terça-feira, 22 de agosto de 2017




O VAMPIRO DO RIO GRANDE
(Folclore dos índios Pueblo,versão poética William Lagos, 24 jun 2017, mais três tríades de WL).

O Vampiro do Rio Grande ... ... ... 24 jun 2017
Philemon e Baukis I a III ... ... ... 25 jun 2017
Solidão I a III ... ... ... 26 jun 2017
Copa de Cogumelos I a III ... ... ... 27 jun 2017

(Nascente do Rio Grande, Colorado)

O VAMPIRO DO RIO GRANDE I – William Lagos, 24/6/17

O Rio Grande, para os norte-americanos,
com o Brasil não apresenta relação;
ao Rio Grande do Norte sem referenciação,
nem com os pampas sul-americanos,

que ao Rio Grande do Sul alcançam soberanos.
Atribuem a outro rio igual denominação,
que lhes serve de fronteira com a nação
em que se encontram os territórios mexicanos.

No Colorado tem nascente o grande rio
e o Texas separa inteiramente
das províncias mexicanas mais ao norte;

embora estes, com orgulhoso brio,
o chamem de Rio Bravo, onde essa gente
da guerra afirma ter cambiado a sorte!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE II

Há muitos séculos os ameríndios habitavam
desse “Rio Grande River” a ampla cercania
e muitas lendas por ali se recolhia,
sobre espíritos maus que a assombravam!

Ao Vampiro do Rio Grande mencionavam,
mas é sobre o Rio Yunqué que se ouviria,
antes dos aztecas ou da espanhola tirania,
quando livres por ali todos moravam...

Das muitas lendas foi sempre a mais famosa
essa história do espírito vampiro,
sem qualquer relação com os europeus,

sendo não mais que criatura pavorosa
que deslizava pelo vale qual suspiro,
nascente e foz considerados como seus!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE III

Durante o dia, ficaria adormecido
e somente pela noite é que vagava;
só ao crepúsculo é que se alimentava,
por toda a noite já ficando entorpecido...

O rio descia ou então subia, com ruído
e as criaturas que por ali encontrava,
quer humanos ou animais, ele sugava
o sangue inteiro no coração contido!...

Era o perigo de teor crepuscular
e os habitantes aprenderam a evitá-lo,
só pescando ou viajando à luz do dia.

Durante a noite, após se alimentar,
por via das dúvidas, evitavam encontrá-lo:
e se a sua fome inda persistia...?

O VAMPIRO DO RIO GRANDE IV

Mas o espírito ali tão sanguissedento
nunca saía do vale de seu rio
e no alto das encostas, já mais frio,
havia aldeias, do perigo o povo isento.

O inconveniente desse procedimento
é que sua água, com esforço e brio,
tinham de ir buscar, ao cansaço em desafio,
galgando a encosta com passo bem atento.

E quando a lenda contavam a viajante,
justificando o porquê do sofrimento,
ele pensava ser tão só explicação

para o temor de qualquer cheia mais pujante
que as margens inundasse num momento,
a destruir toda e qualquer habitação!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE V

Ora, no povoado de Oqué-Yunjé
um casal jovem erguera um novo lar,
eventualmente a esposa a engravidar,
uma menina dando à luz em boa fé,

muito saudável, um orgulho até;
por quatro dias eles teriam de ficar,
antes da filha se poder purificar,
em cerimônia presidida por pajé.

Porém o pai, mais que a mãe cheio de orgulho,
queria a menina apresentar para sua avó
ou seja, a velha mãe desse guerreiro;

pois desejava que lhe abençoasse o arrulho
dessa menina, contra o frio e o pó!...
Porém teriam de o rio cruzar primeiro!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE VI

A avó e sogra morava em outra aldeia,
na oposta margem do Rio Grande construída:
Yunqué-Yunqué, em que vivera toda a vida
(para o casal já preparava mesmo a ceia!)

Ser demasiado velha ela dizia – e se arreceia
da correnteza do rio e da descida
e do esforço depois para a subida!...
(Contrariar a sua vontade coisa feia!...)

Contudo a mãe queria a viagem evitar,
pois tinha medo do rio a qualquer hora:
“O chupador de sangue vive lá!...

“E na passagem, também posso tropeçar,
nossa filhinha se afogando sem demora!
A senhora sua mãe que venha cá!...”

O VAMPIRO DO RIO GRANDE VII

No quarto dia, o marido a convenceu:
“Suas irmãs cruzar o rio precisarão,
pois da menina o nome escolherão
e o perigo desse rio também é seu!...”

