sábado, 10 de agosto de 2013




O CAMPONÊS E OS TRÊS                  
      LADRÕES
        (Folclore português, recolhido no Thesouro da Juventude)
Versão poética de William Lagos, 04 jul 13.

O CAMPONÊS E OS TRÊS LADRÕES I

Um camponês se dirigia ao mercado,
montando um burro e uma cabrinha puxando,
em cujo pescoço um chocalho ia tocando,
             bem distraído.
Ele pensava no dinheiro a ser ganhado,
nas ferramentas que pretendia comprar,
nas encomendas da mulher que ia levar,
             após tê-la vendido...

De uma taverna, três ladrões o observavam
e percebendo a distração do camponês,
comentaram entre si: “Eis bom freguês
             para roubarmos...”
E uns com os outros em seguida comentavam:
“Eu vou pegar aquela cabra agora,
sem que ele nada perceba nessa hora,
             caso apostarmos...”

“Pois faço mais,” falou o outro ladrão.
“Eu vou tirar esse burro que ele monta,
que estou a roubá-lo nem se dará conta
             e até agradece...”
Disse o terceiro: “Pois lhes vou ganhar de mão:
vou ficar com toda a roupa que ele veste
e ainda me chama de amigo a pobre peste,
             com linda prece!...

Os três se separaram, bem depressa
e foram logo atrás do camponês,
combinando não feri-lo uma só vez,
             na esperta aposta.
Chegou o primeiro e a cortar se apressa
a corda a que a cabrinha presa estava
e o chocalho no burro pendurava,
             bem como gosta.

O CAMPONÊS E OS TRÊS LADRÕES II

Ele chegara de modo tão furtivo
que o campônio de nada dera conta;
cuidava só o passo do tal burro que monta
             e cochilava.
E nem a cabra reclamou do gesto esquivo:
foi devagar com o ladrão, sem um balido
e o chocalho, junto ao rabo assim contido
             ainda tocava...

Embora balançasse entre suas patas,
seguia o burrico no seu passo manso.
Foi o ladrão esconder-se num remanso,
             muito contente...
Mas numa destas, após cruzar as matas
o proprietário voltou-se para trás...
“Mas e a minha cabra?” exclamou o bom rapaz,
             meio descrente.

Fez o burro dar a volta, à sua procura
e indagava de cada um que via;
o paradeiro, porém, ninguém dizia
             de sua cabrinha.
E sua pesquisa já meia hora dura,
quando encontrou o segundo ladrão
e lhe indagou, afobado, em confusão,
             cansado vinha...

“Viu, por acaso, uma cabra assim e assim?
Pensei primeiro que me roera a corda,
mas o chocalho ainda está preso na sua borda!
             Alguém roubou!...”
“Eu vi uma cabra como descreve,” enfim
disse o ladrão.  “Um homem ia puxando...
Lá do outro lado da estrada, os dois marchando:
             Já se afastou!...”



O CAMPONÊS E OS TRÊS LADRÕES III

“Corra depressa, que os pode ainda alcançar!”
“Mas o meu burro!... Ele só anda devagar
e não me animo em qualquer árvore o amarrar!
             O que é que eu faço?”
“Meu amigo, se quiser, posso ajudar:
seu burro eu guardo até o seu retorno;
moro aqui perto mesmo, neste entorno...
             Passe-me o laço...”

E o camponês agradeceu ao falso amigo!
Saiu correndo, pelo caminho a fora,
pensando a cabra, nessa mesma hora,
             poder achar...
Mas o ladrão, sem o menor perigo,
assim que o outro se perdeu na estrada,
deu meia-volta, o burro em sua alçada,
             sem se apressar...

Logo em seguida, encontrou seus camaradas:
“Fizemos nossa parte, companheiro!
Só quero ver se cumpre por inteiro
             o que apostou!...”
E soltando sonoras gargalhadas,
o terceiro ladrão sai pela estrada,
sem correr ou sequer marcha estugada,
             nem se apressou...

Foi sentar-se na margem da lagoa
que ficava na beira do caminho,
a esperar, olhando a estrada, bem quietinho,
             que o outro voltasse.
O camponês correu milhas à toa,
naturalmente, sem achar o animal
e retornou, desanimado... É natural
             que assim se achasse...




O CAMPONÊS E OS TRÊS LADRÕES IV

Mas ao chegar ao ponto em que deixara
seu falso amigo cuidando de seu burro,
não escutou nem saudação, nem zurro,
             tinha ido embora!
Só então na sua mente se encaixara
que o haviam roubado uma outra vez!
Dando socos na cabeça, o camponês
             amaldiçoou sua hora!...

Mas como pude ser tão inocente!
Como é que pude cair nessa armadilha!
Mas a esperteza da experiência é filha,
             noutra não caio!
Haja o que houver, não mais creio nessa gente!
Volto mais pobre, mas nunca mais me enganam!
Vou dar queixa ao alcalde!... Me atazanam,
             porém não saio!...

