O PRÍNCIPE ENCANTADO
Conto de fadas revisitado por Lisa Goldstein em prosa,
versão poética de William Lagos, 28 mai 2016)
O PRÍNCIPE
ENCANTADO I
Em um reino
cujo nome se perdeu
nascera um
príncipe, o primeiro da rainha,
muito orgulhosa
por sua perfeição,
ansiosamente a
conferir-lhe o amor seu.
De forma igual,
muito feliz se achava o rei,
tendo nos
braços a criança pequeninha,
a garantia de
continuar sua dinastia,
de seu trono o
bom herdeiro que queria,
recompensada
assim sua devoção,
cumprido o quanto
lhe exigia a antiga lei!...
A estabilidade
de seu reino garantida,
sem precisar de
temer pela ambição
de meia dúzia
de aristocratas desleais,
ordenou grandes
festejos em seguida,
para ao povo o
seu herdeiro apresentar
e garantir a
sua total aceitação;
manter do
exército o apoio mais constante,
já esperando
ouvir aplauso delirante
dos cidadãos,
aldeães e todos mais,
dos sacerdotes
longo Te-Déum a entoar...
Na terra havia
uma longa tradição,
com a qual não
concordava inteiramente:
chamar as fadas
para que o abençoassem.
Corria uma
lenda de bastante aceitação
que sete delas
tinham sido convocadas,
cem anos antes,
tal qual dizia a gente,
para abençoar
uma jovem princesinha
de um reino ali
vizinho, no qual tinha
sido esquecida
uma que poucos recordassem,
mas que surgira
logo após as convidadas.
Cheia de raiva,
em razão de tal descaso,
a qual, ao
invés de conferir bondade,
profetizara sua
morte em verdes anos,
mas que no
instante de se cumprir o prazo
ela teria tão
somente adormecido,
já que outra
fada, por felicidade,
seu dom à
princesinha ainda não dera,
tendo ficado,
por prudência, à espera,
ao desconfiar,
com seus dotes arcanos,
que algum mal
seria a ela prometido...
O PRÍNCIPE
ENCANTADO II
Há gerações
essa história se contava,
mas esse reino
se extinguira, até,
se é que de
fato algum dia havia existido;
quiçá além de
uma floresta se encontrava,
que era hoje
totalmente impenetrável,
bem ao norte de
sua terra, que era a sé
de maus duendes
e dos seres mais maléficos...
Os homens
sábios e instruídos eram céticos
e que tal reino
que diziam estar perdido
fosse invenção
de gente pobre e miserável...
De qualquer
modo, era a vontade da rainha
e tão feliz
estava o rei com ela
que ordenou
percorressem toda a terra
até encontrarem
as fadas que ainda tinha.
Naquela terra
para nós desconhecida
dizia o povo
que até das fadas a mais bela
definha e
morre, perdendo as esperanças
quando nela não
creem sequer crianças,
mas em recanto
obscuro ainda se encerra
uma que outra
fadinha envelhecida...
E procurando,
acharam curandeira;
em seu pequeno
jardim uma herbanária, (*)
uma parteira e
a seguir sacerdotisa
da Deusa Terra
e até uma certa feiticeira
(ou, pelo
menos, que de bruxa tinha a fama,
todas
velhinhas, em decadência vária,
sendo a mais
moça a que tinha o seu jardim,
a quem chamavam
Margarida ou então Jasmim,
por entre as
flores conservando a pele lisa,
ganhando a vida
a vender ervas em rama...
(*) Vendedora
de ervas, raízes e cascas de árvore como remédio.
Naturalmente,
não chegou qualquer voando;
uma ou duas
trouxeram de carruagem,
a maioria em
mulas ou cavalos,
a sua velhice
claramente demonstrando...
“Vocês são
fadas?” – indagou o rei, surpreso.
Elas se olharam
e a herbanária, com coragem,
respondeu-lhe a
pergunta, finalmente:
“Nós fomos fadas,
sire, mas a gente (*)
parou de crer
em nós e, aos poucos, ralos
nossos poderes
ficaram, por tristeza...
(*) Tratamento
para um rei; mais curto que Vossa Majestade.
O PRÍNCIPE
ENCANTADO Iii
“Vocês não eram
sete?” – a rainha quis saber.
“Sete de nós
houve na antiga cerimônia
em que foi dado
o nome para a Princesa Bela,
além daquela
que preferiram esquecer,
dentre nós
todas a mais poderosa;
chegou voando
com grifos, qual demônia (*)
e por se estar
sentindo escarnecida,
a maldição lançou sobre tão jovem vida,
a pobre
princesinha... E então saiu pela
janela...
Fui eu que
amenizei a sua praga perniciosa...”
(*) Animais
mitológicos voadores, menores que dragões.
“Tudo é
verdade, então?” – interrogou o rei.
“Claro que sim,
mas fazem cento e vinte anos;
quando Datura
ficou a par disso que fiz,
amaldiçoou de
nós sete toda a grei:
nossos poderes
bem depressa se esgotaram
e sem podermos
realizar atos arcanos,
muito depressa
duvidaram os camponeses;
Mesmo os
soldados, os melhores dos fregueses...
