terça-feira, 11 de julho de 2017



VAIDADE DE MULHER & MAIS.
Novas Séries William Lagos – 2-11 jun 2017

                     (A Mulher e o Espelho, óleo de Wilhelm Eckersberg)

VAIDADE DE MULHER I – 2 JUN 17

Toda mulher consulta o seu espelho,
tal qual na lenda fazia a Rainha Má,
buscando a perfeição que jamais há,
temendo o estrago do tempo em corpo velho.

Desde a nuca se examina até o artelho,
sem desejar qualquer mal que encontrará,
mas sem descanso em tal procura irá,
mesmo depois de exercitar-se em aparelho...

Salvo o momento em que desiste da corrida,
da maratona a julgar perdida a luta
com tantas jovens que contempla a seu redor,

quando, afinal, da madurez é convencida
e se torna a vovó ou faz disputa
com as outras bruxas de feitiços sem valor!

VAIDADE DE MULHER II

Talvez consiga combater a menopausa
por artifícios de hormonal reposição,
da biologia a contrariar a evolução
ou até mesmo da esterilidade a causa;

com exercícios conservando a esbelteza
ou por regimes de vasto sacrifício,
porém não perde de seu espelho o vício,
sua face ainda escrutinando com firmeza;

porque a morte nos toca pela testa
e vai descendo até chegar aos pés,
pelos cabelos escorrendo a melanina;

e a pouco e pouco, as rugas fazem festa;
a pele esticam de uma plástica através,
porém o sol que a nutre, a assassina!

VAIDADE DE MULHER III

Por certo, o feminino é transitório;
erguem-se os seios, talvez, com silicone,
mas não retorna o seu perfeito cone,
para os nenês do alimento e peditório;

mas vence ao corpo o seu destino inglório,
depois que o derradeiro óvulo some
e por mais que parceiros ainda tome,
é o desespero que se faz peremptório!

Naturalmente, a culpa é desse espelho,
que de há muito não é mais servo fiel,
mas tão somente o refletor da zombaria,

nessa tragédia que acarreta o corpo velho,
girando a alma ainda em jovem carrossel,
que mocidade por mais décadas queria!

VAIDADE DE MULHER IV

Antigamente, sua dor era menor:
vivia-se menos e poucas esperavam
da juventude, que ainda menos conservavam,
pariam frequente e sua lida era maior,

mesmo que o lar lhes parecesse protetor,
bem poucas delas pelas ruas batalhavam
competição menor assim encontravam,
já se aguardando a velhice sem rancor;

mas hoje em dia, na cultura das cidades,
com tantas artimanhas e cosméticos,
elas se encontram bem mais pressionadas,

na expectativa de usufruir longevidades,
na tirania de mil ideais estéticos,
permeio ao medo de acabarem desprezadas.

VAIDADE DE MULHER V

Muito homem permanece ainda viril
após décadas da menopausa de sua esposa,
que se apercebe estar murcha já sua rosa,
pouco disposta à atividade feminil;

porque a artimanha do desejo é vil,
só enquanto ela é fértil portentosa,
logo a seguir descartando essa inditosa,
que a Natureza já despreza por senil,

quando suas trompas falópicas não soam,
quando o útero já começa a se encolher,
quando a vagina vai ficando ressecada:

que deixe o mundo para aquelas que o povoam!
Porque ainda deve um alimento receber,
se vida alguma já não pode ser gestada?

VAIDADE DE MULHER VI

Pensando bem, não é de fato crueldade,
que o biológico só age por instinto;
em velho orgasmo ejacular consinto,
ainda enfrentando a morte sem piedade!

Mesmo o enforcado no patíbulo retinto,
quando os esfíncteres se afrouxam, na verdade,
goza um último prazer na insanidade,
da vesícula seminal solto o precinto!...

E em certos povos se acha mesmo natural
que a esposa escolha uma jovem para amante:
se tiver filhos, os registra como seus!...

Raquel e Lia, no próprio Gênesis, afinal,
de sua vaidade em um último rompante,
qual desafio derradeiro contra Deus!...

