sábado, 18 de maio de 2013






PRECE IRLANDESA      Mar 19, 2008

Que se abra à tua frente a doce estrada,
enquanto às costas o vento, levemente,
te impulsiona a assim seguir em frente,
bem menos árdua tornando a caminhada...

Que brilhe o Sol bem morno na jornada,
aquecendo teu rosto, mansamente;
seja a chuva nos teus campos dom clemente
e fortes cresçam teu trigo e tua cevada...

Estamos longe, porém estamos perto.
cada vez que em ti penso, há um renovo:
moras no fundo de meu coração...

Nosso futuro, quem sabe, ainda é incerto:
e até que surja para nós encontro novo,
que Deus te guarde na palma de Sua Mão!

TRANSEUNTES

Eu olho para o mundo da janela
e vejo as pedras lisas de minha rua.
Quanto esforço alisou a rocha nua,
quantos meus passos também cruzaram nela!

Vejo nas gretas desse calçamento
de calhaus ajustados sem carinho
o mesmo que sucede no mesquinho
desajuste do mais puro sentimento.

Que estão elas ali, por ser pisadas,
esmagadas pelas rodas das carroças
e re-polidas por rodas de borracha!

Que tantas vezes passaram, em suas lidas,
lançando sentimentos em suas fossas
e as arestas apagando em luz de graxa...

COÁGULOS

Parti meus ossos em busca desse amor
inveterado; e nem sequer sorri.
Quebrei-me as pernas e nem padeci
mais do que a bênção fecunda do estertor.

Rasguei-me as veias empós um tal ardor
imoderado; e nem sequer sofri.
Vazio meu coração, nem percebi,
na escala muda do arco-íris incolor...

Nessa tortura branda, assim me giro
no túmulo da alma, sepultando
as ânsias mudas deste amor mesquinho.

E, por quebrar as pernas, já não ando;
e, por perder meu sangue, não respiro,
senão meus versos... secos de carinho.

A CRIPTA MOFADA

Campo santo de beijos é meu peito,
espasmos de desejo contrafeito
provocaram enfartos, em perfeito
fator assassinante dos meus versos.

Que permaneçam em tal periclitante
pilha sem rumo; ou só por um instante
sejam lidos talvez, num murmurante
sussurrar de outros lábios tão dispersos.

Por tua memória de curta duração,
anamnese isenta de sintomas,
manifestada nessa estranha calma,

que me leva a escrever em galardão
essas mil discrepâncias que me tomas:
cacos de vidro entretecidos nalma!...

ESTILINGUES

Eu insisti com a vida, desejando
que os bens da terra caíssem no meu colo;
por tais desejos tão só a garganta esfolo,
porque o destino apenas vai passando...

Cresci, mas aprendi que só tentando
lutar pelo que quero é que irá pô-lo
em meu regaço: comprarei o bolo
com meu trabalho; e nunca derramando

ardentes preces ou anseios caros;
os resultados só chegam quando insistes
e, para amor, não basta um leve toque,

nem persistência de poemas raros...
Mas olha para o céu -- talvez me avistes
derrubando mil estrelas a bodoque...

REGRAS DA VIDA XLIV

Experimente coisas novas. Tenha
em mente que a receita da velhice
é conservar-se sempre na mesmice
de já esperar quanto do mundo venha.

Procure um desafio, que lhe contenha
sabor carnavalesco de momice;
não é preciso lançar-se à esquisitice,
nem vestir-se de monge, na estamenha,

nem tampouco lançar-se numa orgia
de novos alimentos ou lugares,
novos amores ou novas bebedices...

Mas conserve bem jovem sua alegria,
Porque a vida não é feita de tolices,
mas de novas experiências e cantares...

AUREA MEDIOCRITAS

Uma receita para a mocidade
é o interesse sempre renovado:
a teia de opiniões, a aprendizagem,
sadia como a sã curiosidade

de conhecer novas línguas de passagem,
ver um espectro de cores perolado,
de escutar novos ritmos melódicos,
ou contribuir com mais do que episódicos

momentos feitos de pura expectação;
sem precisar lançar-se na vazia
busca incessante de uma satisfação

e muito menos no pendor de reprimi-la:
a vida é mais que isso e desafia
a quem deseja inteira usufrui-la...

