PRECE IRLANDESA Mar 19, 2008
Que se abra à tua frente a
doce estrada,
enquanto às costas o
vento, levemente,
te impulsiona a assim
seguir em frente,
bem menos árdua tornando a
caminhada...
Que brilhe o Sol bem morno
na jornada,
aquecendo teu rosto,
mansamente;
seja a chuva nos teus
campos dom clemente
e fortes cresçam teu trigo
e tua cevada...
Estamos longe, porém
estamos perto.
cada vez que em ti
penso, há um renovo:
moras no fundo de meu
coração...
Nosso futuro, quem sabe,
ainda é incerto:
e até que surja para nós
encontro novo,
que Deus te guarde na
palma de Sua Mão!
TRANSEUNTES
Eu olho para o mundo da janela
e vejo as pedras lisas de minha rua.
Quanto esforço alisou a rocha nua,
quantos meus passos também cruzaram
nela!
Vejo nas gretas desse calçamento
de calhaus ajustados sem carinho
o mesmo que sucede no mesquinho
desajuste do mais puro sentimento.
Que estão elas ali, por ser pisadas,
esmagadas pelas rodas das carroças
e re-polidas por rodas de borracha!
Que tantas vezes passaram, em suas
lidas,
lançando sentimentos em suas fossas
e as arestas apagando em luz de
graxa...
COÁGULOS
Parti meus ossos em busca
desse amor
inveterado; e nem sequer
sorri.
Quebrei-me as pernas e
nem padeci
mais do que a bênção
fecunda do estertor.
Rasguei-me as veias empós
um tal ardor
imoderado; e nem sequer
sofri.
Vazio meu coração, nem
percebi,
na escala muda do
arco-íris incolor...
Nessa tortura branda,
assim me giro
no túmulo da alma,
sepultando
as ânsias mudas deste
amor mesquinho.
E, por quebrar as pernas,
já não ando;
e, por perder meu sangue,
não respiro,
senão meus versos...
secos de carinho.
A CRIPTA MOFADA
Campo santo de beijos é meu peito,
espasmos de desejo contrafeito
provocaram enfartos, em perfeito
fator assassinante dos meus versos.
Que permaneçam em tal periclitante
pilha sem rumo; ou só por um instante
sejam lidos talvez, num murmurante
sussurrar de outros lábios tão dispersos.
Por tua memória de curta duração,
anamnese isenta de sintomas,
manifestada nessa estranha calma,
que me leva a escrever em galardão
essas mil discrepâncias que me tomas:
cacos de vidro entretecidos nalma!...
ESTILINGUES
Eu insisti com a vida,
desejando
que os bens da terra
caíssem no meu colo;
por tais desejos tão só a
garganta esfolo,
porque o destino apenas
vai passando...
Cresci, mas aprendi que só
tentando
lutar pelo que quero é que
irá pô-lo
em meu regaço: comprarei o
bolo
com meu trabalho; e nunca
derramando
ardentes preces ou anseios
caros;
os resultados só chegam
quando insistes
e, para amor, não basta um
leve toque,
nem persistência de poemas
raros...
Mas olha para o céu --
talvez me avistes
derrubando mil
estrelas a bodoque...
REGRAS DA VIDA XLIV
Experimente coisas novas.
Tenha
em mente que a receita da
velhice
é conservar-se sempre na
mesmice
de já esperar quanto do
mundo venha.
Procure um desafio, que lhe
contenha
sabor carnavalesco de
momice;
não é preciso lançar-se à
esquisitice,
nem vestir-se de monge, na
estamenha,
nem tampouco lançar-se numa
orgia
de novos alimentos ou lugares,
novos amores ou novas
bebedices...
Mas conserve bem jovem sua
alegria,
Porque a vida não é feita
de tolices,
mas de novas experiências e
cantares...
AUREA MEDIOCRITAS
Uma receita para a mocidade
é o interesse sempre
renovado:
a teia de opiniões, a
aprendizagem,
sadia como a sã curiosidade
de conhecer novas
línguas de passagem,
ver um espectro de cores
perolado,
de escutar novos ritmos
melódicos,
ou contribuir com mais do
que episódicos
momentos feitos de pura
expectação;
sem precisar lançar-se na
vazia
busca incessante de uma
satisfação
e muito menos no
pendor de reprimi-la:
a vida é mais que isso e
desafia
a quem deseja inteira
usufrui-la...
