sábado, 17 de dezembro de 2016







VERTIGENS & MAIS – Novas séries de
William Lagos – 13-22 novembro 2016

VERTIGENS I – 1º nov 2007

Eu me pergunto, às vezes, se esses rostos
por que me encanto, nestes meus ideais,
são verdadeiras expressões carnais
ou, tão somente, os irreais prepostos

de meus sonhos infiéis, belos desgostos,
que busco a meu redor, bênçãos fatais,
inspirações sem cor, negros torchais
que meus vazios do interior fazem expostos.

Talvez eu busque, apenas por castigo,
de falta imaginária cometida,
amar miragens que eu próprio criarei,

que tão só no coração terão abrigo,
pobres fantasmas... Nem sequer têm vida,
senão no amor que a mim mesmo neguei.

VERTIGENS II – 13 NOV 2016

Eu me pergunto, às vezes, se o passado
possui algo de real, qual o futuro:
se cada evento na memória está seguro
ou só por âncora de argila está firmado;

é bem certo que lembrar do memoriado
é uma nova criação de mundo impuro,
não mais aquele de um antanho duro,
nem tampouco de um prazer então logrado, (*)
(*) Obtido.

pois cada vez em que pensamos no passado
do presente um instante é retirado,
quando do ontem se recolhem passos,

na mescla informe desse tempo misturado
de que são falsos ou veros tais pedaços
embutidos na eclosão de tais abraços.

VERTIGENS III

É impossível lembrar sem transformar,
por isso tantos da infância têm saudade,
amortecidas as tristezas e a maldade,
os momentos mais amargos a adoçar;

mesmo eu consciente de tal realidade,
algumas vezes me surpreendo a recordar
vagos momentos de um glicoso adocicar,
quando sei bem o seu teor de falsidade;

porém recordações são qual um fio
de meadas coloridas em novelo,
cada vez mais difíceis de apartar;

já nuançada por derrota ou brio,
a dor que se sofreu feita desvelo,
a humilhação transmutada em triunfar.

VERTIGENS IV

E quando eu mesmo penetro no baraço
capaz não sou de tais lianas desfazer,
preso na linha de lã do percorrer
duro e constante como arame de aço;

a meu redor trezentos fios de espaço,
sem conseguir mais qualquer reconhecer;
a seus lampejos não consigo pertencer,
nem eu pertenço ao córrego que abraço,

cada passado só um possível transitório
na goma arábica da recordação
que os cabelos me gruda qual pincel

nesse mundo do lembrar peremptório,
seu espelho a estilhaçar percepção:
cacos de mágoa e estilhas de ouropel...

VERTIGENS V

A corda damos em relógios mais antigos,
se necessário, seus ponteiros acertamos:
que seja o tempo exato em tais reclamos,
o tique-taque a chicotear novos perigos;

mas não se prende o tempo em tais abrigos,
tão somente a convenção que planejamos,
doze horas sumérias, doze arcanos, (*)
anjos zodíacos a se fazer de amigos...
(*) Os Sumérios inventaram as doze horas há nove milênios.

Mas na verdade, é o tempo que dá corda
em nossas vidas e assim nos determina:
quantas vezes se repete o movimento?

Quando a existência chega junto à borda
nova careta de Chronos nos fascina,
ao fio de arame imprimindo um novo alento...

VERTIGENS VI

Assim se afrouxa essa corda lentamente,
que nos impele em corrente serpentina;
para alguns fechada rápido a cortina,
outros com marcha mais firme e permanente;

não há vertigens no pêndulo indolente,
no perpétuo vaivém da hipno-sina;
o dia à noite pouco a pouco inclina,
enquanto a vida desenrola imprevidente.

Mas as vertigens se encontram na certeza
do movimento sem qualquer interrupção
para o momento em que os ponteiros pararão

nessa sístole e diástole sem grandeza
e nesse sono ou diuturna agitação
quem mede o tempo é o nosso coração.

RABDOMANTE I – 1º nov 2007

Passam-se os dias e nem sei se existes
fora de mim ou se és fragor solipsista,
que se apodera de mim e me conquista
e me faz duvidar se até consistes

em algo mais que a urdidura de meu sonho.
pois quanto houve entre nós, foi fiação,
bilros na trama do invisível tecelão...
Meu coração secou-se e nem mais ponho

dentro do peito.  Vazou-me todo o sangue...
Esse artífice de mágoas teceu sombras
e num casulo de tinta me prendeu...

