AMORES MEDÍOCRES
(Novas séries de William Lagos – 10/09/2007 – 05/05/2016)
AMORES MEDÍOCRES I – 10 set 07
Eu vejo a meu redor tantos amores
levianos, vagos, de curta duração,
só por dizer que um outro coração
ressona transitório em seus
sexores...
E assim como começam, tais ardores
depressa se desfazem sem paixão:
não se acha amor na pobreza da
emoção,
mentiras breves, curtos seus
pendores...
Só pele contra pele... Sem razão,
sem perdurar, não mais que a
companhia
que não os deixe a sós na multidão...
Mas não os meus: são firmes e
potentes,
mesmo que estejam juntos, à porfia,
(*)
são sólidos amores permanentes...
(*) Em competição.
AMORES MEDÍOCRES II – 26 ABR 16
Ninguém pense que serei um desses
velhos
que ao verem sua vida sensual
interrompida
motivos vejam para ao contemplar a
vida
sexual dos jovens, ali meterem seus
bedelhos.
Nem que pretenda a tais jovens dar
conselhos,
salvo onde a higiene for
comprometida
ou, por desgaste da excitação,
perdida
por experiências demais, frágeis
espelhos
desses que apenas sentir possam
inveja...
Longe de mim!... Não tenho esse pendor:
que bem possam mocidade
aproveitar!...
E se a promiscuidade se corteja,
que um dia possam provar real amor,
mesmo que os venha sociedade a
condenar!
AMORES MEDÍOCRES III
O pior que posso sentir é a ironia
desses que hoje condenam a nudez,
que no seu tempo desejada mais se
fez:
sentem rancor ao invés de nostalgia!
E assim condenam, em tal desfaçatez,
a exposição que para mim seria
a mais sagrada coisa que existia:
o corpo humano em sua plena madurez!
Porque, afinal, segundo as
Escrituras,
é o templo místico do Espírito Santo
e como tal, só deve ser admirado,
nele encontrando beleza e não
feiuras,
pele dos velhos veludo de igual
manto
que o corpo moço por tantos
invejado!
AMORES MEDÍOCRES IV
Se é proibido expor qualquer nudez,
que faz Jesus desnudo sobre a cruz?
É mais sublime em sua magreza esse
Jesus
ou esse Adão que Michelangelo nos
fez,
na Capela Sistina, perante a altivez
de Deus Pai, seu dedo a dar à luz
a forma humana, nessa imagem que
reluz
e que à Sua Semelhança se refez?...
E logo hoje, quando a televisão
nos mostra o sexo no interior das
casas...?
Mas a que ponto vão o dolo e a
hipocrisia?
É um corpo negro que causa repulsão
ou que a mulher despida de suas gazas
tenha o pecado original criado um
dia?
EMOÇÃO MEDÍOCRE I – 8 set 2007
No calor, me derrete a inspiração
e sai pelos esgotos de minha alma.
Não sai a lastimar, morre com calma,
no desvaziar da mente e coração.
No calor, não me alento por poesia:
não quero nada. É a pura
realidade.
Só sinto o arder desta animosidade
que me transforma a vida em
fancaria.
Bem sei que outros não fizeram nada,
enquanto eu trabalhei horas sem
pausa:
talvez por isso não me sobre
exaltação.
Mas o verão me estrangula a desejada
transcendência infeliz... Morro sem
causa,
ao pingar versos suados de emoção...
EMOÇÃO MEDÍOCRE II – 27 ABR 16
Mas quando chega o frio, meu coração
se exalta novamente de calor,
caminho pelas ruas com ardor,
trabalho no vigor da exultação!...
É quando em versos percebo
exaltação,
derramo a vida ali mais que no
sexor,
lanço minhas redes mais alto que o
condor,
mesmo à empatia sei dar maior
vazão...
