sábado, 12 de dezembro de 2015





FERIDAS & MAIS
Novas séries de William Lagos – 18/27 nov 2015

FERIDAS I – 29 JUN 07

É fácil de encontrar inspiração
por toda parte.  E, no fatal momento,
que te atinge qual raio o sentimento,
necessitando a breve ilustração,

contida em poucas linhas, tal portento
é soberano raio de ilusão,
que se condensa em pleno coração
e então se concretiza em pensamento.

A cada olhar se vê, em cada flor,
nas coisas vagabundas, corriqueiras,
até na brisa de um ventilador...

Nem é preciso sentir qualquer ardor:
é só deixar que brote, alvissareira,
nas pétalas suaves de um odor...

FERIDAS II – 18 NOV 2015

Mas certamente, se existe romantismo,
a fonte principal da inspiração
é o breve assomar de uma emoção
ou o aroma de olvidado saudosismo.

E que emoção produz maior lirismo
que essa de um amor no coração,
seja um amor de plena aceitação
ou o desprezado amor feito de abismo?

Não há poeta que não tenha amado,
seja na glória, seja imerso em mágoa,
que não existe amar sem nostalgia

do quanto usufruiu-se no passado,
do quanto nos atinge na atual frágua, (*)
de quanto amor se espera ainda viria...
(*) Golpes na bigorna, no sentido de “presente”.

FERIDAS III

A inspiração me chega pelo ar
ou então supura pelas gretas de minha pele;
espero Amor continuamente vele,
qual um bálsamo gentil a me beijar...

A inspiração vem das artérias a brotar,
quando qualquer palpitação me sele,
quando a tristeza uma emoção congele
ou mesmo quando há ódio a fervilhar...

E por límpida que seja a emoção,
brotando sob a derme ou antes vindo
da atmosfera em vasta ebulição,

é sempre dela que brota a inspiração,
de um beijo futuro ou beijo findo,
nessa incerteza que perfaz toda a paixão.

FERIDAS IV

E que seria de nós, sem as feridas
que nos despertam para algo de exterior?
Incapazes ficaríamos de um amor,
gélida esteira percorrendo vidas...

E que seria de nós, sem despedidas
do nosso tempo que passa em estertor,
do tempo alheio que escorre sem rancor,
ou das mágoas mais profundas já sofridas?

Que triste a vida sem lágrimas nos olhos
para limpar da visão tantos argueiros,
para olharmos para os lados sem antolhos!

Que pobre a vida sem granjear tristezas
que nos trouxessem apenas passageiros
momentos breves de fúlgidas belezas!...

E-MAIL SEM NOME I – 02 jul 07

Engana-me de novo:
e faz rosnar em mim esta esperança,
este sonho pequeno, de criança,
que nem eu movo...

Torna a dizer-me
que algo entre nós dois sempre é possível,
que não nos restará só o indizível
sonho de verme...

Mente outra vez,
para que eu possa enfrentar a multidão
de outros desejos, plenos da paixão,
que não me dês...

Marca outra hora,
para que eu possa em tua câmara buscar-te:
ver-me envolvido em ti, para, destarte,
não ir embora...

Mas não te esqueças
que desejos são humanos e constantes,
inda que passe momentos delirantes,
sempre que peças...

Não deixo, enfim,
de querer outras mais, múltiplas cores:
pistilos e estames nestas flores
do meu jardim...

E assim, um dia,
por mais que amor me dê felicidade,
por mais pretenda ter fidelidade,
também te trairia...

Porque me algema a sorte,
mas minhas vistas para ti relançaria,
quando o momento assim conheceria,
de nossa morte...

EMAIL SEM NOME II – 19 NOV 15

Ilude-me de novo,
que não me iluda antes a mim mesmo,
no desperdício do sonhar a esmo,
sem mais renovo...

Apenas parpadeies,   (*)
com a rede de teus cílios venenosos,
sem pretender, pestanejares inditosos,
com que me enleies...
(*) Pisques os olhos.

Em teus caprichos,
torna-me apenas haste de teu leque,
tira com as unhas a lágrima que seque
nos olhos fixos...

