ESTILHAS DA VIDA & MAIS
William Lagos, 28 nov / 7 dez 2015
ESTILHAS
I – 8 jul 07
Assim é a
vida: as coisas se propagam
desavisadamente...
e sem aviso:
não se
cuidam de ti, no seu esquizo (*)
trajeto,
em que se acendem e se apagam
(*) Esquizofrênico, dupla personalidade.
as
emoções dos outros ou seus feitos,
pois agem
para si, ou, de impensadas,
se lançam
nas calçadas, pressuradas,
buscando
sempre negar novos direitos...
É assim
sempre, quando amor te alveja,
quando
nem esperavas tal furor
e muito menos
buscavas tal paixão,
mas te
penetra e mais e mais se enseja...
E podes
ver o tamanho desse amor,
pelo
buraco que te abriu no coração.
ESTILHAS
II – 28 NOV 2015
Assim é o
coração, alvo constante
das
emoções que surgem lá de fora
e mesmo
quando teu corpo vai-se embora
o coração
se faz ileso nesse instante.
É tal
qual se a influência perfurante
puxasse o
coração sem mais demora
e o
retivesse; bem oposto a seu outrora,
o corpo o
deixa para trás, distante...
E segue
em seus negócios, suas razões,
com um
buraco maior dentro do peito
do que de
fato fez amor no coração;
mas
surpreendido pela ausência de emoções;
então se
ergue, bem rápido do leito,
para
buscá-lo de volta com paixão!...
ESTILHAS
III
Mas mesmo
o coração recuperado
e já
inserido por entre os dois pulmões
nacos de
si perdeu nas ocasiões
em que
fora, sem o notar, abandonado.,
pois pelo
amor foi em parte devorado,
sujeito,
quem dirá? – a humilhações
ou quiçá
ao fulgor de exultações:
ingênuo
coração sempre alvejado,
que
deixou tanto de si junto do amor,
mesmo que
tenha tal amor pouco almejado
e não o
recorde sem maior frescor,
nessa
febre por que fora marchetado,
a
palpitar em sua ânsia de calor,
só por
ter sido desse amor desamparado...
ESTILHAS
IV
E por
mais que tenha sido invulnerável,
ao se
deixar por amor manipular,
em seu
retorno após tais nacos desgarrar,
fica o
buraco inicial imponderável;
que assim
é a vida, estilha imensurável,
em teu
peito, impiedosa, a se cravar,
abrindo
amor um nicho em que pousar,
por mais
que fora inicialmente indesejável...
Não é por
teu amor que se enraíza,
amor te
busca por amor de si,
pois mais
deseja é em ti frutificar;
e nesse
furo não tem lugar a brisa,
porque te
encheu amor qual bem-te-vi,
pondo
seus ovos logo após seu aninhar!
EPIDIASCÓPIO
I – 9 jul 07
Algumas
vezes as coisas mais cruciais,
dentre
as milhares que nos acontecem,
são
justamente aquelas que aparecem
apenas
de relance e que, jamais,
de
fato ocorrem: possíveis, se esvanecem,
às
dezenas de milhões do nunca mais:
as
que morreram nas decisões fatais
e
que nunca, em sua potência, coalescem...
Todavia,
dessas chances, aos milhões,
como
saber quais sejam importantes?
Quais,
de fato, influenciaram nossa vida?...
E
é nesse ponto que devemos decisões
tomar
sobre quais são os significantes
detalhes...
que nos levam de vencida...
EPIDIASCÓPIO
II – 29 NOV 15
O
epidiascópio, para quem não mais recorde,
era
um aparelho ampliador de imagem:
colocava-se
a figura em sua triagem
e
numa tela bem maior formava acorde;
algumas
vezes desbotado, como um lorde,
que
guarda o título, porém não a criadagem,
as
propriedades tragadas por voragem,
por
jogo, incêndio, maus negócios a que aborde;
mas
sempre se ampliava a sua nobreza,
heráldicas
figuras nos brasões
ou
de paisagens apenas a justeza,
ou
textos escolares em paixões,
aos
estudantes forçados, com certeza,
para
copiar ou decorar, talvez, canções...
EPIDIASCÓPIO
III
Era
assim que se ampliavam os detalhes,
então
impostos aos pobres estudantes,
quase
nunca em seu teor interessantes...
(dos
professores tais caprichos não espalhes!)
Mas
caso sejas um, peço, não ralhes:
este
é um poema sem dados retumbantes,
sem
pretensões, sejam breves ou constantes;
com
tua férula estas linhas não me malhes... (*)
(*) Palmatória.