“Depois, o dia tão somente amanheceu;
de ter receio não existe precisão!...
Mas as meninas talvez se atrasarão,
colhendo flores até quase o entardecer!”

“Se nós formos agora, já estaremos
do outro lado antes do meio-dia;
eu te seguro firme na descida,

“depois te amparo enquanto subiremos
pela outra encosta.  Você não falsearia
os pés, porque a protejo com minha vida!...”

O VAMPIRO DO RIO GRANDE VIII

Partiram os três, finalmente, ainda bem cedo,
cruzando o rio apesar da frialdade,
o outro lado sem maior dificuldade,
mesmo que a mãe de escorregar tivesse medo!...

Ao meio-dia, o sol brilhava quedo
e a Yunqué-Yunqué chegaram em realidade
bem mais cedo que esperavam; com vaidade,
a avó chamou o pajé e o ritual ledo

se realizou sem haver um mau presságio;
toda a família então se banqueteou
e de noite festejaram sem temor;

mas de manhã, insistia a avó em estágio:
“O nome dela por enquanto não firmou,
fiquem aqui mais um dia, por favor!”

O VAMPIRO DO RIO GRANDE IX

E assim ficaram no segundo dia,
entre conversas e mais festividade,
o pai e a avó na maior felicidade,
a mãe inquieta, que para ela o tempo urgia...

No dia seguinte, a avó já discutia
com as irmãzinhas da nora, na verdade.
“De haver briga logo haverá oportunidade!”
Para o marido a esposa então dizia.

Contudo este, com sua mãe queria ficar,
para a saudade matar um pouco mais,
comendo tanto ali sem trabalhar!...

Porém a mãe, por ser supersticiosa,
começou a inquietar-se por demais:
“A magia de nosso lar é poderosa!...”

O VAMPIRO DO RIO GRANDE X

“Nossa menina precisa retornar!...
Breve os espíritos não a reconhecerão!
No quarto dia, já de lá se afastarão
e amaldiçoada ficará em nosso lar!...”

“Vocês deviam é para este lado se mudar,
as suas irmãs bem contentes ficarão
e na casa de seus pais a aceitarão
se com sua sogra não quiser ficar!...”

Contudo a avó acabou por concordar,
mas insistiu em lhes dar vários presentes
e os pais dela então ficaram descontentes,

em igual medida os querendo presentear
e as despedidas pareciam permanentes,
de um modo tal que os fizeram se atrasar!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XI

Assim, chegara já quase o meio-dia
quando os três começaram a descer,
precisando volta e meia se deter,
aquele fardo era pesado e escaparia!

Chegaram à praia já no fim do dia.
“Vamos voltar.  O sol já vai descer.”
Disse-lhe o pai.  “Depois de escurecer,
é perigoso intentar a travessia!...”

“Ainda é cedo!” – insistiu a sua mulher.
”Enquanto luz houver, vamos cruzar!”
E se enfiou, sem medo, pela água...

Não houve tempo de se cruzar sequer:
o mau espírito chegou, sem mais tardar,
o sangue humano a cobiçar sem trégua!

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XIII

O pai já havia os presentes transportado,
mas a mulher não o pôde acompanhar!
Chegou o vampiro, o sangue a lhe sugar
e o do nenê, em seus braços conservado!...

Como o marido já havia carregado
os fardo incômodo até metade do lugar,
o espírito não o pôde então pegar!...
Ele desceu, totalmente horrorizado!...

Porém o espírito já se achava satisfeito:
seguiu bufando pelo rio abaixo!
Deixou o marido a contemplar a palidez

dos dois cadáveres, tristonho e contrafeito;
chegado o escuro, após acender facho
os foi puxando, pretendendo-os aquecer...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XIII

A noite inteira consumiu na travessia:
primeiro a esposa, depois a criancinha
deitou em esteiras, dentro da casinha,
enquanto um fogo muito forte se acendia!

Mas já era tarde... Ao romper do dia,
viu que sua carne estava toda enrugadinha:
nem uma gota de sangue o corpo tinha!
Desesperou-se, sem saber o que faria!...

De qualquer modo, os presentes foi buscar,
buscando em meio dessa atividade
em qualquer solução poder pensar!...

