AMOR CASUAL &
MAIS
12 a 16 dezembro
2017
Novas Séries
William Lagos
AMOR CASUAL --
12/12/17
SOMBRA MINHA --
13/12/17
COISAS ÚMIDAS
--14/12/17
TEMOR DO VENTO --
15/12/17
PULSAR NOTURNO --
16/12/17
SORTILÉGIO --
17/12/17
AMOR
CASUAL I -- 12 DEZ 2017
Não
há prazer só no sexo aparente;
existe
orgasmo nesse encontro apenas,
tão
somente o pisotear das açucenas,
sem
recolher seu perfume mais potente.
Não
existe amor nesse sexo indolente,
que
enquanto te penetro, me envenenas,
somos
insetos trançados, só antenas
numa
cópula tão só inconsequente.
Não
é só isso que lembro, certamente:
houve
momentos de encontro mais pungente,
real
prazer unindo-se ao ardor,
mas
há desgosto nesse ato perfunctório
em
que meu sêmen é tão só emunctório (*)
e
se faz sexo sem se fazer amor.
(*)
dejeto
AMOR
CASUAL II
Não
foi bem um amor, mais um lamento
que
nos uniu no interstício de um momento,
nos
braços um da outra, em sedimento
de
emoção vinda do coração vazio.
Não
foi bem um amor, foi mais estio,
unidos
pássaros, sem dar sequer um pio,
amor
tão quente às vésperas do frio,
amor
de cio, porém sem julgamento.
Mas
foi amor que me marcou bem fundo,
amor
de marinheiro, amor rotundo,
o
Sol e a Lua inclinados para o mal
desse
amor ralo que me deixou dolência,
do
verdadeiro amor sem ter potência,
tão
transitório como o carnaval...
AMOR
CASUAL III
Era,
afinal, amor de adolescente,
férvido
o amor oriundo do hormonal,
na
experiência de um amor só inicial
que
de real sedução era aparente.
É
tão comum esse sexor frequente.
além
teor de todo bem e mal,
em
seu momento santo não casual:
dois
marionetes de condutor ausente.
É
nesse tempo apenas compreensível
que
não se deva constituir em compromisso,
por
mais doçura na conjunção carnal
e
em cada seu momento inexaurível,
tal
qual se nada existisse fora disso,
mas
só um amor em trânsito, afinal.
AMOR
CASUAL IV
Porém
passado o hormonal da adolescência
tão
transitório como um sonho erótico,
não
há razão para impulso assim despótico
permitir
que nos invada sem clemência.
O
que se quer é amor de mais potência,
flor
de cimento em edifício gótico,
algo
perpétuo, mais que faro ou ótico,
algo
que possa abranger toda a vivência.
Mais
do que a lei ou temor da religião,
o
verdadeiro amor nasce do espanto
reciprocado
a permitir fidelidade,
mais
pesado que uma fútil tentação,
nos
pratos da balança um hino santo
que
ainda se entoe na maturidade.
SOMBRA
MINHA I -- 13 DEZ 2017
Eu
me perco por aí e mesmo a Lua
mostra-se
negra e me escurece o rosto;
só
me sobram as estrelas ao sol posto,
enquanto
marcho por minha senda crua.
Até
percebo que meu andar flutua
sob
a luz estelar, qual sob o mosto,
embriagado
em lusco-fusco e gosto,
tão
só persigo uma sombra pela rua.
Nem
é que a veja em tanta escuridão,
mas
sei que ali passou mais de mil vezes
e
essa sombra é para mim estrela.
Por
isso que a persigo em ilusão:
Oh,
sombra amiga, nunca me desprezes,
qual
me esqueceu o antigo rosto que te atrela!
SOMBRA
MINHA II
Existe
a sombra que se arrasta horizontal,
salvo
quando em diagonal sobre a parede
e
então depende da luminosa rede
do
Sol, da Lua, das velas, do torchal.
Antigamente
era a sombra mais leal,
mas
hoje à luz elétrica concede
sua
direção e permissão não pede
para
quem a projeta no beiral.
A
sombra dança como em Carnaval,
estroboscópio
oscilando na calçada,
em
lusco-fusco já tornado inatural,
em
que as halógenas já vencem o fluorescente
capenga
a sombra, a andar desordenada.
quais
siameses a fugir do incandescente.
SOMBRA
MINHA III
E
existe a sombra que é sempre vertical
e
que me espreita dos lugares por que passo;
em
vezes breves, procura o meu abraço,
porém
é tímida e hesita -- é natural
porque
ela vem de meu passado já mortal,
de
alguma forma prendida no meu laço;
algumas
vezes a persigo e mesmo caço,
e
então me foge qual donzela virginal.
Pois
essa sombra deixei quando passava
múltiplas
vezes pelo mesmo andar,
abandonada
quando entro em minha casa,
desconsolada
porque não mais estava
junto
de mim inteira em seu penar
e
então se evola em sopro como gaza.
SOMBRA
MINHA IV
Mas
andando pelas ruas a flutuar,
ela
depara com suas similares,
as
que outros deixaram nos lugares
e
o umbral da morte vieram a atravessar.