Morreu de triste
a pobrezinha Fada Anis
e a Manjerona
como bruxa até queimaram...”
“Mas onde se
acha agora a fada má?”
“Datura? Há mais de século não a vemos;
mais velha do
que nós, talvez tenha morrido...”
“Foi
envenenada, ouvi falar,” disse Alcalá,
aquela fada a
quem chamavam feiticeira.
“E nenhum dom
para meu filho então teremos?”
indagou a
rainha, em voz peremptória,
muito prática,
para concluir a história.
“Juntas as
cinco, atenderemos seu pedido:
algumas coisas,
sim...” – disse a parteira.
“Pois veja, Majestade,
algum poder
recuperamos,
que nas habilidades
que conservamos
o povo ainda acredita.
Como fadas não
nos vão reconhecer,
mas nos
procuram, havendo precisão...”
“De mim tem
medo que faça-lhes maldades,
pois dizem que
sou bruxa,” disse-lhe Alcalá;
filtros de amor
eu lhes preparo já,
mais um
conselho que ao resultado incita;
e alguns
castigos, porém nunca sem razão...”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO IV
Falou a
parteira, cujo nome era Estremosa:
“Ele há de ser um homem muito belo,
o mais lindo do reino e de grande simpatia...”
“Eu lhe garanto uma saúde portentosa,”
Prometeu-lhe a
herbanária, Margarida.
“E todos o amarão, haja o que houver,”
Disse Alcalá, “tal qual filtro de amor;
será por muitos procurado com ardor,
distribuirá entre todos a alegria
e de “Encantado” em breve o povo o apelida...”
Disse Arandela:
“Sou hoje apenas curandeira,
mas dou-lhe algo que cura qualquer mal:
o dom do riso a que acompanha o bom humor,
mesmo a pior situação mudando inteira,
ao perceber nela oculta uma ironia...”
A sacerdotisa
Altanair falou, afinal:
“Eu lhe darei o amor pela sua terra,
sabedoria e a justiça que ela encerra!...
“Será o Príncipe Encantado,” o dotaram com ardor
as cinco fadas,
com seus restos de magia...
Albanezer, o
rei, demonstrou satisfação,
mas a rainha
ficou até desapontada:
Beleza, Saúde, Riso e Simpatia...
tudo isso já lhe trouxera a gestação;
por que não deram Poder, Glória, Riqueza?
Porém sorriu,
fingindo achar-se deliciada,
Por que razão ofenderia essas velhinhas?
Sem ter magia, foram até esforçadinhas...
E no momento em
que a cerimônia concluía,
o rei
recompensou-as com nobreza...
Era bem fácil
perceber-lhes a pobreza
e além de lhes
dar bolsas de ouro,
para as cinco
ele nomeou um Intendente,
encarregado de
atendê-las com presteza,
sempre que
visse de que algo precisavam...
Mas nesse
instante escutou-se largo estouro,
as janelas se
escancararam de repente
e entrou outra
fada, essa de aspecto potente...
“Pois então, me
esqueceram novamente?
Somente essas
cinco infelizes convocaram...?”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO V
“Igual que da
outra vez, ignorantes!
Eu sou a única
que tem real poder!...”
Altanair
respondeu: “Cara Datura,
não houve aqui
descaso como dantes,
sinceramente,
pensamos que morrera!”
“Senhora,”
disse o rei, “não foi por esquecer,
mandei fidalgos
a indagarem pela terra,
ninguém sabia,
nos planos ou na serra
seu
paradeiro!... Esta é a verdade pura!
A seu poder mui
certamente eu recorrera!”
“Caro rei
Albanezer, não sou idiota!
Fala essas
coisas por ter medo de mim
e do que eu
possa fazer a essa sua cria!
Talvez
lançar-lhe a maldição mais ignota!”
“Senhora, eu
lhe imploro, humildemente...”
Gozou a fada o
seu triunfo assim.
“Não é preciso,
sire, assim se preocupar,
que um belo dom
a seu garoto hoje vou dar...”
“Ah, pelo
menos, nos poupe a zombaria!”
Disse Arandela,
bastante ansiosamente...
“Bando de
tolas!... Ora, “Príncipe Encantado!”
Um Príncipe
Encantador então seria,
com esses dons
idiotas que lhe deram!
Só confirmaram
o que haviam encontrado...
Ninguém lembrou
de lhe dar inteligência?
Claro que
não! Quem não tem, não poderia!
E se o menino
se mostrar bem limitado?
Um deficiente a
rir, bem-humorado?
E longa vida
lhe dar sequer lembraram?
De curta vida o
dotar tenho potência...”
“Alguém
lembrou-se de lhe dar a boa visão?
E se o garoto se
demonstrar um cego?
Ou bem depressa
apresentar uma surdez?
Boa saúde!...
Ora, isso é tudo que lhe dão?”
“Senhora
Datura,” suplicou de novo o rei,
“qualquer
desprezo por si agora eu nego!
Eu realmente
mandei-a procurar,
mas emissário
algum a pôde achar!”
“Então pensa
que eu não sei? Foi pura estupidez,
por isso não me
acharam... Porém não me vingarei.”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO VI
“Bem ao
contrário... Príncipe Encantador,
eu lhe darei um excelente dom:
em seu castelo dorme a Bela Adormecida...
