CALAFRIOS
APOCALÍPTICOS & MAIS
William Lagos
CALAFRIOS
APOCALÍPTICOS I (6 OUT 12)
Que
o mundo acaba no próximo Dezembro
pela
Internet apregoam e nos jornais;
estão
mostrando cataclismos naturais
e
muitas guerras e doenças, porém lembro
de
outros profetas de igual “terrorembro”
que
já o fim prognosticaram por demais,
sem
assistirmos nenhum dos seus finais,
em
qualquer mês do calendário membro...
Quem
fala assim pouco conhece a história;
o
fim dos tempos o huno Átila traria
ou
a Peste Negra tão devastadora
ou
dos vulcões as explosões de glória
e
o reviver da humanidade a gente via,
sempre
prolífica e sempre empreendedora...
CALAFRIOS
APOCALÍPTICOS II
Dezembro
já me espreita no horizonte
e
na memória sussurram cantos maias,
desses
guerreiros vestindo curtas saias,
mantos
de penas presas em pesponte...
Mas
por mais que o alarmismo assim reconte
Quatro
de Ahau, das mortalhas nas cambraias,
não
me perfilo na coorte dessas raias
e
nem creio que a perspectiva me amedronte
de
que de mim se achegue o fim do mundo:
não
acredito nessas previsões
e
muito menos em suas interpretações...
Poucos
conhecem os tais glifos a fundo
e
se, por certo, também chegar meu fim,
nem
notarei que o mundo acaba assim...
CALAFRIOS
APOCALÍPTICOS III
O
calendário maia vê somente
o
fim de um ciclo de valor numérico,
não
combustão do ar atmosférico
e
nem o fim de seu império, simplesmente
porque
se antecipou completamente,
quinhentos
anos antes, teleférico
por
entre os séculos, sem troar estratosférico:
perante
aztecas e espanhóis foi impotente.
Já
traduzi um livro, anteriormente,
versando
sobre o tema, o qual previa
duas
catástrofes imensas ano passado,
o
Mundo Disney a destruir inteiramente,
enquanto
Oaxaca, no México, mais sofria:
nenhum
destes desastres consumado...
CALAFRIOS
APOCALÍPTICOS IV
“L’un mil
neuf-cent nonant-neuf sept mois,
Du ciel
viendra un grand roi d’effrayeur...”
Michel-Renaud de Notre-Dame.
Durante
décadas aguardei Noventa e Nove,
o
Fim dos Tempos a Nostradamus atribuído;
e
nesse Julho nem houve prédio destruído:
sobre
Paris nenhum terror se move...
Espero
agora Dois Mil e Trinta e Sete,
no
qual dizem um asteroide gigantesco,
chamado
Apophis, nos trará um fim dantesco,
o
Globo a reduzir a pó e confete...
Mas
nesse ano cumprirei noventa e três...
Talvez
consiga até mesmo chegar lá,
antes
de ser cremado e virar pó...
E
então da Morte não serei simples freguês.
Talvez
se ocupe demais por acolá
e
até me esqueça... mas, decerto, não vou só...
PERFUME
DA ALMA I (7 out 12)
Entre
as leves traçaduras da mortalha
permanece
um arcabouço pontilhado,
resto
que outro de carne, ressecado;
para
ver-lhe o coração a vista falha,
mas
sua polvadeira não se espalha
por
estar por sob lápide encerrado,
embora
insetos o tenham devorado,
cada
gusano branco outra medalha.
Dizem
ser por respeito que os sepultam,
porém
diria eu que é por horror,
por
sua presença em hórrido perfume
ou
pelos ossos que da carne avultam
e
atrai os carniceiros seu sabor,
nada
espantados ao provar desse azedume...
PERFUME
DA ALMA II
Afinal,
é o que se vê numa carcaça
de
animal atirado por aí;
e
sobe o cheiro da carniça ali,
enchendo
tuas narinas em pirraça.
Porém
dizem que a morte nos desfaça
de
forma ainda mais cruel aqui:
não
temos couro e longos pelos nunca vi
que
a carne humana mais durável faça.
