O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES
(Folclore
português, recolhido no Thesouro da Juventude)
Versão poética de William Lagos, 04 jul 13.
O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES I
Um camponês se dirigia
ao mercado,
montando um burro e
uma cabrinha puxando,
em cujo pescoço um
chocalho ia tocando,
bem distraído.
Ele pensava no
dinheiro a ser ganhado,
nas ferramentas que
pretendia comprar,
nas encomendas da
mulher que ia levar,
após tê-la vendido...
De uma taverna, três
ladrões o observavam
e percebendo a
distração do camponês,
comentaram entre si:
“Eis bom freguês
para roubarmos...”
E uns com os outros em
seguida comentavam:
“Eu vou pegar aquela
cabra agora,
sem que ele nada
perceba nessa hora,
caso apostarmos...”
“Pois faço mais,” falou
o outro ladrão.
“Eu vou tirar esse
burro que ele monta,
que estou a roubá-lo
nem se dará conta
e até agradece...”
Disse o terceiro:
“Pois lhes vou ganhar de mão:
vou ficar com toda a
roupa que ele veste
e ainda me chama de
amigo a pobre peste,
com linda prece!...
Os três se separaram,
bem depressa
e foram logo atrás do
camponês,
combinando não feri-lo
uma só vez,
na esperta aposta.
Chegou o primeiro e a
cortar se apressa
a corda a que a
cabrinha presa estava
e o chocalho no burro
pendurava,
bem como gosta.
O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES II
Ele chegara de modo
tão furtivo
que o campônio de nada
dera conta;
cuidava só o passo do
tal burro que monta
e cochilava.
E nem a cabra reclamou
do gesto esquivo:
foi devagar com o
ladrão, sem um balido
e o chocalho, junto ao
rabo assim contido
ainda tocava...
Embora balançasse
entre suas patas,
seguia o burrico no
seu passo manso.
Foi o ladrão
esconder-se num remanso,
muito contente...
Mas numa destas, após
cruzar as matas
o proprietário
voltou-se para trás...
“Mas e a minha cabra?” exclamou
o bom rapaz,
meio descrente.
Fez o burro dar a
volta, à sua procura
e indagava de cada um
que via;
o paradeiro, porém,
ninguém dizia
de sua cabrinha.
E sua pesquisa já meia
hora dura,
quando encontrou o
segundo ladrão
e lhe indagou,
afobado, em confusão,
cansado vinha...
“Viu, por acaso, uma
cabra assim e assim?
Pensei primeiro que me
roera a corda,
mas o chocalho ainda
está preso na sua borda!
Alguém roubou!...”
“Eu vi uma cabra como
descreve,” enfim
disse o ladrão. “Um homem ia puxando...
Lá do outro lado da
estrada, os dois marchando:
Já se afastou!...”
O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES III
“Corra depressa, que
os pode ainda alcançar!”
“Mas o meu burro!...
Ele só anda devagar
e não me animo em
qualquer árvore o amarrar!
O que é que eu faço?”
“Meu amigo, se quiser,
posso ajudar:
seu burro eu guardo
até o seu retorno;
moro aqui perto mesmo,
neste entorno...
Passe-me o laço...”
E o camponês agradeceu
ao falso amigo!
Saiu correndo, pelo
caminho a fora,
pensando a cabra,
nessa mesma hora,
poder achar...
Mas o ladrão, sem o
menor perigo,
assim que o outro se
perdeu na estrada,
deu meia-volta, o
burro em sua alçada,
sem se apressar...
Logo em seguida,
encontrou seus camaradas:
“Fizemos nossa parte,
companheiro!
Só quero ver se cumpre
por inteiro
o que apostou!...”
E soltando sonoras
gargalhadas,
o terceiro ladrão sai
pela estrada,
sem correr ou sequer
marcha estugada,
nem se apressou...
Foi sentar-se na
margem da lagoa
que ficava na beira do
caminho,
a esperar, olhando a
estrada, bem quietinho,
que o outro voltasse.
O camponês correu
milhas à toa,
naturalmente, sem
achar o animal
e retornou,
desanimado... É natural
que assim se achasse...
O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES IV
Mas ao chegar ao ponto
em que deixara
seu falso amigo
cuidando de seu burro,
não escutou nem
saudação, nem zurro,
tinha ido embora!
Só então na sua mente
se encaixara
que o haviam roubado
uma outra vez!
Dando socos na cabeça,
o camponês
amaldiçoou sua hora!...
Mas como pude ser tão inocente!
Como é que pude cair nessa armadilha!
Mas a esperteza da experiência é filha,
noutra não
caio!
Haja o que houver, não mais creio nessa gente!
Volto mais pobre, mas nunca mais me enganam!
Vou dar queixa ao alcalde!... Me atazanam,
porém não
saio!...
Não, enquanto não acharem os ladrões!...
Devem ser gente conhecida por aqui.
Só não posso é contar como eu caí
nessa
bobeira!...
