” – a mãe pediu.
“Se for a filha do
juiz ou delegado,
irei pedir sua mão!...
Diga, e já vou!...”
“Não é Bertha e nem
Hildiko,” Janos suspirou,
“mas não lhe conto,
porque vai achar incrível!...”
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS III
“Nós somos camponeses,
porém trabalhadores
e ambos gozamos de boa
reputação...
Mas não me diga!...
Será a filha do barão?”
“Mais do que isso,
minha mãe querida!...”
“Meu Deus do céu! De qual dos grão-senhores?”
“Não é condessa,
Mamãe, e nem marquesa...”
“Meu filho, de onde
tirou esses pendores?
Só por retrato
apaixonou seu coração...?”
“Eu já a encontrei,
Mamãe, na minha vida...”
“Quem então lhe causou
tanta emoção?
Uma duquesa, quem sabe
uma princesa...?”
“Se eu lhe disser, não
vai me acreditar
e é capaz de pensar
que fiquei louco;
é por isso que não
queria lhe dizer,
mas ela é a filha do
Rei das Toupeiras!”
“Meu filho, você está
a blasfemar!
Como pode ter amor por
um animal?
Vamos à cidade,
podemos consultar
a um bom médico, que
dirá o que fazer!”
“Não lhe contei essas
coisas por inteiras:
ela é humana, Mamãe!”
– com a voz rouca,
Janos falou de sua
visão fatal...
“Veja bem, certa
manhã, de madrugada,
eu levantei e fui logo
trabalhar
e vi os canteiros de
flor esburacados!
Por sorte, as flores
não haviam murchado
e as replantei, com a
mão e com a enxada,
mas de repente,
abriu-se outro buraco
e ali surgiu uma
cabeça desgrenhada
e logo vi quem me
causara tal cuidado!
Ergui a enxada e ia
matar o bicho malvado,
Mas percebendo o meu
aproximar,
interpelou-me com um
lamento fraco...”
“Senhor Janos, não me
mate, por sua fé!
Esses buracos eu não
fiz por mal,
foi ignorância, sou
ainda muito nova!...
Caso hoje aceite me
poupar a vida,
eu lhe garanto que
jamais porá o pé
qualquer toupeira em
sua propriedade!”
Nunca soubera que
animal falasse; e até
ela podia esconder-se
na sua cova,
mas ao contrário, se
dava por vencida
e suplicava
tristemente o animal!...
‘Vá em paz!’ – eu lhe
disse, sem maldade...”
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS IV
“’Muito obrigada,”
agradeceu ela, gentilmente.
“Se por acaso quiser
me ver de novo,
volte amanhã, tão logo
saia a lua,
que irei contar-lhe um
segredo, se vier...
Não abrirei mais
buracos, certamente!...’
Logo a seguir,
enfiou-se pela terra...
Se mais ficasse, me
deixaria contente,
mas desaponto na mente
me flutua,
sem que o convite eu
pudesse agradecer
pois já a terra se
fechara, num renovo,
sem um vestígio de que
algo ali se encerra...”
“Por certo um tal
estranho sucedido
eu pensei de imediato
em lhe contar,
mas resolvi esperar
até o outro dia,
poderia imaginar que
eu só sonhara,
tão singular o que me
havia ocorrido!
E decidi esperar o dia
seguinte:
pois se, de fato, não
tivesse acontecido?
Cada canteiro de flor
ileso eu via!...
Sem dúvida, as
touceiras replantara,
mas não havia uma só
marca para olhar!
Será que alucinara,
com requinte?...”
“No dia seguinte, bem
na hora marcada,
sem dizer nada, saí
para o jardim
e pus os olhos na
fímbria do horizonte,
bem onde a Lua deveria
então surgir.
Logo o luar, em pura
luz prateada,
me envolveu, porém
nada de toupeira!
Por que essa emoção
descontrolada,
tal desaponto sem
qualquer reponte,
porque esse bicho não
chegara a vir?
Dei uma risada e já
voltava, enfim,
para o descanso em
nossa casa hospitaleira...”
“E então, no meio do
canteiro do rosal,
vi surgir uma visão de
formosura:
uma donzela de negros
cabelos,
olhos castanhos,
cheios de meiguice,
túnica branca, de
caimento natural,
com um cinto tecido em
fios de ouro
e um diadema sobre a
fronte virginal...
Mulher alguma me
mostrara tais desvelos!
