quinta-feira, 6 de julho de 2017





OS OLHOS DO TIGRE  & O MARIDO FANTASMA & Novas séries de William Lagos – 31/5-1º/6/17 (Sobre contos em inglês de Richard e Judy Dockrey Young).

OS OLHOS DO TIGRE I – 31 de maio de 2017

Em uma aldeia da selva de Bengala
vivia a família de um bravo caçador.
Certo dia, ele saiu, cheio de ardor:
carne traria, a fim de alimentá-la!...

Tomou uma flecha certeira e ao apontá-la
matou um Gibão, antes do Sol se pôr.
Tinha mulher e um filho e, por amor,
sua cunhadinha recebeu, para criá-la...

Ficara o homem assim muito contente:
Bastante carne nos dará este Gibão;
por alguns dias não preciso mais caçar!...

Assim, seguiu andando firmemente,
o macaco em seu ombro e, pela mão,
levando as armas que tão bem soubera usar!...

OS OLHOS DO TIGRE II

Mas, distraído, não viu que dentre a mata
havia um tigre, seus olhos a brilhar:
Como esse homem e não preciso mais caçar
por alguns dias, sem mais andar à cata!

E com um forte golpe de sua pata
facilmente ao caçador pôde matar
e como a roupa não queria devorar,
tirou-a inteira, sem rasgar sequer a bata!...

Mas depois que o homem inteiro devorou
e mesmo os ossos com seus dentes triturou,
o olhar do tigre rebrilhou com uma ideia!...

Vou-me vestir com a roupa desse homem!
E visitar esse lugar em que eles comem!
Há muita carne para mim naquela aldeia!...

OS OLHOS DO TIGRE III

Todo vestido, arco e flecha carregando,
saiu em pé, ao ombro o seu Gibão,
e pelo cheiro, logo achou a habitação
em que a família estava ainda morando...

Entrou na choça e foi logo afirmando:
“Sou seu marido e lhe trouxe a refeição!”
A mulher tola não prestou muita atenção,
tonta de fome, só a caça foi pegando!...

Mas a irmãzinha, que se chamava Yura,
prestou no tigre bem mais atenção
e disse à irmã: “Não é o seu marido!”

“Não seja boba, menina!  Que loucura!”
Já preparando a carne em seu fogão...
“Por que outro homem teria caça nos trazido?”

OS OLHOS DO TIGRE IV

Mas a menina, com sua alminha pura,
via da fera os cruéis olhos a brilhar
e outra vez se pôs a sussurrar:
“Isso é um tigre!” “Ora, deixe de tontura!”

Comeu o tigre sua porção crua e ainda dura!
Disse a menina: “Ele está a devorar
igual que um tigre!  Vai a todos nós matar!”
“Não seja tola, minha querida Yura!...”

Logo depois de comer, foram deitar,
o tigre com a mulher na mesma esteira!
Numa esteirinha, o menino já se esquenta...

Porém Yura foi ao sótão procurar
algum recanto de proteção certeira
onde punham a secar a sua pimenta!...

OS OLHOS DO TIGRE V

E nessa noite, ela escutou um mastigar,
enquanto o tigre a sua irmã comia!...
Logo o menino ser devorado ouvia
e a pimenta foi moer, sem mais tardar!

Então o tigre a menina foi chamar!...
“Yura, desça, que já chegou o dia!...”
Mas a menina garantiu que não descia:
“Suba a escada, se deseja me falar!...”

O tigre quis subir, ainda em pé
e com aqueles degraus se atrapalhou,
igual que uma canoa entre os escolhos!...

Água e pimenta Yura misturou, até
que o tigre finalmente a alcançou,
lançando a ardente mistura nos seus olhos!...

OS OLHOS DO TIGRE VI

Com um rugido, foi o tigre até o rio,
para seus olhos lavar dessa pimenta,
mas no momento em que Yura fugir tenta,
já retornava, mais veloz que um arrepio!

Havia um pardal, que se escondia do frio
e ela pediu: “Pardal que aqui se esquenta,
vai minha gente avisar do que se enfrenta,
que venham o tigre matar com todo o brio!”

“Mas o que ganho?” – lhe indagou o pardal.
“Se hoje a aldeia te dispuseres a ajudar,
a minha gente sempre irá te alimentar!...”

“Se nos livrares deste grande mal,
sempre tua fome atenderemos com paciência;
depois de ti, também da tua descendência!...”

OS OLHOS DO TIGRE VII

Saiu o pardal pela abertura no telhado,
que retirava a fumaça do fogão;
Yura esperou, de coração na mão,
o retorno do tigre ainda esfomeado!