Alguns,
porém, de fato eram cruciais
e
poderiam expandir a educação
em
outras línguas ou ciências naturais...
Mas
seus alunos sem saber, jamais,
reconhecer,
aborrecidos na ocasião,
dentre
os inúteis, os importantes quais...
EPIDIASCÓPIO
IV
E
quais foram as melhores influências,
durante
os anos de maior impressionância,
distribuídas
ao longo de tua infância,
que
mais firmes orientaram tuas tendências?
Para
alguns poucos, foram dados de sapiências,
para
bem mais os esportes ou a confiança
nos
próprios pais, ou com certa dissonância,
dos
namorados os anseios e as pruriências... (*)
(*) Excitações.
Quais
dessas classes aproveitadas foram,
quantas
em ti ingressaram sem saberes?
E
quantas outras no passado se perderam?
Quais
resultados a vida hoje te douram,
a
quais deixaste que cumprissem seus deveres
e
quais recordam aqueles que isto leram?
UNBEKANNTNISHEITSRELATION
I – 12 jul 07
O gato de
Schrödinger não é o mesmo (*)
descrito
por Lewis Carroll, mas Alice (+)
o via
aparecer e, então, a esmo,
ele
sumia, sem que mais dele se visse
(*) Erwin Rudolf Josef Alexander, físico austríaco, Viena, 1887-1961.
(+) Pseudônimo do matemático Charles Lutwidge Dodgson, 1832,
Daresbury, 1898 Guildford, Inglaterra.
que seu
sorriso, mordaz e galhofeiro.
Sumia por
seu gosto e por prazer voltava...
Já o
outro, era visto derradeiro
ao se
fechar os olhos... Retornava
quando as
pálpebras se abriam. Sua existência
dependia
de saber-se observado...
E eu
queria também poder o mundo
recriar
com minhas vistas, mas sua essência
depende
desses todos, que a meu lado
juntos
contemplam, em desejo mais profundo...
UNBEKANNTNISHEITSRELATION
II – 30 NOV 15
Esse Cheshire Cat do escritor (*)
se
revelava apenas parcialmente,
só a
mostrar seu sorriso para a gente
ou seu
rabo listrado – ou seu odor...
(*) O Gato Galhofeiro do País das Maravilhas.
Mas era
independente em seu valor,
não mais
que se exibia, indiferente,
mostrando
seu capricho assaz potente
para a
coitada da Alice, em seu temor...
Já de
Erwin Schrödinger o animal
escravo
era de seu observador:
quando
era percebido, ele vivia;
porém,
sem atenção, era afinal
tão só
uma sombra que em nada persistia:
razão de
sobra a provocar maior pavor!...
UNBEKANNTNISHEITSRELATION
III
Ora,
Remarque criou um personagem (*)
em O Obelisco Negro, que afirmava
tão só
existir o quanto observava,
tudo o
mais desfazendo-se em miragem;
(*) Erich Maria Remarque, nascido Erich Paul Remark, 1898, Osnabrück,
Alemanha; 1970 Locarno, Suíça, exilado por ser pacifista.
Que do
olhar na comissura, como aragem,
cada
coisa se escondia e se apagava;
mas
quando o rosto bem veloz voltava,
num
instante recompunha-se a paisagem,
que não
estava ali, se não a olhava,
pois era
apenas um vazio que se enxergava
ao
desvendá-lo com extrema rapidez!
No igual
efeito desse desconhecimento,
criado o
mundo tão só por pensamento,
efeito
apenas da cerebral prenhez!
UNBEKANNTNISHEITSRELATION
IV
Na
“relação do desconhecimento”,
essa
palavra longuíssima contida,
pela
gramática alemã favorecida,
vive a
surpresa de solipsístico momento; (*)
(*) Teoria filosófica em que o mundo é criado por um único ser humano.
não é
criado por nosso pensamento,
mas se
apresenta só quando percebida;
será que
existe ou não, quando perdida
de uma
visão qualquer o julgamento?
Para
Schrödinger o gato estava vivo
e estava
morto, ambos a um só tempo:
muitos
disseram ser tão só filosofia,
mas era
um físico, de pensamento positivo,
um
matemático às equações atento,
com as
quais comprovava o que dizia!...
UNBEKANNTNISHEITSRELATION
V
Já a
física quântica, que nos mostra Niels Bohr, (*)
andeja
inquieta pelo mesmo pensamento;
foi
comprovada por muito sábio atento,
muitos
seres a inserir no seu teor...