Mas o calor só me interrompe o fio
de minha vida nesses dias maus,
em que preciso comprar mais energia,
ventiladores a financiar seu
rodopio,
condicionadores em seus frígidos
caudais,
a desgastar o combustível que Deus
cria!
EMOÇÃO MEDÍOCRE III
Contemplo aqueles que amam o
contrário
e que se expõem, com impudência, ao
sol,
das radiações invisíveis ao farol,
seu próprio corpo entregue a tal
fadário (*)
(*) Destino
de tanto câncer, nesse ato
atrabiliário,
não só os da pele, mas ao vasto rol,
do útero, das mamas, malvado
girassol
de leucemias – do sangue até o
ossário!
E ainda nadam nos esgotos dessas
praias,
marés e ondas ali contaminadas,
nojentas cíbalas a flutuar no mesmo
banho! (*)
(*) Fezes
Água de urina, nessas mesmas raias
em que as crianças brincam,
descuidadas,
enquanto os pais se expõem ao sol,
em arreganho!
EMOÇÃO MEDÍOCRE IV
Já não distingo se é tolice ou só
vaidade
que impulsiona tanta gente a se
“bronzear”,
as peles negras depois a desprezar
como inferior à da branca
sociedade!...
Não sou contra a nudez, na
realidade,
mas contra os males da saúde
cortejar
e contra a indústria do protetor
solar,
que tanto lucra com tal
mediocridade!
Mas em minha casa fico a preservar
o meu suor, sem antitranspirante:
basta-me o banho tomado diariamente.
Por mais que venha do calor a me
queixar,
não me deixo influenciar a cada
instante
por tanta propaganda assaz
frequente!
TAREFA MEDIOCRE I – 9 set 2007
Deixei de ser feliz: meus versos lama espessa:
alguma coisa se partiu dentro de mim ---
meus servos esgotados, não querem mais, assim,
louvar o amor vazio, labor que triste cessa.
Inusitada a espera, provada vã do prenhe
momento azul em que o organismo treme
e se estilhaça no instante em que mais geme,
a partejar dos sonhos o que ordenhe...
O coração que vejo, senil e amarfanhado,
não mais quer esperar outro encantado
responsório de fulgor e exultação...
Se o verso quer trabalho, que assim seja!
Não pararei porque a musa não se enseja,
por mais vazio que me sinta de emoção!...
TAREFA MEDÍOCRE II – 28 ABR 16
E sem sombra de dúvida, não parei:
muitos milhares são os versos que compus,
na exposição de meus neurônios nus
desde esse antanho no qual me revoltei,
durante o breve momento em que deixei,
só por instante o Dionyso que reluz
e para Apollo supliquei rimas de truz
e as Nove Musas diariamente engambelei,
que se deitassem a meu lado, com paixão,
nessa partilha do fruto proibido:
jamais o sexo, porem a inspiração;
e hoje percebo o porquê de haver nascido
sob a parreira de uvas em botão
em que meu cérebro tenho protegido.
TAREFA MEDÍOCRE III
Falei até demais nesses processos
que me permitem compor fluentemente
isso que causa esforço a tanta gente,
com resultados de medíocres progressos;
não se suponha que cometo alguns excessos,
porque as palavras me correm docemente,
algumas vezes de forma surpreendente
para mim mesmo, em seus finais amplexos.
Já mencionei a minha Corte Impura:
os meus fracassos, temores, desavenças,
cada qual preso em cela bem segura,
nas quais produzem essas frases tensas
de meus amores desvairados de loucura,
sem que eu recorde ter emoções tão densas!
TAREFA MEDIOCRE IV
Já mencionei a dionisíaca embriaguez
que os sentidos me adormece por instantes,
quando me explodem os versos mais vibrantes,
sem que possa intuir como se os fez;
já mencionei emissário ser talvez
de uma coorte de mortos delirantes,
esses poetas falecidos, já bem antes
que conseguissem descrever toda a nudez
dos pensamentos que haviam concebido;
já mencionei o Inconsciente Coletivo,
que me repassa o que pretende devolvido
a esse mundo do medíocre cativo;
e o Dom de Línguas, por que sou acometido
nesse divino sofrer sob o qual vivo!...
