VERTIGENS & MAIS – Novas séries de
William Lagos – 13-22 novembro 2016
VERTIGENS
I – 1º nov 2007
Eu
me pergunto, às vezes, se esses rostos
por
que me encanto, nestes meus ideais,
são
verdadeiras expressões carnais
ou,
tão somente, os irreais prepostos
de
meus sonhos infiéis, belos desgostos,
que
busco a meu redor, bênçãos fatais,
inspirações
sem cor, negros torchais
que
meus vazios do interior fazem expostos.
Talvez
eu busque, apenas por castigo,
de
falta imaginária cometida,
amar
miragens que eu próprio criarei,
que
tão só no coração terão abrigo,
pobres
fantasmas... Nem sequer têm vida,
senão
no amor que a mim mesmo neguei.
VERTIGENS
II – 13 NOV 2016
Eu
me pergunto, às vezes, se o passado
possui
algo de real, qual o futuro:
se
cada evento na memória está seguro
ou
só por âncora de argila está firmado;
é
bem certo que lembrar do memoriado
é
uma nova criação de mundo impuro,
não
mais aquele de um antanho duro,
nem
tampouco de um prazer então logrado, (*)
(*) Obtido.
pois
cada vez em que pensamos no passado
do
presente um instante é retirado,
quando
do ontem se recolhem passos,
na
mescla informe desse tempo misturado
de
que são falsos ou veros tais pedaços
embutidos
na eclosão de tais abraços.
VERTIGENS
III
É
impossível lembrar sem transformar,
por
isso tantos da infância têm saudade,
amortecidas
as tristezas e a maldade,
os
momentos mais amargos a adoçar;
mesmo
eu consciente de tal realidade,
algumas
vezes me surpreendo a recordar
vagos
momentos de um glicoso adocicar,
quando
sei bem o seu teor de falsidade;
porém
recordações são qual um fio
de
meadas coloridas em novelo,
cada
vez mais difíceis de apartar;
já
nuançada por derrota ou brio,
a
dor que se sofreu feita desvelo,
a
humilhação transmutada em triunfar.
VERTIGENS
IV
E
quando eu mesmo penetro no baraço
capaz
não sou de tais lianas desfazer,
preso
na linha de lã do percorrer
duro
e constante como arame de aço;
a
meu redor trezentos fios de espaço,
sem
conseguir mais qualquer reconhecer;
a
seus lampejos não consigo pertencer,
nem
eu pertenço ao córrego que abraço,
cada
passado só um possível transitório
na
goma arábica da recordação
que
os cabelos me gruda qual pincel
nesse
mundo do lembrar peremptório,
seu
espelho a estilhaçar percepção:
cacos
de mágoa e estilhas de ouropel...
VERTIGENS
V
A
corda damos em relógios mais antigos,
se
necessário, seus ponteiros acertamos:
que
seja o tempo exato em tais reclamos,
o
tique-taque a chicotear novos perigos;
mas
não se prende o tempo em tais abrigos,
tão
somente a convenção que planejamos,
doze
horas sumérias, doze arcanos, (*)
anjos
zodíacos a se fazer de amigos...
(*) Os Sumérios inventaram as doze horas
há nove milênios.
Mas
na verdade, é o tempo que dá corda
em
nossas vidas e assim nos determina:
quantas
vezes se repete o movimento?
Quando
a existência chega junto à borda
nova
careta de Chronos nos fascina,
ao
fio de arame imprimindo um novo alento...
VERTIGENS
VI
Assim
se afrouxa essa corda lentamente,
que
nos impele em corrente serpentina;
para
alguns fechada rápido a cortina,
outros
com marcha mais firme e permanente;
não
há vertigens no pêndulo indolente,
no
perpétuo vaivém da hipno-sina;
o
dia à noite pouco a pouco inclina,
enquanto
a vida desenrola imprevidente.
Mas
as vertigens se encontram na certeza
do
movimento sem qualquer interrupção
para
o momento em que os ponteiros pararão
nessa
sístole e diástole sem grandeza
e
nesse sono ou diuturna agitação
quem
mede o tempo é o nosso coração.
RABDOMANTE
I – 1º nov 2007
Passam-se os dias e nem sei se existes
fora de mim ou se és fragor solipsista,
que se apodera de mim e me conquista
e me faz duvidar se até consistes
em algo mais que a urdidura de meu sonho.
pois quanto houve entre nós, foi fiação,
bilros na trama do invisível tecelão...