Fiquei assim perdido
em sua ledice...
Seria um encanto essa
visão tão pura?
E embatuquei, em
tímido desdouro...”
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS V
“Meu controle retomei
e recobrei a fala:
‘Quem é você? Como entrou em meu jardim?’
‘Subi agora, estava
embaixo de sua terra,’
Respondeu-me a jovem,
com sorriso belo...’
‘Embaixo da terra?’ –
minha dúvida não cala...
‘Meu bom amigo, eu sou
a tal toupeira
que em sua bondade,
decidiu poupá-la...
Foi caridoso e meu
coração encerra
uma grande gratidão
por seu desvelo...
Bem pouca gente se
portaria assim:
prometi retornar e
aqui estou, inteira...’”
“’Contar-lhe hoje um
segredo prometi...’
‘Pois então conte...’
– respondi, baixinho.
‘Chamo-me Avenca e sou
a filha e herdeira
de Alvinrude, das
toupeiras grande rei,
que tinha forma
humana, qual eu vi
nessas pinturas
penduradas no salão...
Querela teve com o
bruxo Belakry, (*)
magia negra a
controlar inteira,
que feitiço lançou ao
rei e à grei...
Do subsolo ao palácio
abriu caminho
E a todos transmutou,
nessa ocasião!’”
(*) Querela = disputa;
grei = povo, súditos.
“’De todo o povo, só
eu posso aparecer
em forma humana,
porque nasci depois
e à superfície, quando
a Lua é Cheia,
posso subir, mas só
por poucas horas;
meu pai e mãe e a
corte sem poder
recobrarem jamais a
forma humana...
Pedir-lhe então para
sempre vir-me ver,
ao se atenuar de tal
encanto a teia,
não seria justo!...
Vou partir sem mais demoras,
se tempo longo
ficarmos junto os dois,
tão só a infelicidade
nos irmana...’”
“’Adeus, Janos!’ –
disse ela e se afundou
no solo aberto, sem
pressa, lentamente
mas no momento em que
fui abraçá-la,
meus braços se
fecharam sobre o ar!
Desde essa noite não
mais ela retornou,
por isso passo as
noites no jardim...”
“Meu filho, por que
nada me contou?...”
“Porque esta história
certamente a abala:
por uma toupeira eu
fui me apaixonar!...”
“Meu Janos, é um
sacrilégio, realmente:
foi feiticeira que o
encantou assim!...”
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS VI
“Não, Mamãe, ela é
humana e encantada!”
“Mas como pode desejar
uma mulher
que será um animal
quatro semanas
e humana apenas parte
de uma noite...?
Não, meu filho, por
Satanás foi enviada
para roubar o seu honesto
coração!...”
“Se fosse assim, ela
estaria condenada
a me tentar, tais
quais jovens humanas
e submeter-me de sua
beleza ao açoite!
Se não voltou, é que
tal mal não quer...”
“Meu filho, não foi
sonho ou ilusão...?”
“Que nada, Mamãe! Mulheres vi em sonhos,
porém jamais de uma
beleza semelhante!
Decerto é a filha do
Rei das Toupeiras,
tolhida por um mau
encantamento...
Não imaginaria nos
devaneios mais bisonhos!
Apaixonei-me, mas por
mulher real!...”
“Por causa dela seus
dias são tristonhos!
Ela lhe disse, com
frases bem certeiras
que não retornaria um
só momento!...
Esqueça, meu filho, um
tal sonho delirante,
que tal paixão só lhe
pode ser fatal!...”
Janos sorriu, porém
não concordava:
“Quem pode governar
seu coração?”
Mas após confidenciar
o seu segredo,
passou a trabalhar
mais aliviado...
A Lua Cheia sempre ele
esperava:
foram três meses mais
em que não via
a prodigiosa donzela
que adorava,
sentindo até mesmo um
certo medo
de ser por ela
eternamente ignorado...
não obstante, pela
força da paixão,
lá estava ele,
mensalmente, de vigia...
Madalena muitas vezes
suplicou
a seu filho que
retornasse para o lar
e finalmente, como não
o dissuadisse,
disse-lhe: “Também
fora então eu ficarei...”
com o que Janos
facilmente concordou:
“Mas se assente ali na
sua esteira...”
Ele ficou de pé e em
silêncio rezou
para que ao menos
outra vez a visse,
sabendo embora que era
filha desse rei
e lhe dissera que não
iria retornar:
queria ao menos uma
visita derradeira!”