TALVEZ MEDÍOCRE I – 10 set 07
Um dia, talvez goste destes versos
que agora faço, no meio da canícula,
da onda concreta e da vazia partícula
de sentimentos em esgar conversos... (*)
(*) Caretas
Mas o que sinto agora, é veleidade...
Não obstante, mantendo a versogênese, (**)
como mais um dever, como ergogênese, (+)
enquanto o reverbero da cidade
(**) Geração de
versos. (+) Criação de trabalhos.
referve em torno a mim, no burburinho
de horas falazes, curtidas de vapor,
em que só posso descrever meu desconforto.
Pobre poema este, assim mesquinho:
não fala de virtude, nem de amor,
mas tão somente de um presente morto.
TALVEZ MEDÍOCRE II – 29 AGO 16
Um dia achei, nas várzeas de um arquivo
esses versos esquecidos por mim mesmo,
sem quadraturas de rimas no seu esmo,
sorvendo a ânsia libertária do cativo,
nesse cronótopo de seu tropo já perdido, (*)
espaço e tempo de olvidada aceitação,
que me requer não só ressurreição,
mas algo mais que o morto verso lido...
(*) Tempo e espaço de uma obra literária.
Já me queixei demais desse calor...
Só não espero ser igual ao Rei Davi,
que não podia se aquecer nos seus setenta,
nos quais penetro, conservado meu vigor,
sem me queixar do frio que encontro aqui,
nesse talvez que a alma ainda me esquenta.
TALVEZ MEDÍOCRE III
Contudo, ao Rei Davi eu me comparo,
nesse vago versejar de imensidade;
embora a harpa não toque, na verdade,
os muitos golpes do inimigo ainda aparo;
vejo o medíocre a receber amparo
e me derreto na perplexidade:
por que aplaudem assim mediocridade,
versos perfeitos deixando ao desamparo?
E ainda percebo ao redor ressentimento
perante o resplendor desse talento,
que meu não é, mas me foi aquinhoado
e que preciso expor, na obrigação,
qual na parábola encontrou aceitação
melhor o servo a seu trabalho dedicado.
TALVEZ MEDÍOCRE IV
Diz a Escritura, em afirmação terrível:
“àquele que já tem, mais será dado,
porém ao que não tem, será tirado
até o que pensa ter”, na incognoscível
exigência desse Deus inacessível,
que nem deseja, talvez, ser adorado,
mas que o labor seja bem realizado
desse plano a nossos olhos invisível.
Eu tenho feito, certamente, o que o Arquiteto
de mim espera, sem esconder na terra
esse brunido e assustador talento;
por isso o exponho, por não deixar secreto
esse templo de palavras que se encerra
entre minhas mãos, a furtar-me o meu alento!
COROLA DE ANGÚSTIA
I – 30 ABR 16
DO TEMPO VELHO EU
ROUBEI AS CONCUBINAS:
AO INVÉS DE AMOR,
EU FIZ PROSOPOPEIA; (*)
QUATORZE HURIS EU
TIVE, NA EPOPEIA,
VIRGENS ETERNAS EM
SUAS ETERNAS SINAS.
(*) ATRIBUIÇÃO DE
VIDA A OBJETOS INANIMADOS.
NÃO ERA O PARAÍSO
EM DOCES MINAS,
NÃO MAIS QUE VERSOS
TOMADOS À ANCESTREIA,
MAS PARTILHANDO O
CRONOABISMO EM CADA IDEIA
DE HORAS DOURADAS E
DE SEMANAS FINAS.
(*) ANCESTRALIDADE;
ABISMO DO TEMPO.