(*) Niels Henrik David Bohr,
físico dinamarquês, 1885-1962, Copenhague.
E é tal e
qual se do conhecimento
ou da Bekanntnisheit, em tom maior,
do melhor
dependesse ou do pior
grau de
atenção do humano entendimento...
E não se
pense que nos pretendem confundir
esses
cientistas, nossos contemporâneos,
pois
observam, mas não conseguem explicar;
são quais
fractais a se reproduzir, (*)
para a
física antiga os sucedâneos
que nunca
antes se puderam observar!
(*) Padrões que se repetem ao serem ampliados.
UNBEKANNTNISHEITSRELATION
VI
Em
estranheza sobrenada totalmente
essa
ciência moderna, mas funciona!
Será que
a mente da humanidade é dona
desses
fenômenos contemplados atualmente?
Já há
milênios, na Índia, certamente,
diziam os
saddhus que a vasta lona (*)
do
universo na respiração ressona
do santo
Brahma em criação potente!...
(*) Santos e ascetas hindus.
Quando
Ele expira, o Universo cria,
quando
Ele inspira, o traga para Si,
em
“continuada criação”, qual Leibniz, (*)
(*) Gottfried Wilhelm Leibniz, filósofo alemão, 1646-1716.
em seus
escritos europeus, também dizia.
Será que
somos também nós só existentes
perante
os olhos de Deus, tão complacentes?
SENHAS I
– 15 jul 07
Dizem que
os sábios aprendem com os tolos,
mesmo
que, eventualmente, tenham nexo
as mais
simples notações desse complexo
novelo
emaranhado em tantos rolos...
Pois nem
vemos por onde começar...
Foi assim
com Alexandre... O general
simplesmente
saca a espada e, afinal,
pode o Nó
Górdio de um golpe estraçalhar...
Isso
talvez tenha sido uma sandice,
mas a
Ásia conquistou, por força bruta,
e seu
império expandiu como jamais...
Talvez eu
possa aprender com minha tolice:
dá lições
a si próprio quem se escuta:
mas cortar
laços são os conselhos mais leais?...
SENHAS II – 1º dez 2015
Nossa mente são nós emaranhados,
mistura de sandice e inteligência,
triste mescla de riqueza e de indigência,
força e fraqueza em cipós entreverados;
os pensamentos mais vivos encontrados
de permeio com os lerdos de impotência
ou com concepções de externa agência:
contradições que nos deixam agoniados!
O mundo inteiro poderíamos conquistar
se conseguíssemos desfazer os nós;
ou só os iremos com espada estraçalhar,
qual Alexandre a seu novelo, desvairado,
bem mais que outros nos tornando sós,
após o vasto golpe desnorteado?
SENHAS III
Na verdade, neste vasto labirinto,
qual de Ariadne, existe um firme fio,
que poderemos acompanhar com brio,
os corredores transpondo do recinto;
que existem senhas, ao menos eu pressinto,
a indicar quais redemoinhos nesse rio
ou seus remansos, seu calor, seu frio
(ou em suas paredes sinais eu mesmo pinto.)
Quando puxo esse cordel aventureiro,
trago de mim atrás não o novelo,
mas as partes de mim retardatárias,
os nós a desfazer, em perdulárias
operações, ao controle do meu zelo,
minha própria alma a desobstruir ligeiro.
SENHAS IV
E a cada
vez que em um beco sem saída
me
deparei, por vias de tolice,
sempre
pude aprender com minha sandice
e refazer
os caminhos de minha vida,
não sendo
em vão essa marcha assim perdida
se a um
acerto o erro inicial depois atice
e me
conduza, em instante de ledice
a retomar
a senda certa perseguida.
De teu
espírito brota tua consciência,
a te
indicar qual ganga a descascar
ou como o
joio do trigo separar;
tarefa
dura talvez, mas com paciência,
sem
precisar por isso usar o teu punhal
para o Nó
Górdio desfazer de tanto mal...
LÁGRIMAS EM FLOR 1 – 2 DEZ 15
Que seja o canto de meus versos incomum
Ao descrever as raízes de meu pranto:
Que não seja pretensioso de ser santo,
Nem salafrário, tal e qual já fiz algum;
Que não imite o que escreveu nenhum,
Porem que a lágrima eu revista de outro
manto
E os versos recomponha em novo canto,
Numa mistura de mel e ardente rum...