Mesmo sabendo que me achava exangue,
com meus nervos teci novas alfombras
para servir esse artesão que me esqueceu.

RABDOMANTE II – 14 nov 2016

Hoje abro o livro da memória por acaso
e um dedo aplico sobre a página sem ver;
somente então essa frase posso ler,
nesse querigma revelado então me embaso. (*)
(*) Primeiro anúncio de uma boa nova.

Em seu geral, tal oráculo é bem raso,
sem ter sequer pitonisa a estremecer
nesse sibilo que a fumaça vem trazer,
sulfurosa de vulcão ou do Parnaso.  (*)
(*) O Monte da Poesia consagrada a Apollo e às Musas.

Coloco o dedo nesse livro da memória
que nem sequer me assevero ser real,
vago sussurro a aconselhar passado evento

que num brando talvez conduza à glória.
simples derrota ou vitória no final,
que tanta vez manipulei a meu contento...

RABDOMANTE III

Naturalmente, não é veraz rabdomancia...
Alguns confiam numa bíblica mensagem,
que casualmente aberta traz coragem
ou desaponto nessa frase que se lia...

Com mais frequência indiferença nos diria
sobre o sucesso ou não de uma viagem,
sobre confiar ou desconfiar de uma miragem,
quando a paisagem na voragem se perdia...

Outros existem que só abrem o Alcorão
ou de William Shakespeare suas tragédias,
sem encontrar uma real epifania

que nos iluda o pobre coração
a interpretar seriedade nas comédias,
qual se escrevera para nossa orientação...

RABDOMANTE IV

Se a crença aceito da reencarnação,
quem sabe eu mesmo me enviei mensagem,
um pergaminho a empregar como carruagem
para um conselho de extremada precisão?...

(Ou ora redijo estes versos na intenção
de no futuro poder lê-los com coragem,
orientação a me enviar nessa passagem
de meu espírito a viver noutra ocasião.)

Mas se é agora que escrevo, como sei
que minha carta encontrarei em meu porvir?
(Até hoje nem sequer nisso pensara!)

Devo pensar no que a mim redigirei
para essa época improvável que há de vir
e que ao futuro de mim mesmo destinara?

RABDOMANTE V

Apenas sei que me recordo de tua imagem
lá do passado por qualquer fenda obscura,
na réstia estranha da mística urdidura
que eu mesmo compilei nessa ramagem.

Esses teus beijos foram doce aragem
ou tão somente certa invenção impura
do inconsciente, em singular tortura,
amando o amor de hipotética paragem

nalgum mundo que inventei mas sobre o qual
com firmeza o meu dedo ponho agora
e abro a fragrância de um tempo imemorial,

vendo a figura em seu instante triunfal,
mil volutas a ressumbrar de meu outrora,
frasco quebrado em redolência imaterial...

RABDOMANTE VI

A verdadeira inspiração rabdomante
não é aquela de uma busca voluntária,
porém nos surge de forma atrabiliária
de algum papiro impessoal e delirante,

que sob os olhos se desmancha num instante,
sem que se espere a mensagem emissária,
quer favorável ou reprovação itinerária
de pergaminho a desvendar era distante.

Nesse momento é que o portal se abre
e se recebe das mãos do tecelão
o fio da vida no traço do novelo,

em pura imagem que nalma se consagre,
firme a certeza de tal revelação,
querigmático conforto em seu desvelo...

QUANDO O OÁSIS SECA I – 2 nov 07

É doida esta visão que me enaltece,
essa visão que sinto, tão doída,
pois jamais poderá ser condoída
a mágoa escura que tão perto cresce.

Eu que nutri tal mágoa em minha ferida,
aberta ao coração, na mesma prece
em que rasguei de mim o que parece
ser a fibra mais preciosa de minha vida...

Tomei semente e plantei-te ao coração,
até que a flor brotasse e a alma gelada
se reaquecesse com toda minha energia,

mesmo sabendo que, ao dar-te meu condão
e ao reparar-te a mente estilhaçada,
tanto te dava e a troco nada ganharia...