OS DIAS DEVORAMOS,
EMPANADOS,
A SOBREMESA ERAM
MESES DELICADOS
E AO INVÉS DE
FRUTOS, MASTIGAMOS ANOS
E O TEMPO
ADORMECEU, VELHO QUE ESTAVA,
SUA FILHA, A MORTE,
AFIRMANDO QUE ME AMAVA
BEIJOU-ME OS
LÁBIOS, NOS VENENOS MAIS ARCANOS.
COROLA DE ANGÚSTIA
II
NESSE CRONÓTOPO DO
ESPAÇO LITERÁRIO
EU PRENDO O TEMPO
NAS AZILAS DAS HURIS,
EU PRENDO O PONTO
EM QUE PRENDER-ME QUIS,
NÃO DESPERDIÇO OS
MINUTOS, PERDULÁRIO.
EM NADA PRÓDIGO, O
ESPAÇO É MEU SACRÁRIO
E O TEMPO GRAVO, SEM
DESPREZOS VIS;
CORREM OS DIAS QUE
DIARIAMENTE FIZ,
MEUS PRÓPRIOS OSSOS
NESSE ESCAPULÁRIO.
NÃO QUE JULGUE TER
ERGUIDO A CATEDRAL:
NÃO FAÇO NELA SENÃO
OBRA DE OPERÁRIO
E SÓ ME LOUVO DE
NÃO TRABALHAR MAL,
QUE AS INSTRUÇÕES
OBEDEÇO O QUANTO POSSO
E SE ALGO MALTRATEI
EM MEU FADÁRIO,
FOI QUANDO A GOIVA
RASGOU-ME ATÉ O OSSO!
COROLA DE ANGÚSTIA
III
A GENTE PENSA QUE O
TEMPO TRAZ A VIDA
E A CADA DIA QUE
CHEGA, AGRADECEMOS,
SEM COMPREENDER QUE
OUTRO DIA PERDEMOS
AO CALOR DE CADA
AURORA AMANHECIDA.
SOMENTE A MORTE NO
TEMPO ESTÁ CONTIDA:
FAZ-NOS BEBER
DIARIAMENTE OS SEUS VENENOS,
NAS LONGAS HORAS
QUE FAZEM SEUS ACENOS
NESSA VENTURA
INALCANÇÁVEL PERSEGUIDA.
MAS COM AS HORAS
FORMEI ORQUESTRA E CORO,
SÃO MAIS FIÉIS QUE
AS MUSAS CAPRICHOSAS,
SEMPRE A MEU LADO,
EM DOÇURA SOLUÇANTE.
EM PARAÍSO
INCONSÚTIL SEI QUE MORO:
NESSA FEITURA DE
ESTRELAS SONOROSAS
DESGASTO A VIDA,
MAS SEMPRE MARCHO AVANTE!
COROLA DE ANGÚSTIA
Iv
CADA POEMA UMA
VIRENTE FLOR,
COM QUE ARMO
DIARIAMENTE A SUA COROLA;
COM PÓLEN SANTO UMA
DOURADA BOLA,
ESTAMES E PISTILO
EM DOCE AMOR.
CADA POEMA A
DESPERTAR RANCOR
DA TURBAMULTA QUE
AO REDOR SE ENROLA;
CALÚNIA E MÁGOA EM
ACIDULADA GOLA
PARA O BARAÇO EM
ABRAÇO CONSTRITOR. (*)
(*) LAÇO DA FORCA.
CADA POEMA A
RENOVAR-ME O ARDOR:
DE CERTO MODO,
PREFIRO SER ODIADO
QUE PELOS MAUS
TOTALMENTE IGNORADO.
CADA POEMA NOVA
PROVA DO VIGOR
COM QUE COMBATO A
INTEIRA GERAÇÃO,
SEM TER ÓDIO OU
DESPREZO AO CORAÇÃO.