Conta-me apenas
desse amor que por outrem já sentiste,
derrama-me ilusões igual alpiste,
secas verbenas...

E sempre olvida
que algo me devas por tal ilusão,
pelo prazer de conservar-me à mão,
funda ferida...

Pois afinal, não queres
que eu seja teu em momento cintilante,
mas tampouco aprecias esse instante
de não me teres...

E em certa noite,
quando souberes que outra eu encontrei,
sintas a falta do que nunca te dei,
por todo o açoite...

Com o qual cortaste
minha esperança que tanto te buscava
a perceber, na derradeira oitava,
quanto me amaste...

EMAIL SEM NOME III

Se amor espalhas,
como faúlhas brotadas do fogão,
por cada ramo de meu coração,
tal qual vitualhas...

Queres que brilhem,
na mais breve promessa sem sentido,
breve queimor no coração ferido,
que a alma encilhem...

Pois se revoam
essas centelhas, quais sonhos de crianças,
para apagar-me apenas as lembranças,
não me povoam...

Diziam antigos:
“As meninas estão indo para a escola”,
cada fagulha minúscula que esfola,
da acha abrigos...

Hoje é difícil
reencontrar grandes fogões a lenha,
a maioria do povo já os desdenha
por gás mais físsil...

Mesmo em lareiras,
lenhas batidas pelo atiçador
não espalham tais chispas com ardor,
nem churrasqueiras...

Elas saltavam
devido à diferença de calor,
a boca do fogão num estreitor
de que brotavam...

Ficou difícil
ver acendalhas a brotar de ti;
apenas lembro teu calor aqui,
antigo míssil...

E-MAIL SEM NOME IV

Pois me lançavas,
igual fagulhas a brotar dos olhos,
vagas traiçoeiras escondendo escolhos:
a alma rasgavas...

Já não percebo
as mil faíscas desses teus enganos,
lançadas a nutrir sonhos insanos
de um vate cego...

Ainda queria
que de teus lábios a suave comissura
lançasse ainda uma mentira pura
que me iludia...

Ainda quero,
mas estás longe, outra ilusão perdida
que só dentro de mim mesmo tem guarida,
em calmo desespero...

Quero as algemas
dessas promessas não mais que sugeridas,
desses quiçás pertinentes a outras vidas,
distantes semas...

Quero as traições
que apenas dentro em mim é que existiram,
sem as falácias que dentro em ti não viram,
murchos balões...

Quero as mentiras
que não chegaste nunca a proferir,
os juramentos ocos do teu rir,
queimadas piras...

E finalmente
retornarei para o peito meu vazio,
falso triunfo do qual eu mesmo rio
no meu presente...

COMO SIMPLES TROCA I – 6 jul 07

És para mim aroma de petúnia,
leve e discreto, muito mais que a rosa.
Quando te vejo, a vida é mais ditosa
e guardo tais momentos qual pecúnia... (*)
(*) Dinheiro, bens.

Mas te encheram os ouvidos de calúnia:
te afastaram de mim, já temerosa,
sem desejar tornar-te numa esposa,
capaz de ser fiel como Calpúrnia... *

No entanto, todo o tempo eu só queria
que sentisses a meu lado plena calma
e, para isso, tanto me esforcei...

Fui gentil, fui atencioso e te ajudei
o mais que pude... E só pedi tua alma,
porque a minha há muito tempo já te dei...

(*) Na história romana são referidas três Calpúrnias, todas modelos de virtude. A primeira cometeu suicídio quando seu marido foi executado por razões políticas; a segunda estava tão apaixonada por seu marido filósofo que se escândia atrás de uma cortina para escutar suas lições dadas a rapazes, das quais as mulheres eram excluídas e aprendeu mais que qualquer deles; a terceira foi a esposa do naturalista Plínio, o Jovem e decorou um a um todos os seus trabalhos sobre ciência, filosofia e poesia; destarte, “calpúrnia” entrou em nossa linguagem como sinônimo de “esposa fiel e leal”.

COMO SIMPLES TROCA II – 20 NOV 15

És para mim aroma de azinhavre,
um toque de fulgor, algo metálico,
ternura de saudade, algo de fálico,
charrua aguda que meu peito lavre.