Meu coração secou-se e nem mais ponho
dentro do peito. Vazou-me todo o sangue...
Esse artífice de mágoas teceu sombras
e num casulo de tinta me prendeu...
Mesmo sabendo que me achava exangue,
com meus nervos teci novas alfombras
para servir esse artesão que me esqueceu.
RABDOMANTE
II – 14 nov 2016
Hoje abro o livro da memória por acaso
e um dedo aplico sobre a página sem ver;
somente então essa frase posso ler,
nesse querigma revelado então me embaso. (*)
(*) Primeiro
anúncio de uma boa nova.
Em seu geral, tal oráculo é bem raso,
sem ter sequer pitonisa a estremecer
nesse sibilo que a fumaça vem trazer,
sulfurosa de vulcão ou do Parnaso.
(*)
(*) O Monte da
Poesia consagrada a Apollo e às Musas.
Coloco o dedo nesse livro da memória
que nem sequer me assevero ser real,
vago sussurro a aconselhar passado evento
que num brando talvez conduza à glória.
simples derrota ou vitória no final,
que tanta vez manipulei a meu contento...
RABDOMANTE III
Naturalmente, não é veraz rabdomancia...
Alguns confiam numa bíblica mensagem,
que casualmente aberta traz coragem
ou desaponto nessa frase que se lia...
Com mais frequência indiferença nos diria
sobre o sucesso ou não de uma viagem,
sobre confiar ou desconfiar de uma miragem,
quando a paisagem na voragem se perdia...
Outros existem que só abrem o Alcorão
ou de William Shakespeare suas tragédias,
sem encontrar uma real epifania
que nos iluda o pobre coração
a interpretar seriedade nas comédias,
qual se escrevera para nossa orientação...
RABDOMANTE IV
Se a
crença aceito da reencarnação,
quem
sabe eu mesmo me enviei mensagem,
um
pergaminho a empregar como carruagem
para um
conselho de extremada precisão?...
(Ou ora
redijo estes versos na intenção
de no
futuro poder lê-los com coragem,
orientação
a me enviar nessa passagem
de meu
espírito a viver noutra ocasião.)
Mas se é
agora que escrevo, como sei
que
minha carta encontrarei em meu porvir?
(Até
hoje nem sequer nisso pensara!)
Devo
pensar no que a mim redigirei
para
essa época improvável que há de vir
e que ao
futuro de mim mesmo destinara?
RABDOMANTE
V
Apenas sei que me recordo de tua imagem
lá do passado por qualquer fenda obscura,
na réstia estranha da mística urdidura
que eu mesmo compilei nessa ramagem.
Esses teus beijos foram doce aragem
ou tão somente certa invenção impura
do inconsciente, em singular tortura,
amando o amor de hipotética paragem
nalgum mundo que inventei mas sobre o qual
com firmeza o meu dedo ponho agora
e abro a fragrância de um tempo imemorial,
vendo a figura em seu instante triunfal,
mil volutas a ressumbrar de meu outrora,
frasco quebrado em redolência imaterial...
RABDOMANTE
VI
A verdadeira inspiração rabdomante
não é aquela de uma busca voluntária,
porém nos surge de forma atrabiliária
de algum papiro impessoal e delirante,
que sob os olhos se desmancha num instante,
sem que se espere a mensagem emissária,
quer favorável ou reprovação itinerária
de pergaminho a desvendar era distante.
Nesse momento é que o portal se abre
e se recebe das mãos do tecelão
o fio da vida no traço do novelo,
em pura imagem que nalma se consagre,
firme a certeza de tal revelação,
querigmático conforto em seu desvelo...
QUANDO
O OÁSIS SECA I – 2 nov 07
É
doida esta visão que me enaltece,
essa
visão que sinto, tão doída,
pois
jamais poderá ser condoída
a
mágoa escura que tão perto cresce.
Eu
que nutri tal mágoa em minha ferida,
aberta
ao coração, na mesma prece
em
que rasguei de mim o que parece
ser
a fibra mais preciosa de minha vida...
Tomei
semente e plantei-te ao coração,
até
que a flor brotasse e a alma gelada
se
reaquecesse com toda minha energia,
mesmo
sabendo que, ao dar-te meu condão
e
ao reparar-te a mente estilhaçada,
tanto
te dava e a troco nada ganharia...