COROLA DE ANGÚSTIA
v
ANGUSTIADAS POR SUA
ETERNA VIRGINDADE,
QUATORZE HURIS SE
ASSENTAM JUNTO À MESA
E ME DEVORAM O
TEMPO, COM CERTEZA,
VERSOS FORMANDO EM
TAL CRONICIDADE.
ANGUSTIADOS OS
VERSOS SEM MALDADE,
POR NÃO PODEREM
FLORES SEREM DE BELEZA,
QUATORZE ESPAÇOS
EMBAINHANDO DE NOBREZA.
QUATORZE EVENTOS DE
ESPACIOSIDADE.
QUATORZE HURIS,
QUATORZE VERSOS APINHADOS,
QUATORZE ANGÚSTIAS
RECAMADAS EM COROLA,
QUATORZE SOPROS
RESIDINDO NUM SONETO,
QUATORZE MÉTRICAS
NAS RIMAS DOS PECADOS,
CESURAS QUATORZE
NESSA IMENSA BOLA,
QUATORZE DORES EM
MEU RITMO SECRETO.
COROLA DE ANGÚSTIA
Vi
POR ISSO AS VEJO
COMO QUATORZE APENAS,
BEM MAIS MODESTO DO
QUE SÃO OS MUÇULMANOS,
QUATORZE HURIS EM
MEUS VERSOS ITALIANOS,
SONETOS CLÁSSICOS
CONTIDOS EM VERBENAS.
QUATORZE SÉPALAS EM
COROLA DE AÇUCENAS,
QUATORZE DIAS,
SEMANÁRIOS DESENGANOS,
UMA QUINZENA DE
AMORTECIDOS PLANOS,
QUATORZE ANGÚSTIAS
SORRINDO DE MINHA PENAS.
E BEM QUISERA TER
QUATORZE DEDOS,
AO INVÉS DE DEZ,
QUE MAIS ESCREVERIA,
QUATORZE PRANTOS EM
VIÉS DE NOSTALGIA,
QUATORZE ARCANOS
REVELANDO SEUS SEGREDOS,
QUATORZE PÉTALAS,
QUE UMA A UMA ARRANCARIA,
QUATORZE ALFANGES
DE GENTIS ALBEDOS.
CHEIRO DE PEDRA
I – 1º mai 2016
Será que eu
ousarei ou que meus deuses
me ajudarão
nesta quebra de cadeias?
Será que,
finalmente, minhas sereias
completarão o
ensaio de seus meses?
Quando a
cantata esperada tantas vezes
estreie finalmente
em brancas teias?
Quando os
merlões separados por ameias
dos meus
bastiões atacarão revezes?
Ah, que eu
queria! Que meu devaneio
de tantos anos
se concretizasse,
sem o abraço
constante da quimera
e que eu
pudesse penetrar o veio,
que nessa fonte
enfim me abeberasse,
depois das
rochas de tão longa espera!
CHEIRO DE PEDRA
II
Caso eu fosse
um partisan, redigiria, (*)
nesta data ao
trabalho consagrada,
sagas de maio
em rútila e elevada
canção
guerreira que operário cantaria.
(*)
Guerrilheiro comunista
Caso eu fosse
um sacerdote, falaria,
nesta falange
há tantos anos dedicada,
em véus de
noivas, a melodia alçada
no epitalâmio
em helênica elegia. (*)
(*) Canto
nupcial
E se pornógrafo
fosse, eu quereria
ver na nudez
dos noivos alegria,
como um motivo
de maior excitação.
Mas mesmo sendo
um velho, não veria
nessa nudez a
menor pornografia,
mas da beleza
tão só a exaltação!
CHEIRO DE PEDRA
III
A carne humana
tem seu cheiro peculiar
que não é, tal
qual afirmam, ofensivo;
os animais tem
fedor bem mais ativo
e o dos humanos
sempre é mais familiar.
Já de uma
estátua, o cheiro a se esperar
é bem diverso,
um hausto primitivo
de mármore ou
do basalto mais esquivo
ou do arenito
para o olfato conquistar.