QUANDO O OÁSIS SECA II – 15 NOV 16

Passam-se os anos, contudo, e continuo
a te dar do que tenho o quanto posso;
cada capricho teu constante endosso,
enquanto internamente sofro e ruo.

Meu próprio coração constante puo (*)
e o sangue escorrer faço, puro e grosso,
a carótida a cortar de meu pescoço,
a jugular a palpitar enquanto estuo.
(*) Perfuro com uma pua.

Eventualmente, meu peito secará,
pois dele tiro e nada me repões,
nos tormentos de ti mesma ensimesmada;

e numa duna de areia se fará,
restando sílica e alumínio das paixões,
pelo vento a teu redor enovelada.

QUANDO O OÁSIS SECA III

Mas mesmo sendo areia e o sangue gasto
guardo meu líquido cerebrorraquial,
trago no ventre a energia seminal,
sobre estes fluidos meu viver ainda basto;

a areia vou moldando em que me arrasto,
tal qual muralha erguida e triunfal,
qual proteção para ti, em perenal
fecundação a me brotar do peito casto.

Mesmo o vento que a fervura nos refresca,
de nós retira em pagamento a umidade:
então não posso me comparar ao vento,

mas esta areia, em milagrosa pesca,
tão somente te preserva a integridade,
enquanto a teu redor firme me assento.

QUANDO O OÁSIS SECA IV

Sei bem que é raro um tal ato de amor;
retribuição sempre espera a maioria;
só amor concede quem amor queria,
não o recebendo, transforma-se em rancor.

Porém bem diversamente é meu pendor:
em meu alvo te tornei, qual gostaria
ser teu alvo, em amorosa maestria,
mas no doar-me, já recebo o meu valor.

Sem que afirme com isso ser melhor
do que demonstra ser a multidão;
apenas sou e desdobro meu pendão,

enquanto farfalhar nele o vigor,
a conservar o esplendor do sentimento,
que se desperta sem desfalecimento.

QUANDO O OÁSIS SECA V

Essa visão será talvez loucura
ou doida dor no fundo de meu peito,
mas de pedir não tenho algum direito,
pois em ti derramei toda a ternura,

como veste talar sobre alma pura,
sem exigir de ti o mesmo feito,
não me pediste, nem sugeriste o jeito
para alcançar de ti igual candura;

e dessa forma, de ombros podes dar,
sem emprestar-me reciprocidade;
não te pedi amor, mas quis doar,

conhecedor dessa secura milenar
de um coração que não mostrou fertilidade,
mesmo depois de meu sangue derramar.

QUANDO O OÁSIS SECA VI

Não obstante, esse amor bem aceitaste,
tal qual tributo em pleno merecido;
foi desta forma tudo recebido,
qual fonte pura na qual te banhaste;

não foste tu que meu peito ressecaste;
pródigo foi até ser desmerecido,
de suas defesas assim desguarnecido,
enquanto novas proteções ganhaste.

Porém não sei se, de fato, te aqueci:
mesmo te dando todo o meu calor,
talvez não tenha sido o suficiente,

pois em tuas profundezas me perdi,
no aguardo da fragrância dessa flor,
que ainda aguardarei, nunca impaciente.

AGOURO I – 04 nov 2007

Magro é o festim, quando não se partilha
o orgasmo alucinante de mortalha...
Se dor qualquer em nosso amor se espalha,
se nosso ardor em mau calor se estilha...

Que importa a entrega, quando amor humilha?
Sentir que amor é inútil maravalha,
que o aço desse amor se faz limalha,
que se desfaz em carne a maravilha...?

Que a bênção almejada é dom confuso,
que mata o brilho na consumação,
que ao invés de glória, traz humilhação...

Em que prazer se teve, bem de perto,
sem prazer conceder, em triste abuso,
qual um oásis ressecado no deserto...

AGOURO II – 16 NOV 16

Devia amor ser sempre uma partilha;
passado foi o tempo em que a mulher
se recusava a sentir prazer sequer,
da mãe e avó a seguir a mesma trilha,

sem que no sexo achasse o dom que brilha,
somente a busca de cumprir mister;
engravidar de seu marido é o que se quer,
nesse começo consagrado da família.

Quanto importava era dar algum prazer
em troca do conforto e do sustento,
e no seu ventre fecundo dar assento,

orgasmo algum contido em tal dever,
mas tão somente um cumprir de obrigação,
ao assumir de “esposa” a profissão.