Nenhuma rima a ser melhor que “dor”
Para o regato escorreito do jamais,
Quando somos tomados de emoção,
No movimento inverso dessa flor,
Que ao invés de subir como as demais
Aos poucos desce direto ao coração...
LÁGRIMAS EM FLOR 2
Os líquidos, é certo, em maioria,
Por mais que sigam a lei da gravidade,
Se evolam da tribuna da umidade
Pelo sol evaporados em magia;
E enquanto orvalho na folha assim se
cria
E ali rebrilha em luminosidade,
No seu breve prazer de mocidade,
Nunca percebe o final dessa harmonia...
Que o suave sol, a refletir da aurora
A cada líquido tão só acaricia,
Mas pouco a pouco redobra o seu ardor
E o rocio que anteriormente doura
É destruído pela luz em que se alia,
Berço invisível para as nuvens de vapor.
LÁGRIMAS EM FLOR 3
Mas a lágrima bem raro se evapora:
Busca na próprio epiderme penetrar
Ou sobre o peito pinga, a se alojar,
Sua própria alma demandando nessa hora;
Quando possível, se esconde, sem demora,
Nos berços das clavículas em par;
Gosto salgado, minúsculo esse mar,
A refletir amplas mágoas de um outrora!
E nessa luta contra a gravidade,
De seu destino de vapor em rejeição,
A lágrima entesoura a sua tristeza,
No agridoce de tal perenidade,
Mortalha e berço para o coração,
Na transitória raiz de sua pureza...
LÁGRIMAS EM FLOR 4
Um dia eu li e claramente registrei
Noutra poesia, como ilustração,
Que cada lágrima sofre mutação,
Consoante sua emoção, estranha lei!
Dessa pesquisa o tema conservei:
Que o sentimento sua composição
Na própria química de sua formação
Interferia – e até mesmo acreditei.
Que seja a lágrima da tristeza amarga,
Que seja doce a lágrima do amor,
Nessa alegria da correspondência,
Nos sentimentos em que a alma se alarga
E faz brilhar a corola dessa flor,
Que pinga aos poucos, suplicando por
clemência!
SERPENTINAS
I – 3 DEZ 15
SEGUREI
EM MINHAS MÃOS A ESPERANÇA:
NUNCA
PENSEI QUE PUDESSE SER TÃO LEVE!
BEM MAIS
DO QUE VAPOR, SERENA E BREVE,
SOMENTE
FORTE NOS TEMPOS DE CRIANÇA.
ESMAECIDO
PELA VIDA EM SUA MUDANÇA
ESSE
LENTO FLUTUAR QUE A GENTE ATREVE
A JULGAR
SER VERDADEIRO COMO A NEVE,
MAS SE
DERRETE COM BEM MENOR TARDANÇA!
EU VI
ESSA ESPERANÇA QUE FLUTUAVA
E NEM AO
MENOS SABIA SE ERA MINHA,
MAS EM
GESTO SOBRANCEIRO A SEGUREI,
JÁ SE
ESGARÇANDO NO MOMENTO EM QUE A PEGUEI
TAL
SEDUTORA, SEMPRE SUTIL RAINHA
A QUEM
POR CURTO INSTANTE ME ENTREGUEI.
SERPENTINAS
II
ENTÃO A
VI ESVOAÇAR PELOS MEUS DEDOS,
A
DIVIDIR-SE EM LINHAS PEQUENINAS,
DESENROLANDO
COMO SERPENTINAS,
SUPOSTAMENTE
VERDE EM SEUS DEGREDOS,
À LUZ DO
SOL REVELANDO SEUS SEGREDOS,
NAS MIL
CORES DO ARCO-ÍRIS PEREGRINAS,
CARVÃO E
LUZ NAS MADRÉPORAS MAIS FINAS,
NO CINZA
E FURTACOR DE SEUS ALBEDOS!
NO MESMO
INSTANTE EM QUE A PEGAR BUSCAVA
SE
DILUÍA, FUGAZ LANÇA-PERFUME,
DEIXANDO
A BOCA CHEIA DE CONFETE!
FUGIDIA
ESSA ESPERANÇA QUE EU TOMAVA,
NO
OUROPEL DAS SUAS CORES SETE,
RASGANDO
OS DEDOS EM LAIVO DE AZEDUME!
SERPENTINAS
Iii
MAS
AFINAL, QUAL DIREITO NELA EU TINHA?
VOAVA
LIVRE, BELO PÁSSARO CANORO,
A ILUDIR
A TODOS COM TESOURO,
INCONSÚTIL
NESSA SEDA QUE CONTINHA.