QUANDO
O OÁSIS SECA II – 15 NOV 16
Passam-se
os anos, contudo, e continuo
a
te dar do que tenho o quanto posso;
cada
capricho teu constante endosso,
enquanto
internamente sofro e ruo.
Meu
próprio coração constante puo (*)
e
o sangue escorrer faço, puro e grosso,
a
carótida a cortar de meu pescoço,
a
jugular a palpitar enquanto estuo.
(*) Perfuro com uma pua.
Eventualmente,
meu peito secará,
pois
dele tiro e nada me repões,
nos
tormentos de ti mesma ensimesmada;
e
numa duna de areia se fará,
restando
sílica e alumínio das paixões,
pelo
vento a teu redor enovelada.
QUANDO
O OÁSIS SECA III
Mas
mesmo sendo areia e o sangue gasto
guardo
meu líquido cerebrorraquial,
trago
no ventre a energia seminal,
sobre
estes fluidos meu viver ainda basto;
a
areia vou moldando em que me arrasto,
tal
qual muralha erguida e triunfal,
qual
proteção para ti, em perenal
fecundação
a me brotar do peito casto.
Mesmo
o vento que a fervura nos refresca,
de
nós retira em pagamento a umidade:
então
não posso me comparar ao vento,
mas
esta areia, em milagrosa pesca,
tão
somente te preserva a integridade,
enquanto
a teu redor firme me assento.
QUANDO
O OÁSIS SECA IV
Sei
bem que é raro um tal ato de amor;
retribuição
sempre espera a maioria;
só
amor concede quem amor queria,
não
o recebendo, transforma-se em rancor.
Porém
bem diversamente é meu pendor:
em
meu alvo te tornei, qual gostaria
ser
teu alvo, em amorosa maestria,
mas
no doar-me, já recebo o meu valor.
Sem
que afirme com isso ser melhor
do
que demonstra ser a multidão;
apenas
sou e desdobro meu pendão,
enquanto
farfalhar nele o vigor,
a
conservar o esplendor do sentimento,
que
se desperta sem desfalecimento.
QUANDO
O OÁSIS SECA V
Essa
visão será talvez loucura
ou
doida dor no fundo de meu peito,
mas
de pedir não tenho algum direito,
pois
em ti derramei toda a ternura,
como
veste talar sobre alma pura,
sem
exigir de ti o mesmo feito,
não
me pediste, nem sugeriste o jeito
para
alcançar de ti igual candura;
e
dessa forma, de ombros podes dar,
sem
emprestar-me reciprocidade;
não
te pedi amor, mas quis doar,
conhecedor
dessa secura milenar
de
um coração que não mostrou fertilidade,
mesmo
depois de meu sangue derramar.
QUANDO
O OÁSIS SECA VI
Não
obstante, esse amor bem aceitaste,
tal
qual tributo em pleno merecido;
foi
desta forma tudo recebido,
qual
fonte pura na qual te banhaste;
não
foste tu que meu peito ressecaste;
pródigo
foi até ser desmerecido,
de
suas defesas assim desguarnecido,
enquanto
novas proteções ganhaste.
Porém
não sei se, de fato, te aqueci:
mesmo
te dando todo o meu calor,
talvez
não tenha sido o suficiente,
pois
em tuas profundezas me perdi,
no
aguardo da fragrância dessa flor,
que
ainda aguardarei, nunca impaciente.
AGOURO I – 04
nov 2007
Magro é o
festim, quando não se partilha
o orgasmo
alucinante de mortalha...
Se dor
qualquer em nosso amor se espalha,
se nosso
ardor em mau calor se estilha...
Que importa a
entrega, quando amor humilha?
Sentir que
amor é inútil maravalha,
que o aço
desse amor se faz limalha,
que se desfaz
em carne a maravilha...?
Que a bênção
almejada é dom confuso,
que mata o
brilho na consumação,
que ao invés
de glória, traz humilhação...
Em que prazer
se teve, bem de perto,
sem prazer
conceder, em triste abuso,
qual um oásis
ressecado no deserto...
AGOURO II –
16 NOV 16
Devia amor
ser sempre uma partilha;
passado foi o
tempo em que a mulher
se recusava a
sentir prazer sequer,
da mãe e avó
a seguir a mesma trilha,
sem que no
sexo achasse o dom que brilha,
somente a
busca de cumprir mister;
engravidar de
seu marido é o que se quer,
nesse começo
consagrado da família.