TULPAS I – 3 JUN 2017

Do mesmo modo que as ideias se transmitem
e se penduram nos varais do firmamento,
dos corações igual flutua o sentimento
e em tais páramos evolem e se agitem.

Alguns deles mais robustos se consistem,
projetados ainda em vida pela gente,
sendo emoções positivas raramente,
bem mais rancores e invejas que ali assistem.

Sempre mais fortes os senões dos pessimistas
que veem em tudo só tristezas e maldade
e aos circunstantes disso buscam convencer,

seus artifícios certas vezes mesmo avistas,
como navalhas a retalhar a felicidade
desses que o mundo veem diverso perceber!...

TULPAS II

Existe mesmo quem o faça em sã consciência,
mal projetando para cada mal-querer,
que o perturbe e provoque o seu sofrer,
com encantamento de malévola potência;

mas em geral, se libertam na impaciência
e se não podem contra os alvos se esbater,
saem no espaço para incauto acometer,
até levá-lo às vascas da impotência!...

Entre os judeus se denomina Ayim Hará,
quem de tais maus sentimentos é dotado
e os japoneses Iki-ryô já denominam

esse “fantasma de vivo” que haverá,
neles causando um temor mais acirrado
dos que aos fantasmas de mortos se destinam!

TULPAS III

Mas em geral, tais forças se libertam
após a morte de quem as concebeu
e o corpo astral já em parte se perdeu
e os atributos do físico o desertam;

somente muito devagar elas se alertam
para os varais que o firmamento acolheu
e através dos seus bambus lá se recolheu:
só de viés nosso entender acertam...

ali conservam seus desejos seminais,
de tulpas sendo apenas embriões:
mentes precisam para se enraizar;

se lá buscamos a fonte dos ideais,
procuram desfazer-nos as noções,
não sendo fácil aos adultos dominar.

TULPAS IV

Mas em sonhos, crianças sobem aos varais,
ali encontrando as ideias penduradas
das mil canções que não foram terminadas,
mortos poemas sem chegar a seus finais,

quando os poetas já não redigem mais,
nem filósofos, nem prosadores ponderados,
nem teólogos, nem teatrólogos apreciados,
trapos de sonhos drapejando naturais...

Algumas podem alcançar genialidade,
a maioria dotada apenas de talentos,
se a pouco e pouco tais ideais revivem;

mas nos varais, por infelicidade,
são bem mais coloridos os sentimentos
que o imaginar das crianças mais ativem.

TULPAS V

Os “amigos imaginários” assim surgem,
sem que, em geral, os pais levem a sério;
é a solidão que conduz ao despautério
os filhos únicos que a companhia não urgem;

tais energias para si recantos forjam,
de sua emboscada tranquilo eremitério,
vazio o cérebro, qual imenso monastério,
escaninhos da espera em que se alojam.

Algumas vezes, porém na vida adulta,
seus hospedeiros as percebem mais
e com elas já se põem a dialogar,

quando um nexo insatisfeito não se oculta
e até controla certas formas sensoriais,
robusta tulpa finalmente a se formar.

TULPAS VI

E que ninguém se iluda: de imaginárias
nada têm essas internas criaturas;
levar conduzem a anomalias impuras,
esquizofrênicas tendências perdulárias;

e como são do passado originárias,
podem nas mentes mostrar-se muito duras,
vidas passadas revelando em tais agruras,
avassalando as novas mentes solidárias.

E quando um outro humano enfim falece,
novamente ao firmamento se libertam
e nos rodeiam quais “demônios não contados”,

difícil de salvar quem os padece,
nem bons, nem maus, apenas não aceitam
que seus anseios não sejam realizados!...

FAMÉLIA I – 07/03/79

É preciso saber-se que nenhumas alegrias
Eu encontrei aqui fazendo tais sonetos;
Talvez, bem ao contrário -- ideais secretos
Fruir deixei contra preço de agonias...

De fazer versos, deixo mesmo de viver!
Pois são  as ânsias que revelo verdadeiras
Talvez "lugares-comuns" -- bem corriqueiras,
Raízes fundas a encravar no meu sofrer.