Um tanto de paixão que me consagre,
um traço de tanino, algo de málico, (*)
um laço de espanhol, algo de gálico,
no aroma puro e agreste do sumagre. (+)
(*) Ácidos da banana e da maçã. (+) Arbusto de flores esverdeadas

Não de vinagre, que teu sabor é vinho,
do mais suave, não do capitoso,
algo de acerbo em moita de azevinho,

amor que oscila inquieto na balança,
enquanto o sonho zune, vigoroso,
na teia cinza de transitória dança...

COMO SIMPLES TROCA III

És para mim aroma de azeviche:
troquei contigo tantos feromônios,
sem de fato ocorrer troca de hormônios,
áspera prenda que o coração me lixe;

troquei riquezas por sabor de piche,
mil esperanças por sutis harmônios,
vagos sibilos de feros demônios,
vastos tesouros por recompensa miche.

Se nessas trocas fui acabrunhado,
é minha a culpa por tanto buscar
onde, de fato, pouco ou nada havia;

se nessas trocas tornei-me desditado,
culpa foi minha por querer amar
um coração que por mim nada sentia.

COMO SIMPLES TROCA IV

És para mim o aroma de meu pranto,
que como pérolas valiosas te fingi,
mas meu embuste nunca te impingi,
que o repeliste igual que ao estrofanto; (*)
(*) Flor malcheirosa.

contudo, inda louvei-te no meu canto,
como a mais nobre esperança que nutri,
sonho das noites em que nunca dormi,
pensando em ti, num derradeiro espanto;

assim, de fato, foram trocas de mim mesmo,
intercambiando amor com meu fantasma,
em que a própria ilusão segui a esmo...

Mas que troca tem maior veracidade
do que esta em que alma inteira pasma,
ao contemplar-se no espelho da inverdade?

MORFOSSINTAXE I – 08 jul 2007

A vida para mim é paralaxe  (*)
de estrelas, pelo céu embriagadas,
que se dispõem a saltar, atribuladas,
sobre a Terra... na busca da sintaxe.
(*) Diferença aparente de localização.

Ao mesmo tempo, é sombra de solstício; (*)
ponderada não é: não deixa trégua.
Não se demarca um sentimento a régua:
gasta-se em prece e se redime em vício,
(*) Os dias mais curto e mais longos de um ano.

na constante precessão dos equinócios... (*)
Sempre que assisto de Afrodite o trânsito, (+)
já me emurchece um pouco desse Sol,
(*) Os dias de extensão igual que as noites. (+) A passagem de Vênus.

que, às vezes, recrudesce, mas seus ócios
logo explodem em manchas, nesse âmbito
com que se espelha a galáxia, em caracol...

MORFOSSINTAXE II – 21 nov 2015

Porque, no fundo, tudo está na grande síntese,
que em cada humano perfaz o microcosmo,
daquela teurgia de outro cosmo, (*)
que só a imaginação consente pinte-se...
(*) Magia auxiliada pelos anjos.

E as células dos deuses adoentados
se cancerizam em tais cosmogonias,
se metastizam em tais telegonias (*)
que possam conceber os mais drogados
(*) Fecundações provocadas por mais de um macho.

filhos dolentes da papoula adormecida...
Pois quando deuses morrem, morrem mundos,
rememorados somente em pobres versos...

Assim, talvez também, ao fim da vida,
quando meus átomos dispersem-se profundos,
também se extinguirão meus universos...

MORFOSSINTAXE III

Por isso apenas meus poemas distribuo:
para que criem raízes noutras mentes,
almácegos de sonhos mais potentes, (*)
quiçá rancores originando amuo,
(*) Criadouros de mudinhas

nessa falsa esperança que usufruo,
que a vida é fruto de vagas inclementes,
mil círculos concêntricos dolentes
para manter imortal o amor que estuo...

Ai, quanta melodia foi perdida
pela memória de novas gerações,
todas ansiando por dominar a vida!...

E como posso então ter a certeza
de que meus versos despertem emoções,
mesmo que sejam cirandas de beleza?

MORFOSSINTAXE IV

Sendo filho de um Deus, também partilho
do meu minúsculo teor de divindade,
causa inicial de qualquer felicidade
que brote solitária no meu trilho...