“Desce daí, menina!... Já estou lavado,
pretendo apenas realizar conversação,
de minhas vistas machucar não havia razão!
Desça depressa, que tudo está perdoado!”

“Não vou descer!” – gritou Yura. “Se quiser
falar comigo, vai ter de me alcançar!...”
Subiu o tigre, já de raiva delirante!...

E desta vez, para melhor se defender,
jogou pimenta pura, a qual, para lavar,
teria o tigre de demorar bastante!...

OS OLHOS DO TIGRE VIII

Correu de novo a fera para o rio,
desta feita a sentir maior ardência,
lavando os olhos, cheio de impaciência,
enquanto Yura se arrepiava em calafrio!

Mas seus parentes escutaram cada pio
do pardalzinho e se reuniram com potência,
para esse tigre de tanta inteligência
enfrentarem com astúcia aliada ao brio!

Uma cova assim se abriu rapidamente,
diante da porta na entrada da choupana,
como armadilha para animal tão forte!

E com esteiras a cobriram totalmente,
já ouvindo o tigre, que por vingança clama,
para a menina prometendo a pior sorte!

OS OLHOS DO TIGRE IX

Os caçadores pelos cantos se agacharam,
para vingar os que o tigre havia matado,
sendo o máximo silêncio observado
e o retorno do tigre contemplaram!

Quando chegou, todos logo observaram
como as roupas do caçador havia usado,
enquanto o tigre pensou ter assustado
os parentes, que a Yura abandonaram!...

Ficou a menina ante a porta da cabana
e ouviu o tigre ferozmente reclamando:
“Por que a pimenta?  Eu só queria conversar!”

“Pois chegue aqui!” – depressa Yura chama.
“Aqui em casa eu estava te esperando!
Foi brincadeira – poderás me desculpar!...”

OS OLHOS DO TIGRE X

Então o tigre avançou, sem desconfiar,
caindo dentro do buraco aberto!...
Um dos parentes, com um golpe certo,
forte lançaço desferiu para o matar!...

A pele inteira conseguiram lhe tirar,
mas foi no ventre do bicho descoberto
o que restava da família e com acerto,
cada pedaço conseguiram enterrar!...

A sua carcaça no rio foi atirada
e a muitos peixes foi assim alimentar,
voltando Yura para a casa de seus pais...

Mas a promessa julgaram ser sagrada:
onde aparecem, comida vão ganhar
seus descendentes e todos os pardais!

O MARIDO FANTASMA I – 1º de junho de 2017

Muitos anos atrás, uma tribo habitava
A parte noroeste dos Estados Unidos.
Certo verão, com seus dias mais compridos,
nasceu menina quando um pássaro cantava.

E sendo um pintarroxo, qual se costumava, (*)
chamaram-na Robin seus entes queridos...
No mesmo dia, os ameríndios, comovidos,
saudaram o filho de quem os comandava.
(*) Ou Tordo Americano.

E o mesmo pintarroxo, quis a sorte,
deixou uma pena cair sobre o Tipi (+)
e Uma Pena tornou-se o nome do menino,
(Cabana de couro de búfalo em formato de cone.

depois tornou-se um homem de bom porte,
Robin a moça mais bela por ali,
os dois marcados a casar pelo Destino.

O MARIDO FANTASMA II

Mas não apenas por serem destinados,
o jovem par se amava ternamente,
seu casamento já marcado brevemente,
após os dias de frio serem passados...

Numa caçada, os passos descuidados
de Uma Pena, bravo a ponto de imprudente,
escorregaram numas pedras, de repente,
sendo arrastado por ribeiros bem gelados!

Era o degelo das Montanhas da Cascata.
que as correntes deixaram engrossadas;
quebrou uma perna e também partiu um braço,

ficou dois dias penando nessa mata,
até que escutaram suas chamadas
e alguns amigos o puxaram por um laço!

O MARIDO FANTASMA III

Porém quando o carregaram para a aldeia,
Uma Pena forte febre já sentia
e passada uma semana, ele morria,
deixando Robin a lamentar sua sorte feia...

Qual o costume, o enrolaram numa teia
de lona e lianas e um cortejo o conduzia
até a ilha que em cemitério lhes servia,
pira lhe erguendo a que depois fogo se ateia...

Só não ficaram por muito tempo ali,
que aquela ilha costumavam evitar,
por ser necrópole e santo cemitério;

levaram Robin em lágrimas dali,
sem permitir-lhe demorar-se em tal lugar:
era o receio de seus mortos muito sério!...

O MARIDO FANTASMA IV

Contudo Robin jamais se conformou
e três verões em seu luto se passaram,
várias propostas de casamento recusaram
e a vontade de seus pais enfim dobrou...

