O CÃOZINHO VALENTE E OUTRAS HISTÓRIAS
WILLIAM LAGOS, 31 OUT / 02 NOV 15
(Versificado sobre três
histórias em prosa de O THESOURO DA JUVENTUDE).
O
CÃOZINHO VALENTE I – 31 OUT 15
Vivia
em França um forte lenhador
chamado
Brisquet; Brisquette era sua esposa, (*)
Briscotan
seu filho e Briscotina, uma formosa
menina,
ambos filhos de máximo valor.
(*) O
nome do lenhador se diz “Brisqué”, com “e” aberto.
Pois
todos se tratavam com amor,
mesmo
educados de forma rigorosa,
numa
união familiar bem vigorosa,
para a
qual todos contribuíam com calor.
Briscotan
tinha castanhos os seus olhos,
mas
Briscotina olhar azul e testa loura;
tinha
ele sete, ela apenas cinco anos.
E
tinham um cão, Brichon, negros refolhos
por
todo o pelo, que o azul olhar desdoura,
preto o
focinho, as orelhas em abanos...
Era
Brichon das crianças companheiro
e as
seguia em todos seus folguedos...
Já o
bosque ao lado ocultava maus segredos:
um
grande urso o percorria, sorrateiro...
Em
geral, bastante longe do terreiro,
mas Brichon
conhecia seus enredos
e pelo
faro acompanhava os passos quedos (*)
e em
perto estando, já ladrava bem ligeiro!
(*)
Silenciosos.
Nos
fundos da granjinha havia um galpão,
em que
guardavam a lenha, antes da venda;
temendo
o urso, não cultivavam mel,
que não
chegasse algum dia, em sopetão,
para as
colmeias descobrindo logo a senda
e
lambuzando seu focinho com seu gel...
Um
certo dia, atrasou-se o lenhador,
que não
chegou na hora costumeira.
Disse
Brisquette: “Vão olhar lá na traseira,
ver se
o seu pai já a lenha está a pôr...”
“Mas
não entrem na floresta, que ao redor
se
estende desta casa, sobranceira.
Pode
esse urso aparecer, fera matreira,
e
assustá-los ou fazer coisa pior!...”
Brichon
já ia acompanhando os dois,
porém
Brisquette mandou que ele ficasse:
“Se
Brisquet demorar mais, você o procura!”
Ficou o
cão a ganir logo depois,
já que
o guardião das crianças se julgasse:
sentia
no ar uma presença impura!...
Brisquet,
contudo, não se achava no galpão
e
Briscotan decidiu-se a ir procurá-lo;
Briscotina
resolveu acompanhá-lo,
de
preferência a ficar em solidão!...
E assim
os dois se embrenharam no matão,
em
busca de seu pai, mas sem achá-lo;
vinha
Brisquet por diferente valo,
trazendo
a carga de lenha e o machadão...
Bem que
estranhou por não ter sido recebido
pelas
crianças, como de costume...
“Eles
foram procurá-lo no galpão...”
Disse
Brisquette, o coração já comovido.
“Já
está escuro, dê-me acha com um lume, (*)
vou
descobrir esses capetas onde estão!”
(*)
Fogo. chama.
O
CÃOZINHO VALENTE II
Largou
a lenha atirada pelo chão
e pelo
cão Brichon logo chamou,
mas o
cachorro não se apresentou:
“Nisso
que dá vira-lata ter à mão!”
“Quando
preciso, nem me dá atenção!
Quero
um cachorro de raça!” – resmungou.
“Basta
assobiar e a meu lado já chegou
e nunca
deixa meus guris sem proteção!”
“Mas
Brisquet, fui eu que disse que ficasse...”
Falou
Brisquette, ao lhe alcançar o fogo.
“Pouco
me importa, não lhe obedeceu!...”
E com o
machado que bem alto alçasse,
o
lenhador precipitou-se logo,
pois a
floresta bem depressa escureceu!
Logo em
seguida, latidos escutou,
pensando
ouvir também uns fracos gritos.
“Meu
Deus! Estarão os dois aflitos?
Será
que o urso negro se mostrou?”