A carne humana,
na pintura a óleo
odor nos punge
mais próximo ao azeite
e o breviário
de suas cores enriquece
ao paladar, que
intermedia cada olho,
no palpitar do
vulto assim aceite,
a mente e o
peito invadindo como prece!
CHEIRO DE PEDRA
IV
Porém que
cheiro tem a carne nessa tela
que reproduz a nudez
pela eletrônica?
Sabor de
plástico, talvez, veste neurônica
sobre o
acrílico que tantos pixels revela.
Não é o olfato
que aos olhos nos apela,
apenas tal
quimera mnemônica
dessa lembrança
singular e afônica,
calado gesto em
que a imagem se congela.
Não é cheiro de
pedra e nem perfume,
somente o odor
que lhe podemos atribuir
e que encaramos
com dulçura ou azedume,
lá das
entranhas de nosso perquirir,
seja qual for o
atalho por que rume
nosso desejo
para o vasto confluir.
CHEIRO DE PEDRA
V
De modo
idêntico, qualquer fotografia,
sem ser
impressa, sem ter cheiro de tinta,
sem que esteja
em nossas mãos, sem que se sinta
sequer o estalo
furtacor com que iludia,
não é a
semialma que haveria
num holograma
de projeção distinta,
nem a imagem
cambiante que se pinta
pelos recursos
que em tal tela se acharia.
Essa foto de
mulher em sua nudez,
ali estática e
sem ter movimento,
sem exudar
feromônios femininos,
somente traz
sugestões de vaga tês,
que reforçamos
pelo nosso pensamento,
na proporção de
nossos desatinos...
CHEIRO DE PEDRA
VI
Assim ao vermos
qualquer musa despida
(como é costume
chamar a tais modelos),
sem pedeefe
a mover os seus desvelos, (*)
sua redolência
por nos mesmos é inserida.
(*) pdf
(Portable Document Format).
E se um artista
a encarar, é concebida
tal qual nos
quadros, tal qual queria vê-los;
são dotes de
beleza e irá perdê-los
nessas décadas
cruéis da humana vida!
Mas quando
alguém de mente mais grosseira
enxerga o óleo,
a têmpera ou a estátua,
ali contempla
não mais que seus pecados.
Não cheira a
pedra, nem a carne mais faceira,
mas a própria
maldade ou inveja fátua
dos outros
corpos que a possuíram deliciados!
ISABELLA I – 02
MAI 16
Meu amor não me
deixa... meu amor não me deixa
ter sossego
algum... É a letra de “Isabella”,
uma canção que
me parece muito bela,
que em
repertório germânico se enfeixa.
Alegremente, o
intérprete se queixa
desse desdém
que lhe impõe a sua donzela,
mas em sua
teimosia se encastela
e assim repete
em público sua endeixa,
nesse aguardo de
que sua voz a dama escute
ou que as
amigas logo venham lhe contar
quão grande o
esforço com que por ela luta!
Talvez assim
adule a sua vaidade
e finalmente
possa tê-la por seu par,
quem sabe tendo
até felicidade!
ISABELLA II
O acorde escuto
dessa canção singela
e vejo em mim
rebrotar a nostalgia:
ai, que
cabelos? Qual olhar teria
a homenageada e
germânica Isabella?
Teria sido
europeia essa donzela,
na terra antiga
em sepultura fria?
Por que sinto
borbulhar-me essa empatia
pelo cantor que
teme ainda perdê-la?
Ou quem sabe já
nasceu nestes lugares
consagrados
pelo sangue de imigrantes,
aqui trazendo o
modelo dos cantares,
a língua antiga
cultivando como dantes?
Talvez se a
visse, não tivesse iguais ansiares
nem comporia os
mesmos versos suplicantes...