Vou antes dizer que me apontaram uns facões
e fui forçado a deixar meus animais.
Assim os assaltos vão parecer mais naturais
Em vez de só
besteira!...
Saiu em busca, então,
da prefeitura
ou pelo menos, de uma
delegacia:
na aldeia próxima
decerto alguma havia
para ajudá-lo!...
Firmada assim sua
decisão bem dura,
saiu o camponês, mais
animado.
Foi boa a lição! Nunca
mais sou enganado!
E não me
calo!...
O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES V
Ora, o terceiro ladrão
já o esperava
e tão logo o avistou a
caminhar,
pôs-se a fingir um
tremendo soluçar,
a lastimar-se!...
E assim que o camponês
ali chegava,
viu do outro as
lágrimas rolando.
“Meu amigo, por que
está chorando,
a debulhar-se!...”
“É que me aconteceu
uma desgraça!”
“Ah, eu duvido que
seja pior que a minha!”
Roubaram o meu burro e
a minha cabrinha!
Fiquei sem nada!...”
“É que você não sabe o
que se passa,
qual o motivo por que
estou chorando...
Quando souber, toda a
razão irá me dando,
nesta jornada...”
“Você está vendo aí
essa lagoa?
Eu tinha um saco de
moedas de ouro,
porém me debrucei,
rompeu-se o couro,
quando fui beber!
Foi pagamento por uma
colheita boa
e não consigo pegar,
sorte madrasta!
Estico o braço e mais
ele se afasta,
vai-se perder!...”
“Mas por que você não
entra na lagoa?”
“Pobre de mim, nunca
aprendi a nadar!
A água é funda e então
posso me afogar!
Mais vale a vida!
Ai, se eu achasse
alguma gente boa,
que a entrar por ali
se dispusesse!...
Em meio ao pranto, a
Deus fiz uma prece,
muito sentida!...”
O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES VI
“Caso encontrasse quem
nadar soubesse
e entrasse na lagoa, a
procurar,
a metade de meu ouro
lhe ia dar,
até contente!”
“Você daria a metade,
se eu trouxesse?”
indagou o camponês,
entusiasmado:
com esse ouro, seu
prejuízo acumulado
recobrava inteiramente!
“Mas não posso lhe
pedir um tal favor,”
disse o ladrão,
fingindo ingenuidade.
“Essa água é funda,
empapa as roupas, na verdade,
você pode se afogar!...”
“Por isso não, amigo,”
disse o pobre, com ardor.
E foi tirando a roupa
inteiramente,
as botas e o chapéu,
ficou somente
a cueca sem tirar!...
“Você não está me
pregando uma mentira?”
indagou ele, ao sentir
o vento frio.
“De forma alguma,”
disse o outro, como em brio,
(e nem mentia!).
“Se da água um saco de
ouro você tira,
eu certamente lhe
darei metade:
juro por tudo que é
santo, na verdade!”
E até sorria!...
Então o camponês
entrou na água
e se abaixou,
procurando pela beira:
“Não acho nada aqui
perto da ribeira!...”
“Está mais profundo!
Eu procurei, as mãos
enfiei n’água,
fui me esforçando e
estiquei meus braços,
mas o saco eu empurrei
com embaraços,
rolou bem para o fundo!...”
O CAMPONÊS E OS TRÊS
LADRÕES VII
E o campônio, em sua
grande ingenuidade,
encheu os pulmões de
ar e mergulhou...
Mas o ladrão, tão logo
ele afundou,
pegou roupas e chapéu!
E mais as botas, com
grande agilidade
e saiu correndo, mais
do que depressa,
até perder-se na mata
mais espessa,
fugindo ao léu!...
E o camponês logo
subiu à tona,
sacudindo água e lama
dos cabelos,
sem achar ouro algum
nos seus desvelos
e então falou:
“Essa água é escura e
grossa como lona!
Vou procurar de novo,
mais adiante...”
Mas sua vista
clareou-se, nesse instante:
ninguém achou!...
Saiu espadanando da
lagoa...
Mas onde estava o dono do dinheiro?
Olhou em volta,
observando bem ligeiro:
não achou ninguém!
Subindo à margem, da
cueca a água escoa...
Mas e minhas roupas? pensou,
apalermado;
E só então compreendeu
que o haviam enganado
aqui também!...
O que faria agora? Qual a
queixa
que poderia apresentar na prefeitura?
Ai, que tristeza ter cabeça dura!
pensou o infeliz.
Não encontrando assim
qualquer endeixa,
como sua granja não
ficava perto,
mas sabendo o caminho
estar deserto,
correu feito perdiz!...
EPÍLOGO
Pior ainda, ao chegar
à fazendinha,
sua mulher deu-lhe
sova de vassoura,
mais furiosa que
qualquer escrava moura:
“Mas que homem burro!
E só pode ser verdade
esta historinha!
Não és capaz de
inventar igual mentira!
Francamente, quase em
besta você vira:
só falta o zurro!...”
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