RIMAS PARALELAS I
Neste momento, eu sinto nas narinas
que toda a inspiração que me destinas
transformou-se em coriza e mais defluxo...
Expectoro e transnuto todo o influxo
que de ti venha... É quando amor percebo
tal qual virose e os versos um placebo...
Eu sei que tive meus predecessores
a descrever pulmões em seus humores...
Não ressumbro de nada assim romântico:
não sou tuberculoso ou rabdomântico.
Transito apenas pela fase nova,
que nem sequer espero te comova,
de alguém que se acamou e, preso ao leito,
busca, afinal, tirar algum proveito
desses sintomas pobres, corriqueiros,
de um resfriado tomado de terceiros...
RIMAS PARALELAS II
[julho de 2007]
Pois foi assim: a meu redor eu
via
o povo a desfrutar da meiga
nostalgia
dos espirros, da tosse e da
coriza
de um resfriado trazido pela
brisa!...
Só eu que não pegava... Que
saudade!
O último em novembro e é bem
verdade
que nove meses dura a gestação,
enquanto a gripe acometia a
multidão
e eu não era aquinhoado... Que
injustiça!
Até junho me fugia essa noviça
epidemia que a todos derrubava,
porém de mim ainda se
esquivava...
Então, a persegui, em minha
loucura,
como um amante empós a luz mais
pura...
Sentia-me excluído, até que a
achei
e em casto beijo a gripe enfim
peguei!...
[Asneira
minha!... Fui me vacinar contra e gripe e depois dessa, peguei mais três
até setembro de 2007. Depois disso, não me vacinei mais e já fazem 26
meses que não pego outra!...]
RIMAS PARALELAS III
Não que esteja totalmente sem
energia;
é tão somente que o ardor que me
assistia
agora se esvaiu, em negro fado:
a cada dois minutos, sou parado,
para espirrar ou para assoar
o nariz!...
E como trabalhar, você me diz:
se não consigo uma frase
completar,
sem que a tosse me venha
acompanhar...
De fato, ela chegou e bem de
jeito
deu-me os sintomas a que tenho
direito,
calafrios e calores, febre alta,
sonhos estranhos que a mente
sobressalta,
num esgarçar das forças; e as
imagens
entrecortadas ficam, em miragens,
tal como estranho mundo
divisasse,
em que minha gripe soberana
dominasse!...
RIMAS PARALELAS IV
Talvez consiga agora o meu desejo
realizar e preparar-me para o
ensejo
de velhos compromissos me livrar,
com tantos novos sempre a me
chegar...
Se, casualmente, esta gripe feroz
me conduzir a um destino atroz,
não mais terei nem contas,
nem impostos,
ficarei livre de pagar juros
compostos!
Ao mesmo tempo, nem trabalho mais!
Depois de morto, os labores
naturais
se esvairão por sendas que nem sei
e nunca mais ao superego me
doarei...
Estarei livre das cobranças
materiais:
quiçá terei cobranças
espirituais...
porém do corpo, suas
fraquezas e potências,
certamente
não terei mais exigências...
RIMAS PARALELAS V
É bem difícil conseguir falar de amor
quando a febre nos poreja de suor.
Quem sabe, falo em poeiras estelares
que conformem os traços singulares
da mulher que elegi para minha amada,
quer ela aceite ou, quiçá, não queira nada...
Posso falar de flores, margaridas,
em pradarias de mil cores revestidas;
do farfalhar do vento pelas copas,
ou de velas enfunadas desde as popas,
como se fosse, com efeito, amor real
e não apenas esse estado natural
da consciência de quem a quer por perto,
de preferência a viver em lar deserto...
E a concluir, mencionando a solidão
que aflige o teu, como a todo o coração.
RIMAS PARALELAS VI
Nas poeiras estelares, eu me iludo:
possam os astros me servir de escudo,
a cada vez que surja a conjunção
dos planetas que me têm mais afeição...
Contudo, eu nunca cri em astrologia,
embora seja a mãe da astronomia,
porque esses doze signos dos zodíacos
funcionaram dos sumérios aos siríacos,
porém se defasaram, hoje em dia:
nem o Sol percorre a trilha em harmonia
e até se desviou... Ao menos dois
desses signos já descartou depois...
Comigo, todo horóscopo é ilusão:
em um sou Libra, no outro sou
Escorpião...