Mas finalmente, quando à casa retornou,
viu dois espíritos a olhá-lo com bondade,
a solução bem baixinho a sussurrar!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XIV

Deixou o homem então bem alta a sua fogueira
e o dia inteiro muitas lanças fabricou,
com atenção bem suas pontas afiou
e no princípio da tarde, ainda fagueira,

pesada carga ergueu ao ombro, inteira;
na praia um rastro de sangue divisou
e na maior pressa então o acompanhou,
até chegar do Rio Grande à cabeceira!

Ali o rastro lhe indicou uma caverna,
que era onde o vampiro se escondia,
para ocultar-se do calor e luz do dia;

e ali cravou, com persistência terna,
as duas dúzias de lanças que fizera,
para apontá-las em direção da besta-fera!

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XV

E no momento em que o sol descia,
ante a caverna começou a gritar,
na intenção de o vampiro despertar;
e logo, logo, a criatura aparecia!...

Que ao ver que nova presa perto havia,
como um tufão, correu para a pegar,
um pavoroso ruído a provocar,
pois a armadilha ele ali não percebia!

Caiu o monstro enquanto o sangue lhe escorria,
que as lanças todas seu corpo perfuraram!
O pai pegou as cabaças que trazia

e recolheu ali o sangue da mulher
e o da menina, que juntos se ajuntaram,
sem deixar de recolher gota sequer!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XVI

Logo depois, ele brandiu sua machadinha,
para cortar o vampiro em mil pedaços;
de sua aparência sem restarem traços,
enquanto um pouco de luz ele ainda tinha!

E para casa então depressa vinha,
carregando as cabaças em seus braços,
para erguê-las pela encosta nos espaços
de um grande cesto puxado com cordinha!

Chegando a casa, o sangue com cuidado
de ambas as mortas fez descer pelo nariz,
que assim se enchessem todos os pulmões!

Foi cada ente querido acalentado,
no grande esforço que assim empreender quis,
até fazer-lhes pulsar os corações!...

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XVII

Só então os dois espíritos desceram,
em torno dele girando, num adejo,
no da mulher e da filhinha deu um beijo
e dentro dele ambas as almas se acolheram!

Junto dos corpos que agora se aqueceram
ele ajoelhou-se, ardendo de desejo
e as almas assoprou-lhes nesse ensejo:
mulher e filha então se reviveram!...

No outro dia, alimentou-as bem
e arrependida, jurou a esposa obedecer
às suas ordens e às suas decisões:

“Terrível foi-me esta lição também!
Dos maus espíritos não mais irei descrer,
enquanto o ar permanecer em meus pulmões!...”

O VAMPIRO DO RIO GRANDE XVIII

No dia seguinte, ele foi verificar
o que ocorrera com os pedaços do vampiro;
mas ao chegar, por mais que desse um giro,
pedaço algum pôde deles encontrar!...

Na caverna penetrou, a procurar
sem divisar sequer sombra de um respiro!...
Dando de ombros, afastou-se num suspiro,
indo depressa para casa retornar...

Mas nesse entardecer, os pedacinhos
se transformaram em mosquitos, um a um,
a pairar e a voejar por sobre o mangue!

Portanto evitem, você e seus amiguinhos,
ir ao Rio Grande por motivo algum,
ou tais insetos vão sugar todo o seu sangue!

PHILEMON E BAUKIS I – 25 JUNHO 2017

Philemon e Baukis, segundo antiga lenda,
foram por Zeus transformados em carvalhos;
a ele e a Hermes dado haviam agasalhos,
quando em disfarce percorriam estreita senda.

Os corações queriam provar nessa prebenda,
e em breves tentações, sem grandes talhos,
experimentavam as suas almas nos trabalhos,
humanos olhos a iludir tal qual por venda!...

Que a natureza nenhum reconhecesse
desses dois viandantes imortais,
e assim pediram por pousada na choupana;

e o velho casal, tal como em prece,
sua refeição lhes serviu, bem naturais,
para seu sono a lhes ceder a própria cama!...

PHILEMON E BAUKIS II

Só no outro dia se deram a conhecer,
para temor e surpresa dos velhinhos,
que se arrojaram, de seus pés vizinhos,
perdão a lhes pedir por se atrever

a com eles repartir seu pobre haver,
sua comida e seu leito humildezinhos;
por dar aos deuses dotes tão mesquinhos
mesmo um castigo deveriam receber!

Zeus e Hermes, porém, se entreolharam:
“Caros humanos, grande é vossa fé!
Pedi agora e vos darei a recompensa!”

Philemon e Baukis mais ainda se espantaram:
“O que fizemos foi tão pobre até
que em troca algo pedir é quase ofensa!”