Quanto importava
era dar algum prazer
em troca do
conforto e do sustento,
e no seu
ventre fecundo dar assento,
orgasmo algum
contido em tal dever,
mas tão
somente um cumprir de obrigação,
ao assumir de
“esposa” a profissão.
AGOURO III
A busca atual
é do oposto, realmente,
já que o
orgasmo masculino é mais fugaz
e após alguns
momentos se desfaz,
a maioria a
considerá-lo suficiente,
enquanto pode
a fêmea um consequente
orgasmo
múltiplo em que a carne se compraz,
o corpo
inteiro fervilhando antes da paz,
a alma
exaltada em cintilar ardente.
Hoje é comum
que muita seja a caçadora,
sem interesse
em qualquer reprodução,
bem protegida
por químico ingrediente;
e algum temor
mesmo ao parceiro agoura,
que não lhe
possa dar integralmente
esse prazer
que ela mais quer da relação.
AGOURO IV
Não admira
que o homossexualismo
tão comumente
em meio a nós se veja;
sabe a mulher
os pontos em que esteja
o ponto
fálico no gozo do erotismo.
Que tão comum
se torne o lesbianismo,
quando a
mulher só outra dama beija;
cada padrão
do antanho assim se aleija
nesse
desprezo do heterossexualismo.
É de espantar
que os homens se recolham
e mutuamente
se busquem dar prazer,
por mais
escasso que de fato seja?
Nesses
temores arcanos que lhes tolham
as atrações
dos feromônios da mulher,
por mais que
seja quem de fato se deseja?
AGOURO V
Embora eu
hétero sempre tenha sido,
não serei eu
a qualquer outro condenar
que vá no
similar prazer buscar,
intimidado
pelo espanto percebido.
Na verdade,
sempre foi mais escondido
o interesse
feminino por seu par:
não deixa
marca, raramente a revelar
milhões que
buscam tal orgasmo proibido,
enquanto o
efeito da homossexualidade
sempre
manchou muito mais o masculino,
pelo desprezo
e pela troça acompanhado,
ofensa clara
à anterior moralidade
do catamita,
do invertido e do menino
mais delicado
que seu colega abrutalhado.
AGOURO VI
Os Gregos e
os Romanos aceitavam
como sendo
perfeitamente natural
relações de
caráter homossexual,
sem condenar
os que participavam,
salvo quando
abertamente se mostravam,
usando roupas
ou trejeitos marginais,
pesadas penas
aplicadas a esses tais
que os
atributos masculinos recusavam.
Mas hoje em
dia aquilo que me pasma
é o que
parece suicídio ser racial,
num
desperdício total de protoplasma,
na morte
simples de uma linha seminal,
a biologia
encarando esse fantasma
como
indivíduo descartável no final.
VOANDO SOLO I – 5 nov 2007
O único deus existente dentro em mim
repousa sobre o peito inexistente
de minha amada verde e indiferente
a qualquer simbiose em meu jardim...
Deste modo, a ecologia que me resta
é conviver comigo em simbiose.
Na busca vã de alguém que me despose,
sou convidado único na festa...
Assim, se a mim mesmo me convide,
quando sou de mim mesmo simbionte,
tenho certeza de comparecer...
No parto inexistente e que me agride
desse deus gerador da mesma fonte
em que posso a sós comigo conviver...
VOANDO SOLO II – 17 NOV 16
Não que negue o grande Ente Criador,
o Santo Espírito, doador da vida,
essa Trindade Milenar desconhecida,
manifestada entre nós por Redentor,
perante a Qual deponho o meu amor
e agradeço cada bênção concedida,
a expectação de outras encolhida
na aceitação reverente do Temor.
Porém sou eu que existo para Deus,
que não existe somente para mim,
para Quem sou não mais que ferramenta,
sem imaginar que Seus Poderes sejam meus,
jamais meu Servo Onipotente assim,
que ao contrário, meu labor é que contenta.
VOANDO SOLO III
Não há contradição nisso que digo:
serei usado qual bem Lhe parecer,
sem a ousadia da compreensão querer,
Ele é meu Amo, severo, mas amigo,
que o tempo inteiro me tomará consigo,
de Quem não posso nunca me esconder,
o universo completamente a preencher,
a contemplar meu nascimento e meu jazigo.