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS VII
Mas no momento em que
saiu a Lua Cheia,
foi-se formando um
monte alto de terra,
bem no caminho entre
os canteiros do jardim;
e ao invés da bela,
surgiu uma toupeira
gigantesca e uma coroa
relampeia
bem no alto da cabeça
da figura!...
Madalena muito dela se
arreceia,
soltando um grito de
pavor assim,
porém Janos dirigiu-se
até a esteira:
“Não se assuste,
Mamãe, quem se descerra
é Alvinrude, o rei,
majestade que perdura!...”
“Tenha certeza de que
não nos fará mal!”
E a toupeira falou,
com voz humana:
“Minha pobre filha não
para de chorar:
venha comigo e lhe
darei sua mão,
que acederei a seus
desejos, afinal;
será meu genro e, mais
tarde, meu herdeiro!”
E já o envolvia em um
abraço triunfal,
mas a mãe o agarrou,
sempre a gritar:
“Meu Janos, não cometa
essa traição!
Pense em sua mãe! Não
caia nessa trama!
Esse é o Diabo, vai
devorá-lo por inteiro!...”
Então Janos escutou a
voz materna,
do aspecto do rei já
temeroso,
que sacudiu em
desaponto sua cabeça...
Já Madalena sentia-se
aliviada,
quando surgiu uma
figura terna
do tal buraco por que
viera o rei!
“Venha, Janos, serei
sua noiva eterna!”
Faz o amor que tudo
mais se esqueça
e Madalena exclamou,
desesperada,
quando ele entrava na
cova tenebrosa:
“Não Janos, eu não o
permitirei!...”
Mas tão logo
desapareceu ali o casal,
surgiu o rei outra
vez, para impedir
que Madalena a descida
atrapalhasse!
E dando um grito, a
coitada desmaiou!
Desceu o rei para a
cova tão fatal;
sem mais vestígios,
ela inteira se fechou!
Madalena não morreu, é
natural...
Abriu os olhos, sem
que sinal notasse
do buraco em que Janos
se afundou!
Entrou em casa aos
gritos, a inquirir,
porém em peça alguma o
filho achou!...
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS VIII
E tanto a pobre
Madalena lamentou
que os vizinhos
ficaram perturbados:
primeiro uma comadre,
depois um bom amigo
foram chegando e a
pobre mãe fez o relato.
A princípio, ninguém a
acreditou,
mas a seguir se
dispuseram a ajudar...
Em sua tristeza,
Madalena comentou:
“Eu preferia que
doença ou inimigo
tivesse morto meu
filho! Mais me abato
ao ver seus restos
aqui enterrados,
com ele vivo e não
podendo respirar!...”
E tanto ela falou, que
seus vizinhos
escavar foram no lugar
ali indicado,
porém sem nada
encontrar... E então
foram rápido os
canteiros cavoucar,
abrindo neles covas e
caminhos...
Os homens as hortaliças
carregaram
e as mulheres as
flores sem espinhos,
deixando a chácara
numa desolação,
mas sem nada
conseguirem encontrar,
colhendo mesmo das
frutas um bocado
e do alimento a
Madalena despojaram!...
Não eram maus, mas já
que trabalhavam,
queriam ter uma certa
recompensa;
ninguém achou
quaisquer túneis ou toupeiras.
Passou-se um ano,
Madalena a definhar...
Nas Luas Cheias, seus
passos a levavam
até o ponto em que
Janos lhe sumira;
de lágrimas seus olhos
marejavam,
até que um dia, já
quase as derradeiras
Madalena continuava a
derramar
e então surgiu diante
dela uma presença:
a bela jovem que havia
um ano vira!...
“Ah, malvada, que
roubou-me o filho!...”
Mas a princesa
falou-lhe, ternamente:
“A Senhora pode vê-lo
uma vez mais,
mas para isso, deverá
descer comigo...”
“E se eu seguir o
amaldiçoado trilho,
é de certeza que de
novo o encontrarei...?”
“Eu lhe prometo, mas
enquanto dura o brilho
do luar. Terá de ser agora ou então, jamais!”
Persignou-se a viúva
ante o perigo:
“Dá-me coragem, ó
Deus, que ora me alente!”
Fechou-se a terra e de
novo viu o rei...
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS IX
Logo no reino
subterrâneo penetrou,
em um palácio feito só
de terra,
porém completo em sua
magnificência,
com toupeiras a correr
por toda parte,
mas a princípio o seu
filho não achou.