ISABELLA III
Nem sei quem
seja a mocinha da canção,
mas simpatizo,
contudo, inteiramente,
com tal
dedicação de ideal potente
de quem gravou
sua ingênua aspiração.
Pois isto é
certo: que a cada geração
haja namoros
obtidos facilmente,
haja paixões por
um par indiferente,
mil corações em
total inquietação!
Ai,
Isabella! Que não vi e não verei!
Será que
algures por ti me apaixonei
e é por isso
que tal canção me toca?
Ai,
Isabella! Provavelmente velha ou morta,
contudo ainda o
coração me entorta
pelas palavras
a brotar de alheia boca!
ANÉIS BENZOICOS
I – 03 MAI 16
Todo perfume
tem assento em um anel,
seis átomos
predispostos qual colar,
criando olor a
tuas narinas dar,
simples recamo
que adorna esterco e mel.
Pois todo amor
tem ali igual quartel,
seus feromônios
teu nariz a penetrar,
também um cego
sabe como amar,
deixando cego o
monge em seu burel.
Amor, portanto,
também é anel benzoico,
que te penetra
fundamente, triste fato,
e a alma
inteira envolve igual aranha
e assim afeta
até mesmo o mais estoico,
porque, afinal,
amor é como um gato,
manso e bonito,
porém que a mão te arranha!
ANEIS BENZOICOS
II
Amor te ilude
quando o ideal te assanha
e em ti
desperta a quimera da delícia,
sem despertar
qualquer suspeita de sevícia,
nessa sua
atávica e insuspeitada manha!
Amor, de fato,
os dentes te arreganha
nesses momentos
de beijo e de carícia,
a explorar
facilmente essa estultícia
que o coração e
a alma humana banha!
Por ser amor
necessidade básica,
não só de sexo,
mas também de compreensão,
de se possuir
ao lado lealdade,
mesmo que seja
de permanência fásica, (*)
porém que
aqueça o bater do coração
inquieto sempre
de toda a humanidade!
(*) Temporária.
ANEIS BENZOICOS
III
Dizem que o
gato prima por limpeza,
o corpo inteiro
sempre a se lamber,
os seus
emunctórios a esconder,
enquanto o cão
para tal mostra lerdeza.
O mesmo gato
consciente de beleza,
que come e
dorme no seu espairecer,
pelo alimento
pouco ou nada a devolver,
na vocação de
bibelô por natureza...
Assim o amor,
de aparente mansidão,
não traz em si
qualquer compensação,
se não for
acompanhado pelos fatos,
pelo concreto
em real demonstração,
na gentileza
dos beijos em botão,
dedicação
constante nos seus atos.
ANÉIS BENZOICOS
IV
Anéis benzoicos
que o calor mais fortalece,
mas que no frio
têm menos perceber,
cada perfume na
flor a se esconder,
quando na geada
sua cor empalidece.
Porém, por atos
de amor, tal odor cresce,
faz-se benzoico
em seu redolescer, (*)
mansa florada
em transitório verdecer,
quando ao fundo
do palato se nos desce.
(*) Perfumar.
Que seja amor
nada mais que uma ilusão,
que outra coisa
nos traz mais inspiração
e a criar mais
nos leva e a construir?
Logo as papilas
terão breve constrição,
assim fechadas
ao benzoico da emoção,
deixando amor a
perfumar o coração.
BEIJOS DE SALITRE I – 04 MAI 16
Sinto no beijo um sabor acidulado,
Quando se oscula um lábio amarfanhado,
Nessa mescla de carinho e de ilusão,
Terrível beijo por destino consagrado!
Sinto no beijo tal singular paixão,
Meio perfume, outro meio a palpação
De cada beijo escondido no passado,
Quer seja meu ou de antiga geração.
Nesse salitre de atroz penetração,
Nesses instantes da mente deslumbrada,
Nesses momentos de reza amortecida,
Todo envolvido nessa estranha exaltação
Que me embriaga com café e limonada
No insuspeitado percutir da própria vida!