Hoje
em dia, surgiu esse modismo
dos
mortos-vivos, em passos hesitantes,
em
videoguêimes e filmes delirantes,
encarados
assim com grão cinismo...
Mas
por que esses zumbis teriam fome
de
carne humana, em ânsia que os consome?
PERFUME
DA ALMA III
Eu
admito estar sendo bem traiçoeiro
em
minha escolha de título. Destarte,
a
tua esperança por diferente arte
é
estilhaçada em meu zombar ligeiro.
Já
redigi o poema alvissareiro
da
elegia ante a morte triunfante,
asséptica
e mantida bem distante,
por
sob a terra, em jazigo derradeiro.
Mas
na verdade, a morte é mais traiçoeira.
Os
teus amados não dormem simplesmente:
são
consumidos de forma indiferente,
nesse
ato de bondade verdadeira,
a
se entregar assim, inteiramente,
mesmo
em escolha imposta e bem certeira.
PERFUME
DA ALMA IV
Por
isso, sempre preferi a cremação,
que
a alma liberta bem mais facilmente,
sem
deambular, penada, ainda presente
enquanto
o corpo sofre a corrupção.
Segue
a alma certamente outra razão
e
se evola na fumaça redolente,
subindo
aos ares em redemoinho quente,
quer
reencarne ou vá à ressurreição.
Dizem
que a alma possui o seu perfume,
bem
diferente da cova o malodor
(nunca
cheirei as almas ao sol posto)...
Mas
toda alma já passou por azedume
e
por mais que tenha o corpo tido amor,
a
alma sobe perfumada de desgosto...
CARDOS E ROSAS I (8 out
12)
“Florescem
cardos dentro de meu peito”,
igual
à chave aposta a outro soneto;
cardos
e espinhos de esplendor secreto,
acúleos
de descaso e de despeito...
Por
mais que seja correto esse conceito,
desgosto
apenas não traguei e desafeto:
já
tive muito amor sob meu teto,
carinho
doce e sem qualquer defeito...
Mas
que diacho!... Falar de minha alegria,
nessa
esperança de fazer poesia
que
os outros achem bela e hospitaleira?
Todos
preferem mais melancolia,
queixas
de amor, lamúrias de elegia,
correspondendo
à própria pena por inteira!
CARDOS
E ROSAS II
Porque,
de fato, muito poucos são
que
se sentem inclinados a escrever
amor
feliz e o momento do prazer;
preferem
descrever triste ocasião.
Amor
feliz é pura exaltação,
essa
ânsia de estar junto e receber,
esse
êxtase de outrem conhecer
inteiramente
e sem malversação...
Por
que então desperdiçar esses momentos
que
transitórios sempre se suspeita,
em
longos versos de muscular cansaço,
quando
se quer é desfrutar os sentimentos,
é
estar nos braços do amor quando se deita,
na
fugaz permanência desse abraço...
CARDOS
E ROSAS III
E
até mesmo do prazer sensual
que
tantas vezes descrever tentei,
bem
poucos em seus versos encontrei:
amor
é puro, sem nada de sexual.
Glorificado
o amor, em triunfal
lenocínio
das nuances de sua grei;
por
que escrever, quando o orgasmo é rei,
perdendo
o gozo desse espanto material?
Por
isso, é mais comum falar de dores,
quando
o amor triunfante se quebrou
por
uma briga, talvez, ou por traição...
Ou
quando um acidente, em seus horrores,
Destroça
o corpo que com fervor se amou,
Deixando
apenas a sombra da paixão?
CARDOS
E ROSAS IV
Contudo,
para mim é diferente.
Eu
amo o amor em canto redolente,
eu
amor o sexo, em reluzir frequente,
e
me disponho a meu dom compartilhar.
Não
que espere que me venhas a abraçar,
em
um momento qualquer do teu penar
ou
de desejo que sintas te abrasar,
porque
te amo, como a toda a gente.
E
anseio assim por versos escrever
que
falem de alegria e de comédia,
que
falem do prazer que acho no leito,
sem
desejar minhas próprias penas esconder,
pois
apesar de também ter minha tragédia,
“florescem
rosas dentro de meu peito!...”
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