Porém na festa solitária de minhalma
apenas eu me encontro e me conheço,
os demônios que concebo são só meus,
aos quais domino na mais constante calma
e de quem nada espero e nada peço,
fantasmas pálidos ante o temor de Deus.
VOANDO SOLO IV
Sei meus fantasmas serem imateriais;
suas aparências atravesso sem perigo
e nem suas súplicas escutar consigo,
filtros quebrados plenamente atemporais;
às minhas festas não convido os tais,
são lacaios sem libré e sem abrigo,
pobres manchas nas paredes que prossigo,
pondo de lados seus desleixos naturais.
Ninguém cozinha os pratos do banquete,
ninguém me serve, eu mesmo sou mordomo,
que no menor escaninho se intromete
e se a outra festa algum outro me convide,
não deixarei o meu salão em abandono,
a que somente a minha ausência agride.
VOANDO SOLO V
Certeza tenho total da Divindade
de que, sendo infinita, tomo parte;
tudo preenche, sem que tudo Lhe farte,
pois mais abrange em sua eternidade.
Porém a mente possui natividade,
na qual eu vivo, com “engenho e arte”,
até que chegue meu momento de descarte
quando chegar afinal mortalidade.
Mas corto os ares desta infinitude,
mundo mental que nutre o pensamento;
de meu valor real nada me ilude,
nada mais sendo que lâmina de corte,
hélice em giro, impermanente movimento,
na inevitável finitude de minha sorte.
VOANDO SOLO VI
E não espero acolher na mente ou peito
esse Deus, dentro do Qual existo,
mesmo parte da divindade em que consisto,
na parte mínima do peito em que me deito.
E tampouco posso querer tirar proveito
de certa amada a quem um dia tenha visto,
não está dentro de mim, por mais que insisto
em conceder-lhe minha imagem sem defeito.
E nem te peço a luz da concordância:
se não concordas, lança fora os versos,
porque jamais entrarão dentro de ti,
pois só tua própria ecologia tem constância,
nesses teus sentimentos tão diversos
dessa miragem que eu criei e nela cri.
CONVERSÃO I – 6 nov 2007
o nome do poema será
"neuropediatria"
nem sequer comecei, mas sei que um novo
ritmo
terei de achar aqui, em sonho que
idolatra
não mais do que a mim mesmo
no ilegítimo
buscar de novas rimas, novas métricas
que sei não empregaram nas canções
escritas até hoje
sequer encantações
destinadas aos deuses ou nas tétricas
e imprudentes invocações
de elementais
os curandeiros de meus solertes brilhos
pelo conselho de ignóbeis gênios
porque os versos que escrevo são meus
filhos
e por eles conjurei forças fatais
que se achavam dormentes há
milênios
CONVERSÃO II – 18 NOV 16
melhor nome talvez será
“conversação”
que incontida correu pelo meu cérebro
malferido
linhas eróticas que se digladiam
e mutuamente se estraçalham
nesse sexo
na cópula sanguinária desse orgasmo
mais um alívio da dor que me compraz
ressecamento brando
de óvulos sem pejo
desse esperma insensato e sem destino
na imprudente escolha
de uma trompa
pedra buscando sem ser filosofal
os alquimistas que correm por aqui
atormentados pelo toque de sadim (*)
que do irmão seu o ouro torna em palha
e com ela se alimenta inutilmente
(*) O Toque de Sadim é o oposto do Toque de Midas.