“Onde está Janos,
dizei-me, Majestade!”
Alvinrude uma cortina
descerrou
e viu recompensada a
sua paciência:
como um príncipe seu
filho viu destarte,
saúde e alegria sua
aparência encerra
e o abraçou, na maior
felicidade!...
“Deus, afinal, escutou
minha oração!
Venha comigo, de volta
para o lar...”
Janos falou: “Mamãe,
não poderei...”
“E quem o impede, esse
rei peludo?
É uma toupeira e nem
tem coração!
Devolva-me meu filho,
por favor!...”
“A senhora está
enganada em tal menção:
piedade eu tenho,” –
respondeu o rei,
“E um bravo coração,
disposto a tudo;
porém seu filho irá
hoje desposar
a minha filha, por
quem tem grande amor!”
“Ai, meu Deus!” –
lamentou-se Madalena.
“Jamais na vida
poderia imaginar
que este meu filho,
tão belo e educado,
tão bom cristão,
acabasse por casar
com uma princesa a
quem o azar condena
para ser, que
tristeza!... uma toupeira!...
Não, senhor rei, essa
ideia me envenena!
Quero meu filho de
volta, do meu lado,
ou não terei neste
mundo mais lugar!...
Eu vou morrer, senhor
rei, de lastimar...”
“Para tudo solução há
derradeira...”
“Já que não pode de
seu filho se afastar,
pode a senhora ficar
morando aqui...”
“Ah, eu fico!... Eu
tenho muito medo,
mas com meu filho,
todo lugar é belo!...”
“Ah, sim, Mamãe, só
poderia desejar
que a senhora
permanecesse de meu lado...”
“O que eu receio é que
venham me atacar
esses cegos animais em
seu degredo!...
“Mas foram homens,
senhora, antes de sê-lo,
pois um mau
encantamento eu recebi,
a maldição de Belakry,
o Malvado!...”
A FILHA DO REI DAS TOUPEIRAS
X
“Não que algum crime
eu tenha cometido:
só o derrotei em um
torneio de xadrez
e então caí na asneira
de troçar!...
Belakry é o pior dos
perdedores
e nesta maldição fui
envolvido...
Nós somos gênios
protetores dos humanos,
mas fui tomado então desprevenido
e eis-me com minha
corte a lamentar!
Conservamos a
inteligência e os pendores
dos seres humanos, mas
não mais sua tez
e há muitos anos a má
sorte suportamos!...”
“Só consegui conservar
a voz humana
e até um certo ponto,
a sua visão,
todos meus súditos
aqui cegas toupeiras...
Quando minha filha
nasceu, dei-lhe poder,
uma vez a cada mês,
sob a Lua soberana,
voltar à forma humana,
em sua beleza,
mas nem a mim igual
poder conclama...
Mesmo minhas tropas
leais e verdadeiras
ao subsolo não
consegui trazer,
há muitas décadas já
dura a maldição
e já morreram todos,
com certeza...”
“E precisando dispor
para a defesa
deste meu reino, por
minúsculo que seja,
de alguns soldados,
mandei minhas toupeiras
nos campos de batalha
achar feridos,
que para cá trouxeram,
sem lerdeza
e de imediato todos se
curavam...
Mas uma hora depois,
igual vileza
os transformava, suas
formas sobranceiras
eles perdiam...
Toupeiras são, bem aguerridos,
mas a cegueira sobre
os tais se enseja
e assim melhor à
escuridão se adaptavam...”
“Somente eu e minha
filha é que enxergamos
e ela há um ano
transferiu igual poder
a Janos, seu filho, no
mais puro amor;
assim ambos conservam
forma humana
e conseguem enxergar,
sem sofrer danos...
Só há um problema: se
a senhora aqui ficar,
se deixará cegar, sem
mais reclamos...”
“Mas não há
alternativa a tal horror?
Senhor rei, é uma
ordem desumana!...
Meu filho assim não
poderei mais ver!...
“Mas estará a seu lado
e o poderá tocar...”
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS XI
“Contudo, senhor rei,
isso é demais!...
Poupe-me a vista e
apenas olharei
para meu filho! Caso falhe ao juramento,
a minha visão
perderei, como castigo!”
“Isso é
impossível! Em circunstâncias naturais
é claro que a senhora
há de enxergar
outras coisas... Mas poderá, ademais,
à superfície voltar
neste momento;
mas nunca mais o verá
em outro abrigo.