Há mais de séculos, muitos nobres de valor
têm procurado achá-la e não o puderam...
Sua beleza era louvada em alto som,
realmente, a mais linda em toda a Terra
dorme em seu leito que a floresta encerra...
Pois bem, meu príncipe, terá bem longa vida
e a inteligência que essas tolas não lhe deram...”
“Visão perfeita lhe dou; e ótima audição,
mas assim que se tornar maior de idade
irá cumprir totalmente o seu destino:
encontrará esse objeto de paixão
e com um beijo, ela despertará;
será por ela amado de verdade...
Porém depois que essa princesa despertar,
a cerimônia se deve logo celebrar
e os dois se casarão sem pompa ou sino,
contudo fiel integralmente ela será!...”
Então voltou-se
para a Fada Margarida:
“Como é?
Pretende atrapalhar-me desta vez?
Pois não lhe
dei tudo o quanto se esqueceram?”
“Claro que
não!...” – a outra falou, com voz sumida,
”Melhor dom não
poderia ter-lhe dado...”
“Dei-lhe cinco,
bem mais do que vocês,
mas será que
foi tão bom?” – falou Datura;
e com longa e
zombeteira curvatura,
esperou pelos
adeuses que lhe deram,
depois partindo
em seu belo carro alado...
“Fiquei tomado
por tão bela surpresa
que até mesmo
me esqueci de agradecer!
Foi muito
generosa, realmente...”
falou o rei,
com a voz um tanto presa.
“Inteligência,
Vida Longa... que bondade!
E a mais bela
mulher do mundo prometer!...”
Contudo, as
fadas se entreolharam,
de um malefício
escondido desconfiaram,
mas sem maldade
encontrarem na aparente
dotação mística
de generosidade!
O PRÍNCIPE
ENCANTADO VII
As cinco fadas
partiram, finalmente,
e a rainha
pediu não mencionassem
entre o povo os
dez dotes concedidos;
porém havia um
nobre ali presente
que as
profecias havia todas escutado
e logo fez com
que entre o povo se espalhassem,
a gente inteira
ficando bem feliz,
por tantos
dotes que ao príncipe se quis
oferecer,
plenamente convencidos
de todo o bem
que lhe fora destinado...
Cresceu o
príncipe e depressa foi amado,
pois bem sabia
a todos encantar;
numa conversa,
conseguia dar a impressão
de que o
interlocutor era muito respeitado,
logo a seguir,
porém, seguia adiante,
a outra pessoa
igual impressão dar;
com seu
professor mesmo brincava;
o cozinheiro o
melhor doce lhe dava;
de travessuras,
caso houvesse uma ocasião,
um outro a
culpa assumia em tal instante...
Seu pai, de
fato, não percebia nada,
também estava
encantado com a criança
e nenhum de
seus ministros o avisava;
já a rainha
ficava, às vezes, perturbada,
mas quando ao
príncipe queria aconselhar,
via um sorriso,
tal qual mimosa trança
e então achava
impossível repreendê-lo,
por mais forte
que fosse então seu zelo;
ao menino assim
tudo se perdoava,
sem que
aprendesse como ao reino governar...
Mas quando o
príncipe completou dez anos,
chegou-se à
mãe, a fim de a interrogar
sobre uma
história que alguém lhe havia contado:
“Existem mesmo
esses dotes tão arcanos?
Preciso mesmo
me casar com “tal princesa”?
“Querido,
ninguém pensa em o obrigar,
não é uma lei,
é tão só uma profecia,
a fada apenas
afirmou quanto queria,
o seu futuro
não está predestinado,
não quer dizer
que isso ocorra com certeza!”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO VIII
“Mas tal
princesa, será mesmo bonita?
“Extremamente
bela,” disse-lhe a rainha
sem recordar
exatamente a profecia.
“Há gente jovem
que bonita se acredita,”
disse o menino,
em surpreendente madurez.
“Desejo
despertava em quem dela se avizinha,
deve, portanto,
ser muito bela, realmente...”
Ou encantar a qualquer um que se apresente,
o mesmo dom que no seu filho via?...
Mas afastou tal
pensamento de uma vez...
“Mas ninguém
sabe onde fica o tal castelo,
portanto, sou
eu que a terei de procurar...
Talvez leve em
tal busca muitos anos...
Quanta comida
precisarei levar...?”
“Querido, como
é que eu vou saber?
Mas se em tal
busca realmente se empenhar,
muitos soldados
deverá levar consigo,
caçadores, o
cozinheiro seu amigo...
Antes de ir, precisará
fazer seus planos,
esse lugar
alguém deve conhecer...”
“Caso eu a
encontre, preciso mesmo me casar?”
“Claro que
não! Só vai casar com quem quiser!
Aquela bruxa já
deve mesmo ter morrido,
junto com as
outras que o vieram abençoar...
Mas eu não quero
essa conversa continuar...”
O rapazinho
cresceu. Qualquer mulher
que ele
quisesse caía logo nos seus braços;
e depois de
experimentar tantos abraços,
para a empresa
pronto achou-se convencido:
cavalgava muito
bem e melhor sabia lutar!...
