terça-feira, 17 de novembro de 2015






ACUPUNTURA – Versos Experimentais
William Lagos (2002?)

ACUPUNTURA I 
eu deixaria outro furo no horizonte
para cada aeroplano que me aponte
o voo em vão
na exaltação
do furacão
a sua fumaça no liquidificador
garantiria muito mais sabor
o pôr do sol
preso em anzol
é um caracol
os helicópteros pescaria que pendessem
para a vida intrauterina em que se aquecem
no caos perfeito
sempre eu ajeito
qualquer direito
nesse escuro totalmente cintilante
meu coração transtornado num diamante
qual elefante
oscilante
num barbante

ACUPUNTURA II
nesta concreta mensagem do impossível,
na existência irreal e memorável
bebendo a cor
lambendo amor
encontro pouco ardor
no gélido calor em que tanjo o inacessível
nos rasgões das costuras do inconsútil (*)
fenômeno
paralipômeno (**)
prolegômeno (+)
toda essa cor eu já bebi do arco-íris
tornou-se a escala gris em que tu gires
vestes talares (1)
sem alamares (2)
com desgastares
dos paramentos sagrados que hoje envergas
com desgastares finos em que enxergas
espectrografia
geografia
fria
(*) Pano sem costuras. (**) Crônica. (+)  Introdução.
(1) Trajos sacerdotais. (2) Enfeites de uniforme.

ACUPUNTURA III
e não importa quanta pompa entones
são apenas circunstâncias que abandones
a longa praia
a curta saia
sem qualquer vaia
essa paleta se dissolve em negror branco
cada toque do pincel em novo arranco
corredor manco
o joelho espanco
o sonho tranco
e o resultado final destarte estanco
dança a aquarela pintada sobre a água
plúmbeo cinzor
sem o frescor
do amor
as cores brandas eu guardo dentro dalma
e as devoro lentamente em pura calma
no amarelado
dente quebrado
no meu passado

ACUPUNTURA IV
eu te convido a aquarelar todo o universo
e a repicar o carrilhão em brando terso
acupuntura
a alma perfura
em canelura (*)
dobre a finados para todo o verso
que no futuro já lancei disperso
mofados nós
vamos empós
do algoz
de novos filhos já pediste demissão
no assassinato de toda a ovulação
a cada mês
que não concebes
em rubra tês
futuricídio de qualquer concepção
destinada somente para o esgoto
abstinência
traz impotência
extensa
(*) Sulcos verticais em uma coluna.

ACUPUNTURA V
destarte à minha mãe devo dar graças
talvez à tua mãe o mesmo faças
nada que eu vi
nem assisti
só estou aqui
mas ao fazê-lo tua própria ação embaças
pela memória das sendas que não traças
no sacrifício
um dentifrício
vício
quando deixaste de percorrer a via
que te recomendou a biologia
que a morte espia
quando sorria
e não nascia
a minha mãe e a tua nos nutriram
e imperceptivelmente nos uniram
querendo mais
nunca demais
corais

ACUPUNTURA VI
mas nossos mortos irmãos se diluíram
não foi inútil, sempre eles serviram
são dos insetos
os objetos
fetos
e alimentaram a multidão dos peixes
por isso te suplico não me deixes
num saco plástico
preso em elástico
rústico
mas tu que agora não queres mais gerar
qualquer motivo para não engravidar
que não me abortes
cordão não cortes
sem que te importes
pois simplesmente apresentas demissão
de teu emprego na concepção
tão perdulário
o triste horário
do teu ovário

ACUPUNTURA VII 
sem transmitir a tua beleza e graça
no deeneá que existe em ti da raça
em que congraça
leve desgraça
diante da praça
recortaram de meu sonho uma vidraça
com um diamante de espessura escassa
caixilhos
de olhares filhos
sem brilhos
vou recortar um postigo no arrebol
para tapar o buraco desse sol
na eclampsia
no eclipse
da silepse (*)
o pobre sol sairá brilhando sobre a mata
com um pacho no olho qual pirata (+)
seis raios pretos
traços discretos
mas não secretos
que toda a vida é afinal enviesada
quando a menstruação não leva a nada
sem que haja som
no meio-tom
bombom
(*) Concordância com o sentido e não com a sintaxe.
(+) Pano negro tapando um olho.

ACUPUNTURA VIII
são virgens tolas que esqueceram o azeite
chegado o noivo antes que suspeite
trompas vazias
pois não sorrias
por novas crias
num desrespeito à descoberta de Falópio
quando o óvulo canta em tom de ópio
ao meio-dia
temor se via
dor pressentia
mas as mulheres dos povos mais selvagens
enfrentam sem temor essas passagens
mesmo no mato
junto ao regato
ocorre o fato
banhando as crias na mesma água do rio
guardam num cesto em que não sintam frio
mal sentem dores
não têm pavores
diversas flores

ACUPUNTURA IX
acredito que nenhuma a bíblia leu
com a maldição que nela se inscreveu
bem diferente
de cada crente
que civilizadamente
firme obedece o velho mandamento:
“teu filhos parirás com sofrimento”
bem ressentido
do mal havido
ofídio rito
que redigiu decerto um sacerdote
mais ressentido do feminino dote
a pobre cobra
cabeça dobra
e a morte sobra
como castigo da antiga tentação
que lá do éden expulsou o velho adão
mas os adinhos
em pequeninhos
curtos passinhos

  ACUPUNTURA X
que nessa crença toda a culpa adorne
puramente a mulher serpentiforme
mulher carnal
feio canal
pecado original
como dizia tomás de aquino triunfal:
“erva não nasce onde cai sangue menstrual”
no chão lançado
fica empapado
o seu pecado
mas de acusá-lo eu peço demissão
surrealismo não me afeta o coração
verde implosão
na inação
da confissão
e à acupuntura voltarei agora
nas doces lágrimas de nossa senhora
se a praticasse
e a nós negasse
a alada graça

ACUPUNTURA XI
que estes poemas de falsa embriaguez
não fui eu que escrevi, apollo o fez
criando outrora
a doce hora
do meu agora
por isso eu peço de toda a acupuntura
a demissão completa e toda pura
que dionyso
verso deciso
cheio de riso
transmita sempre, sem aposentadoria
os seus poemas no mosto que me envia
no meu caminho
espinho
alinho
vou recolher-me ao aposento do negror
a inocência paralela do cinzor
em semitom
de puro som
no dom

ACUPUNTURA XII
as suas paredes um dia foram verdes
mas desse musgo o meio-tom já perdes
só me protejo
de algum desejo
mofo não beijo
sob este tronco que não é mais redondo
o seu cilindro há muito não repondo
não tenho sombra
somente assombra
a velha alfombra (*)
hoje tornou-se cria de serraria
no leito frio de uma carroceria
amassado
acarinhado
por nada
como estes versos que aqui terminem
sem que meus dedos os sequer assinem
com sangue fino
como menino
sem ter destino
(*) Tapete grosso no chão de dormitório.

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



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