E dito
e feito. Rapidamente, ele chegou
a uma
clareira e viu Brichon em agitos,
como um
herói que vem de antigos mitos
que o
urso negro imenso já atacou!...
Dez
vezes seu tamanho, certamente,
os seus
dois filhos numa árvore encostados:
pobre
cãozinho! Bem lanhado dessa fera!
Mas
prosseguindo na defesa, bravamente;
pelos
rugidos do urso acompanhados,
os dois
irmãos em temerosa espera!
Foi bem
a tempo que o lenhador chegou,
porque
Brichon já estava bem ferido
e o
casalzinho, em seu medo incontido,
fugir
dali nem ao menos atinou!...
Porém o
pai por detrás se aproximou
e com o
seu machado, desabrido,
o
crânio do animal ficou fendido
e o
urso negro no solo desabou!...
Foi ver
primeiro se os dois estavam bem
e os
abraçou, tomado de carinho,
para
depois ir tratar do cachorrinho,
que
agora arfava pelo chão também,
quinze
feridas se esforçando por lamber,
de que
o sangue não parava de escorrer!
Voltaram
todos para casa, lentamente
e
Brisquette os recebeu, muito aliviada,
nenhuma
das crianças castigada,
no
imenso alívio da situação presente!
Logo
Brichon recuperou-se totalmente,
nenhuma
troca foi de novo mencionada;
bem ao
contrário, a criaturinha mais louvada,
quando
seus donos encontravam qualquer gente!
Esta
história em Lyon teria ocorrido
há
muitos anos... Provavelmente verdadeira
e não
só lenda, como em tanta se promete...
Mas não
passou muito tempo decorrido,
Brisquet
ao urso esfolou, com mão certeira
e o
pelo negro transformou-se num tapete!...
O HERDEIRO E O ESCRAVO – 01 NOV 15
O
HERDEIRO E O ESCRAVO I
Entre
temas variados, o Talmude,
a
coletânea das tradições judaicas,
de permeio
a doutrinas bem hebraicas,
para
que aos israelitas mais escude,
com
histórias de anjos nos ilude
ou
folclóricas, um tanto mais prosaicas,
obras
didáticas para as gentes laicas
ou de
maior filosofia que se estude.
Entre
estas, estão moralidades,
como
exemplos de bons procedimentos
e
algumas outras, de moral mais duvidosa;
também
poesias de altas qualidades,
mas boa
parte destes testamentos
nos
brindam fábulas escritas só em prosa...
Entre
os conselhos de procedimento,
a
história do homem rico encontraremos
e a
colocá-la em versos tentaremos,
para
melhor ou pior contentamento...
Tal
homem só tivera em seu alento
um
filho único, a que procuraremos
em uma
outra cidade e o acharemos,
onde os
negócios tratava a bom contento.
O velho
era viúvo e já adoentado:
comprara
um escravo para administrar
os seus
bens, que mostrou ser de confiança;
campos
e gado deixara a seu cuidado,
com
resultados ótimos a encontrar,
até
melhores que de anterior lembrança.
Semanalmente,
as contas lhe prestava
e
quando o filho chegava de viagem,
os dois
ficavam em vasta pabulagem (*)
e sua
confiança o filho confirmava.
(*)
Conversação amigável.
Mas
quando o pai percebeu se aproximava
a hora
de partir para a estalagem
de que
não se retorna, enviou mensagem
para um
velho tabelião em quem confiava.
E
registrou um estranho testamento:
“Deixo
meus bens para meu intendente,
com a
exceção de um só para meu filho.”
“Ele
que escolha a propriedade a seu contento,
pois
sempre se mostrou bom e prudente:
tenho
certeza de que achará o bom trilho...”
Ficou o
escravo no maior contentamento
e
deixando os negócios, apressado,
nem mal
o seu patrão fora enterrado,
foi à
cidade comunicar seu passamento,
levando
cópia daquele testamento,
sendo
nas mãos do rapaz logo entregado,
sem que
o herdeiro tivesse contestado
as
razões para um tal procedimento.
Mas
quando o intendente o apressurou
para
escolher o bem que lhe cabia,
pediu-lhe
um tempo, para pensar bastante;
e o
escravo prontamente concordou,
voltando
ambos pela mesma via,
sem
discutirem por um só instante.