AGOURO III

A busca atual é do oposto, realmente,
já que o orgasmo masculino é mais fugaz
e após alguns momentos se desfaz,
a maioria a considerá-lo suficiente,

enquanto pode a fêmea um consequente
orgasmo múltiplo em que a carne se compraz,
o corpo inteiro fervilhando antes da paz,
a alma exaltada em cintilar ardente.

Hoje é comum que muita seja a caçadora,
sem interesse em qualquer reprodução,
bem protegida por químico ingrediente;

e algum temor mesmo ao parceiro agoura,
que não lhe possa dar integralmente
esse prazer que ela mais quer da relação.

AGOURO IV

Não admira que o homossexualismo
tão comumente em meio a nós se veja;
sabe a mulher os pontos em que esteja
o ponto fálico no gozo do erotismo.

Que tão comum se torne o lesbianismo,
quando a mulher só outra dama beija;
cada padrão do antanho assim se aleija
nesse desprezo do heterossexualismo.

É de espantar que os homens se recolham
e mutuamente se busquem dar prazer,
por mais escasso que de fato seja?

Nesses temores arcanos que lhes tolham
as atrações dos feromônios da mulher,
por mais que seja quem de fato se deseja?

AGOURO V

Embora eu hétero sempre tenha sido,
não serei eu a qualquer outro condenar
que vá no similar prazer buscar,
intimidado pelo espanto percebido.

Na verdade, sempre foi mais escondido
o interesse feminino por seu par:
não deixa marca, raramente a revelar
milhões que buscam tal orgasmo proibido,

enquanto o efeito da homossexualidade
sempre manchou muito mais o masculino,
pelo desprezo e pela troça acompanhado,

ofensa clara à anterior moralidade
do catamita, do invertido e do menino
mais delicado que seu colega abrutalhado.

AGOURO VI

Os Gregos e os Romanos aceitavam
como sendo perfeitamente natural
relações de caráter homossexual,
sem condenar os que participavam,

salvo quando abertamente se mostravam,
usando roupas ou trejeitos marginais,
pesadas penas aplicadas a esses tais
que os atributos masculinos recusavam.

Mas hoje em dia aquilo que me pasma
é o que parece suicídio ser racial,
num desperdício total de protoplasma,

na morte simples de uma linha seminal,
a biologia encarando esse fantasma
como indivíduo descartável no final.

VOANDO SOLO I – 5 nov 2007

O único deus existente dentro em mim
repousa sobre o peito inexistente
de minha amada verde e indiferente
a qualquer simbiose em meu jardim...

Deste modo, a ecologia que me resta
é conviver comigo em simbiose.
Na busca vã de alguém que me despose,
sou convidado único na festa...

Assim, se a mim mesmo me convide,
quando sou de mim mesmo simbionte,
tenho certeza de comparecer...

No parto inexistente e que me agride
desse deus gerador da mesma fonte
em que posso a sós comigo conviver...

VOANDO SOLO II – 17 NOV 16

Não que negue o grande Ente Criador,
o Santo Espírito, doador da vida,
essa Trindade Milenar desconhecida,
manifestada entre nós por Redentor,

perante a Qual deponho o meu amor
e agradeço cada bênção concedida,
a expectação de outras encolhida
na aceitação reverente do Temor.

Porém sou eu que existo para Deus,
que não existe somente para mim,
para Quem sou não mais que ferramenta,

sem imaginar que Seus Poderes sejam meus,
jamais meu Servo Onipotente assim,
que ao contrário, meu labor é que contenta.

VOANDO SOLO III

Não há contradição nisso que digo:
serei usado qual bem Lhe parecer,
sem a ousadia da compreensão querer,
Ele é meu Amo, severo, mas amigo,

que o tempo inteiro me tomará consigo,
de Quem não posso nunca me esconder,
o universo completamente a preencher,
a contemplar meu nascimento e meu jazigo.

Porém na festa solitária de minhalma
apenas eu me encontro e me conheço,
os demônios que concebo são só meus,

aos quais domino na mais constante calma
e de quem nada espero e nada peço,
fantasmas pálidos ante o temor de Deus. 