Ela
as evita, mas depois vai encontrar
meu
eu antigo dos velhos caminhares;
elas
se abraçam, reúnem-se milhares,
torna-se
forte esse meu duplo singular.
Contudo,
não dá sombra horizontal,
somente
se homizia nas sarjetas,
em
emboscada por minha próxima passagem.
Fazem
contigo o mesmo, é natural,
mesmo
que nunca percebas tal miragem
a
te encarar em súplicas secretas.
COISAS
ÚMIDAS I == 14 dez 2017
Dionyso
é o deus das coisas úmidas
que
crescem desde a terra e que se espalham,
as
árvores e cereais que não nos falham,
fontes
de toda a nossa nutrição!
Dionyso
é o deus das coisas túmidas,
dos
órgãos mais sagrados que se encalham
uns
nos outros e em breve instante malham
até
o momento da sutil reprodução!
Dionyso
é também o deus do vinho,
da
embriaguez de toda a inspiração:
não
é meu ventre que abrigará criança,
mas
o meu cérebro no mágico azevinho,
a
parir de mil versos multidão,
da
própria vida a única esperança!
COISAS
ÚMIDAS II
Não
renego o dionisíaco senhor,
do
santo espírito mais um avatar
que
me preenche e faz em mim brotar,
de
meu filtro de areia o sedutor.
Mas
deus real, henoteísta seu fulgor, (*)
cria
gestalts perante meu olhar,
para
em criança nova me emprenhar,
tão
verdadeira como os filhos do vigor.
(*)
Deus supremo com atributos subordinados.
Muito
mais pura, sem haver mitose.
só
do óvulo da mente traz gametas.
Por
que é tão rara a verdadeira poetisa?
Pois
não precisa que Dionyso a espose,
para
outro par seus olhos lanças setas
e
então concebe como a luz e a brisa.
COISAS
ÚMIDAS III
A
vida toda é feita de umidade;
vírus
e liquens, por mínima que seja,
nunca
prosperam, salvo quando esteja
a
seu redor o líquido que invade.
Dionyso
no-lo dá em saciedade,
vinho
de vento que a gotejar adeja,
vinho
de mosto que tua alma beija,
da
cor e som a imensa variedade.
Assim
recebo em mim esse avatar
e
também tu em cada ideia criativa,
nessa
maré de toda a sedução,
pincel
e pena, a música a tocar,
em
sua ânsia de amor a bela diva,
enquanto
a alma desgasta na ilusão.
TEMOR
DO VENTO I -- 15 DEZ 17
eu
tenho medo que o vento,
soprando
teus ossos finos,
te
leve a outros destinos,
muito
além do meu alento.
tenho
medo que ao relento
os
teus beijos cristalinos
se
tornem quais peregrinos
e
não mais me deem sustento.
tenho
medo de um portento
que
te leva a desatinos,
que
teus lábios coralinos
vão
algures num momento.
tenho
medo que, avarento,
o
tufão te arranque os pinos
e
te envolva nos seus hinos
para
meu desvairamento.
Como
eu tive teu provento,
que
teus olhos ambarinos
nunca
mais me tanjam sinos
pelo
amor que te acalento.
TEMOR
DO VENTO II
tenho
medo que o soprar
da
brisa mais delicada
te
levite como fada
pelas
nuvens a passar.
tenho
medo que o suflar
do
zéfiro tua carne amada
transforme
em quimera alada
pelos
sonhos a boiar.
tenho
medo que o cantar
do
minuano em madrugada
te
possua violentada
e
te possa engravidar.
em
ciclone se tornar
o
vento pode em manada
de
meus braços arrancada
sobre
a terra te espalhar.
toda
a tua vida ao azar,
em
corrupio aventada
num
turbilhão arrojada
sem
intenção de matar
TEMOR
DO VENTO III
tenho
medo que o assoviar
do
nordestão já te invada
e
te assopre, acabrunhada
até
as bandas do mar.
tenho
medo que o rasgar
da
tromba d'água encharcada
te
arrebate na alvorada
para
nunca mais voltar.
te
arranque de meu portal
com
seus silvos te arpoar,
de
fato, sem se importar
de
causar dano real.
e
nutro um medo total
de
o coração te arrancar,
volúvel
sopro encontrar
por
mais que sejas leal.
medo
desse vendaval
que
amor saiba arrebatar
e
nunca mais te lançar
no
fundo de meu quintal.
TEMOR
DO VENTO IV
mas
se o vento despedaça,
voarei
atrás do vento,
sem
sombra de desalento.
nem
ferida que me faça.
e
se o vento me transpassa
no
desdém desse momento
serei
mago num portento
da
magia em plena graça.
que
do vento eu te refaça
para
meus beijos alento,
na
armadura me acalento
que
tua vida então abraça.
redimida
da desgraça
por
meu engrandecimento
com
corda de sentimento
minha
própria vida te enlaça.
do
vento a vencer a traça
na
adaga do pensamento,
tua
alma tomando assento
nesse
amor que nos perpassa.