Se nem acertam meu signo suas setas,
como posso acreditar em tais profetas?
RIMAS PARALELAS VII
E novamente, nas poeiras estelares,
vejo o reflexo de todos meus azares...
Anjo caído, como todo o artista,
eu busco ainda dos céus a reconquista...
Expus há muito que coleto penas:
vou refazer das asas as despenas...
Quem sabe neste coletar das dores,
em cada pena, enxergo meus amores?...
Se algum dia voei pelos espaços,
perco-me hoje na fúria dos abraços...
Não foram penas de águia que perdi,
nem de cegonha as que queimei aqui...
E nessa febre de um simples resfriado,
vejo o espelho de todo o meu pecado...
Contemplo a realidade e não sou cego:
o que perdi... foram asas de morcego!...
RIMAS PARALELAS VIII
E se eu falar de pradarias floridas
de camomila e solidagas revestidas?
Pequenas flores, brotação primaveril,
num contraste multicor ao céu de anil,
recobertas por perenes revoadas
de abelhas, pelo néctar encantadas,
encarregadas da polinização
(tem carteira assinada por patrão).
Transportam pólen de uma a outra flor,
prazer unido à faina, em seu labor.
São um exército de formação secreta,
organizadas em tal missão completa,
criando cera para seus enxames,
seu mel deixando em mil telas de arames.
Decerto, têm prazer em trabalhar
para quem busca somente as explorar!...
RIMAS PARALELAS IX
Deste modo, eu prefiro as
borboletas,
que não pretendem ter missões
secretas,
salvo na própria busca do adejar,
flores aéreas em puro desvairar...
Diz uma lenda que lagartas elas
foram
e que, em casulos, muitos dias
demoram.
Mas todos sabem que isto é
falsidade:
nascem em caules todas, na
verdade.
As hastes destes pés de borboletas
se esticam mais que as outras, são
completas.
Apanham sol até nascer botão,
igual que as flores, porém com
coração
E, de repente, tudo desabrocha:
asas vermelhas como móvel tocha
de que brotam borboletas
cintilantes,
como chamas nos ares,
triunfantes!...
RIMAS PARALELAS X
Quem não me crê, que crie essas
lagartas:
descobrirá, quando estiverem
fartas
de comerem tanto as folhas como
as rosas,
que se transformam somente em
mariposas.
As borboletas são muito mais
airosas,
como seriam larvas
preguiçosas?...
Nasceram tão somente para o voo
e, quando as vejo, a imaginação
escoo.
Que as vejo cintilar, flores
pequenas,
incrustadas em goivos e açucenas,
até chegar o dia em que desovam,
na corola da flor que mais
aprovam...
Pois não há flores sem as
borboletas,
apaixonadas em seus ideais de
estetas...
E descem pelos caules os seus
ovos,
para gerar verões e outonos
novos...
RIMAS PARALELAS XI
E o mesmo ocorre com as poeiras
estelares:
descem à Terra e vão formando
pares.
Depositam-se no solo em morte de
ouro,
dando a minas de faróis o
nascedouro...
Todo o solo recobrem qual tapete,
a relva delas brota e nos reflete.
Em raízes e frutas, sempre vivos,
a seus brotos de luz submissivos.
Nascem arbustos e árvores da
grama,
de ramos e capim fazemos cama.
Que sempre é verde na origem o
alimento,
por mais azul que seja o
pensamento...
Filhos de estrelas, comemos essa
poeira,
desses rastros de sol somos a
esteira...
Filhos do campo somos ou da selva,
que toda carne humana é apenas
relva.
RIMAS PARALELAS XII
E é esse o meu destino paralelo:
dessa poeira estelar eu trago o
selo.
Que sejam minhas as asas do
morcego,
minha própria incontinência
jamais nego.
Ou sejam asas de libélulas
sedosas
ou das aves as plumas mais
gloriosas.
Que eu seja um campo febril de
margaridas
que a ceifa indiferente tem
colhidas...
Que eu seja areia das poeiras
estelares,
correndo por minhas veias aos
milhares.
Que importam asas, quando sei
voar
e minhas próprias trombetas
ressonar?
Porque flutuar eu sei, com todo
o alento,
minhas asas invisíveis como o
vento.
Que cedo ou tarde, em
plena envergadura,
desenfreadas, hão de
expandir ternura.
Muito bom. Escreve muito bem.
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