O
HERDEIRO E O ESCRAVO II
Foi o
rapaz conversar com o tabelião,
enquanto
o outro retornava a administrar,
muito
contente, tudo a multiplicar,
já que
era o dono de toda a produção!
E o
tabelião manifestou a sua opinião:
que ao falecido
tentara aconselhar,
mas seu
desejo não pudera contrariar:
do
testamento sem haver contestação...
Muito
abalado, foi o jovem ao rabino,
que o
conhecia desde quando era criança
e lhe
indagou o que devia escolher.
Pois
lhe disse o sacerdote: “Meu menino,
a vila
inteira espantou-se com a mudança,
já que
esses bens deveriam a si caber...”
“E
todos acham que foi uma injustiça,
mas eu
não sou do mesmo parecer...”
“Como
assim?” – quis o rapaz saber.
“O
senhor seu pai era homem de justiça...”
“E se o
deixou empenhado nessa liça,
foi
apenas para estimular seu proceder;
mas se
não o pôde até agora perceber,
eu lhe
darei uma resposta bem castiça...”
“Ora,
decerto o senhor já se esqueceu,
que
toda e qualquer propriedade de um escravo
pertence
integralmente a seu patrão?...”
“O
senhor seu pai um conselho bom lhe deu.
Se não
o aceitar, as minhas mãos eu lavo:
o
escravo é um dos bens!.. Aceite essa
noção.”
“Escolha
o escravo e tudo será seu,
como
devia pertencer-lhe unicamente!...”
“É um
excelente conselho, realmente,
mas meu
pai, por que destarte procedeu?”
“Ora, o
senhor longe daqui se estabeleceu,
para
cuidar de compra e venda totalmente;
todos
sabem que ali agiu bem lealmente
e que à
vontade de seu pai obedeceu...”
“Ora,
se o escravo lhe tivesse de entregar
todos
os bens de seu defunto senhor pai,
poderia
até nutrir mau pensamento
e de
uma boa parte deles se apropriar,
que em
tentação até o mais honesto cai,
e então
causar-lhe vasto aborrecimento...”
Foi o
rapaz com o rabino ao tabelião,
junto
com ele o escravo, bem contente;
melhor
que antes se portava o intendente:
de um
bem apenas teria de abrir mão!
Mas
escutou, para sua estupefação:
“Escolho
agora o escravo aqui presente!”
E
recebeu a noticia surpreendente
de ter
de devolver tudo ao patrão!...
Mas
demonstrou ser homem de boa paz,
recuperando
logo a boa vontade:
sempre
se dera muito bem com o rapaz!
Reconheceu-lhe,
então, pleno direito,
continuou
a administrar-lhe a propriedade
e toda
a vida se lhe conservou sujeito!...
O HÓSPEDE ESPERTO – 2 NOV 15
O
HÓSPEDE ESPERTO I
Chegou
um jovem, após longa viagem,
na
residência de um primo de seu pai,
que o
recebeu com cortesia e então vai
a
refeição oferecer-lhe da hospedagem...
Ora,
ele tinha um pomar de boa contagem,
ótima
horta e ovelhas, mas lhe cai
bastante
mal calcular o quanto sai
a
refeição, que não é dono de estalagem!
Porém
forçado à hospitalidade,
serviu
à mesa somente uma galinha
e cinco
pombas, sem sequer um pão;
seus
quatro filhos, com naturalidade,
à mesa
se sentaram e logo a esposa vinha:
sete
pessoas para a escassa refeição!
Naturalmente,
quando o hóspede dormisse,
para
uma farta ceia eles viriam
e ao
fingimento não se constrangiam,
quando
o pai disse ao rapaz que repartisse,
por
entre os sete as vitualhas e as servisse,
decerto
achando que a maior parte comeriam,
que ao
hóspede as convenções obrigariam
a comer
pouco, por vergonha que sentisse...
Porém o
jovem a todos surpreendeu,
dando
uma pomba para a mãe e o pai,
outras
dando para as filhas e os filhos
e as
outras duas, sozinho, ele comeu.