ESTÁGIOS
O dealbar é
tanto o fim da noite
como o começo
do seguinte dia;
e é assim em
tudo: o que fugia
de nossos
dedos, qual feroz açoite
da morte, é tão
somente transitório:
algo termina e
algo recomeça;
mas se a vida é
transitória, não esqueça
que ao fim de
cada evento, seja inglório,
seja pleno de
triunfo, principia,
viva, nova
ocorrência; quando dói,
basta
esperar o fim dessa afecção;
até o ditado
proclama como um dia
vem após o
outro; e o amor que se destrói
fica guardado
no teu coração.
ESTERNUTAÇÃO
Espirrar contra o vento traz má
sorte:
borrifas a ti mesmo e então o
nojo
te faz limpar o rosto do
despojo
dos perdigotos, em desgostante
corte.
Reclamar contra a vida ou
contra a morte
produz igual efeito; mais
trabalho
terás para limpar o tal
chocalho
de queixas de pequeno ou grande
porte.
Ao espirrar, busca o favor do
vento,
que para longe levará toda
gotícula;
e quando a vida te trouxer
tormento,
enfrenta quieta, ou então,
vira-lhe as costas,
pois se puderes perceber quanto
é ridícula,
terás enfim da vida o quanto
gostas.
FLUXOS
Unidos, fluiremos
como um rio:
cada um de nós, ao
invés de diminuir-se,
ver-se-á
aumentado ao distribuir-se,
tal como
fibras, compondo o mesmo fio.
Unidos, como a
neve, que no estio,
depois de em
tantos flocos a flutuar-se,
depois de em
bancos sólidos firmar-se,
forma torrentes
de impetuoso brio.
E em tantas
direções, em cujas partes
nunca perdemos a
individualidade,
porém
multiplicamos pela união,
é assim conosco,
ainda mais nas artes,
no que melhor
criou a humanidade,
que, ao repartir,
se aumenta a inspiração.
CANTO INDECISO XXV
Quanto à vingança, parece coisa inútil.
Nem sequer devo lembrar dos malefícios
que me fizeram. Prefiro em benefícios
dar a resposta à injúria tola e
fútil...
Porém é mais por preguiça que bondade:
ter de forçar minha própria natureza!...
Esforçar-me ainda mais, sem ter certeza
que valha a pena enfrentar a inimizade...
Bem ao contrário, eu uso justamente
o impulso que me dá -- para outro feito,
deixando para trás tanto mal-feito...
Assim, se não me vingo, é claramente
porque nem acho que me valha a pena
combater esse mal que assim me acena!
CANTO INDECISO
XXVI
Eu penso que se amor me cai ao colo
talvez me traga um ressaibo de vingança,
simplesmente porque tal esperança
já me custou mais ardor que desconsolo.
Vejo-me só no trabalho em que me enrolo,
no qual coloco mais penar do que ativança:
faço o que tenho a fazer, venha bonança
ou simplesmente castigo por meu
dolo.
Ao perder cada centavo conseguido,
tão duramente, em taxas e impostos,
gastos em fins que de nada me serviram;
como gastei todo carinho oferecido,
em recompensa tão só pelos desgostos
que no fundo apenas sonhos me feriram.
CANTO INDECISO XXVII
Apesar de meus anos, nunca sinto
o peso físico da idade;
muito forte
é ainda este corpo --
tenho a sorte
de poder demonstrar meu
vigor, tinto
de sangue e sêmen, no poder
distinto
de uma mente contida no meu
porte,
que o corpo bem controla, num
esporte
voltado ao resultado que
pressinto:
deixar algo de mim para este
mundo;
não me sinto cinzento de
infortúnio,
nem excitado pelo ardor de abril;
sou da meia-estação, neste
iracundo
combater todo o dia e ao
plenilúnio
de um cérebro coerente e
varonil!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário