A FESTA DOS
RATINHOS
(Folclore
português, versão poética WILLIAM LAGOS, 15 jul 13)
A FESTA DOS RATINHOS I
Era uma noite bem quente, do verão já para o fim
e a mui bela Floralinda, das fadas a Rainha,
não conseguia dormir.
Estava ainda mais pálida que seu normal, assim
chamando as damas de honor, mas com nada se
entretinha
nem conselhos queria ouvir.
As suas duas fadas-aias, Esmeralda e Amethysta,
traziam chá frio e a abanavam, faziam encantos
mil,
mas não adiantava nada.
“Senhora,” disse por fim a mais bela camarista,
“Já que esta noite não pode, por mil-réis ou por
ceitil
dormir até a madrugada...”
“Por que, então, não levanta para darmos um
passeio?
A noite está agradável, brilhando a prata da Lua
e o capim está macio!...
A atmosfera está calma, suave brisa nos veio,
as folhas se agitam ao vento, vamos sair para a
rua,
enquanto não chega o frio!...”
“A ideia não é má, dormir mesmo não consigo,”
disse a Dama Floralinda, mas onde iremos nós,
pois?
Vamos flutuar ao acaso?”
“Senhora,” disse Esmeralda, “vamos agora ao
abrigo
da floresta dos pinheiros, para assistirmos,
depois,
uma festa, que hoje é o caso.”
A FESTA DOS RATINHOS II
“É o banquete dos ratinhos, que até nos
convidaram
para assistir a sua festa, uma vez e muitas
mais:
honrados se sentirão!”
“Pois seja assim, vamos lá, já que tudo
prepararam;
não tenho um pingo de sono e as festas dos
animais
meus olhos descansarão!...”
“Porém vamos invisíveis, que talvez eu me
aborreça,
se me erguer para ir embora, talvez achem ser
desfeita...
Vamos voar de uma vez!”
Assim as três alçaram voo, sem demonstrar grande
pressa,
Floralinda e Amethysta e Esmeralda nesta feita,
bem satisfeitas as três!...
Finalmente, elas pousaram nas raízes de um
carvalho,
em que alegres se assentaram, pelo banquete
esperando,
sem qualquer pressa.
Mas dentro de alguns minutos, numa pedra abre-se
um talho
e de lá sai um duende, seu violino
transportando,
antes que esqueça!...
E de um salto, o violinista subiu a uma
plataforma,
formada por outras rochas e batendo com o seu
arco,
para marcar o compasso,
três vezes, uma após outra, e rápido ali se
forma,
como em mágica surgindo de qualquer estranho
marco,
sua orquestra, passo a passo!
A FESTA DOS RATINHOS III
E o primeiro violinista (que era spalla e regente)
iniciou um lindo solo, marcando a hora de
entrada
aos demais instrumentistas.
Uma orquestra de gnomos, cada bota reluzente,
trajados de roupas verde, capuzes cor encarnada,
suas barbas em cores mistas.
Algumas brancas e longas, outras curtas e
amarelas,
outros de barbas grisalhas, algumas em tom
vermelho
ou também de negros fios.
E logo põem-se a tocar as melodias mais belas,
nesse compasso de dança que demarca o duende
velho,
muito atento nos seus brios.
Então, do meio da erva, saindo de muitas tocas
ou dos troncos abatidos, seus ocos apodrecidos,
vieram dúzias de ratinhos.
Traziam roupas coloridas, encarnadas as suas
toucas,
vestidos de azul e verde, prata e ouro
entretecidos,
alguns cinza e outros pretinhos...
E o primeiro gnomo que da orquestra era o
regente,
sem parar o violino, logo se pôs a cantar
para os ratinhos das tocas
e os roedores numerosos, numa corrida frequente,
chegaram de toda parte, a turma inteira a
dançar,
rodopiando em voltas loucas!
A FESTA DOS RATINHOS IV
Eles se deram as patinhas, um círculo em pé formaram,
numa rodente farândula, a bailar ante a Rainha,
muito exibidos...
Que as três fadas, bem alegres, aos ratinhos se
mostraram
batendo palmas felizes, quando o baile se
avizinha,
com mil guinchos atrevidos.
Então entoou o primeiro a bela canção da festa
e todos o acompanharam sem nenhum desafinar
suas vozes esganiçadas...
“Passamos rudes labores pelas trilhas da
floresta,
mas as tocas estão cheias para nos alimentar
nas longas noites geladas!”
“Bailem pois, irmãos ratinhos, sobre os
biquinhos dos pés,
as provisões para o inverno foram bem acumuladas
todo o verão!...
Já podemos descansar, das colinas nos sopés,
não há gatos neste bosque, nem raposas
assanhadas,
que grande satisfação!...”
Quanto mais eles cantavam, mais a dança se
animava
e com ritmo crescente a orquestra os
acompanhava,
como a Dança de São Guido!
Seus pés o chão mal tocavam, mais que um deles
já saltava,
os guinchinhos aumentavam, toda a clareira
ressoava
nesse tremendo alarido!...
A FESTA DOS RATINHOS V
Até que cessou o canto e os gnomos não tocavam
senão melodia lenta, própria para a refeição:
chegou a hora do banquete!