CONVERSÃO III
o nome do poema será
“cleromancia”
adivinhado por intermédio de sorteio
desusado
sem usar búzios nem tal mando bordado
chamado “épode”
se bem que o PH tenha outro som
que a outrem fira
e não refira um qualquer grau de acidez
que meçam os quemistas
nos seus laboratórios
mas PH puro e só etimológico
que pronunciado com o som de F
algum desgosto quiçá te causaria
e surgiriam mais abafadores
para apagar a minha triste luz
porque embora eu não tenha glória ou
fama
para tantos constituo um certo incômodo
sem que ao menos me intrometa na
política
CONVERSÃO IV
o nome do poema será
“disritmia”
que noutra série já chamei de “olímpica”
nem sei se leste
e não pretendo lançar sete marias
para ver o desenho irregular
que formar possam
as pedrinhas que ali prestidigito
e nem tampouco serão folhas de chá
perdidas no sabor
cortadas de colher
nem irei fazer riscos sem pensar
ou jogar quaisquer varetas
para um i ching
sou cleromante de minhas próprias dores
que colherei ao acaso do baraço
que as mágoas ali enleadas firmemente
se emaranharam através dos anos
nesse nó górdio sem qualquer resposta
CONVERSÃO V
o nome do poema será
“axinomancia”
que equilibra um machado sobre estaca
carcomida
e marcharei solene a seu redor
mencionando as penas e humilhações
do antanho
para escolher qualquer que fira mais
e até mesmo consigo ser honesto
na identificação
embora saiba perfeitamente haver
em meus predecessores
a tendência de mostrar os seus rancores
perante esse balanço
e quando viam do machado a oscilação
era o momento de indicar culpado
mas a acha ponho sobre o coração
e só espero que o machado oscile
pela sístole e diástole de minhas culpas
CONVERSÃO VI
o nome do poema será então
“remorso”
pelas faltas ocultas de minha infância
opressa
que certamente ninguém mais recorda
e que eu mesmo de há muito ter devia
esquecido
mas não esqueço e nem posso me perdoar
sempre retornam minhas infrações
e meus martírios
que para outros nada mais importam
destinados ao cumprimento de minhas
penas
ou a invocação dessa trindade
de um rei e dois ladrões
as pernas foram desses dois quebradas
para que se sufocassem mais depressa
mais minhas penas são como as do rei
oficialmente dadas como mortas
porém que insistem em ressuscitar
BORBOLETAS DE INVERNO I – 19 NOV 16
ÉS TODA A MINHA SAÚDE, ÉS MEU PULMÃO
POIS SÓ POR TI RESPIRO DIARIAMENTE
SÓ POR TI MEU CORAÇÃO BATE FREQUENTE
NA FESTA ÁUREA DA DESILUSÃO
ALGUM PROJETO ABANDONEI INTEIRAMENTE
PELO LENTO DESBOTAR DE UMA EMOÇÃO
ALGUNS OUTROS SÓ SOFRERAM CONTRAÇÃO
PORÉM PROSSEGUEM COM VIGOR DOLENTE
NÃO PODE HAVER, AFINAL, EXPECTATIVA
DE QUE A ANGÚSTIA FINA DO DESEJO
CONTINUE A SE AFIRMAR PEREMPTÓRIA
QUANDO A ROTINA VEM-SE INSINUAR FURTIVA
E A NOVIDADE SE APARTOU DO BEIJO
TAL QUAL OBRIGAÇÃO SEMI-ILUSÓRIA
BORBOLETAS DE INVERNO II
NÃO MAIS SERIA QUE UM LUGAR COMUM
ESSE ANTIGO DILEMA MENCIONAR
SERIA MELHOR OUTRO SEXO BUSCAR
E PARA LONGE AFASTAR-SE CADA UM?
OU É MELHOR QUE PERMANEÇA ALGUM
LADO A LADO COM QUEM SONHA DESPERTAR
OS JÁ GERADOS FILHOS A CRIAR
SEM APARTAR-SE PARA LUGAR NENHUM?
ESTA SEM DÚVIDA A OBRIGAÇÃO SOCIAL
QUE MÃE HUMANA NÃO PÕE OVOS EM FILEIRA
DE QUE SEUS FILHOS SAIRIAM A MASTIGAR
AS FOLHAS VERDES COMO LARVAS, AFINAL,
PORÉM CARECEM DE PROTEÇÃO CERTEIRA
QUE DOIS CONSEGUEM MELHOR PROPORCIONAR
BORBOLETAS DE INVERNO Iii
MAS ONDE EXISTE REALMENTE A COMPANHIA
ESSES OVOS SÃO POSTOS DIARIAMENTE
EM FILEIRA DE EMOÇÃO SOBRESSALENTE
QUE AS FOLHAS COME APENAS DA ALEGRIA
E DESSA FORMA A POUCO E POUCO SE INICIA
A NUTRIÇÃO CONFERIDA LENTAMENTE
DAS BORBOLETAS-EGRÉGORAS DA MENTE
QUE ESSE CASAL FINALMENTE GERARIA
POR ISSO EU DIGO QUE ÉS TUDO PARA MIM
INDA QUE SONHOS SE TENHAM RECOLHIDO
PERANTE UM PURO SENTIMENTO TERNO
QUE JUNTO A TI EU PERMANEÇO ASSIM
E ESSAS ASAS CONTEMPLO EMBEVECIDO
DESSA BELA BORBOLETA DE UM INVERNO.