Mas a despeito
de conseguir tudo facilmente,
um de seus dons
era o de ser inteligente;
logo aprendera
instrumentos a tocar
e lera muitos
manuscritos, realmente...
Só uma coisa
ele jamais entendera:
por que irmãos
não tinha, como toda a gente?
Seus pais
disseram que, de fato, haviam tentado,
sem que o
ventre de sua mãe fosse abençoado...
Dos sacerdotes
a quem fora consultar
somente frases
inócuas recebera...
O PRÍNCIPE
ENCANTADO IX
Assim, ao
completar dezoito anos,
levou consigo
grande soma de dinheiro
e outro cavalo,
além de sua montaria,
levando roupas
e presentes soberanos
que à princesa
pretendia oferecer.
O reino era
tranquilo, seu pai um bom guerreiro,
porém melhor
ainda um diplomata;
com tratados
comerciais a paz se acata
e um bom
exército também a garantiria,
as fronteiras
do país a guarnecer...
Por todo o lado
encontrou prosperidade,
como apenas bom
governo ao povo traz,
porém com isso
já estava acostumado,
crescendo
sempre com tranquilidade;
e assim foi
indagando, vários meses,
muito
confiantes os campônios nessa paz
e finalmente, o
proprietário de um moinho,
já perto da
fronteira, lhe falou, devagarinho:
“Lá nas terras
devolutas, já arruinado,
Contam haver um
castelo os camponeses...”
“Corre uma
lenda que, no meio da floresta,
ali se encontra
a Bela Adormecida...”
Mas não sabia
se verdade mesmo era...
“À mata virgem
transpor ninguém se apresta...”
Bem mais
adiante, seguindo o tal caminho,
encontrou uma
velhinha, já encolhida,
à porta do
casebre a tomar sol...
E lhe mostrando
seu sorriso, doce anzol,
ela
acordou... E às perguntas que fazia
respondeu com
boa-vontade e até carinho...
“Sim, é o
castelo da Bela Adormecida,
meu
filho... Minha avozinha falecida
chegou a
trabalhar lá... Era copeira,
mas pela
maldição foi perseguida,
que as plantações
também adormeceram,
nenhuma rez de
novo foi parida,
nem as galinhas
mais botaram ovos,
mesmo a relva
perdeu os seus renovos
e a floresta
ressecou-se, derradeira,
todos os
troncos a seguir endureceram...”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO X
“E se juntaram,
formando uma muralha...
Não foi
possível renovar as provisões...
Os camponeses a
seus campos ressecados
abandonaram,
mesmo a tropa já se espalha,
sem ser
possível encontrar mais alimentos;
logo do reino
emigraram multidões
e no final,
também fugiu a criadagem...
Somente o rei e
a rainha, com coragem
permaneceram
para à princesa dar cuidados,
até as datas de
seus falecimentos....”
“Contam que o
rei enterrou a sua rainha,
muitos anos
depois da maldição
e sobre a tumba
se deitou até morrer,
com sua coroa e
as jóias que ainda tinha;
tempos depois,
ali chegou um salteador,
que tudo lhe
roubou, sem compaixão...”
“Mas e a
princesa?” – insistiu o Encantado.
“Ah, a
Bela...? No seu leito bem gelado
há muito tempo
ninguém mais a busca ver;
até de entrar
nesse castelo têm pavor!...”
“Contudo, me
garantiu a vovozinha
que nesse dia
em que se foi embora,
sem no celeiro
ou na despesa haver comida,
continuava
adormecida, a pobrezinha,
que nem sequer
um dedo havia mexido...
Mas isso foi há
muito longo outrora!
Depois disso,
ficou a mata tão cerrada
que aqueles que
a queriam despertada
não
conseguiram, na tal floresta endurecida
achar passagem
e tudo enfim foi esquecido...”
“Há longo tempo
ninguém passa por aqui;
só os meus
netos vem-me, às vezes, visitar
e me disseram
que a floresta enverdeceu,
mas não há meio
de se atravessar ali,
que além das
árvores, cresceram espinheiros
e não há jeito
de por ali passar...
Mas a Bela
ainda deve estar Adormecida,
sem que ninguém
mais a procure nesta vida!...”
Encantado
gentilmente agradeceu
e seus cavalos
pôs a trotear, ligeiros!...
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XI
Em pouco tempo,
alcançou a tal floresta
e a contemplou
com melancólico sorriso,
vendo que era
realmente intransponível...
Como posso realizar esta minha giesta? (*)
Talvez com fogo eu queime os espinheiros...
Mas de repente,
de surpresa e de improviso,
tal qual que se
a floresta já o esperasse
ou talvez por
seu sorriso se encantasse,
ele assistiu a
uma ocorrência incrível:
surgiu passagem
entre os troncos altaneiros!
(*) Missão
romântica de um cavaleiro-andante.
Faria isso parte de seu encantamento?
Dando de
ombros, atravessou-a com coragem,
logo avistando
os campos ressecados,
um rio parado,
sem mostrar seu movimento,
embora a água
não parecesse estagnada...
Pensou até em
banhar-se na paragem,
mas logo achou
que não seria conveniente
e desmontando,
foi seguindo à frente...