PULSAR
NOTURNO I -- 16 DEZ 17
Durante
as noites soam atabaques,
ferozes
mais que o vento, sons frementes
a
perturbar os corações dos crentes,
a
entusiasmar descrentes nesses saques.
As
pancadas de gemidos são ataques
desmembradas
pela noite, tons urgentes;
são
insidiosos esses toques quentes,
como
presságios para alheios baques.
Eles
quebram a Lua em mil pedaços
e
as estrelas despencam, mal pregadas
na
sotaina da noite, deusa antiga;
são
desses novos deuses os abraços,
as
promessas de fomes decepadas
pelo
som malevolente da cantiga.
PULSAR
NOTURNO II
Durante
a noite ressoa o atabaque,
invocando
os exus e os orixás,
Xangô,
Ogum, Oxóssi e os Oxalás
mais
entidades de menor destaque.
Também
no coração ocorre um baque,
talvez
de Iemanjá, talvez do aliás,
nessa
saudade dolente que nos traz
a
inspiração da adaga e a dor do saque.
Já
não sei a quais deuses eu invoque,
que
Afrodite também nasceu das águas,
fruto
da espuma sangrenta da serpente;
talvez
por isso os corações reboque,
deusa
mulher, azagaia de mil mágoas,
que
não me deixa ficar indiferente.
PULSAR
NOTURNO III
Em
outras noites, não escuto nada,
mas
acordado permaneço em atenção:
e
os atabaques, quando soarão?
Vão
acordar-me pela madrugada?
E
o som não vem. A alma perturbada
sente
sua falta como o furacão
que
as árvores decepa quando estão
semidesnudas
na estação gelada.
Nesse
ínterim só me pulsa o coração
cada
vez mais em batuque acelerado,
um
atabaque de meu sangue feito.
Surge
da mente a nova pulsação
ante
a falta desse ritmo assombrado
qual
abantesma que me faz sujeito.
PULSAR
NOTURNO IV
Porque,
de fato, não perturbam atabaques
nesse
seu ritmo de impulsão voraz,
mas
tão somente a memória que me traz
das
atávicas lembranças em achaques.
Cem
invasores em pérfidos ataques,
dentro
da noite, suas flechas em carcás,
pulsar
de mim, doces lembranças más,
reservatório
da alma em negros baques.
Não
é de fora que pulsa esse tambor,
um
leve som fator desencadeante,
vindo
do limbo, meu sono a devorar.
Meu
coração um arquétipo de ardor,
nos
corredores da mente delirante,
bumbos
e rufos que não param de soar!
SORTILÉGIO
I -- 17 DEZ 17
Eu
descobri que tinha e nem sabia
torçal
de linha vermelha no agulheiro.
Nem
sei porquê. Não tenho, por inteiro,
algo
encarnado que seja de valia.
Mas
lá se achava o torçal que eu esquecia,
vermelho
como o sangue de um janeiro,
escarlate
qual a dor de um ano inteiro
em
que pensei em ti e não te via.
Meu
coração é mesmo cheio de torçais,
de
fios verde-castanho, de meadas,
de
novelos e soturnos carretéis...
Porém
de ti meu coração jamais
conseguiu
desfazer, emaranhadas,
essas
tristezas que não te dão quartéis...
SORTILÉGIO
II
Puxei
a linha desse meu torçal.
Custou
muito a sair, fora enfiada
por
baixo de três voltas, enroscada,
que
não houvesse desenrolar casual...
A
ponta de uma agulha, em diagonal,
a
linha libertou numa emboscada;
guardei
a lança em atitude descuidada,
o
fio puxei sem pensar em qualquer mal.
Mas
eram veias em linha assim formadas
e
me pus a desfiar o próprio braço...
Só
que engrossara tal fio em percebia...
As
carnes do antebraço desfiadas,
nas
roscas do torçal, estranho abraço,
expondo
os ossos encardidos que lá havia.
SORTILÉGIO
III
Somente
isso o vermelho explicaria
porque
razão possuía um encarnado
torçal
de linha, firmemente enovelado,
que
para meu cerzir não serviria!...
Então
o braço contemplei, sem serventia
e
fui no cérebro buscar o seu cuidado;
refiz
a carne do membro decepado,
robusta
e bela, em nobre fantasia...
Porém
o cérebro gastou circunvoluções,
transformadas
em músculo e tendões ,
minhas
veias com neurônios completadas.
Sem
mais servir para nada de braçal,
mas
tão somente executando o anormal
traçado
de mil rimas encantadas...
SORTILÉGIO
IV
Só
percebi então que esse torçal
era
um nó górdio de senhas e de ideias,
chumaço
astuto de forja de epopeias,
linhas
vermelhas de arranhão carnal.
Linhas
de sangue no papel, em desvirtual
de
púrpura e escarlates assembleias,
meu
plasma a jorrar prosopopeias,
vermes
da vida de cunho sanguinal.
Talvez
alguns escrevam por deleite,
mas
sempre nos meus versos exsanguino
e
ainda assim, devoto-me à tortura
desse
torçal de mim, fluido azeite,
cada
ferida exalando sangue fino
que
se desdobra em falsidade pura...
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos
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