E AO
MESMO TEMPO, SE DE FATO SE AVIZINHA
E SE FAZ
NOSSA, SEM MAIOR DESDOURO,
TEIA DE
ARANHA EM PRESSUPOSTO COURO:
QUANTA
SAUDADE DO PORVIR CONTINHA!
NA
SERPENTINA DA ESPERANÇA TODO O AMOR:
QUANDO É
LANÇADA PARA O SER AMADO
SÓ NOS
RESTA O ROLINHO DESMANCHADO!
MELHOR
FAZER UMA GAITINHA, COM ARDOR,
EM
ARTESANATO COM SI MESMO SOLIDÁRIO:
TRISTE
ENFEITE DE PAPEL DO SOLITÁRIO!...
FERVOR AUSTRAL I –
04 DEZ 15
Quando palavras largadas são ao vento
somente param ao atingir o ouvido
ou se vão na atmosfera, em som perdido,
até se dissiparem num tormento!...
Mas imagine, tão só por passatempo,
que essas palavras, após terem saído,
pelos ares ao redor teriam subido,
feitas matéria, que não seja por
momento!
Então seriam para todos perceptíveis,
quais galhardetes, lábaros, cartazes,
flutuando pelo céu em passarada...
Somente aos poucos fazendo-se exauríveis
e como antes, lançadas de carcazes, (*)
pelo solo tombando em chuvarada!...
(*) Depósitos portáteis de setas.
FERVOR AUSTRAL II
Bem raramente, longa faixa é atrelada
a um aeroplano, em lento movimento,
drapeja leve, ao sabor do vento,
em propaganda pelos ares esticada,
e nessa indicação sobrevoada
sobre as cabeças, em temporário alento,
corre a mensagem, quiçá a bom contento,
ou inversamente, até mesmo ignorada...
Mas se a palavra da boca pronunciada
se pudesse ali de fato condensar,
folha de rosa ondulando pelo ar,
quem sabe ainda seria acompanhada
pelo som inicial do balbucio,
ouvidos a atrair em meigo cio...?
FERVOR AUSTRAL III
E aqui estou eu, no sul deste
hemisfério,
palavras convertendo em digital,
nessa estranha elocução desnatural,
em indesejado e flébil ministério...
Torna-se a rede assim num cemitério:
tantas partes de mim leva, afinal,
cada poema balbuciado ao sol austral,
pensando algures levar um refrigério
a quem delas precisasse, em solidões...
Melhor seria que no céu flutuassem,
chumbo sem peso, esmaecido de poder
e pela vista abordassem corações
desses tristes que mais delas
precisassem
e que seus olhos erguessem para ler!
BEIJA-FLOR
1 – 5 DEZ 15
Somente
olhar entrevisto de passagem
A que
cumprimentei com cerimônia,
A testa a
se curvar com parcimônia,
Desconhecendo,
afinal, a minha visagem...
Algum
perfume perdido na voragem,
Sempre ao
léu distribuído em alimônia, (*)
No mais
breve recordar da calcedônia,
Jóia
preciosa lançada à criadagem...
(*)
Esmola, pensão.
Brevemente
me olhaste, em tal fulgor;
Eu não te
conheci, nem tu a mim,
Na mais
breve cortesia feita ali...
Qual a
razão de meu nutrir aquele ardor
Se este
encontro acidulado de carmim
Fui tudo
quanto me sobrou de ti...?
BEIJA-FLOR
2
Ai, esse
é o grande mal de ser poeta
E se
deixar envolver por romantismo...
Como é
fácil despencar-se nesse abismo
Do incognoscível,
que tanto nos afeta!
Da
inspiração, que sem razão inquieta
Do menor
incidente em seu mutismo
Um poema
feroz de vandalismo,
No
coração a avassalar paixão discreta...
Porque
nunca se apresenta tal fatura,
Nem há
motivo para nada se cobrar:
É apenas
o frescor de puro orvalho...
E no
entretanto, como a mente assim tortura
Até um
outro poema se instalar,
Tal qual
se a alma ali sofresse um talho!
BEIJA-FLOR
3
Tolo é o
poeta que imita um beija-flor,
Sem nas
corolas enfiar o longo bico,
Apenas a
aspirar o aroma rico
Da
inspiração, porém desnuda de calor!
Pois não
pretende sequer um leve amor
E nem do
néctar sugar um só salpico...
É tão
somente ilusão que aqui te indico
Que a mim
teria conduzido esse tremor...