Só meia
pomba para os demais vai,
bem
natural repartição sem brilhos...
E
embora todos se entreolhassem,
ninguém
então se animou a protestar,
pois
era o pai que o mandara partilhar
e pelo
corte da galinha ainda esperassem!
Pombas
comidas, como todos continuassem
com
muita fome, mais ou menos a jejuar,
toda a
família decidiu-se a contemplar
como as
partes da galinha se trinchassem!
O jovem
hóspede, sem fazer um comentário,
cortou
as asas para as duas meninas
e deu
as coxas para os dois rapazes;
e no
seu gesto mais atrabiliário,
deu a
cabeça e o pescoço, magras sinas
para o
casal – na última das fases!...
E no
seu prato colocou, bem satisfeito,
o corpo
inteiro da galinha, que comeu
e com o
osso da sorte, que escolheu,
espalitou
os dentes bem a jeito!...
O
hospedeiro achou-se no direito
(não de
protestar, já que razão lhe deu
no
momento em que a escolha ofereceu
a seu
primo-segundo, ato imperfeito
de
hospitalidade, pois queria constrangê-lo
a comer
menos, ao ter de repartir),
mas de
então satisfazer curiosidade
e assim
lhe perguntou, com certo zelo:
“O que
o levou desta maneira a dividir?
Foi por
fome ou maior necessidade?...”
O
HÓSPEDE ESPERTO II
“Senhor
meu primo, muita fome eu tinha,
mas não
foi gula que hoje me orientou
quando
o senhor de partilhar me encarregou:
pensei
fosse só a entrada que aqui vinha...”
“Mas
com uma pomba cada par se alinha:
com sua
esposa o senhor “três” completou;
uma
pomba com suas filhas “três” somou;
a pomba
e os filhos outros “três” continha...”
“Assim
também eu deveria ser “três”!
Peguei
duas pombas e completei a conta:
fiz o
cálculo por doze e não por seis...”
“Deixei
a soma exata dessa vez!...”
Um
sorriso na família se desponta,
correspondente
a hospitaleiras leis...
O primo
velho em seco então engoliu,
sem
querer lhe dar braço a torcer:
“Mas e
a galinha? Quer me esclarecer?
De que
maneira à divisão se referiu?”
“Ora, é
simples... A solução surgiu
e é bem
fácil de se compreender:
as
coxas aos rapazes, já que irá manter,
cada um
por vez, a carga que assumiu.”
“Dei as
asas às meninas, pois irão casar
e desta
forma para bem longe voar...
Mas
completando a explicação que peça,”
“O
senhor e a prima são a testa deste lar
e assim
lhes cabe as decisões tomar,
portanto,
dei aos dois essa cabeça!...”
A essa
altura, estourou a gargalhada:
primeiro
os dois rapazes, de uma vez;
depois
a mãe, as mãos cobrindo a tês
e enfim
o pai, em sonora casquinada!...
Depois
as filhas, com carinha debochada,
se
atreveram a rir, que a educação lhe fez
cuidar
o rosto de seu pai, com sensatez...
Só
então o hóspede, com a cara deslavada...
O velho
riu bastante e disse à esposa:
“Vá
trazer o cabrito e aquela torta,
mais um
bom vinho da nossa despensa...”
E a
senhora ergueu-se, pressurosa,
ainda
sorrindo, já que não se importa
de pôr
um termo a situação tão tensa!...
Terminou
com alegria a refeição
e foi o
jovem dormir tranquilamente.
Mas
disse o pai: “Melhor termos presente,
tomando
a ideia em consideração,”
“De que
esse genro serviria à perfeição,
pois
demonstrou ser bastante inteligente...
Fará
sempre bons negócios, certamente,
para a
menina mais velha é um partidão!...”
No
outro dia, o rapaz foi viajar,
depois
de simples presentes ofertar,
tendo
incumbências em diferente parte...
Com um
ditado, esta iremos completar:
Quem não conserva o melhor quando reparte,
Seguramente ou é tolo ou não tem arte!...
Quem parte e reparte
e não fica com a melhor parte,
ou é tolo ou não tem arte! – nos diz “velho deitado”!
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