BEIJOS DE SALITRE II
Fica do beijo o sabor nas comissuras (*)
Dos secos lábios guardiões da própria boca,
Sabor de lã, desmerecida touca,
Meio roída pelas traças mais impuras!
(*) Cantos da boca ou dos olhos..
Fica do beijo o olor das formosuras,
Das ilusões, felicidade louca,
Por mais comprida seja, inda bem pouca,
Na diária vida fissurada das agruras!
Já muita vez anteriormente comentei:
Que cada graça que me dava a mão direita
A mão esquerda, sorrateira, me tirava!
Mas multidão de beijos alcancei...
Por mais que seja tal lembrança algo imperfeita,
Fica a memória do momento em que durava...
BEIJOS DE SALITRE III
Mas não se esqueça da presença do carvão
E algum enxofre do salitre na mistura,
Pólvora negra resultante desta impura
Fórmula mágica geradora de explosão!
Desse nitrato de sódio a construção
Não é exclusiva na memória que perdura:
É seu enxofre que nos leva a tal loucura,
Nesse futuro escurecido e sem razão.
Mas não sinto nos beijos nada escuro,
Embora alguns tivessem toque de sulfúrico,
Na violência da subitaneidade,
Para atrair-me a qualquer destino duro,
Originado no abismo mais telúrico,
A dominar-me com total gulosidade...
BEIJOS DE SALITRE IV
Assim anseio que a memória transitória
No coração perene me transite
E que a lembrança constante me concite
À inspiração em beleza constritória.
Que do salitre adstringente tal memória
Entre as gengivas a saliva ainda agite,
Que recordar outra saliva me permite
Nessa partilha de paixão peremptória.
Que seja a pólvora particular do amor
Causadora em meu peito de implosão,
Por toda a vida insuflando a geração
De novos beijos dos versos no calor,
No salitrado enxofre e no carvão,
Caminho abrindo em meu velho coração!
PÉROLAS AZUIS I – 05 MAI 16
Passado o sono, coloco outra camada
Igual a cera azul sobre o passado,
Pasta macia, tom balsâmico e dourado,
Por todo o sempre ali depositada!...
Nesse sarcófago a vida inteira embalsamada,
Em óleo e guache meu sudário mergulhado,
Cada momento que na mente foi pintado,
Cada mentira para sempre consagrada!...
Durante o sono, nem sei onde me encontro,
Nos vastos sonhos de ambição desmesurada,
A pré-história do antanho em tal recontro.
Durante o sono talvez tenha os mais reais
Momentos de minha vida, desfrutada
Na terra áurea que aqui não vejo mais!...
PÉROLAS AZUIS II
É meu costume ouvindo música dormir,
Porem não essa que chamam popular,
Sinfonias e quartetos a escutar,
Proclamações em canções a reluzir!...
Talvez meu cérebro as possa perquirir,
Doces gavinhas procurando retirar,
Da melodia a inspiração a acalentar,
Quaisquer palavras ou nota a lhes pedir.
Durante o sono, a camada é mais suave
E nem sei se eternamente deposita
Pilha de vagas sob a imensa trave
Que me recobre a vida, ao invés de tenda,
Na multidão de sonhos que se agita,
Enquanto os olhos recobrem-se com venda...
PÉROLAS AZUIS III
O que é certo é que, após o despertar,
Palavras fluem direto no papel,
Ficam metáforas melífluas qual mel,
Frases amargas do amargor a conquistar.
Antes mesmo de minhas pálpebras lavar
Eu já me vejo desenhando esse ouropel,
Na luz escassa, o céu em seu burel
De monge, acetinada a palpitar!...
Sobem as tropas em violento relinchar,
Versos mugidos, versos a balir,
Versos sofridos, outros mais exuis,
Filhos do sono, em insopitável rebrotar,
Frases doridas ou frases a luzir,
No lusco-fusco destas pérolas azuis!...
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