quinta-feira, 15 de março de 2018






AMOR CASUAL & MAIS
12 a 16 dezembro 2017
Novas Séries William Lagos

AMOR CASUAL -- 12/12/17
SOMBRA MINHA -- 13/12/17
COISAS ÚMIDAS --14/12/17
TEMOR DO VENTO -- 15/12/17
PULSAR NOTURNO -- 16/12/17
SORTILÉGIO -- 17/12/17

ALONE IN THE DARK,
ÓLEO DE ROGER WOODS  

AMOR CASUAL I -- 12 DEZ 2017

Não há prazer só no sexo aparente;
existe orgasmo nesse encontro apenas,
tão somente o pisotear das açucenas,
sem recolher seu perfume mais potente.

Não existe amor nesse sexo indolente,
que enquanto te penetro, me envenenas,
somos insetos trançados, só antenas
numa cópula tão só inconsequente.

Não é só isso que lembro, certamente:
houve momentos de encontro mais pungente,
real prazer unindo-se ao ardor,

mas há desgosto nesse ato perfunctório
em que meu sêmen é tão só emunctório (*)
e se faz sexo sem se fazer amor.
(*) dejeto

AMOR CASUAL II

Não foi bem um amor, mais um lamento
que nos uniu no interstício de um momento,
nos braços um da outra, em sedimento
de emoção vinda do coração vazio.

Não foi bem um amor, foi mais estio,
unidos pássaros, sem dar sequer um pio,
amor tão quente às vésperas do frio,
amor de cio, porém sem julgamento.

Mas foi amor que me marcou bem fundo,
amor de marinheiro, amor rotundo,
o Sol e a Lua inclinados para o mal

desse amor ralo que me deixou dolência,
do verdadeiro amor sem ter potência,
tão transitório como o carnaval...

AMOR CASUAL III

Era, afinal, amor de adolescente,
férvido o amor oriundo do hormonal,
na experiência de um amor só inicial
que de real sedução era aparente.

É tão comum esse sexor frequente.
além teor de todo bem e mal,
em seu momento santo não casual:
dois marionetes de condutor ausente.

É nesse tempo apenas compreensível
que não se deva constituir em compromisso,
por mais doçura na conjunção carnal

e em cada seu momento inexaurível,
tal qual se nada existisse fora disso,
mas só um amor em trânsito, afinal.

AMOR CASUAL IV

Porém passado o hormonal da adolescência
tão transitório como um sonho erótico,
não há razão para impulso assim despótico
permitir que nos invada sem clemência.

O que se quer é amor de mais potência,
flor de cimento em edifício gótico,
algo perpétuo, mais que faro ou ótico,
algo que possa abranger toda a vivência.

Mais do que a lei ou temor da religião,
o verdadeiro amor nasce do espanto
reciprocado a permitir fidelidade,

mais pesado que uma fútil tentação,
nos pratos da balança um hino santo
que ainda se entoe na maturidade.

SOMBRA MINHA I -- 13 DEZ 2017

Eu me perco por aí e mesmo a Lua
mostra-se negra e me escurece o rosto;
só me sobram as estrelas ao sol posto,
enquanto marcho por minha senda crua.

Até percebo que meu andar flutua
sob a luz estelar, qual sob o mosto,
embriagado em lusco-fusco e gosto,
tão só persigo uma sombra pela rua.

Nem é que a veja em tanta escuridão,
mas sei que ali passou mais de mil vezes
e essa sombra é para mim estrela.

Por isso que a persigo em ilusão:
Oh, sombra amiga, nunca me desprezes,
qual me esqueceu o antigo rosto que te atrela!

SOMBRA MINHA II

Existe a sombra que se arrasta horizontal,
salvo quando em diagonal sobre a parede
e então depende da luminosa rede
do Sol, da Lua, das velas, do torchal.

Antigamente era a sombra mais leal,
mas hoje à luz elétrica concede
sua direção e permissão não pede
para quem a projeta no beiral.

A sombra dança como em Carnaval,
estroboscópio oscilando na calçada,
em lusco-fusco já tornado inatural,

em que as halógenas já vencem o fluorescente
capenga a sombra, a andar desordenada.
quais siameses a fugir do incandescente.

SOMBRA MINHA III

E existe a sombra que é sempre vertical
e que me espreita dos lugares por que passo;
em vezes breves, procura o meu abraço,
porém é tímida e hesita -- é natural

porque ela vem de meu passado já mortal,
de alguma forma prendida no meu laço;
algumas vezes a persigo e mesmo caço,
e então me foge qual donzela virginal.

Pois essa sombra deixei quando passava
múltiplas vezes pelo mesmo andar,
abandonada quando entro em minha casa,

desconsolada porque não mais estava
junto de mim inteira em seu penar
e então se evola em sopro como gaza.