Dez gatos acorrentados, que focinheiras
acalmavam,
a carregar cem bandejas, com pratos em profusão:
queijo, vinho e vinagrete!...
Alguns ratos mais taludos, azorragues
carregando,
vigiavam os prisioneiros, que cumprissem sua
função:
nenhum se portava mal!
Eles traziam confeitos, passas e nozes portando
e grandes queijos de roda para tal distribuição
aos ratos em festival!...
Cansados de tanta dança, com apetite voraz,
os ratinhos se fartaram e beberam muito vinho,
alguns chegaram a dormir!
Porém, já saciada a fome, seu rancor é bem
veraz:
fizeram dançar os gatos com chicotadas de
espinho,
para assim se divertir!...
As fadas desaprovavam de uma tal atividade,
mas o chefe dos gnomos depressa lhes garantiu:
“Foram gatos canibais!
Comeram muitos ratinhos e os judiaram com
maldade
e até mesmo duendes um desses tais perseguiu:
castigos não são demais!...”
A FESTA DOS RATINHOS VI
“Depois que acabar a festa, serão bem alimentados,
com sobras da refeição, para mudarem de gosto,
virando vegetarianos!
Recolhidos os ratinhos, todos serão libertados
e voltarão para as casas, cada um para o seu
posto:
são criados dos humanos!”
“Mas depois de alimentados, nunca mais nos
caçarão!
Há mágica bem poderosa na água que aqui beberam,
bem mais que em leite!
Vão recusar carne e peixe e só vão querer ração,
depois que se acostumaram com as tortas que
comeram,
de trigo e azeite!”
E aconteceu, realmente, completada a refeição,
tiraram pratos os gatos, mais os copos e
talheres
e até as mesas guardaram!
Mas uns vieram servindo a orquestra na ocasião,
hortaliças e groselhas, dos gnomos os prazeres,
que muito vinho tomaram!...
E depois foram-se os gatos, levando consigo os
pratos,
para um buraco nas rochas, sem voltarem outra
vez
para a clareira.
Ficaram ali estendidos, aos grupinhos, esses
ratos,
conversando alegremente, digestão então se fez:
felicidade certeira!
A FESTA DOS RATINHOS VII
E uma vez que a orquestra já parara de tocar,
agruparam-se os ratinhos de acordo com suas
idades,
em multidão tagarela:
alguns para discutir melhor forma de cavar
seus túneis e galerias e as tecnicalidades
para passar por janela...
Ou escalar prateleira, em despensa abrir
buracos,
mas sobretudo a maneira de desarmar a ratoeira,
que as pessoas são malvadas!
Já as ratinhas falavam em roer roupas e sacos
para forrar os seus ninhos, como proteção
caseira
para as pequenas ninhadas!...
Alguns cantavam canções e um que outro ainda
dançava,
dentre os ratinhos mais moços que já haviam
descansado,
para mais se divertir...
Mas entre os ratos idosos do passado se falava,
daquelas estrepolias de que haviam participado,
sem precisar se ferir...
E dos ratos o mais velho jurou ter parte tomado
naquela assembleia antiga, que havia pretendido
pôr um chocalho num gato!
Por ser então muito moço, não se havia
apresentado,
e ao final da discussão, todos tinham resolvido
ser melhor fugir um rato!...
A FESTA DOS RATINHOS VIII
Uma velha ratazana relatou, com amargura,
que certa vez conseguira perfurar um armazém,
cheio de ricos alimentos!
Que ali mesmo conseguira, enquanto a festim
perdura,
três ninhadas de ratinhos alimentar muito bem,
mandando embora os rebentos.
Porém da quarta ninhada, enquanto um olho
fechara,
um camundongo atrevido roera a corda de um
presunto,
que caiu com grande bulha!
Chegou logo um ser humano e a rataria matara...
Ela pudera fugir, mas para pôr fim ao assunto,
pranteava sua ratatulha!...
Ainda hoje lastimava os seus pobres filhotinhos,
que haviam sido servidos a um gato, que os
devorara:
bicho do diabo!
E contou uma outra rata, que roera com os
dentinhos
um queijo inteiro por dentro e humano algum lhe
notara
focinho ou rabo!
Mas ficando só a casca, achou melhor ir embora,
só passara um mau pedaço tentando sair dali,
porque bastante engordara!
Precisara de alargar o buraco nessa hora,
louca de medo de ver bigodes de algum Mimi!...
Mas se escapara...
EPÍLOGO
A esta altura a conversa deixara com sono as
fadas,
Floralinda adormecera e as outras já cochilavam,
os músicos foram embora...
E os ratinhos já dormiam, em seus bolos e
ninhadas,
com as barriguinhas cheias, nem por nada
despertavam,
ressonando de hora em hora!
Mas no fim da madrugada, um galo ouviram cantar!
E a rataria, assustada, nas tocas foi se enfiar!
As três fadas despertaram...
“Que sono bom!” – disseram elas, cada qual a
bocejar,
“Mas a manhã vem chegando! Melhor a gente voltar!...”
E para casa voaram...
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