Se não sofrera... talvez os versos não saíssem...
Houve outros versos em que júbilo exaltei,
As vezes descrevendo em que gozo desfrutei;

Mas os de dor são fartos, quiçá como sentissem
Talvez melhor lhes fora que bem nunca tivera,
Que então terríveis versos aos centos compusera!... 

FAMÉLIA II – 4 JUN 17

A fama e a fome – qual seja a mais faminta,
Em nossas almas sempre a digladiar
E mesmo existe quem se possa alimentar
De fama apenas – por ânsia que pressinta!

Gula de fama que sua alma faz retinta.
Por ela muito se dispõem sacrificar;
Não é questão de merecer ou se esforçar,
É mais o fado que a conceder consinta...

Algumas vezes, ao cruzar redes sociais,
Um vídeo tolo logo está “bombando”;
“Viralizado”, seguem-no muitos partilhando,

Seus méritos relativos aos demais,
Na medida em que possa mais “trolar”
Ou como “meme” ao outros controlar!

FAMÉLIA III

Outros existem de quem a fome é dona,
Sem a fama incontrolada de um faquir,
Sem um jejum contra o remorso o permitir,
Quando a voz estomacal ronda e ressona!

Segundo dizem, a fome hoje retoma
Proporções tais que era costume ouvir
Nos momentos de guerra ou do invadir
A atmosfera de um vulcão cinza redoma!

Enquanto os extremistas buscam fama,
A fome distribuem aos que dominam:
Quem entende a situação da Venezuela?

Ou no Sudão, solo e sol tornando em chama
Ou na Síria e no Iraque: a vida minam
Dos infelizes no expandir de sua querela!

FAMÉLIA IV

Contudo, para mim não busco a fama,
De fazer versos apenas tendo fome,
Tal ânsia interna que a vida me consome
E através de meus dedos se proclama!

É a voz do ventre cerebral que exclama
Cada emoção que em expansão se dome,
Jejum da vida, que verso não se come,
Nem penitência de pecados nos reclama...

Estranha ânsia de provar o sofrimento
Que em outro coração vi de permeio,
Cada moléstia transformada em pensamento;

Quando esta rima corriqueira do momento,
Lugar-comum empregado sem receio
Em nada é minha, mas de alheio julgamento.

POSLÚDIO

Hoje que vivo em equanimidade,
Sem desviar-me da senda do meio,
Meu passado recordo, assim o creio,
Cada fracasso descrito sem bondade,

Cada desdém a cortar virilidade,
Nos lábios hoje murchos ainda leio;
Com vasto esforço feito de permeio
Por recordar essa dor da antiguidade.

Lembro apenas ter havido sofrimento,
Mas meu antanho está envolto em algodão,
Toda vereda já de asfalto se cobria

E nem do pó guardo o recolhimento,
Sem nem saber de onde brota a inspiração
Na descrição do que não mais sentia!...

VONTADES I – 08/03/79

Eu queria escutar tanta minúcia!
Tanta bobagem dos tempos de menina!
Queria ouvir teus lábios de pelúcia
A revelar-me toda a estranha sina

Que coube a ti por talho e por quinhão:
Os teus desejos todos mais antigos,
Os desapontos do teu coração,
Teus desenganos, tuas faltas, teus perigos...

Queria ouvir de ti, na intimidade,
Tanta coisinha tola, em liberdade
De me contar, sem ter por importante,

Somente por prazer de partilhar:
Que desta forma o sonho, a deslizar
Se convertesse em carne por instante...

VONTADES II – 05 JUNHO 2017

Muita coisa já escutei e grato fui,
O meu silêncio em jóia de paciência,
Sempre escutando com respeito tal tendência,
Mau comentário essa confiança rui!...

Sorriso apenas à confidência anui,
Só a compreensão impede a difidência,
A timidez que desperta autoconsciência,
Quando o canto das palavras não mais flui...

Tão difícil realmente o peito abrir!
Não obstante, o quanto é necessário,
Quando não há qualquer suspeita de traição;

Não é o adultério em si que o vá impedir,
Mas o temor desse instante mais nefário
De a uma estranha revelar a tua emoção!...