Por sobre um
túmulo, viu ossos espalhados,
restos de um
manto na ossatura despojada...
Então a história era mesmo verdadeira!...
Ali se achavam os pais da princesinha...
Seus cavalos
amarrou em duas argolas
e a levadiça
cruzou, sem mostrar medo.
Era o piso de
mármore rachado,
Pilhas de
entulho que do teto claro vinha,
restos de
móveis, armas enferrujadas,
tapeçarias em
farrapos penduradas,
empoleiradas
nas traves pombas-rolas,
tirante os
pássaros, tudo estando abandonado...
Mas após
explorar peça por peça,
não encontrou
da princesa algum sinal...
E ao reconhecer
onde havia já passado,
em desaponto,
saiu acabrunhado...
Decerto havia
porões, mas duvidava
que a princesa
ali se achasse, no final...
Que recebera
maldição, já suspeitasse:
Seria essa, que a princesa nunca achasse?
Depois de a ter com tanto esforço procurado...
Mas uma torre
lá no fundo se avistava...
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XII
Caminhou o
príncipe outra vez pelo castelo
e finalmente,
meio coberta pelo entulho,
uma porta
divisou, um tanto apodrecida;
não teria força
para poder detê-lo...
E de fato, ao
seu toque, desmanchou-se.
Subiu as
escadas, movido pelo orgulho,
seu coração já
a bater, descompassado;
segunda porta
já se havia despencado
e na câmara
penetrando, escurecida,
uma mulher
deitada em leito revelou-se...
Pé ante pé,
aproximou-se, com cautela
e então sorriu: pois não queria despertá-la?
pela janela de
repente o sol entrava
só percebendo
então como fora amaldiçoado:
A mulher envelhecera com o castelo!...
Mil rugas pela
face, recortada como tela,
seu corpo na
magreza mais terrível...
A cabeleira,
por qualquer motivo incrível
ainda loura, a
seus pés quase alcançava...
Do crânio os ossos
a sugerir um rosto belo...
Aquela múmia de
corpo ressecado,
muito antes que
ele nascesse, falecera!...
Não percebeu a
menor respiração.
mas afinal, ele
era o Príncipe Encantado:
cem anos antes
deveria ter chegado.
Pobre jovem,
que há tanto tempo adormecera...
Ele era a
vítima da mais estranha profecia:
com uma
defunta, jamais se casaria...
Mas na bondade
de seu coração,
um beijo, ao
menos, lhe deveria ser dado...
E se a
beijasse... quiçá, remoçaria?...
Mas que tolice! As mortas
não remoçam...
E num impulso,
inclinou-se sobre o leito,
sobre a tal
boca ressecada que ali via,
depositando o
mais gentil dos beijos...
Mas no momento
em que os lábios se retoçam,
sentindo o
cheiro e o sabor da poeira,
estremeceu a
pobre múmia, toda inteira!
A um pesadelo achava-se sujeito...!?
De um respirar
pressentiu leves adejos...
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XIII
Temendo o
cheiro do bafo do passado,
Encantado
recuou rapidamente,
sem ser
assaltado por qualquer mau odor:
mesmo suave
sendo o aroma suspirado...
Abriu os olhos,
já de catarata brancos,
sorriu tal qual
fosse jovem adolescente,
rugas em sua
face mais se salientaram,
os velhos ossos
a fina pele sustentaram...
“Quem é você?”
– indagou-lhe aquele horror.
“Dores
percorrem meu corpo como arrancos!”
“Por que não
posso enxergá-lo claramente...?”
Encantado enfim
sua voz recuperou:
“Senhora,
estáveis sob um encantamento...”
“É bem verdade,
lembro perfeitamente;
disse uma bruxa
que morreria aos quinze anos,
mas uma fada a
maldição amenizou:
que eu apenas
iria adormecer
e após um
século, dormindo sem morrer,
viria um
príncipe beijar-me em tal momento
e para o amor
despertaria sem enganos...”
“Você é o
príncipe que me veio despertar?”
“Sim, minha
senhora, esse é o meu destino.”
“Mas o que foi
que aconteceu com minhas mãos?
Por que me doem
os pulmões ao respirar?...”
Ela se ergueu,
com a maior dificuldade.
“Mas o que
houve comigo? Por que esse desatino?
Meu corpo
inteiro parece anquilosado,
cheia de dores,
estou seca!... O amaldiçoado
encantamento
que me prendeu há gerações
não foi
quebrado realmente, não é verdade...?”
“Senhora,”
disse o Príncipe Encantado,
sem ter ânimo
para dizer toda a verdade,
“Vós dormistes
por cento e vinte anos,
seu castelo
totalmente abandonado...”
“Ai, por cem
anos eu envelheci também...?
Ainda ontem eu
estava cheia da vaidade
dos quinze
anos, da beleza no esplendor!
Havia nobres a
me falar de amor...
Como podem ter
ocorrido tais enganos?
Meu pai, minha
mãe, não encontro mais ninguém?”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XIV
E sem poder
aquilatar sua situação,
Bela caiu no
desmaio mais terrível...
Que poderei fazer? – lamentou-se o Encantado.
Enrolou Bela em
seus lençóis, então:
era uma pluma,
não pesava quase nada;
molhou-lhe os
lábios, como lhe foi possível.