Não, enquanto não acharem os ladrões!...
Devem ser gente conhecida por aqui.
Só não posso é contar como eu caí
             nessa bobeira!...
Vou antes dizer que me apontaram uns facões
e fui forçado a deixar meus animais.
Assim os assaltos vão parecer mais naturais
             Em vez de só besteira!...

Saiu em busca, então, da prefeitura
ou pelo menos, de uma delegacia:
na aldeia próxima decerto alguma havia
             para ajudá-lo!...
Firmada assim sua decisão bem dura,
saiu o camponês, mais animado.
Foi boa a lição!  Nunca mais sou enganado!
             E não me calo!...




O CAMPONÊS E OS TRÊS LADRÕES V

Ora, o terceiro ladrão já o esperava
e tão logo o avistou a caminhar,
pôs-se a fingir um tremendo soluçar,
             a lastimar-se!...
E assim que o camponês ali chegava,
viu do outro as lágrimas rolando.
“Meu amigo, por que está chorando,
             a debulhar-se!...”

“É que me aconteceu uma desgraça!”
“Ah, eu duvido que seja pior que a minha!”
Roubaram o meu burro e a minha cabrinha!
             Fiquei sem nada!...”
“É que você não sabe o que se passa,
qual o motivo por que estou chorando...
Quando souber, toda a razão irá me dando,
             nesta jornada...”

“Você está vendo aí essa lagoa?
Eu tinha um saco de moedas de ouro,
porém me debrucei, rompeu-se o couro,
             quando fui beber!
Foi pagamento por uma colheita boa
e não consigo pegar, sorte madrasta!
Estico o braço e mais ele se afasta,
             vai-se perder!...”

“Mas por que você não entra na lagoa?”
“Pobre de mim, nunca aprendi a nadar!
A água é funda e então posso me afogar!
             Mais vale a vida!
Ai, se eu achasse alguma gente boa,
que a entrar por ali se dispusesse!...
Em meio ao pranto, a Deus fiz uma prece,
             muito sentida!...”




O CAMPONÊS E OS TRÊS LADRÕES VI

“Caso encontrasse quem nadar soubesse
e entrasse na lagoa, a procurar,
a metade de meu ouro lhe ia dar,
             até contente!”
“Você daria a metade, se eu trouxesse?”
indagou o camponês, entusiasmado:
com esse ouro, seu prejuízo acumulado
             recobrava inteiramente!

“Mas não posso lhe pedir um tal favor,”
disse o ladrão, fingindo ingenuidade.
“Essa água é funda, empapa as roupas, na verdade,
             você pode se afogar!...”
“Por isso não, amigo,” disse o pobre, com ardor.
E foi tirando a roupa inteiramente,
as botas e o chapéu, ficou somente
             a cueca sem tirar!...

“Você não está me pregando uma mentira?”
indagou ele, ao sentir o vento frio.
“De forma alguma,” disse o outro, como em brio,
             (e nem mentia!).
“Se da água um saco de ouro você tira,
eu certamente lhe darei metade:
juro por tudo que é santo, na verdade!”
             E até sorria!...

Então o camponês entrou na água
e se abaixou, procurando pela beira:
“Não acho nada aqui perto da ribeira!...”
             “Está mais profundo!
Eu procurei, as mãos enfiei n’água,
fui me esforçando e estiquei meus braços,
mas o saco eu empurrei com embaraços,
             rolou bem para o fundo!...”




O CAMPONÊS E OS TRÊS LADRÕES VII

E o campônio, em sua grande ingenuidade,
encheu os pulmões de ar e mergulhou...
Mas o ladrão, tão logo ele afundou,
             pegou roupas e chapéu!
E mais as botas, com grande agilidade
e saiu correndo, mais do que depressa,
até perder-se na mata mais espessa,
             fugindo ao léu!...

E o camponês logo subiu à tona,
sacudindo água e lama dos cabelos,
sem achar ouro algum nos seus desvelos
             e então falou:
“Essa água é escura e grossa como lona!
Vou procurar de novo, mais adiante...”
Mas sua vista clareou-se, nesse instante:
             ninguém achou!...

Saiu espadanando da lagoa...
Mas onde estava o dono do dinheiro?
Olhou em volta, observando bem ligeiro:
             não achou ninguém!
Subindo à margem, da cueca a água escoa...
Mas e minhas roupas? pensou, apalermado;
E só então compreendeu que o haviam enganado
             aqui também!...

O que faria agora?  Qual a queixa
que poderia apresentar na prefeitura?
Ai, que tristeza ter cabeça dura!
             pensou o infeliz.
Não encontrando assim qualquer endeixa,
como sua granja não ficava perto,
mas sabendo o caminho estar deserto,
             correu feito perdiz!...




EPÍLOGO

Pior ainda, ao chegar à fazendinha,
sua mulher deu-lhe sova de vassoura,
mais furiosa que qualquer escrava moura:
             “Mas que homem burro!
E só pode ser verdade esta historinha!
Não és capaz de inventar igual mentira!
Francamente, quase em besta você vira:
             só falta o zurro!...”



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