(Golden Girl, Aimée Harley)
REAÇÃO ELETRIZANTE
(Duodecaneto de William Lagos, 2010)
reação eletrizante I (2010)
se vou partir minhas penas em medalhas,
é porque usei a soma dos penares
nessa ereção de poemas singulares
a partir de fragmentos e migalhas.
quando da vida tive as escumalhas,
as peneirei com cuidado, até que pares
fui formando, no tamanho dos pesares,
com as bênçãos escassas que me espalhas.
bem descuidadamente, poeira e palhas,
mas casei-me com elas, de repente:
cada tristeza eu combinei comigo;
porém, se em dar-me amor, enfim, me falhas,
já tenho esposa, essa saudade ingente
e na saudade sempre estás comigo.
reação eletrizante II
se vou ouvir o sol com mente pura,
quando ele passa e acorda a natureza,
será difícil, confesso e com certeza,
recolher tantos sons que a mente atura.
enquanto o sol passeia, essa natura
cricrila, pia ou urra em fortaleza,
mas os ruídos da cidade, com presteza,
tais sons abafam, com desenvoltura.
portanto, o sol escuto é pela noite,
quando dormem em suas camas os demais.
a voz do sol talvez seja distante,
mas não mais sofre os golpes desse açoite
que a cada dia, sem cessar jamais,
impõe-lhe os talhos dessa vida delirante.
reação eletrizante III
se vou tomar a chuva nos meus braços
e repartir suas gotas com carinho,
vou precisar mais do que enxada e ancinho
ou qualquer rede para teus abraços.
se da chuva pretendo colher traços,
sem que se escorra num pingar fininho,
sem que se perca ao longo do caminho,
trilhar preciso a senda de seus passos
a molhar tuas madeixas e cabelos,
cada fio se enchendo de umidade,
deslizando pouco a pouco até a raiz,
que a chuva é a mãe de todos os desvelos,
mãe de meu sangue e da virilidade,
que permanece firme em minha cerviz.
reação eletrizante IV
se vou prender os ventos com peneira
é porque a geada é feita de paixão,
em cada fio penduro o coração,
que cada trama coagula, bem certeira,
os ventos que sujeito à sua maneira:
leucócitos, plaquetas, multidão
de hemácias respingadas desta mão
com que a brisa eu capturo derradeira;
e guardo a tempestade em mim inteira,
transferida para alvéolos do pulmão,
nos quais se agita, em busca de saída,
mas não permito que se achegue à beira
de minha faringe hálito algum, senão
perco esses sopros que são fonte de minha
vida.
reação eletrizante V
se bebo essa paisagem de metal,
fundida inteira pela força da emoção,
se não temo que me queime o coração,
mas a degluto em fúria de imortal;
se aninho dentro em mim a natural
energia que se esguicha do vulcão,
se não me assusta o estrugir desse tufão,
mas o aspiro em um hausto triunfal;
se bebo assim a chama do fracasso
do mesmo modo que devoro o ardor
da seca e da enxurrada, sem receio,
é porque os guardo dentro do meu seio
e somente os vou soltando passo a passo
nestes meus grãos de perfume sem calor.
reação eletrizante VI
se a própria alma assim peneirarei,
se a farei escorrer por um funil,
se a esculpirei à gume de buril,
qual espelho de tua alma a tornarei;
se a própria alma assim espalharei,
dela escoimada toda a dor e paixão vil,
se a purificarei em véu de anil,
mais perto ainda de ti eu chegarei;
não que acredite que tu sejas perfeita
ou que essa alma de falhas seja ausente,
sei que no fundo não passas de mulher,
mas como anseio meu serás aceita,
aquela a quem procuro diariamente,
parte perdida dalma que a alma quer!
reação eletrizante VII
se a cada nuvem usar como lençol
e me enrolar na aurora como um manto,
se o velho poncho transformar em pranto
e um pirilampo usar por meu farol;
se preferir o fogo-fátuo como sol
e se o reflexo da estrela tornar santo,
se a uma aranha dedicar meu canto
e se prender num forcado o rouxinol, (*)
(*) Garfo longo para agarrar feno ou palha.
se fizer de uma coxilha o meu assento,
se cada sanga rasa for meu sangue,
se na tua alma banhar-me como açude,
se da areia do solo, num portento,
conseguir arrancar teu rastro exangue,
guardarei parte do amor que assim me ilude.
reação eletrizante VIII
porque se a marca de teus pés na areia vejo,
esses teus passos um a um recolho,
para amarrá-los juntamente como um molho
de chaves ou de lábios para o beijo;
se teus passos roubar, então te aleijo,
não poderás andar longe do refolho
que em bolsos guardo e assim te tolho,
na interdição qualquer de alheio ensejo;
teus passos presos nos pulmões eu guardo,
da bile de meu fígado vestidos,
encadeados por nefrônios de meus rins;
mas sobre as costas uma sela albardo
para que montes nos momentos mais queridos
dos teus passeios de xirca e de alecrins.
reação eletrizante IX
se encilhar meus lombos de paixão,
mas nos teus lábios colocar meu freio,
tua rédea prendo firme quando apeio,
só num balanço o relho de minha mão;
se atrelar ao arado o coração,
tendo por lâmina o bico de teu seio,
cortando a alma sem qualquer receio,
para nela plantar nova ilusão;
se rasgar as canhadas com teu beijo
e construir paiol de malmequeres,
chapas tiradas do zinco de meus ossos,
o catavento ainda serei, em leve adejo,
nos zéfiros catando teus quereres,
para girar os espantos que são nossos.
reação eletrizante X
e se puder os relâmpagos laçar,
de um corisco farei meu parelheiro,
não só no nome para o apadrinhar,
mas verdadeiro raio em meu terreiro;
farei colares para te ofertar
com essas réstias de granizo em som arteiro;
com fios de orvalho amarrarei em seu lugar
cada centelha em seu brilho derradeiro;
e buscarei esses globos circulares
que raramente se projetam pelo escuro,
para queimar em formato de diamantes
e assim eu te darei os meus penares,
engastados nesse negror mais puro
que surge apenas após tormentas delirantes.
reação eletrizante XI
cada diamante a marcar morte de um sonho
e cada sonho destinado a nova morte
e cada morte me trazendo nova sorte
nesses brilhantes que em teu colo ponho;
entre teus seios minhas penas eu deponho,
pequenas penas do mais estranho corte,
minhas tristezas de indolente porte,
cada fracasso qual rubi risonho;
minhas lágrimas outras tantas esmeraldas
nesses brincos pingentes das orelhas,
serão safiras as unhas de teus dedos,
jóias roubadas da montanha às faldas
coriscarão teus olhos em centelhas,
na opala escura da flor de teus segredos.
reação eletrizante XII
e se estes versos despertarem zombaria,
que seja tua a zombaria que aceito,
de ti recebo o riso sem despeito,
meu céu notando na boca que assim ria;
mas não aceitarei outra ironia,
senão daquela que compartilha o leito
e me acolhe em seus braços junto ao peito
da ousada forma em que nem eu mais cria;
somente assim acolherei motejo,
porque a troco do riso, a recompensa
virá também e toda a humilhação,
na reação eletrizante desse beijo,
será banida, enquanto a noite adensa,
toda encolhida em plena escuridão.
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