VOANDO SOLO IV

Sei meus fantasmas serem imateriais;
suas aparências atravesso sem perigo
e nem suas súplicas escutar consigo,
filtros quebrados plenamente atemporais;

às minhas festas não convido os tais,
são lacaios sem libré e sem abrigo,
pobres manchas nas paredes que prossigo,
pondo de lados seus desleixos naturais.

Ninguém cozinha os pratos do banquete,
ninguém me serve, eu mesmo sou mordomo,
que no menor escaninho se intromete

e se a outra festa algum outro me convide,
não deixarei o meu salão em abandono,
a que somente a minha ausência agride.

VOANDO SOLO V

Certeza tenho total da Divindade
de que, sendo infinita, tomo parte;
tudo preenche, sem que tudo Lhe farte,
pois mais abrange em sua eternidade.

Porém a mente possui natividade,
na qual eu vivo, com “engenho e arte”,
até que chegue meu momento de descarte
quando chegar afinal mortalidade.

Mas corto os ares desta infinitude,
mundo mental que nutre o pensamento;
de meu valor real nada me ilude,

nada mais sendo que lâmina de corte,
hélice em giro, impermanente movimento,
na inevitável finitude de minha sorte.

VOANDO SOLO VI

E não espero acolher na mente ou peito
esse Deus, dentro do Qual existo,
mesmo parte da divindade em que consisto,
na parte mínima do peito em que me deito.

E tampouco posso querer tirar proveito
de certa amada a quem um dia tenha visto,
não está dentro de mim, por mais que insisto
em conceder-lhe minha imagem sem defeito.

E nem te peço a luz da concordância:
se não concordas, lança fora os versos,
porque jamais entrarão dentro de ti,

pois só tua própria ecologia tem constância,
nesses teus sentimentos tão diversos
dessa miragem que eu criei e nela cri.

CONVERSÃO I – 6 nov 2007

o nome do poema será
"neuropediatria"
nem sequer comecei, mas sei que um novo ritmo
terei de achar aqui, em sonho que idolatra
não mais do que a mim mesmo
no ilegítimo
buscar de novas rimas, novas métricas

que sei não empregaram nas canções
escritas até hoje 
sequer encantações
destinadas aos deuses ou nas tétricas
e imprudentes invocações
de elementais

os curandeiros de meus solertes brilhos
pelo conselho de ignóbeis gênios

porque os versos que escrevo são meus filhos
e por eles conjurei forças fatais
que se achavam dormentes há milênios

CONVERSÃO II – 18 NOV 16

melhor nome talvez será
“conversação”
que incontida correu pelo meu cérebro
malferido
linhas eróticas que se digladiam
e mutuamente se estraçalham
nesse sexo
na cópula sanguinária desse orgasmo

mais um alívio da dor que me compraz
ressecamento brando
de óvulos sem pejo
desse esperma insensato e sem destino
na imprudente escolha
de uma trompa

pedra buscando sem ser filosofal
os alquimistas que correm por aqui

atormentados pelo toque de sadim (*)
que do irmão seu o ouro torna em palha
e com ela se alimenta inutilmente
(*) O Toque de Sadim é o oposto do Toque de Midas.

CONVERSÃO III

o nome do poema será
“cleromancia”
adivinhado por intermédio de sorteio
desusado
sem usar búzios nem tal mando bordado
chamado “épode”
se bem que o PH tenha outro som
que a outrem fira

e não refira um qualquer grau de acidez
que meçam os quemistas
nos seus laboratórios
mas PH puro e só etimológico
que pronunciado com o som de F
algum desgosto quiçá te causaria

e surgiriam mais abafadores
para apagar a minha triste luz

porque embora eu não tenha glória ou fama
para tantos constituo um certo incômodo
sem que ao menos me intrometa na política

CONVERSÃO IV

o nome do poema será
“disritmia”
que noutra série já chamei de “olímpica”
nem sei se leste
e não pretendo lançar sete marias
para ver o desenho irregular
que formar possam
as pedrinhas que ali prestidigito

e nem tampouco serão folhas de chá
perdidas no sabor
cortadas de colher
nem irei fazer riscos sem pensar
ou jogar quaisquer varetas
para um i ching

sou cleromante de minhas próprias dores
que colherei ao acaso do baraço

que as mágoas ali enleadas firmemente
se emaranharam através dos anos
nesse nó górdio sem qualquer resposta