Mas que coisa mais terrível!
Ele despertara
a sua noiva, mas ela em nada remoçara!...
Carregou-a
escada abaixo, com cuidado:
não poderia ali
deixá-la abandonada!...
Numa cocheira
encontrou uma carruagem,
milagrosamente
razoável seu estado
firme atrelou-a
a seus dois cavalos,
colocando ali a
princesa, com coragem,
estendida sobre
o assento de cetim...
Olhou ao redor,
percebendo, já espantado,
que a relva a
seu redor reverdecia,
que outra vez
no rio a água corria,
campos arados,
qual se alguém a conservá-los:
a terra seca
despertara inteira assim!...
Mas no momento
em que Bela despertou,
Encantado
escutou terrível pranto
e suspendeu o
andamento da carruagem,
água lhe deu,
mas nem um pouco a consolou,
mesmo nos
braços a tomar seu corpo frágil...
“Eu tinha
quinze anos quando o encanto
me fez
dormir!... Pensei que acordaria
com o mesmo
corpo que então me pertencia,
mas perdi minha
juventude na passagem,
até morrer
teria sido preferível!...”
Encantado a
embalou, tal qual criança;
por sorte a
princesa não cheirava mal,
porem suas
roupas se estavam desfazendo
e assim pensou
em lhe dar certa bonança...
“Senhora,
trouxe-lhe joias de presente
e igualmente
trouxe comigo um enxoval,
não gostaria de
trocar sua roupa?...”
Chorou ainda
mais, como se fosse coisa pouca
e adormeceu,
soluçando e estremecendo,
Encantado
sentindo-se impotente...
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XV
Felizmente, ele
chegou a uma hospedaria,
na qual dois
quartos depressa ele alugou;
e lhe falou a
dona da pensão
que as roupas
da “avozinha” trocaria...
Encantado
colocou todo o enxoval
no quarto que
para a Bela reservou,
embora as jóias
consigo conservasse,
para um momento
em que melhor se achasse,
nenhum dos dois
a revelar a situação,
o pobre
príncipe a sentir-se muito mal...
A noite inteira
a si mesmo repreendeu
por seu impulso
de depositar um beijo
naquela velha-moça
adormecida...
Mas, afinal, era o destino meu!...
Contudo, agora, como a posso desposar?
E assim,
pensando em tão infausto ensejo,
conduziu-a até
o castelo de seu pai,
uma longa
explicação a lhe dar vai,
sua mãe ficando
já desfalecida...
Mas ninguém
Bela decidiu-se a rejeitar...
O médico do
castelo encarregou-se
de cuidar dela,
mas sem prometer nada.
Podia
tornar-lhe a vida confortável,
porém o tempo
contrariar não se pudesse...
Não obstante,
Encantado se julgava
o responsável
pela pobre desgraçada,
mas quase nunca
com Bela se encontrava,
porque a
princesa ferozmente o amaldiçoava:
“Por que foi me
despertar, seu miserável?
Um dia a morte
finalmente chegaria!...”
Mas disse o
médico: “Não morrerá tão breve,
conserva ainda
um vigor desnecessário,
tal qual se
fosse mesmo ainda adolescente...”
Porém dela
aproximar-se não se atreve
o triste
príncipe... “Não pode mesmo fazer nada?”
“Eu já lhe
disse. É um caso extraordinário:
não é possível
todo esse tempo combater...”
“Mas se eu
puder o seu encanto reverter?”
Pensando assim,
em viagem ia frequente,
a ver se a
bruxa podia ainda ser achada...
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XVI
Mas a única que
encontrou foi a herbanária.
a quem chamavam
“Jasmim” e “Margarida”.
“Alcalá e
Altanair já faleceram,
Arandela ainda vive,
solitária,,
mas incapaz de
recordar de mais ninguém...
Estremosa em
Avalon achou guarida...
Mas realmente,
não sei nada de Datura,
e lhe confesso
que me sinto meio impura,
pois o encanto
amenizei que lhe impuseram,
sem perceber
que envelhecer iria também...”
“Você não pode
realmente fazer nada?”
“Tão somente a
Datura poderia...
É necessário um
poder muito maior
para cem anos
reverter de uma assentada,
do que agora
tenho ou que jamais em tive...”
Por dois anos
Encantado perquiria
por toda parte,
mas sem achar Datura,
até que um
dia... encontrou-lhe a sepultura.
Voltou tomado
de uma imensa dor...
Quem sabe Bela, coitadinha, já não vive?
Mas por esse
pensamento envergonhado
voltou ao
castelo e ao médico encontrou:
“Ela está muito
bem, meu caro amigo...”
“Mas
então... O encantamento foi quebrado?”
O velho riu-se,
bem educadamente:
“Velhice é
coisa que ninguém jamais curou,
nem por
ciência, nem magia ou encantamento...
Mas sua saúde é
um real portento
para quem mais
de cem anos traz consigo:
ela caminha e
tem conversa inteligente...”
“Depois que a
submeti a fisioterapia,
Muito melhor
tem as articulações...
Das cataratas,
eu mesmo a operei;
tem bom-humor e
das dores que sentia
já consegui
aliviá-la grandemente,
até engordou...