SOMBRA MINHA IV

Mas andando pelas ruas a flutuar,
ela depara com suas similares,
as que outros deixaram nos lugares
e o umbral da morte vieram a atravessar.

Ela as evita, mas depois vai encontrar
meu eu antigo dos velhos caminhares;
elas se abraçam, reúnem-se milhares,
torna-se forte esse meu duplo singular.

Contudo, não dá sombra horizontal,
somente se homizia nas sarjetas,
em emboscada por minha próxima passagem.

Fazem contigo o mesmo, é natural,
mesmo que nunca percebas tal miragem
a te encarar em súplicas secretas.

COISAS ÚMIDAS I == 14 dez 2017

Dionyso é o deus das coisas úmidas
que crescem desde a terra e que se espalham,
as árvores e cereais que não nos falham,
fontes de toda a nossa nutrição!

Dionyso é o deus das coisas túmidas,
dos órgãos mais sagrados que se encalham
uns nos outros e em breve instante malham
até o momento da sutil reprodução!

Dionyso é também o deus do vinho,
da embriaguez de toda a inspiração:
não é meu ventre que abrigará criança,

mas o meu cérebro no mágico azevinho,
a parir de mil versos multidão,
da própria vida a única esperança!

COISAS ÚMIDAS II

Não renego o dionisíaco senhor,
do santo espírito mais um avatar
que me preenche e faz em mim brotar,
de meu filtro de areia o sedutor.

Mas deus real, henoteísta seu fulgor, (*)
cria gestalts perante meu olhar,
para em criança nova me emprenhar,
tão verdadeira como os filhos do vigor.
(*) Deus supremo com atributos subordinados.

Muito mais pura, sem haver mitose.
só do óvulo da mente traz gametas.
Por que é tão rara a verdadeira poetisa?

Pois não precisa que Dionyso a espose,
para outro par seus olhos lanças setas
e então concebe como a luz e a brisa.

COISAS ÚMIDAS III

A vida toda é feita de umidade;
vírus e liquens, por mínima que seja,
nunca prosperam, salvo quando esteja
a seu redor o líquido que invade.

Dionyso no-lo dá em saciedade,
vinho de vento que a gotejar adeja,
vinho de mosto que tua alma beija,
da cor e som a imensa variedade.

Assim recebo em mim esse avatar
e também tu em cada ideia criativa,
nessa maré de toda a sedução,

pincel e pena, a música a tocar,
em sua ânsia de amor a bela diva,
enquanto a alma desgasta na ilusão.

TEMOR DO VENTO I -- 15 DEZ 17

eu tenho medo que o vento,
soprando teus ossos finos,
te leve a outros destinos,
muito além do meu alento.

tenho medo que ao relento
os teus beijos cristalinos
se tornem quais peregrinos
e não mais me deem sustento.

tenho medo de um portento
que te leva a desatinos,
que teus lábios coralinos
vão algures num momento.

tenho medo que, avarento,
o tufão te arranque os pinos
e te envolva nos seus hinos
para meu desvairamento.

Como eu tive teu provento,
que teus olhos ambarinos
nunca mais me tanjam sinos
pelo amor que te acalento.

TEMOR DO VENTO II

tenho medo que o soprar
da brisa mais delicada
te levite como fada
pelas nuvens a passar.

tenho medo que o suflar
do zéfiro tua carne amada
transforme em quimera alada
pelos sonhos a boiar.

tenho medo que o cantar
do minuano em madrugada
te possua violentada
e te possa engravidar.

em ciclone se tornar
o vento pode em manada
de meus braços arrancada
sobre a terra te espalhar.

toda a tua vida ao azar,
em corrupio aventada
num turbilhão arrojada
sem intenção de matar

TEMOR DO VENTO III

tenho medo que o assoviar
do nordestão já te invada
e te assopre, acabrunhada
até as bandas do mar.

tenho medo que o rasgar
da tromba d'água encharcada
te arrebate na alvorada
para nunca mais voltar.

te arranque de meu portal
com seus silvos te arpoar,
de fato, sem se importar
de causar dano real.

e nutro um medo total
de o coração te arrancar,
volúvel sopro encontrar
por mais que sejas leal.

medo desse vendaval
que amor saiba arrebatar
e nunca mais te lançar
no fundo de meu quintal.

TEMOR DO VENTO IV

mas se o vento despedaça,
voarei atrás do vento,
sem sombra de desalento.
nem ferida que me faça.

e se o vento me transpassa
no desdém desse momento
serei mago num portento
da magia em plena graça.

que do vento eu te refaça
para meus beijos alento,
na armadura me acalento
que tua vida então abraça.

redimida da desgraça
por meu engrandecimento
com corda de sentimento
minha própria vida te enlaça.

do vento a vencer a traça
na adaga do pensamento,
tua alma tomando assento
nesse amor que nos perpassa.