Que ao
coração trouxe um leve palpitar,
Um breve
susto, poção de adrenalina
(toda a
poesia tem no amor disritmia...)
A mente e
a alma apenas a espantar,
Que essa
visão tão vaga e peregrina
Originasse
um breve instante de harmonia!
BRADOS DO
POENTE I – 6 DEZ 15
Um bom
poema pede um grau de sofrimento,
real ou
imaginário, porque, quando não o há,
é
necessário inventá-lo e se o fará,
imaginando
amor de perda ou sentimento.
Quando se
sofre então, por puro pensamento,
sem que a
fronde te balance um manacá,
sem
comover-te algum trinar do tangará,
faz-se a
ilusão toda a razão do testamento.
Seja o
poema então de dores oprimido,
nada
sofrendo do que se mostra aqui:
só se
imagina sentir e é quanto basta...
Assim
fluem canções de amor já reprimido,
porém se
imaginarem a quem me referi,
não me
perguntem, que tal paixão foi casta!
BRADOS DO
POENTE II
Antes que
eu volte a cumprir nova tarefa,
vou-me
estender em lamentável verso,
sem
sentimento veraz em mim disperso,
não maior
que o romper de uma sanefa. (*)
(*)
Cortinado.
Para a
qual rima dificilmente sendo expressa,
eu me
contento com soneto claudicante,
nem todo
o verso ilumina-me o semblante:
dá algum
trabalho e outro vem depressa...
Como este
mesmo, a escrever no quando
nada
tenho a dizer, mas digo no entretanto
e insisto
em me perder nos palpos desse embora,
sem
sequer perceber por que caminho eu ando,
tão só
mais um rascunho, que acumulo entanto,
provavelmente
sem da luz ver qualquer hora!
BRADOS DO
POENTE III
Porém ao
por-do-sol brota a tristeza
ou na
verdade, tão só melancolia:
a gente
fica a cismar numa elegia,
chorando
a ausência de qualquer beleza
que nesse
amortecer perde a nobreza,
no
lusco-fusco cinza da harmonia,
quando se
pensa não se ter o que queria
e o
próprio bem se rejeita, por vileza...
É então
que nos perturba tal amor
que nunca
foi nem poderia ter sido,
amor por
rosto, no total, desconhecido,
simples
pretexto, confessado sem temor,
para ter
pena de si mesmo em novo verso,
que irá a
seguir aos quatro ventos ser disperso!
DESTINOS
DESFOLHADOS I – 7 DEZ 15
Que seja
pois apenas uma lenda
o
legendário amor, título vago,
varinha
de condão, sonho de mago,
abracadabra
e presto! – na legenda.
Que
exista da caverna só uma fenda
e que a
semente de sésamo num lago
lançada
fora; Aladdim, um pobre gago,
não
retirou de seu olhar a venda...
Que seja
amor, portanto, legendário,
não menos
que Sindbad ou que Renard,
que seja
apenas névoa uma paixão.
Mas
todavia, tal nevoeiro perdulário
entre nós
dois jamais se há de apagar,
enquanto
houver magia ao coração...
DESTINOS DESFOLHADOS
II
Vou
escrevendo o que sai, embora, às vezes,
não me
pareça grande coisa o resultado...
Mas não
fui eu quem escolheu: foi derramado
pelo
vulcão que me persegue há tantos meses...
De fato,
há anos... ou por espíritos fregueses,
que por
minha pena dão vazão ao seu recado,
que não
pudera ser dito no encarnado
viver –
tão breve e tão cheio de revezes...
Por isso,
tudo anoto, mas nem passo
a maior
parte a limpo – se acumula,
nessas
gavetas, junto com minhas fitas,
que nem
escuto mais, maço após maço
desses
versos devorados pela gula,
sem me
importar se o coração inda me agitas...
DESTINOS
DESFOLHADOS III
E ao
mesmo tempo, de permeio à fantasia,
há
aqueles versos de meu real sentir,
alcandorados
nos pagos do dormir,
que o
estertor da madrugada cria.
Pobres
versos de espanto e nostalgia,
que num
momento breve do iludir,
sempre
anotei, no mais vago consentir,
move-se a
mão – o peito ainda dormia!
Pois
ainda creio nesse amor perdido,
da giesta
nas canções dos cavaleiros,
nas
torres de atalaia e em almenaras;
amor que
amo, sem ser jamais cumprido,
senão em
madrigais de seresteiros,
mas que
inda traz ao coração fundas escaras...
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