Como filho de um Deus, os dentes rilho,
pela certeza da transitoriedade;
muito em breve serei cinzas sem maldade,
incapaz de refletir o arcano brilho...

Mas enquanto compartilho a criação,
compartilho também da eternidade
e sou um deus na frágua da emoção,

por mais que saiba que a criação me é dada
e que no campo da poética verdade
nada mais sou que o portador da enxada!

ACENDALHAS 1 – 22 NOV 15

Eu bem queria que esta noite fria,
Me retornasse e suave me abraçasse;
Que se afastasse e em breve me deixasse
Essa agonia do calor do dia.

Eu desejava e, se pudesse, cumpriria,
Que o condenasse e pronto o executasse,
Que o sufocasse e logo o exterminasse:
Verão sem alma de que mormaço sumiria.

Assim vivera com mais satisfação,
Em temperatura mais amena e pura,
Para mim melhor amar sem mais torpor;

Mas sei que a expectativa é uma ilusão,
Que cada estio só me traz mais amargura,
Na ebulição da pele em seu ardor...

ACENDALHAS 2

Percebo a alma em gravetos transformada,
Que o Sol vem-me lançar para a fogueira;
Quebra-me os ramos da alma na fagueira
Entropia em dispersão desmesurada...

Não sei se o Sol quer água preparada
Para ferver seu próprio Mate, com certeira
Capacidade de me sugar a mente inteira,
Por uma bomba de ponta nacarada...

Até que ponto é o Sol daqui gaúcho?
Será apenas um opressor vindo do norte,
Com nacos de meu peito a encher o bucho?

Rebelde eu sou ante a fragosa inconveniência,
Mas anualmente ainda enfrento a amarga sorte,
Enquanto aguardo o meu outono com paciência...

ACENDALHAS 3

Queria ter só nalma o meu verão,
Que me aquecesse o espírito erradio,
Que me assoprasse qualquer verso vadio,
Na brisa morna de toda a inspiração;

Queria apenas o estio de uma emoção,
Feita de amor, sem calidez, nem frio,
Num ardor manso, úmido esse estio,
Por chuvas breves abrandado em sua paixão.

Porque ao vir de dentro esse calor,
Em mil versos gentis eu o sudaria,
Dessedentando mil almas de sedentes,

Mas jamais essa canícula e rancor,
Que inspiração tão só enfraqueceria,
Estiolando meus versos sob os ventos...

COLUMNEIA I – 23 NOV 15

Será que um dia me acharão tão importante
que esses milhares de rascunhos sem destino
serão achados por futuro peregrino
e retirados do pó tal qual diamante?

Será que essas promessas de um descante
serão examinadas com algum tino
por adulto ou adolescente ao Sol a pino
e decifradas num futuro bem distante...?

Será que alguém achará que valha a pena
todo esse esforço de descascar mortalha
e examinar o cadáver de meus versos?

Contemplarei o inesperado dessa cena
e meu fantasma, ao ver quanto se espalha
balançará da barba os fios dispersos...?

COLUMNÉIA II

A columneia, naturalmente, é uma flor,
mas já não foram comparados tantas vezes
os versos de poetas que assim peses
com simples flores de um canteiro multicor?

Que seja o meu jardim do mesmo ardor,
mesmo adubado por nojentas fezes;
(é necessário que descansem alguns meses,
antes que sejam puro adubo de valor.)

Pois afinal, mesmo do lodo brotam
as columneias que hoje e aqui redijo
e que os ares com perfumes dotam;

e por piores que sejam os sentimentos,
sempre um fulgor de estrela ainda alijo
em meu jardim forrado de excrementos...

COLUMNEIA III

Caso algum dia, em breve ou no futuro,
depois das cinzas serem dispersadas,
em picumã derradeiro derramadas,
brotos de flor se erigindo do monturo,

eu não farei a ninguém um esconjuro:
pois que remexam em minhas folhas já mofadas:
remisso eu fui, não foram publicadas,
vaidade inglória ou orgulho do obscuro.