VONTADES III

Algumas vezes, de forma inexplicável,
Ao par do assento se fazem confidências,
Nesse momento singular das indulgências,
A alma aberta assim ao imponderável.

Pessoalmente, para mim foi impensável;
Nunca esperei dos outros condolências,
Nunca indulgi temerário em tais tendências,
Só ao escutar me sinto afiançável.

Talvez de mim ainda murmure nos sonetos,
Pelos quais me proclamo irresponsável,
São literários os poemas, nada mais!...

Neles nem mostro meus temores mais secretos
Ou a inconsútil sutileza do amorável,
De que tais versos seriam servos naturais.

VONTADES IV

Mas escutar eu soube e o sei ainda:
Sou um estranho para ti e a exposição
De forma alguma sangrará teu coração,
Nem de ti espero alguma boa vinda...

Entre nós a distância será infinda,
Mas estes versos tens à disposição:
Fala com eles, ao sofrer de solidão,
Confessa aos versos cada tristeza linda...

Eles são mudos, porém te escutarão:
Revela aos versos os teus sonhos de menina,
Apenas vivem de tua interpretação

E serão os mais fiéis dos confidentes:
A cada estrofe com teu amor fascina,
A consolar-te tal quais lágrimas ardentes!

ESPONSAIS I – 06/03/1979

O amor foi comparado à clara rosa,
Tornada rubra no rubror do cravo;
Pingando nos lençóis, meu nome lavo
Bem fundo ao coração, nesta ditosa,

Vetusta hora assim de escaramuça,
De amor vermelho pela rosa branca,
Que se avermelha, quando amor se estanca,
Gasto em brancor sereno de pelúcia.

Acirrado no abrolho do clitóris,
Ao falo torturado não demores
A intercambiar durez por terciopelo.

Vencida a rosa no estertor exangue,
Explode-se no cravo, em branco sangue
De orgasmo derramado em teu anelo!...

ESPONSAIS II – 6 JUN 17

                ”O cravo brigou com a rosa
debaixo de uma sacada:
o cravo saiu ferido
e a rosa despedaçada!...”

Quanta vez, em meus tempos de criança,
Repetição escutei da mesma trova,
Em meu cérebro gravada qual em goiva,
Nessa inocência dos tempos de bonança!

Nunca soube se os adultos de minha infância
Aos versos davam a compreensão mais nova:
Se interpretavam o deflorar da noiva,
O ferimento infligido em tal instância!

Ninguém me expôs seu outro significado,
Até que um dia... me aflorou à mente!
Era uma época de virgindade previdente,

Quando o sexo anterior era pecado,
Ou pelo menos, um ato temerário,
Até o momento em que fosse necessário!

ESPONSAIS III

Bem certamente, muito ouvia dizer
Que se tivesse o que queria o namorado,
Jamais seria o matrimônio celebrado
Que autorizasse a tal vagina ter!...

Os tempos mudam e hoje posso perceber
Que o contrário tornou-se o esperado:
Caso o sexo não seja experimentado,
Um casamento não virá a acontecer!...

E nessa trova, inocente na aparência,
Se achava firme conselho e prevenção:
“Nunca conceda mesmo ao noivo a ousadia!”

Pois num momento de amorosa ardência.
Sua meiga rosa perderá a sua atração,
Depois que o cravo obtenha o que queria!

ESPONSAIS IV

Mas nos lençóis do casamento a rubra flor
Demonstrava a virgindade então roubada,
Qual documento, muitas vezes conservada:
Seria exposta como a prova do penhor!...

Segundo gestas de antigo trovador,
Seria mesmo nas janelas aventada,
A rosa rubra para todos demonstrada,
Que fora vissem como fôra feito o amor!...

Exposta assim intimidade sem pudor,
Nos desvalidos tempos medievais,
A prova aceita de que houvera virgindade,

Enquanto os reis, por protocolo em opressor,
Publicamente celebravam esponsais,
Em clara prova de possuir virilidade!...