PULSAR NOTURNO I -- 16 DEZ 17

Durante as noites soam atabaques,
ferozes mais que o vento, sons frementes
a perturbar os corações dos crentes,
a entusiasmar descrentes nesses saques.

As pancadas de gemidos são ataques
desmembradas pela noite, tons urgentes;
são insidiosos esses toques quentes,
como presságios para alheios baques.

Eles quebram a Lua em mil pedaços
e as estrelas despencam, mal pregadas
na sotaina da noite, deusa antiga;

são desses novos deuses os abraços,
as promessas de fomes decepadas
pelo som malevolente da cantiga.

PULSAR NOTURNO II

Durante a noite ressoa o atabaque,
invocando os exus e os orixás,
Xangô, Ogum, Oxóssi e os Oxalás
mais entidades de menor destaque.

Também no coração ocorre um baque,
talvez de Iemanjá, talvez do aliás,
nessa saudade dolente que nos traz
a inspiração da adaga e a dor do saque.

Já não sei a quais deuses eu invoque,
que Afrodite também nasceu das águas,
fruto da espuma sangrenta da serpente;

talvez por isso os corações reboque,
deusa mulher, azagaia de mil mágoas,
que não me deixa ficar indiferente.

PULSAR NOTURNO III

Em outras noites, não escuto nada,
mas acordado permaneço em atenção:
e os atabaques, quando soarão?
Vão acordar-me pela madrugada?

E o som não vem.  A alma perturbada
sente sua falta como o furacão
que as árvores decepa quando estão
semidesnudas na estação gelada.

Nesse ínterim só me pulsa o coração
cada vez mais em batuque acelerado,
um atabaque de meu sangue feito.

Surge da mente a nova pulsação
ante a falta desse ritmo assombrado
qual abantesma que me faz sujeito.

PULSAR NOTURNO IV

Porque, de fato, não perturbam atabaques
nesse seu ritmo de impulsão voraz,
mas tão somente a memória que me traz
das atávicas lembranças em achaques.

Cem invasores em pérfidos ataques,
dentro da noite, suas flechas em carcás,
pulsar de mim, doces lembranças más,
reservatório da alma em negros baques.

Não é de fora que pulsa esse tambor,
um leve som fator desencadeante,
vindo do limbo, meu sono a devorar.

Meu coração um arquétipo de ardor,
nos corredores da mente delirante,
bumbos e rufos que não param de soar!

SORTILÉGIO I -- 17 DEZ 17

Eu descobri que tinha e nem sabia
torçal de linha vermelha no agulheiro.
Nem sei porquê. Não tenho, por inteiro,
algo encarnado que seja de valia.

Mas lá se achava o torçal que eu esquecia,
vermelho como o sangue de um janeiro,
escarlate qual a dor de um ano inteiro
em que pensei em ti e não te via.

Meu coração é mesmo cheio de torçais,
de fios verde-castanho, de meadas,
de novelos e soturnos carretéis...

Porém de ti meu coração jamais
conseguiu desfazer, emaranhadas,
essas tristezas que não te dão quartéis...

SORTILÉGIO II

Puxei a linha desse meu torçal.
Custou muito a sair, fora enfiada
por baixo de três voltas, enroscada,
que não houvesse desenrolar casual...

A ponta de uma agulha, em diagonal,
a linha libertou numa emboscada;
guardei a lança em atitude descuidada,
o fio puxei sem pensar em qualquer mal.

Mas eram veias em linha assim formadas
e me pus a desfiar o próprio braço...
Só que engrossara tal fio em percebia...

As carnes do antebraço desfiadas,
nas roscas do torçal, estranho abraço,
expondo os ossos encardidos que lá havia.

SORTILÉGIO III

Somente isso o vermelho explicaria
porque razão possuía um encarnado
torçal de linha, firmemente enovelado,
que para meu cerzir não serviria!...

Então o braço contemplei, sem serventia
e fui no cérebro buscar o seu cuidado;
refiz a carne do membro decepado,
robusta e bela, em nobre fantasia...

Porém o cérebro gastou circunvoluções,
transformadas em músculo e tendões ,
minhas veias com neurônios completadas.

Sem mais servir para nada de braçal,
mas tão somente executando o anormal
traçado de mil rimas encantadas...

SORTILÉGIO IV

Só percebi então que esse torçal
era um nó górdio de senhas e de ideias,
chumaço astuto de forja de epopeias,
linhas vermelhas de arranhão carnal.

Linhas de sangue no papel, em desvirtual
de púrpura e escarlates assembleias,
meu plasma a jorrar prosopopeias,
vermes da vida de cunho sanguinal.

Talvez alguns escrevam por deleite,
mas sempre nos meus versos exsanguino
e ainda assim, devoto-me à tortura

desse torçal de mim, fluido azeite,
cada ferida exalando sangue fino
que se desdobra em falsidade pura...

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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