Conforme disse, tão só observarei,
do valor do que escrevi ainda descrente,
que o apreciem me surpreenderei,

e tão somente minha barba cofiarei,
em meu espanto, sem sentir ânsia premente,
e ao me ver reconhecido, sorrirei...

BERLOQUES I – 24 NOV 15

FAZER QUARENTA POEMAS
NÃO É DAS COISAS MAIS FÁCEIS
POEMAS SOB ENCOMENDA
POEMAS DE CORES GRÁCEIS
POEMAS POSTOS À VENDA

ENFRENTAR QUARENTA TEMAS
NÃO É COISA MAIS DIFÍCIL
DERRAMAR EM CADA SENDA
CANÇÕES DE MATÉRIA FÍSSIL
QUE AFINAL NEM EU ENTENDA

MAS POLIR QUARENTA GEMAS
POEMAS FEITOS DE AURORA
TODOS BELOS REALMENTE
COMO FIZ TANTOS OUTRORA
É COISA BEM DIFERENTE!

BERLOQUES II

DE FATO A PRIMEIRA VEZ
EM QUE REALIZEI TAL FEITO
MUITOS ANOS NO PASSADO
TOMADO O PRIMEIRO JEITO
FUI POR MIM IMPRESSIONADO

CERTO ORGULHO EM MINHA TÊS
COMO POSSA TER ESCRITO
TANTA COISA DIFERENTE
SOMENTE POR ANDAR AFLITO
NUM SÓ DIA ALVINITENTE

MAS PENSO QUIÇÁ NÃO CRÊS
QUE DOBRASSE TAL FAÇANHA
É TUDO QUESTÃO DE TEMPO
NO CUMPRIR DE OBRA TAMANHA
TUDO O MAIS É CONTRATEMPO!

BERLOQUES III

NÃO SEI PORQUE A TOLICE
DESTA BOBA LOUVAMINHA
SEJAM OUTROS QUE SE ESPANTEM
COM SUA PRÓPRIA LADAINHA
DESSES VERSOS QUE ME CANTEM

NÃO É TÃO SÓ GABOLICE
VÁRIAS VEZES JÁ CUMPRI
AS LONGAS LISTAS DE VERSOS
QUE DEPOIS SEQUER EU LI
RUMAS DE RIMAS... CONVERSOS

MEUS TEMORES EM SOLSTÍCIOS
MEUS AMORES EM TERNURAS
MEUS SONHOS INQUIETAÇÕES
MEU FALO EM RIMAS IMPURAS
CONSPURCANDO CORAÇÕES!

MAÇÃS DE CERA I – 25 NOV 15

Não creio que pecado haja no sexo,
desde que seja inteiramente consensual,
entre adultos, sem desvio para o mal
do masoquismo ou sadismo ou falso nexo.

Na transmissão da raça é puro amplexo,
na semente trazida do ancestral,
na busca de um futuro perenal
deste presente transitório em seu reflexo.

É no instante que tudo o mais apaga
que dois se tornam por instante mais que amantes,
em seu trânsito do mar em caravelas,

nessa explosão que mente e corpo alaga,
nos mil contidos momentos delirantes,
quando sua carne se derrete na procela.

MAÇÃS DE CERA II

Já muitas vezes se disse que o primeiro
a demonstrar inteiramente o amor
foi Nosso Pai, o Deus Nosso Senhor,
que trouxe à luz o Universo por inteiro,

em seu Amor, no Canto mais fagueiro,
o mundo a fecundar com seu Sexor;
(se foi a Deusa, a Quem hoje dá-se honor,
foi fecundada em igual brilho seresteiro.)

Mesmo que Deus a Si Mesmo fecundasse,
toda a galáxia a criar de Sua Essência,
demonstraria em tal amor a Criação,

igual que o sexo que um dia nos legasse,
para podermos criar, breve potência,
seja na arte ou em qualquer fecundação.

MAÇÃS DE CERA III

Na alegoria do perdido Paraíso,
fruto provaram para o Bem e para o Mal;
durante séculos, arbitrário esse caudal:
maçãs pintaram, sem verdadeiro siso;

pois é certo que as macieiras a que viso,
gloriosos ramos do reino vegetal,
surgiram bem depois que, triunfal,
ao mundo subjugasse o humano riso.