EUTELOGIA I – 07/03/78

Eu te desejo, eu te anseio, eu te bendigo,
Eu te amo, eu te quero, eu te adoro,
Eu te beijo, eu te abraço, eu te imploro,
Eu te lastimo, eu te cerco, eu te persigo.

Eu te possuo, eu te vazo, eu te destino,
Eu te enlouqueço, eu te amparo, eu te digo,
Eu te perco, eu te busco, eu te consigo,
Eu te escuto, eu te vejo, eu te domino.

Eu temia, eu testemunha, eu ser terrível,
Eu teria, eu tentava, eu te confesso,
Eu templário, eu temerário, um eu temível...

Eu, Teodoro, eu temendo, eu te endereço
[Eu, Teresa, eu textual, eu já termino]:
Eu te abandono, eu te deixo, eu te assassino!

EUTELOGIA II – 7 JUN 2017

Eu te confesso, eu temo, eu te lastimo,
Eu te completo, eu te lido, eu te bendigo,
Eu te consinto , eu te leio, eu te maldigo,
Eu te recordo, eu te amei, eu te destino;

Eu temeroso, eu te corto, eu talho fino,
Eu te desejo, eu te redijo, eu te condigo,
Eu te acalanto, eu te canto, enfim te abrigo
Eu te refiro, eu te atento, eu tanjo o sino

Eu tenho apenas, eu te juro, eu te revelo,
Eu te receio, eu te escrevo, eu te persigo,
Eu tenho medo, eu sou frágil, não consigo,

Eu troço apenas, eu teimo, eu canto belo,
Eu te não posso, eu te falo, em golpe rijo,
Eu te ferir, eu te magoar, hoje eu te digo!

EUTELOGIA III

Eu te revejo, eu te toco, eu te dirijo,
Eu tenho gana, eu afano, eu te prossigo,
Eu tenro agora, eu te osculo, eu teu amigo,
Eu te lavo, eu te unjo, eu não te aflijo,

Eu te guardo, eu trescalo, eu te redijo,
Eu te perjuro, eu te sirvo, eu te persigo,
Eu te conservo, não te mato, eu sou-te abrigo,
Eu te garanto, eu te acalanto, eu não te alijo.

Eu te afirmei, eu te assassino, eu te magoei,
Eu te trocei, eu versejei, eu te zombei,
Eu te rogo, eu te amparo, eu te perdoo,

Eu beijo agora, eu te enfado, eu te alço voo,
Eu te possuí, eu te abracei, eu te gozei,
Eu te consolo, eu te canto, eu te ressoo!...

EUTELOGIA IV

Eu te almejo, eu te amarei,  te aterrorizo,
Eu te invejo, eu te respaldo, inspiro em ti,
Eu te enviei, eu te não dei, eu te sofri,
Eu te afirmo, eu te vinco, eu te dou riso,

Eu te enraízo, eu te arranco, eu te preciso,
Eu te ajudei, eu te amparei, eu te vali,
Eu te aguardei, eu tive fé, não te perdi,
Eu te afirmei, eu te escrutino, hoje te inciso,

Eu textualizo, eu renuncio, eu te incinero,
Eu te idolatro, eu te esculpo, eu te sonhei,
Eu tempero, eu tantalizo, eu temporizo,

Eu te aceito, eu te acarinho, eu mais te quero,
Eu telégrafo, eu sou Dali, eu te pintei,
Eu sou tentáculo, não te falho e não te piso!

EUTELOGIA V

Eu te assombro, eu tertúlio, eu te rodeio,
Eu te namoro, eu te imploro, eu te apresento,
Eu te abraço, eu te amasso, eu te contento,
Eu te avassalo, eu te abalo, eu te receio,

Eu te recebo, eu te apego, eu te permeio,
Eu te avalio, eu tenho cio, em tenho assento,
Eu tenho pejo, eu tenho nojo, eu tenho alento,
Eu te aceno, eu te abano, eu te gorjeio,

Eu te altero, eu te governo, eu te conservo,
Eu te sinto, eu te esboço, eu te penduro,
Eu te cedo, eu te emparedo, eu te consumo,

Eu te oriento, eu te marco, eu te dou rumo,
Eu te obedeço, eu te padeço, eu sou teu servo,
Eu te eternizo, eu te pranteio, eu te perduro.