E mantém boas relações
com a Senhora
sua Mãe e o Rei seu Pai...
usa muletas e
pelo castelo sai,
indo assistir
às audiências de seu rei...
Sua audição
ainda está excelente...”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XVII
“Por que não
vai visitá-la, você mesmo?
Seu pai e sua
mãe há muito tempo a aceitaram...”
“Mas, doutor,
ela disse que me odeia!”
“São só
palavras que pronunciou a esmo,
não tem
qualquer motivo para o odiar,
foram as bruxas
que de tal forma a deixaram...”
“Então agora
crê em feitiços, bom doutor?”
“Creio no
enigma de mulher plena de vigor,
com suas faces
retalhadas como teia,
mais de cem
anos certamente a aparentar...”
Encantado,
finalmente, decidiu-se
e à porta lhe
bateu, suavemente...
Se não lhe respondesse, iria embora.
Mas uma voz
logo a seguir ouviu-se:
“Pode
entrar...” Meio com medo, penetrou.
“Ah, é você...”
– disse a mulher, indiferente.
“Pensei fosse o
doutor. Por que está vindo?”
“Para saber
como se está sentindo...”
“E como espera
que eu me sinta nesta hora?”
“Está mais
confortável?” – Encantado balbuciou.
“Para quem tem mais
de cem anos, confortável.”
E no silêncio
que se seguiu depois
só se lembrou
de perguntar: “Ainda me odeia?”
“Claro que
não. Só me sinto miserável,
mas reconheço
que a culpa não é sua,
a maldição é
que envolveu nós dois...
Mas qual é a
razão de estar aqui?
A verdadeira...
Veio ver se não morri?”
“Não é nada
disso! Mas a morte então receia?”
“Acolheria com
prazer sua foice nua...”
“Mas de fato,
tendo apenas dezessete,
por muitos anos
não a espero ver chegar!
Seu castelo
talvez também eu arruíne...”
Uma vozinha em
sua cabeça se intromete,
mas o príncipe
a afastou, rapidamente:
“Eu só desejo é
que possa melhorar...”
“Fazem dois
anos... Nunca mais me visitou...”
“Eu procurei
Datura... Ninguém nunca lhe contou?
Até parece que
cometi um crime!...”
“É óbvio que
não. Foi tão só indiferente...”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XVIII
“Mas veio agora
esperando gratidão?”
“Minha senhora,
só vim ver como se achava.”
“Agora viu, mas
por nada lhe agradeço,
não lhe pedi
que me quebrasse a maldição;
se por acaso me
viesse a perguntar,
eu lhe diria
ser tolice o que buscava...
Em suas
viagens, só estava me evitando,
mais do que a
cura me estivesse procurando.
Não obstante,
de seu beijo não me esqueço:
sabe que foi o
primeiro a me beijar...?”
Mas continuando
nessa conversação,
foi logo o
príncipe puxar uma cadeira.
A velha-moça
não mais o repelia,
mas para o mal
não encontrava solução.
Passado um
tempo, finalmente ele se ergueu.
“A sua visita
foi bastante lisonjeira,”
disse ela. “Agradeço a compreensão.”
Então o
príncipe respondeu, com emoção,
que na verdade
pouco ou nada compreendia,
mas de novo a
princesinha agradeceu...
Encantado se
tornou muito confuso,
mas voltou
logo, de novo, para vê-la,
ela era
espirituosa e inteligente...
“Ah, se não
fosse o tal maldito fuso!...”
“Como assim?” “Não lhe contaram dessa arte?
Uma roca
encontrei e, ao percebê-la,
tomei nas mãos
o fuso e me piquei...
desde esse
instante não mais eu acordei,
até o momento
de seu beijo quente...”
Encantado se
assustou e a seguir parte...
Será que eu tenho de beijá-la novamente?
Mas retornou,
passada uma semana
e por um ano
inteiro conversaram,
até passeios a
fazer juntos, frequente,
mas Encantado
não se atrevia a tocá-la,
embora jogassem
damas sobre a cama;
contudo, aos
poucos, se tornaram bons amigos,
ele contou de
suas buscas os perigos,
essas pesquisas
todas que falharam...
Se por acaso outra vez fosse beijá-la...?
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XIX
Será que assim o encantamento quebraria?
E se lhe acontecesse algo pior?
Se, por exemplo, se transformasse em poeira?
À experiência ele jamais se atreveria!...
Enquanto isso,
algo de estranho aconteceu:
a cada ano, a
colheita era menor,
o reino inteiro
a passar por estiagem,
passando fome
até mesmo a criadagem,
toda a reserva
esgotada por inteira,
mandando o rei
comprar trigo enquanto deu...
Logo
esvaziou-se o tesouro real,
porque sementes
aos campônios distribuiu,
mas sem vir
chuva, não brotava nada;
aos cidadãos
compartia algum cereal;
sequer o gado
se reproduzia
e logo a caça
do país sumiu,
depois os rios
de peixe se esvaziaram,
nem as galinhas
ovos mais botaram...
Breve chegou
uma turba revoltada
às portas do
castelo, em gritaria!...