Foi outro o fruto, mesmo em alegoria
e certamente foi tampouco a descoberta
do sexo. Filhos já tinham, cumprido o mandamento

e da infração o castigo é que se via
e o próprio Deus comentava em outro alerta:
que a eterna vida não devorem num momento!

SALVAS DE BARRO I – 26 NOV 15

Eu vou reunir a assembleia de meus sonhos,
para esmagar no almofariz de minhas quimeras;
sua polvadeira lançarei pelas esferas,
na formação dos cometas mais bisonhos...

Somente crio os arcabouços mais tristonhos,
em esculturas tão só feitas em cera:
qualquer calor a imperfeição lhes gera,
qualquer hesitação os faz medonhos...

E como é fácil permitir à complacência
baixar o nível dos sonhos na poesia!...
Qualquer efeito, por menor, nos assedia

à rima fraca e simples dar leniência,
enquanto a jóia que a luzir nos atraía
se torna opaca e sem luminescência!

SALVAS DE BARRO II

“Maçãs de ouro em salvas de prata” sugeria
salmista antigo, segundo as Escrituras;
metáforas a descrever palavras puras,
nas quais o acorde da harpa reluzia...

Quem sabe a alegoria lhe surgia
que o fruto paradisíaco das lonjuras
fosse a maçã… Talvez essas texturas
já mencionasse qualquer que nunca as via...

Mas se acaso ao Paraíso um dia fosse,
veria antes a fronde das figueiras
ou as gavinhas retorcidas das parreiras;

se Adão e Eva, após tomarem posse
do primal conhecer do Bem e Mal,
tangas fizeram... Foi com esse material!...

SALVAS DE BARRO III

Mas são de cera apenas minhas maçãs
e não de ouro, decerto por ser caro
e a salva a suportá-las em amparo
não tem da prata as breves luzes chãs;

salvas de barro não me refletem cãs, (*)
nessa ilusão de que conservo o raro
vigor altivo da mocidade e o faro
e não a barba atual em fios de lãs!...
(*) Cabelos brancos.

Destarte, eu te ofereço, em minha vaidade,
versos de cera, de sabor bizarro,
sobre salvas que moldei em argila e barro,

sem pretender-te um desrespeito, na verdade,
mas em minhas tristes dádivas hoje venho
oferecer-te o melhor pouco que ainda tenho...

MULTIMARES I – 27 NOV 15

É o poder a fonte da magia:
todos os seres e coisas têm poder
que de algum modo lhes passou a pertencer,
nada mais que transferência de energia,

na maior parte que do Sol fluía,
capturada assim por cada ser
e transmutada diariamente sem se ver
em movimento que natural nos parecia;

mas a magia apressa a transferência,
concentrando a energia em um momento,
o domínio do tempo a controlar,

mesmo do espaço transferindo sua potência,
em rapidez quase igual ao pensamento,
na subitaneidade do espantar...

MULTIMARES II

Existem vastos mares de energia,
completamente a percorrer todo o vazio.
Que linhas cruzam, qual será o fio
que lhes permite assim vogar em harmonia?

Em devaneios, muita vez eu cria
também poder controlar seu passadio,
magicamente moldar, em desafio,
um mundo inteiro em que o Belo reluzia!

Tentei, é certo, porém mago nunca fui:
sempre encarei com desconfiança tais arcanos
e nem sequer no zodíaco acredito;

mas ainda sinto a energia eu me flui
por entre os dedos, quando versos soberanos
lanço ao redor e em tal flutuar incito...

MULTIMARES III

Correm assim de meus dedos os regatos:
são mil palavras rasgadas da harmonia,
que a lira desde sempre a alma tangia,
quimeras transmutando nesses fatos;

vasto tropel de cantos e boatos,
boatos de ilusão em tropelia,
tropelia que no espaço reluzia,
formando mares, desnuda de recatos...

Meus multimares pela rede fluem:
alguns se afogam, outros neles nadam;
de quando em vez, comentários me refluem;

mas tal poder é energia que me rói,
sem que reservas iguais hoje me invadam,
voando o cérebro, enquanto a alma me dói!...



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