Não há meio termo: ou
cegá-la eu mandarei
ou para a superfície
há de voltar!...”
“Em sendo assim, que
mais posso fazer?
Que a luz dos olhos me
tirem eu consinto,
mas de meu filho quero
agarrar as mãos:
não mo podem roubar
segunda vez!...”
Chegou-se Janos, sem
nada mais dizer,
e ajoelhou-se a seus
pés, a segurar
suas duas mãos, pois
não mais o iria ver...
Em um braseiro,
aqueceram dois ferrões...
Ao ver as brasas,
chorou de insensatez
e disse a Janos: “Sua
face em mim eu sinto,
está gravada e jamais
a irei olvidar!...”
Então o rei falou-lhe,
lentamente:
“Está bem decidida,
boa mulher?
Reflita bem. Pode voltar atrás,
pois há de sofrer
horrível dor:
não prefere a luz do
dia novamente?”
“Ah, não me tente,
Majestade: decidi
e a decisão mantenho
firmemente!
Jura, meu filho, que
não me deixarás!”
“Juro, Mamãe, por todo
o nosso amor!”
“Pois então, faça
agora o que quiser!
Lembra, meu filho, o
que por ti hoje sofri!”
E as duas toupeiras se
foram aproximando,
cada uma delas com um
ferrão em brasa
e Madalena ergueu
firme sua cabeça!
Mas no instante em que
seria tocada
um enorme trovão foi
ribombando
e a Terra inteira em
terremoto estremeceu!
A pobre mãe outra vez
foi desmaiando,
mas quando abriu os
olhos, sem ter pressa,
tendo certeza de que
já fora cegada,
o rosto amado de seu
filho divisava:
que era um lugar
maravilhoso percebeu!
A FILHA DO REI DAS
TOUPEIRAS XII
Mas diante dela se
ajoelhava o rei,
junto com a filha de
singular beleza,
mais cortesãos em
grande multidão,
cercados por soldados
e por pajens...
“Mas o que é
isso? Meus olhos eu salvei?”
“Mais do que isso, a
todos nos salvou:
o encantamento que
jamais quebrei
foi derribado por sua
abnegação;
de muitos outros
testamos as coragens,
mas nunca algum
aceitou esta crueza;
somente assim a
maldição nos quebrantou!”
“Este é o meu palácio
verdadeiro
e o rei dos gênios
destruiu o malefício
e colocou a Belakry no
meu lugar!...
Vamos, portanto,
realizar o casamento!”
Um dos soldados pediu ao
rei, ligeiro,
permissão para falar
com Madalena;
pensou primeiro que
fosse um estrangeiro,
mas a seguir foi
novamente se espantar:
“Você é Lajos!” –
gritou nesse momento.
“Mas está igual, sem
sofrer do tempo o vício!
E eu estou velha! –
falou, com grande pena.
“Não, Madalena, você é
jovem novamente,
tão bela quanto em
nosso casamento!
Isso faz parte do
bendito sortilégio
que provocou com sua
abnegação...
Quase morri numa
batalha, realmente,
mas as toupeiras me
trouxeram para aqui
e me curei das feridas,
totalmente...
Se me quiser, em novo
florilégio,
de nosso amor haverá a
renovação...”
“Tudo mudou a partir
desse momento,
só porque num
sacrifício eu consenti...?”
E assim foi celebrado
o casamento
e Alvinrude recuperou
o seu país;
porém vivera muito
tempo e abdicou:
“Tem o reino precisão
de sangue novo!”
E assim tiveram Janos
e Avenca assento,
por longos anos no
trono esplendoroso;
tudo porque dera a mãe
consentimento
para a sentença que se
não executou;
amor maior não há em
qualquer povo
que o de uma mãe pelo
filho que mais quis,
todos felizes nesse
mundo prazeroso!...
EPÍLOGO
Infelizmente, no mundo
dos mortais,
nem sempre se realiza
essa esperança,
mas qual de nós seria
capaz de tal bondade?
Contudo, é certo que
no país das fadas
sempre os bons têm
recompensas naturais
e sempre os maus no
final são castigados.
Ninguém se prenda só a
coisas materiais,
mas na virtude
encontrará a felicidade!
Eis que tocaram já as
nove badaladas!...
Chegou a hora de
dormir qualquer criança,
para acordarem de
manhã bem humorados!
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