ESTRELAS VAZIAS 1 – 20 NOV 2016
Os olhos das espumas me contemplam,
Arredondados, batráquios, cintilantes,
Que perenes me parecem, mas em instantes
Crescem demais e depressa se rebentem.
Translúcidos, iridiados se apresentam
Esses olhos regulares, triunfantes,
Escleróticas esferas fascinantes
Clara promessa com que nunca nos contentam.
Quão espantoso é o simples borbulhar,
Quais estivessem sobre a água a crepitar,
Como estrelas que a galáxia projeta,
Ou como ovos de vida a se iniciar,
Lepidópteros ou aranhas a girar
Nessa breve explosão que nos inquieta!
ESTRELAS VAZIAS 2
São estrelas sem luz, que apenas roubam,
Qual de satélites em recrudescência,
Em luminosa veste de impaciência,
Tal como os sóis os éteres adubam.
Nesse fogoso luar com que se acabam,
Mais meteoros que cometas na aparência,
Num fervilhar repleto de imanência,
Nesse momento fugaz de que se gabam.
Porém se ao menos fossem bolhas de sabão!
Dotadas essas de seu voo transitório,
Finos arco-íris em constelações...
Mas as bolhas de espuma tristes são,
Sobre as areias seu destino inglório,
Nessa magia superficial de suas tensões.
ESTRELAS VAZIAS 3
Em vão anseiam ser prisões de ar,
Em suas breves tocaias assanhadas,
Pequenas armadilhas delicadas,
Quando mais prendem, mais veloz seu rebentar.
As mais egoístas absorvem sem parar
E suas vizinhas são por elas devoradas,
Como pérolas de luz entrecortadas,
Na violência de seu vaidoso cintilar.
Não obstante, são as pequenas, desprezadas,
Que ganham tempo maior de permanência,
Não se destacam nessa voraz premência,
Caroços mínimos de vidas malogradas,
Mas ali jazem quando as grandes morrem,
Pequenos olhos que o céu então percorrem.
ESTRELAS VAZIAS 4
De modo igual os desejos dos humanos,
Seus sonhos, suas quimeras, ambições,
Corpúsculos redondos de ilusões,
Sobre o mundo a mostrar-se soberanos.
Na feroz conflagração de seus enganos,
Expurgando a seu redor contradições
De alheias vidas em locupletações.
Mordaz sua busca em madrigais insanos!
Mas quanto mais se ampliam os valentes,
Envaidecidos no vigor de sua soberba,
Maiores deixam seus próprios venenos
E então explodem, em nada permanentes,
Enquanto a inveja dos menores se preserva,
A lastimar-se por serem tão pequenos!
FAIANÇA 1 – 21 NOV 16
Às vezes me contempla com um esgar
Formosa súcubo que me governa a vida;
Eu não me sinto íncubo e perdida
É a esperança de a tal me equiparar...
Eu não pertenço ao mesmo gargalhar
Das hienas do passado na corrida,
Pelos ossos alheios na incontida
Ambição dos meus próprios mastigar.
Mais me sinto um albatroz, voo constante,
Em busca do ultramar, sonho constante,
Dessa praia que mal posso divisar
E nesse plácido e interrupto deslizar
Busco o poente, em que, por um instante,
Eu me possa ao esplendor me amalgamar.
FAIANÇA 2
Dizem que em Marte é azul o por-do-sol,
Enquanto o céu é permanente avermelhado;
Meu albatroz voaria em tal estado,
Na busca azul-cobalto do farol.
Se eu fôra hiena, temeria o arrebol,
Talvez meu pelo se tornasse nuançado
E ainda os ossos de tom mais atenuado,
Mudando mesmo seu sabor nesse crisol.
Seria estranha a revoada no encarnado
Depois de tantas metáforas do azul...
Que cor minhas penas assumiriam então?
É de pensar que nesse mundo transformado,
Mesmo no instante da exultação exul,
Até mudasse de cor meu coração!...