ESTÁGIOS

O dealbar é tanto o fim da noite
como o começo do seguinte dia;
e é assim em tudo: o que fugia
de nossos dedos, qual feroz açoite

da morte, é tão somente transitório:
algo termina e algo recomeça;
mas se a vida é transitória, não esqueça
que ao fim de cada evento, seja inglório,

seja pleno de triunfo, principia,
viva, nova ocorrência; quando dói,
basta esperar o fim dessa afecção;

até o ditado proclama como um dia
vem após o outro; e o amor que se destrói
fica guardado no teu coração. 

ESTERNUTAÇÃO

Espirrar contra o vento traz má sorte:
borrifas a ti mesmo e então o nojo
te faz limpar o rosto do despojo
dos perdigotos, em desgostante corte.

Reclamar contra a vida ou contra a morte
produz igual efeito; mais trabalho
terás para limpar o tal chocalho
de queixas de pequeno ou grande porte.

Ao espirrar, busca o favor do vento,
que para longe levará toda gotícula;
e quando a vida te trouxer tormento,

enfrenta quieta, ou então, vira-lhe as costas,
pois se puderes perceber quanto é ridícula,
terás enfim da vida o quanto gostas.

FLUXOS

Unidos, fluiremos como um rio:
cada um de nós, ao invés de diminuir-se,
ver-se-á aumentado ao distribuir-se,
tal como fibras, compondo o mesmo fio.

Unidos, como a neve, que no estio,
depois de em tantos flocos a flutuar-se,
depois de em bancos sólidos firmar-se,
forma torrentes de impetuoso brio.

E em tantas direções, em cujas partes
nunca perdemos a individualidade,
porém multiplicamos pela união,

é assim conosco, ainda mais nas artes,
no que melhor criou a humanidade,
que, ao repartir, se aumenta a inspiração.

CANTO INDECISO XXV

Quanto à vingança, parece coisa inútil.
Nem sequer devo lembrar dos malefícios
que me fizeram.  Prefiro em benefícios
dar a resposta à injúria tola e fútil...

Porém é mais por preguiça que bondade:
ter de forçar minha própria natureza!...
Esforçar-me ainda mais, sem ter certeza
que valha a pena enfrentar a inimizade...

Bem ao contrário, eu uso justamente
o impulso que me dá -- para outro feito,
deixando para trás tanto mal-feito...

Assim, se não me vingo, é claramente
porque nem acho que me valha a pena
combater esse mal que assim me acena!

CANTO INDECISO XXVI

Eu penso que se amor me cai ao colo
talvez me traga um ressaibo de vingança,
simplesmente porque tal esperança
já me custou mais ardor que desconsolo.

Vejo-me só no trabalho em que me enrolo,
no qual coloco mais penar do que ativança:
faço o que tenho a fazer, venha bonança
ou simplesmente castigo por meu dolo.

Ao perder cada centavo conseguido,
tão duramente, em taxas e impostos,
gastos em fins que de nada me serviram;

como gastei todo carinho oferecido,
em recompensa tão só pelos desgostos
que no fundo apenas sonhos me feriram.

CANTO INDECISO XXVII  

Apesar de meus anos, nunca sinto
o peso físico da idade;  muito forte
é ainda este corpo --  tenho a sorte
de poder demonstrar meu vigor, tinto

de sangue e sêmen, no poder distinto
de uma mente contida no meu porte,
que o corpo bem controla, num esporte
voltado ao resultado que pressinto:

deixar algo de mim para este mundo;
não me sinto cinzento de infortúnio,
nem excitado pelo ardor de abril;

sou da meia-estação, neste iracundo
combater todo o dia e ao plenilúnio
de um cérebro coerente e varonil!...

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