CONVERSÃO V

o nome do poema será
“axinomancia”
que equilibra um machado sobre estaca
carcomida
e marcharei solene a seu redor
mencionando as penas e humilhações
do antanho
para escolher qualquer que fira mais

e até mesmo consigo ser honesto
na identificação
embora saiba perfeitamente haver
em meus predecessores
a tendência de mostrar os seus rancores
perante esse balanço

e quando viam do machado a oscilação
era o momento de indicar culpado

mas a acha ponho sobre o coração
e só espero que o machado oscile
pela sístole e diástole de minhas culpas

CONVERSÃO VI

o nome do poema será então
“remorso”
pelas faltas ocultas de minha infância
opressa
que certamente ninguém mais recorda
e que eu mesmo de há muito ter devia
esquecido
mas não esqueço e nem posso me perdoar

sempre retornam minhas infrações
e meus martírios
que para outros nada mais importam
destinados ao cumprimento de minhas penas
ou a invocação dessa trindade
de um rei e dois ladrões

as pernas foram desses dois quebradas
para que se sufocassem mais depressa

mais minhas penas são como as do rei
oficialmente dadas como mortas
porém que insistem em ressuscitar

BORBOLETAS DE INVERNO I – 19 NOV 16

ÉS TODA A MINHA SAÚDE, ÉS MEU PULMÃO
POIS SÓ POR TI RESPIRO DIARIAMENTE
SÓ POR TI MEU CORAÇÃO BATE FREQUENTE
NA FESTA ÁUREA DA DESILUSÃO

ALGUM PROJETO ABANDONEI INTEIRAMENTE
PELO LENTO DESBOTAR DE UMA EMOÇÃO
ALGUNS OUTROS SÓ SOFRERAM CONTRAÇÃO
PORÉM PROSSEGUEM COM VIGOR DOLENTE

NÃO PODE HAVER, AFINAL, EXPECTATIVA
DE QUE A ANGÚSTIA FINA DO DESEJO
CONTINUE A SE AFIRMAR PEREMPTÓRIA

QUANDO A ROTINA VEM-SE INSINUAR FURTIVA
E A NOVIDADE SE APARTOU DO BEIJO
TAL QUAL OBRIGAÇÃO SEMI-ILUSÓRIA

BORBOLETAS DE INVERNO II

NÃO MAIS SERIA QUE UM LUGAR COMUM
ESSE ANTIGO DILEMA MENCIONAR
SERIA MELHOR OUTRO SEXO BUSCAR
E PARA LONGE AFASTAR-SE CADA UM?

OU É MELHOR QUE PERMANEÇA ALGUM
LADO A LADO COM QUEM SONHA DESPERTAR
OS JÁ GERADOS FILHOS A CRIAR
SEM APARTAR-SE PARA LUGAR NENHUM?

ESTA SEM DÚVIDA A OBRIGAÇÃO SOCIAL
QUE MÃE HUMANA NÃO PÕE OVOS EM FILEIRA
DE QUE SEUS FILHOS SAIRIAM A MASTIGAR

AS FOLHAS VERDES COMO LARVAS, AFINAL,
PORÉM CARECEM DE PROTEÇÃO CERTEIRA
QUE DOIS CONSEGUEM MELHOR PROPORCIONAR

BORBOLETAS DE INVERNO Iii

MAS ONDE EXISTE REALMENTE A COMPANHIA
ESSES OVOS SÃO POSTOS DIARIAMENTE
EM FILEIRA DE EMOÇÃO SOBRESSALENTE
QUE AS FOLHAS COME APENAS DA ALEGRIA

E DESSA FORMA A POUCO E POUCO SE INICIA
A NUTRIÇÃO CONFERIDA LENTAMENTE
DAS BORBOLETAS-EGRÉGORAS DA MENTE
QUE ESSE CASAL FINALMENTE GERARIA

POR ISSO EU DIGO QUE ÉS TUDO PARA MIM
INDA QUE SONHOS SE TENHAM RECOLHIDO
PERANTE UM PURO SENTIMENTO TERNO

QUE JUNTO A TI EU PERMANEÇO ASSIM
E ESSAS ASAS CONTEMPLO EMBEVECIDO
DESSA BELA BORBOLETA DE UM INVERNO.

ESTRELAS VAZIAS 1 – 20 NOV 2016

Os olhos das espumas me contemplam,
Arredondados, batráquios, cintilantes,
Que perenes me parecem, mas em instantes
Crescem demais e depressa se rebentem.

Translúcidos, iridiados se apresentam
Esses olhos regulares, triunfantes,
Escleróticas esferas fascinantes
Clara promessa com que nunca nos contentam.

Quão espantoso é o simples borbulhar,
Quais estivessem sobre a água a crepitar,
Como estrelas que a galáxia projeta,

Ou como ovos de vida a se iniciar,
Lepidópteros ou aranhas a girar
Nessa breve explosão que nos inquieta!

ESTRELAS VAZIAS 2

São estrelas sem luz, que apenas roubam,
Qual de satélites em recrudescência,
Em luminosa veste de impaciência,
Tal como os sóis os éteres adubam.

Nesse fogoso luar com que se acabam,
Mais meteoros que cometas na aparência,
Num fervilhar repleto de imanência,
Nesse momento fugaz de que se gabam.

Porém se ao menos fossem bolhas de sabão!
Dotadas essas de seu voo transitório,
Finos arco-íris em constelações...

Mas as bolhas de espuma tristes são,
Sobre as areias seu destino inglório,
Nessa magia superficial de suas tensões.

ESTRELAS VAZIAS 3

Em vão anseiam ser prisões de ar,
Em suas breves tocaias assanhadas,
Pequenas armadilhas delicadas,
Quando mais prendem, mais veloz seu rebentar.

As mais egoístas absorvem sem parar
E suas vizinhas são por elas devoradas,
Como pérolas de luz entrecortadas,
Na violência de seu vaidoso cintilar.

Não obstante, são as pequenas, desprezadas,
Que ganham tempo maior de permanência,
Não se destacam nessa voraz premência,

Caroços mínimos de vidas malogradas,
Mas ali jazem quando as grandes morrem,
Pequenos olhos que o céu então percorrem.

ESTRELAS VAZIAS 4

De modo igual os desejos dos humanos,
Seus sonhos, suas quimeras, ambições,
Corpúsculos redondos de ilusões,
Sobre o mundo a mostrar-se soberanos.

Na feroz conflagração de seus enganos,
Expurgando a seu redor contradições
De alheias vidas em locupletações.
Mordaz sua busca em madrigais insanos!

Mas quanto mais se ampliam os valentes,
Envaidecidos no vigor de sua soberba,
Maiores deixam seus próprios venenos

E então explodem, em nada permanentes,
Enquanto a inveja dos menores se preserva,
A lastimar-se por serem tão pequenos!

FAIANÇA 1 – 21 NOV 16

Às vezes me contempla com um esgar
Formosa súcubo que me governa a vida;
Eu não me sinto íncubo e perdida
É a esperança de a tal me equiparar...

Eu não pertenço ao mesmo gargalhar
Das hienas do passado na corrida,
Pelos ossos alheios na incontida
Ambição dos meus próprios mastigar.

Mais me sinto um albatroz, voo constante,
Em busca do ultramar, sonho constante,
Dessa praia que mal posso divisar

E nesse plácido e interrupto deslizar
Busco o poente, em que, por um instante,
Eu me possa ao esplendor me amalgamar.

FAIANÇA 2

Dizem que em Marte é azul o por-do-sol,
Enquanto o céu é permanente avermelhado;
Meu albatroz voaria em tal estado,
Na busca azul-cobalto do farol.

Se eu fôra hiena, temeria o arrebol,
Talvez meu pelo se tornasse nuançado
E ainda os ossos de tom mais atenuado,
Mudando mesmo seu sabor nesse crisol.

Seria estranha a revoada no encarnado
Depois de tantas metáforas do azul...
Que cor minhas penas assumiriam então?

É de pensar que nesse mundo transformado,
Mesmo no instante da exultação exul,
Até mudasse de cor meu coração!...

FAIANÇA 3

Costuma branco ou marfim ser a faiança,
Mas absorve facilmente algum corante
E sua moldagem é bem manipulante,
Muito mais dúctil que a porcelana alcança.

Se eu fosse um albatroz, de inveja mansa,
Sem aguardar qualquer forma mais constante,
Pelos ares voaria a cada instante,
Por mais monótona que fosse a longa dança

E ao invés de ar, planaria sobre a areia,
Que raramente chega a repousar
E o avermelhado beberia qual licor.

Se fosse hiena, com ambição mais feia,
“Ossos de Vento” saberia mastigar,
Como um túnel de enigmático fervor.

FAIANÇA 4

E sentiria meu amor qual feldspato,
Menos durável do que a porcelana,
Sem a força que o mármore conclama,
Mesmo que opaco e leitoso o seu recato.

Do quartzo o cristal de brilho nato
E da mica mil reflexos em gama,
Não possuiria no amálgama da trama,
Seria apenas um delicado prato...

Como será a louça feita em Marte?
Será faiança, porcelana ou grês?
Ou rubro barro queimado por sua vez?

Pobre albatroz de faiança que se parte
Sob os dentes hilários de uma hiena,
Que qualquer sonho mastiga sem ter pena!

DESMAZELO i – 22 NOV 16

QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR SE ACABA?
UMA EXPLOSÃO DE FÚRIA DESVAIRADA
OU UM ESTERTOR DE MORTE DESGARRADA?

QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR TERMINA?
UMA IMPACIÊNCIA COM A ANTERIOR SINA,
A RAIVA SURDA DA CALMA QUE ASSASSINA?

QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR PERDURA?
A SIMBATIA QUE O CORAÇÃO MURMURA
A DEISCÊNCIA DE POSSUIR A SUA FIGURA?

QUAL É O SINAL QUE NOSSO AMOR CONSTRÓI?
QUE NOS OLHA COM TERNURA E AINDA SÓI (*)
CURAR A ALMA QUE A INCERTEZA RÓI?
(*) COSTUMA.

DESMAZELO II

MAIS MATA O AMOR A FALTA DE CUIDADO,
PLENA CERTEZA DE CONSERVÁ-LO AO LADO,
AMOR SEMPRE DEVIDO E ASSEGURADO.

MAIS MATA AMOR SEU DESFALECIMENTO,
POR ALGO MAIS SENTIR CONTENTAMENTO,
A ESCOLHA POR RIVAL ENTENDIMENTO.

MAIS MATA O AMOR A CADEIA DA ROTINA,
PERDIDA A NOVIDADE QUE FASCINA,
CONDESCENDENTE O BEIJO QUE DESTINA.

MAIS MATA AMOR, ENFIM, O DESMAZELO,
PELO SEU CONSERVAR SEM TER MAIS ZELO,
SEM DO DESEJO SENTIR MAIS QUALQUER APELO.

DESMAZELO III

MAS O QUE LEVA UMA TAL MORTE REVIVER?
RABDOMANCIA EM SORTILÉGIO A FLORESCER,
O FLORILÉGIO DA POESIA EM BRANDO LER?

MAS O QUE LEVA ESSE AMOR A RETORNAR?
CAPTOMANCIA A FUMAÇA A INTERPRETAR,
CARTOMANCIA DO CARTEADO A BARALHAR?

MAS QUE PERMITE AO AMOR DAR ALEGRIA?
A FARINHA DERRAMADA, ALEUROMANCIA,
FOLHAS DE LOURO EM DAFNOMANCIA?

E O QUE TORNA O NOVO AMOR ALGO CONSTANTE?
A EMOÇÃO DE UM LÍQUIDO HIDROMANTE
OU O BRADO DA CHAMPANHA DELIRANTE?

DESMAZELO iv

QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR RETORNA?
QUIROMANCIA QUE NOSSO FADO AMORNA
NAS LONGAS LINHAS EM QUE  A PALMA TORNA?

QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR RENOVA?
FIRME CALOR DO FOGO COMO A PROVA,
PIROMANCIA QUE O CORAÇÃO NOS MOVA?

QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR CONSERVA?
DA GRAFOLOGIA AS LETRAS EM RESERVA
OU A CARTA DE AMOR QUE NALMA FERVA?

QUAL O SINAL QUE NOSSO AMOR REVIVE?
SAL DERRAMADO QUE ALOMANCIA ATIVE

OU O SAL DO BEIJO A QUE NÃO MAIS SE ESQUIVE?

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