EUTELOGIA VI

Eu te louvo, eu te lavo, eu te arreganho,
Eu te espezinho, eu te costuro, eu te renovo,
Eu te enlouqueço, eu te peço, então te aprovo,
Eu te atinjo, eu te finjo, enfim te assanho,

Eu te carpo, eu te adubo, eu podo e amanho,
Eu te prendo, eu te solto, eu te removo,
Eu te mastigo, eu te arranho, eu te comprovo,
Eu te garanto, eu te dou manto, eu te arrebanho,

Eu te pego, eu te apego, eu te ordenho,
Eu te revido, eu te engravido, eu te acompanho,
Eu te toco, eu te provoco, eu te contenho,

Eu te protejo, eu te revejo, eu por ti zelo,
Eu te busco, eu te perco, enfim te ganho,
Eu te desvelo, eu te desnudo, eu te revelo!...

INDULGÊNCIA I – 7 mar 1979

eu sei que não é fácil e que apressar quisera,
pois que nós dois temos idade de apreciar
as mútuas faltas um do outro relevar,
sem precisar razão de sonho ou de quimera.

bem sei que não é fácil podermos esperar;
se para mim alcanço gentil consolação,
nos braços de outro amor alívio e exaltação,
querer não poderia meus beijos te negar...

a mim basta a certeza [em meu ideal de aurora],
que o coração me ames [caso o corpo não desejes],
mas mesmo em outros braços, que seja a mim que beijes.

de modo igual que eu, na flor desta demora,
me queimo inteiramente em flama de retiro
por não ouvir bem perto de mim o teu suspiro.

INDULGÊNCIA II – 8 JUN 17

QUE SEJA O TEU SUSPIRO A FLOR DE TUA PROMESSA,
QUE SEJA O MEU SUSPIRO PENDOR INEVITÁVEL,
QUE SEJA CADA PRANTO A GOTA IMPONDERÁVEL
DE UM CORAÇÃO FERIDO QUE DE ESVAIR NÃO CESSA!

QUE SEJA A TUA AUSÊNCIA APENAS SOMBRA ESPESSA
QUE SEJA ATÉ A PRESENÇA A PRENDA INALCANÇÁVEL,
QUE SEJA O MEU QUEIMOR TÃO SÓ INTOLERÁVEL,
QUE SEJA A SOLIDÃO A PENA QUE SE ENGESSA!

QUE O BEIJO SEJA MEU TÃO SÓ EM PENSAMENTO,
POR MAIS QUE NOUTROS LÁBIOS SE TENHA COLOCADO
POR CAPRICHO, INCONTINÊNCIA OU POR DEVER,

QUE ME PERTENÇA A FLOR DE TEU PADECIMENTO,
MESMO QUE SEJA SÓ A OUTREM CONFESSADO,
QUAL UNICÓRNIO A GALOPAR NO ENTARDECER!

INDULGÊNCIA III

QUERER NÃO POSSO TE EXIGIR FIDELIDADE,
SE PELO MENOS UMA VEZ FUI INFIEL,
SE ERGUI ATÉ A CINTURA O MEU BUREL
E MEU SÍNGULO DESATEI EM FALSIDADE.

PORÉM RECORDA QUE NA OPORTUNIDADE,
ERA DE TI QUE EU PENSAVA NO OUROPEL,
MEU CORPO A REVOLVER-SE EM CARROSSEL,
MINHALMA INTEIRA A TE GEMER SAUDADE!

E QUE FAZER, QUANDO A EMOÇÃO PEQUENA
SE ALCANÇA EM BRAÇOS DE MENOR PAIXÃO,
SE NÃO SE PODE POSSUIR A VERDADEIRA?

NESSE MINÚSCULO CALVÁRIO FEITO CENA,
QUE SÓ AGONIA USUFRUIA NA OCASIÃO,
ORGASMO E AMPARO EM HORA TÃO LIGEIRA?