FAIANÇA 3
Costuma branco ou marfim ser a faiança,
Mas absorve facilmente algum corante
E sua moldagem é bem manipulante,
Muito mais dúctil que a porcelana alcança.
Se eu fosse um albatroz, de inveja mansa,
Sem aguardar qualquer forma mais constante,
Pelos ares voaria a cada instante,
Por mais monótona que fosse a longa dança
E ao invés de ar, planaria sobre a areia,
Que raramente chega a repousar
E o avermelhado beberia qual licor.
Se fosse hiena, com ambição mais feia,
“Ossos de Vento” saberia mastigar,
Como um túnel de enigmático fervor.
FAIANÇA 4
E sentiria meu amor qual feldspato,
Menos durável do que a porcelana,
Sem a força que o mármore conclama,
Mesmo que opaco e leitoso o seu recato.
Do quartzo o cristal de brilho nato
E da mica mil reflexos em gama,
Não possuiria no amálgama da trama,
Seria apenas um delicado prato...
Como será a louça feita em Marte?
Será faiança, porcelana ou grês?
Ou rubro barro queimado por sua vez?
Pobre albatroz de faiança que se parte
Sob os dentes hilários de uma hiena,
Que qualquer sonho mastiga sem ter pena!
DESMAZELO i – 22 NOV 16
QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR SE ACABA?
UMA EXPLOSÃO DE FÚRIA DESVAIRADA
OU UM ESTERTOR DE MORTE DESGARRADA?
QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR TERMINA?
UMA IMPACIÊNCIA COM A ANTERIOR SINA,
A RAIVA SURDA DA CALMA QUE ASSASSINA?
QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR PERDURA?
A SIMBATIA QUE O CORAÇÃO MURMURA
A DEISCÊNCIA DE POSSUIR A SUA FIGURA?
QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR CONSTRÓI?
QUE NOS OLHA COM TERNURA E AINDA SÓI (*)
CURAR A ALMA QUE A INCERTEZA RÓI?
(*) COSTUMA.
DESMAZELO II
MAIS MATA O AMOR A FALTA DE CUIDADO,
PLENA CERTEZA DE CONSERVÁ-LO AO LADO,
AMOR SEMPRE DEVIDO E ASSEGURADO.
MAIS MATA AMOR SEU DESFALECIMENTO,
POR ALGO MAIS SENTIR CONTENTAMENTO,
A ESCOLHA POR RIVAL ENTENDIMENTO.
MAIS MATA O AMOR A CADEIA DA ROTINA,
PERDIDA A NOVIDADE QUE FASCINA,
CONDESCENDENTE O BEIJO QUE DESTINA.
MAIS MATA AMOR, ENFIM, O DESMAZELO,
PELO SEU CONSERVAR SEM TER MAIS ZELO,
SEM DO DESEJO SENTIR MAIS QUALQUER APELO.
DESMAZELO III
MAS O QUE LEVA UMA TAL MORTE REVIVER?
RABDOMANCIA EM SORTILÉGIO A FLORESCER,
O FLORILÉGIO DA POESIA EM BRANDO LER?
MAS O QUE LEVA ESSE AMOR A RETORNAR?
CAPTOMANCIA A FUMAÇA A INTERPRETAR,
CARTOMANCIA DO CARTEADO A BARALHAR?
MAS QUE PERMITE AO AMOR DAR ALEGRIA?
A FARINHA DERRAMADA, ALEUROMANCIA,
FOLHAS DE LOURO EM DAFNOMANCIA?
E O QUE TORNA O NOVO AMOR ALGO CONSTANTE?
A EMOÇÃO DE UM LÍQUIDO HIDROMANTE
OU O BRADO DA CHAMPANHA DELIRANTE?
DESMAZELO iv
QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR RETORNA?
QUIROMANCIA QUE NOSSO FADO AMORNA
NAS LONGAS LINHAS EM QUE A PALMA
TORNA?
QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR RENOVA?
FIRME CALOR DO FOGO COMO A PROVA,
PIROMANCIA QUE O CORAÇÃO NOS MOVA?
QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR CONSERVA?
DA GRAFOLOGIA AS LETRAS EM RESERVA
OU A CARTA DE AMOR QUE NALMA FERVA?
QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR REVIVE?
SAL DERRAMADO QUE ALOMANCIA ATIVE
OU O SAL DO BEIJO A QUE NÃO MAIS SE ESQUIVE?
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