Mas disse o
rei: “Nada mais tenho no celeiro;
nossos vizinhos
se estão a aproveitar
desta penúria e
nos cobram muito caro:
o meu tesouro
já se esvaziou inteiro!...
Não sobram
meios para dar-lhes mais semente!”
Um sacerdote
avançou a lhe falar:
“Não,
Majestade, a culpa é da presença
dessa princesa
entre nós, que desavença
causou às
nuvens e o alimento tornou raro!
Ela é que
trouxe sobre nós tempo inclemente!”
“Mas o que
querem que eu faça? É uma velhinha!
Não podem
desejar que a mande embora!...”
“Não,
Majestade, mas que se cumpra a obrigação!
Não o senhor,
pois já tem a sua rainha,
porém seu
filho, o seu príncipe-herdeiro!...
“Eu não
entendo!...” “A tradição vinda do
outrora
fala que a
terra deverá ser renovada
por uma boda
que seja celebrada...
Então que o
príncipe complete a sua missão!
Foi seu
destino!... Pois que o cumpra por inteiro!...”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XX
E dessa forma,
informaram ao Encantado
que o
matrimônio deveria ser cumprido,
por mais que a
perspectiva o horrorizasse!...
E depois de uma
semana ter pensado,
o Encantado
finalmente concordou:
era o destino
para o qual havia nascido:
já que a
trouxera, a si cabia a solução:
foi à velha
princesa para pedir-lhe a mão,
perfeitamente
seguro que aceitasse...
Mas ela, de
imediato, recusou!...
“Você está
louco? Assim velha como estou?”
“Não, realmente
eu preciso desposá-la...”
“É minha beleza
e juventude que o atrai...?”
“Não, minha
querida. O Conselho decidiu
que sua vida
está ligada à nossa terra,
que é sua
presença que está a devastá-la;
até querem-na
expulsar, mas por nosso casamento
será quebrado
finalmente o encantamento.
Já pensei
muito. A maldição que sobre nós recai
só por nosso
matrimônio é que se encerra...”
“Se nos
casarmos, talvez venha a remoçar...”
“Mas eu não
quero casar-me com você!”
“E por que
não?” – falou o príncipe, espantado.
“Nenhum pedido
já viu alguém lhe recusar?”
“É o reino
inteiro que necessita salvação!
Pode zombar de
mim, se ainda não crê,
mas a sua mão
não me pode hoje negar!
Nós a
acolhemos, terá de nos ajudar!...”
“Você me ama?”
– disse a velha do seu lado.
“É o que se
espera escutar nesta ocasião...”
“Não, minha
querida. Eu não posso lhe mentir,
porém gosto de
você imensamente,
por sua
inteligência e qualidades,
contudo... amor
não poderei fingir....”
“Pois eu o
amo,” disse ela, mansamente.
“Foi o meu
primeiro beijo, realmente...”
“Então por que
não quer casar comigo?”
“Jamais me
ferirá, meu doce amigo...?”
“A vida é feita
de eventualidades...
Talvez a fira,
caso o rancor me atente...”
O PRÍNCIPE
ENCANTADO XXI
“Ao menos jura
que jamais me mentirá,
meu Príncipe
Encantado, no futuro?”
“Isso eu
prometo, serei sempre verdadeiro.”
“Se um dia
mentir, é quando mais me ferirá...”
Destarte,
celebrou-se o casamento,
sem grande
pompa, mas compromisso puro
e os sacerdotes
disseram que a beijasse...
Isso ele fez,
com elegância e classe,
porém não
remoçou seu corpo inteiro...
Nem desse modo
se quebrou o encantamento!
E lhe ordenou o
Sumo-Sacerdote:
“Você deve
consumar o casamento;
é seu dever um
novo herdeiro produzir...”
Falava a sério,
mas seria puro escote? (*)
Assim o
príncipe carregou-a até o leito,
ainda leve como
pluma em tal momento.
Ela pediu-lhe
que ele fosse cuidadoso,
“Nunca tive um
namorado, meu formoso...”
“Eu lhe jurei
que jamais a iria ferir...”
Disse o
Príncipe, abraçando-a com jeito...
(*) Troça,
zombaria, sarcasmo.
E no momento em
que lhe deu a sua semente,
recebida por
ela num suspiro,
ouviu lá fora
um ruído inesperado:
era a chuva que
descia de repente!...
E para seu
espanto, percebeu,
ao virar-se
para o lado, em brando giro,
que tinha ao
lado um rosto encantador,
corpo perfeito
implorando mais amor.
Cumpriu-se
assim o destino do Encantado
E o da
Adormecida, que seu filho concebeu!...
Ao norte,
desbravou-se a tal floresta,
todos os campos
novamente cultivados
e do reino
duplicou-se a extensão...
Vinda a
colheita, celebrou-se a festa
E belos filhos
gerou esse casal...
Ainda comentam
alguns velhos aloucados
que lá no leste
abriu-se uma sepultura
e dela
ergueu-se a alma de Datura,
perdoada,
enfim, a sua própria maldição,
que de Avalon
foi em busca do fanal...
EPÍLOGO
Pudera também
eu um dia despertar
em cada velha a
jovenzinha perdida,
ao lhe aplicar
o mais gentil dos beijos!...
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