INDULGÊNCIA IV

contudo, ainda espero e sei por certo
que ainda esperas por tal consumação,
que na vereda marchemos, mão em mão,
juntos estando, nada ao redor deserto;

mas até lá, o coração sofre um aperto,
não mais que órgão de vermelha carnação
incapaz de suportar quanto lhe dão,
qual lhe atribuem mil novelas sem acerto;

lembra no entanto, se jamais me vires
e nem sequer meu rosto reconheças,
que voa a alma num adejo de condor

e se tua alma em meus versos conseguires
adejar no umbilical com que me apreças,
por inexplicável que seja, aceita o amor!...

MONOTONIA I -- William Lagos, 7 MAR 1979

Confiei em ti um dia.  E só pensava
Que de ti para mim o bem viesse:
Que me fosses leal.   E até julgava
Que fosses companheira e que pudesse

Iniciar a teu lado nova vida:
Formar um lar, viver do teu afeto,
Cansado do trabalho, achar guarida
Nos teus braços gentis, no mesmo teto

Onde criássemos, enfim, os nossos filhos,
Em que gerássemos sonhos de paixão...
Mas pouco a pouco vimos nossos trilhos

Apartarem-se mais, nessa rotina
De estarmos perto e longe, triste sina,
Muito pior do que a pior traição...

MONOTONIA II – 9 JUN 17

A vida esgarça o mais forte sentimento,
Enquanto os anos esgarçam essa vida,
Cada alvorada surgindo mais sofrida,
De um novo dia prevendo o sofrimento.

A vida esgarça o peito desatento,
Para tal desatenção dando acolhida.
O acolhimento da carne requerida
A requerer semelhante acolhimento.

Toda acolhida em veraz recolhimento,
A recolher sobre a pele igual verniz,
Nesse disfarce dos cortes e tensões,

Cada ferida a recolher preenchimento,
Quando os queixumes ao outro não se diz,
Na ânsia inerte de manter as ilusões.

MONOTONIA III

Não foi o ser humano, certamente,
Destinado por função da biologia,
A perdurar por mais tempo que podia
Ou amor manter no coração presente.

Não mais do que ilusão inconsequente
Pois se desfaz em tal monotonia,
É a certeza do amor sentido um dia
Manter-se firme como chama ardente.

Amor se esgarça, como a pele cai,
Sempre precisa ser banhado com cuidado,
Antes que o bem se sinta já embaçado.

Calor se guarda, porém do peito sai,
Desperdiçado no ar circunjacente
E assim amor se esvai ao vento diariamente.

MONOTONIA IV

Não apenas nos perdemos para o vento,
Sombras deixamos para trás desde criança,
Cada silhueta a requerer nova confiança,
A antiga um piso em que a poeira toma assento.

Bem se queria conservar cada momento,
Mas é a vida já o desgaste da bonança,
Só no futuro encontramos esperança,
Nunca do antanho haverá retornamento!

Assim o amor que um dia se sentiu
Naqueles tempos de ardor, intensamente,
Só se recorda com perplexidade,

Junto ao passado um tal amor fluiu
E como os dias que passam velozmente,
Amor se encolhe, sem bem e sem maldade.

FRAGILIDADE I – 13/4/1978

gaiola redonda, dourada aliança,
marcados a ferro os dedos que a portam,
corrente brilhante, os elos nos cortam
da meiga aventura a gentil esperança...

grilhota anacrônica e marca de fogo,
algema acerada, esplendor de galé
que ao tronco nos cinge e ao duro sopé
do atroz pelourinho no pérfido jogo.

ergástulo amargo, sutil calabouço,
prisão serpentina num jugo servil,
ninguém mais respeita o acerbo e senil

ressaibo de antanho em novel arcabouço.
por isso é de ouro, um amor de metal,
quão frágil de vidro é o amor conjugal.

FRAGILIDADE II – 10 JUN 2017

promessa é feita de se esperar a morte
antes de haver qualquer separação,
dura sentença em sabor de servidão,
na iníqua espera do trespasse do consorte!

maior vileza nos abrange nessa sorte,
do que se houvesse real libertação,
após perdida toda a força da emoção,
bem mais longo o viver antes do corte!

por isso é hoje tão fugaz o matrimônio:
giram os olhos ao redor, em ambição
de um novo riso, de um novo recomeço,

mas se conserva, por amor do patrimônio,
de que um divórcio traz dilapidação,
só pelos bens materiais mostrando apreço!