Assim o pai em uma piroga a transportou
e até as nascentes do Grande Rio chegaram,
onde havia imensa ilha, em que aportaram,
na qual a Terra dos Mortos se instalou...

Já era noite e escutaram os tambores,
os cantos, danças e gritos de alegria:
eram os mortos que se erguiam a cada noite!

O pai de Robin seus últimos temores
manifestou à filha, quando se despedia
e ela desceu, sem sentir do medo o açoite!...

O MARIDO FANTASMA V

E na primeira aldeia que encontrou
moravam os mortos de sua própria aldeia,
que a receberam bem, do engano em teia,
pensando ser o espírito de Robin que chegou...

Logo Uma Pena entre eles encontrou
igual que em vida!  E em nada se arreceia,
mas desconfiança entre os demais se ateia:
“Não é o espírito que esta noite despertou!”

“Robin está viva!  Entre nós não tem lugar!”
Mas Uma Pena tinha deles o respeito
e permitiram à sua noiva ali ficar...

Durante as noites, igual aos vivos eram os mortos:
dormiam, bebiam, a repetir cada trejeito
da vida humana em seus distantes portos...

O MARIDO FANTASMA VI

Mas assim que se aproximou a alvorada,
cada um para a sua tenda foi chegando;
Uma Pena para sua própria a transportando:
Robin sentia-se por ele acalentada!...

Dormir de dia não estando acostumada,
em poucas horas foi a jovem despertando
e em seu horror, ela estava só abraçando
um esqueleto de caveira arreganhada!...

Fugiu depressa, acometida de pavor,
pelas ruas a encontrar mais esqueletos,
dos que havia surpreendido a luz da aurora!

Correu até a praia, mas forçou-a o amor,
no entardecer, a retornar-lhe seus afetos,
já o encontrando desperto nessa hora!...

O MARIDO FANTASMA VII

Eventualmente, de Uma Pena engravidou
e um menino lhe nasceu, durante a noite;
mostrá-lo aos avós queria, em seu afoite,
mas cada morto em contrário a aconselhou:

“Só meio vivo e meio morto ele ficou,
não pode expô-lo da luz do Sol ao açoite,
senão dez dias depois de seu acoite
na tenda de seus pais!...”  E Robin concordou,

muito embora igualmente a avisassem
de que os vivos não a aceitariam,
pensando mesmo ser ela assombração!...

Antes que esses dez dias se passassem,
olhos de vivos seu nenê jamais veriam:
“Tenha cautela, meu bem, até a ocasião!...”

O MARIDO FANTASMA VIII

A segunda piroga, que seu pai havia deixado
na esperança de que quisesse retornar
tomou então, rio abaixo a deslizar
até a aldeia em que sempre havia morado...

Mas só depois que a noite havia tombado
é que na aldeia conseguiu chegar,
com o bebê em seu colo a acalentar,
choramingando, de leite já esfomeado...

Como lhe haviam os mortos prevenido,
ninguém do povo a queria receber,
mas foi aceita na tenda de seus pais!...

Mas do menino cuidava só escondido:
“Por dez dias precisam me acolher
pois só depois será um nenê como os demais!...”

O MARIDO FANTASMA IX

O pai e a mãe a trataram com carinho,
mas tinha o costume de só dormir de dia;
de tão curiosa, sua mãe mal conseguia
esperar o prazo para ver o pequeninho!

Ora, de noite, ouvia chorar o nenezinho.
Robin trocava-lhe as fraldas que trazia,
dava-lhe leite, porém nunca permitia
ver seu nenê, nem ao menos um pouquinho!

Ao nono dia, a curiosidade a dominou
e foi abrir as roupinhas da criança,
de ver um lindo rostinho na esperança...

Mas somente o esqueletinho ali encontrou!
Com um grito de horror, ao chão o lança
e cada ossinho pelo piso se espalhou!...

O MARIDO FANTASMA X

Com o barulho, a doce Robin despertou:
“Mamãe, por que até amanhã não esperou?”
E com cuidado, cada ossinho ela ajuntou:
“Agora eu vou e nunca mais posso voltar!...”

Quis seu pai convencê-la a demorar:
“Meu filho aqui sou forçada a enterrar
e totalmente será um morto se ficar!...”
E na piroga, novamente, ela embarcou!...

À Ilha dos Mortos, lentamente, ela remou
E nessa noite, já o bebê se recobrava
e com orgulho, a Uma Pena o apresentava...

Contudo o Povo dos Mortos pronunciou
Encantamento que sua Ilha inda hoje encerra
e vivo algum pisou de novo nessa terra!...




William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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