PHILEMON E BAUKIS III

Este episódio que Ovídio nos recorda,
incluído em suas “Metamorfoses”,
foi recontado nas mais diversas doses
e até na Bíblia sua mensagem nos aborda.

São Paulo, em uma epístola, nos acorda,
ao indicar da hospitalidade suas osmoses,
que sem saber, mesmo deuses, bons ou algozes,
hospedaram alguns, no que o apóstolo concorda.

Pois ao escolherem, no final, a recompensa,
a Zeus pediram para não se separarem,
sem da triste solidão sofrerem talhos

e o Pai dos Deuses, com fisionomia tensa,
concedeu a esses dois se conservarem
na secular existência dos carvalhos!...

SOLIDÃO I – 26 junho 2017

Quanto mais livre te contemplo o coração,
tanto mais preso a ti pressinto o meu,
que não posso recobrar, pois já se deu
inteiramente a ti em sua paixão!...

Percebo embora em ti outra intenção,
porém meu coração vejo ser teu
e se meu verso o teu não comoveu,
pela ousadia eu hoje peço o teu perdão!

Eu guardarei meu festim de solidão,
pois de mim mesmo encontra-se isolado
meu coração, que não mais bate no meu peito,

porém adeja a teu redor, em sonho vão,
ao menos ele orbitando do teu lado
sem de um retorno a mim possuir direito!...

SOLIDÃO II

Contudo, saibas que a ti só quero bem,
que de outro modo jamais podia ser;
sem coração, ninguém pode viver:
se mal te queira, o mal é meu também.

Contudo, saibas que me encontro aquém
de qualquer nova ousadia pretender;
mais do que tudo, tu és meu bem-querer;
meu coração voou a ti e a mim não vem.

Nem que jamais me retorne eu acredito
que no meu peito existe apenas um vazio,
e a te pedir que o enchas não me atrevo.

Teu coração nesse lugar seria bendito,
mas à distância somente o meu me espia,
tão arredio, que o recobrar nem devo!...

SOLIDÃO III

A vida é, pois, assim – se um coração
levanta as asas para alheio ninho,
só resta ao dono viver em descaminho,
seu mundo inteiro tornado em sonho vão.

Para minhalma, enfim, estendo a mão,
que ao coração inda contempla com carinho,
envolto vendo estar em véu de espinho,
em sua perpétua tentativa de paixão.

És livre assim, tanto quanto sou cativo,
por mais que o coração passe em adejo,
sem receber de ti sopro de um beijo;

mas de minhalma, entanto, não me privo:
ainda a prendo a mim como um grilhão,
por mais que queira reencontrar seu coração!

COPA DE COGUMELOS I – 27 JUN 17

Eu te darei um vestido de flanela,
para que o uses no mais quente do verão;
punhos fechados, protegendo cada mão,
a longa barra bem abaixo da canela!

Só assim protege do sol tua derme bela,
traz na cintura bem firme um cinturão;
até a garganta as suas golas vão,
sob um capuz que a cabeleira vela!

Pois não desejo que a luz solar te queime,
mas te conserve ideal como nasceste,
que só te possa requeimar o meu olhar;

que não exista obstinação que teime
em te bronzear a pele que me deste,
nem a pureza de tuas vistas macular!

COPA DE COGUMELOS II

Caso eu fosse muçulmano, é o que faria.
São suas mulheres totalmente protegidas
dos sóis ardentes no decorrer das vidas,
de olhar alheio que as cobiçaria!...

Maometano não sou, mas sentiria
de mágoa um traço ao ver tuas carnes ofendidas
por tais pupilas de pureza desprovidas,
mesmo na cópia de qualquer fotografia!...

Talvez o trajo provocasse o teu suor
e te causasse um certo desconforto,
mas conservar a beleza tem seu preço!

E minha loucura seria apenas mal de amor,
a sutil adoração que assim te aporto,
como o mais forte penhor de meu apreço!

COPA DE COGUMELOS I – 27 JUN 17

Essa flanela que te dou é meu carinho,
que te proteja da mínima invasão;
que não bronzeies jamais o teu condão,
porém puro permaneça em rosmaninho.

Tomo a copa de cogumelo pequeninho,
para te dar a beber de minha paixão;
vermelho seja, tal qual meu coração,
macio e brando quando me avizinho;

que o contenhas na palma de tua mão,
nessa copa delicada de alegrias,
envenenado tão só por meu amor,

nessa ternura final da comunhão,
nessa copa avermelhada de elegias,
cheio de orgulho por teu límpido pudor!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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