FRAGILIDADE III

“o anel que tu me deste era vidro e se quebrou,”
zarcão apenas, pretendendo ser diamante,
do peito a jura foge, de inconstante:
“o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou!”

há quantas gerações essa trova se afirmou,
isso no tempo em que era a morte delirante,
ceifando sem piedade o viandante:
quanta esposa após um parto se finou!

quanto marido de enfarte faleceu
ou foi nas guerras e nunca retornou!
ou infecção do casamento completou

os votos feitos – e quando o par morreu,
alívio e culpa, bem mais do que tristeza,
logo outro par encontrando, com leveza!...

FRAGILIDADE IV

e até mesmo no apogeu do romantismo,
cantava o poeta, na maior melancolia,
a morte de sua amada, em elegia:
tuberculose a presidir um tal modismo!

seu coração a depor, sem realismo,
sobre a tumba de quem tanto queria,
porém seu corpo vez que outra se alivia,
fidelidade a manter em esplendorismo!

era então fácil realizar tais votos,
vendo tantos a morrer em verdes anos,
tão raro o amor que durasse até os cinquenta!

hoje é preciso sermos muito mais devotos,
não às leis ou à religião, porém profanos,
na idolatria de um amor que nos sustenta!

A Dona de Meus Ais 1 – 11 jun 2017

Ainda te verei, desconhecida,
Dona das fibras de meu coração;
Respirarei bem junto ao teu pulmão
E por tua pele serás reconhecida,

No fulgor dos cabelos redimida,
Flor de meus sonhos, espinho de paixão,
Cor de minha sorte, luz desta ilusão
Que em devaneio tomou-me de vencida!

Ainda te acharei, mulher perfeita
Que de minha alma canta em harmonia,
Sombra de sombra, que minha vida diz

Se mesclará à minha, sem desfeita,
A refletir-se em completa sintonia,
Nos estranhos calçamentos de Paris!

A Dona de Meus Ais 2

Se em minhas mãos pudesse ter o instante
Veloz que passa, em seu ritmo fugaz,
Desses raros momentos que nos faz
A vida apenas descompassadamente!...

Se pudesse preencher essa inconstante
Pirâmide de areia, antes que as más
Situações tão frequentes que nos traz
A vida em seu zombar inconsequente!...

Não que muitos houvesse que escolhesse
Para guardar em esfera de cristal,
Não vejo tantos assim em meu lamento!...

Mas prenderia tais momentos que tivesse
Passado ao lado teu, luz e canal
Dos fragmentos azuis do pensamento!...

A Dona de Meus Ais 3

Na cadência da noite o sonho perde
Todo o ritmo incolor do desaponto,
Animado em harmonia e contraponto,
Na dança das memórias que se herde,

Na tessitura da rede que se cerde,
Com os cabelos de um lendário conto,
Com a feroz “égua da noite” que então monto,
Nesse prado tutelar de um sonho verde.

Nos pesadelos mais se acumula o ensejo
Para o que passa me fazer pirraça,
Anunciando meus fracassos e meu fim,

Também nos sonhos o teu corpo beijo,
Desnudo de desculpas e negaça,
Quando te entregas totalmente a mim!...

A Dona de Meus Ais 4

Por incúria te amo, em minha incúria,
Que ainda não sei sequer se encontro rima
Para tal desfaçatez que me domina
Da branda onda até a borrasca em fúria!

Em sedução de amo, em branda injúria,
Que me vergasta o ventre e me ilumina,
Que me faz rodopiar, que me fascina
Na branda sonda de agitar espúria!...

Porque bem sei que amar não deveria
Quem não pode ser minha e nem me quer,
Nessa incúria feroz de meu tormento,

Ainda que saiba que olvidar não poderia
A etérea sílfide revestida de mulher
Que até hoje só me trouxe o sofrimento.

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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