O ALMIRANTE DOM
FUAS
(Episódio histórico português recontado por William Lagos, 16 mai 16)
O ALMIRANTE DOM
FUAS I
Não se sabe
quando foi o nascimento
de Dom Fuas na
história portuguesa;
somente a data
de seu falecimento,
combatendo
contra os mouros com nobreza,
em Mil e Cento
e Oitenta e Quatro,
quando acabou
afogado no báratro
das ondas, após
mais uma batalha,
finalmente
perdida, sorte dura,
porém sua
história firme ainda se talha
e na memória
lusitana hoje perdura.
Chamava-se
Fernão Gonçalves Churrichão,
porém foi
apelidado “O Farroupim”
e mais tarde,
havendo certa mutação,
“Dom Fuas
Roupinho”, mais conhecido assim;
de Dom Affonso
Henriques companheiro;
alguns afirmam
ter sido um cavaleiro
da antiga e
santa Ordem dos Templários;
de fato, não se
sabe se casou
ou que tivesse
relacionamentos vários:
talvez mesmo ao
celibato se votou...
Mas mesmo a
época sendo das Cruzadas
jamais partiu
rumo a Jerusalém;
diversas outras
foram decretadas
e contra os
mouros de Portugal também.
Certamente se
tornou um Almirante,
levando a
Armada de Portugal avante,
desde os
primórdios por ele organizada,
um partícipe
feroz da Reconquista,
pela bênção dos
papas consagrada,
que a gente
lusa de tal empenho não desista.
Foi aio e
mestre de Dom Pedro Affonso,
filho de El-Rey
Dom Affonso Henriques,
mas aqui sofre
a história certo engonço:
dizem alguns
que por seus altos piques
seria do Conde
um filho natural:
Dom Henrique de
Borgonha, de Portugal
o Iniciador,
embora fosse derrotado
pelo seu sogro,
o espanhol rei de Leão,
o que o tornava
fielmente devotado
a Dom Affonso
Henriques, seu irmão.
O ALMIRANTE DOM
FUAS II
Segundo outra
versão, filho seria
de El-Rey
Affonso Henriques, não irmão
e que de Dom
Pedro Affonso deixaria
de ser o tio –
irmão mais velho, então.
Participou da Reconquista
ativamente;
sabe-se que em
manuscrito se apresente,
no ano de Mil
Cento e Setenta e Nove,
como
Alcaide-Mór a sua designação
para a cidade
de Coimbra, em que se louve,
ante a coroa a
sua perene devoção.
Ora, estando em
Coimbra, ouviu falar
da presença de
Gamir, mouro e senhor
de Mérida, na
Espanha, que estava a descansar
em Alcáçova do
Porto de Mós, de que governador
era por conta
de sua vice-governança,
sempre fiel a
seu califa em abastança.
Morava Dom Fuas
no Castelo de Leiria
e com sua hoste
partiu a combater,
sem qualquer
hesitação, a mouraria,
na firme crença
de que podia vencer!...
Possuía de fato
uma tropa bem menor;
não obstante,
alcançou o triunfar...
Levou consigo
Gamir, o grão-senhor
e os
prisioneiros que lograra dominar
para Coimbra,
de que era Alcaide-Mór,
em que foi alvo
de aclamação maior;
e Dom Affonso
Henriques o recompensou,
em razão do
valor dessa conquista,
quando Alcaide
de Porto de Mós o nomeou,
que defender
assim não mais desista...
Vendo do porto
as belas condições
e mais as naves
que aos mouros conquistara,
viu-se tomado
de nobres ambições
e quarenta
navios assim juntara,
passando a
combater como corsário
nas terras
mouras, com resultado vário,
dependendo do
ponto em que atacava;
grande fama
realmente assim se fez,
que os inimigos
sempre derrotava
este primeiro
navegante português!...
O ALMIRANTE DOM
FUAS III
Alguns navios,
é claro, ele perdia,
mas seus
marujos tornaram-se mais fortes;
para Lisboa
retornou um dia,
com despojos e
botins de muitas sortes;
foi promovido a
Comandante Naval,
o primeiro
português; assim foi natural
que o rei lhe
demonstrasse a gratidão
e os Vereadores
da Câmara de Lisboa
financiaram-lhe
a total renovação
de sua
esquadra, com importância boa.
Saiu de novo a
perseguir os sarracenos
e no combate do
Cabo de Espichel
capturou várias
galeras, em cujos remos
havia escravos
portugueses, a vida um fel,
aos quais
substituiu por muçulmanos,
capturados em
combates soberanos
e assim logo ao
Rio Tejo regressou,
tendo em Lisboa
uma nova aclamação;
e com o novo
apoio que granjeou
partiu depressa
para nova expedição!
Costeando
Algarves, então ainda muçulmana,
de Gibraltar o
longo Estreito atravessou,
invertendo a
façanha; e assim se irmana
com aquele
Ulisses dos gregos, que o cruzou,
vindo de
dentro, em direção ao Mar Oceano,
por Homero a
ser louvado em grande afano;
não o primeiro,
certamente, que assim fez,
mas invadindo
assim o Mediterrâneo,
algo que só
mais tarde se refez,
da Reconquista
como efeito e sucedâneo.
Nesse período,
o Mediterrâneo Ocidental
aos mouros
pertencia inteiramente,
salvo na borda
mais setentrional
da Itália e da
francesa entente,
que até a
Sicília fora conquistada,
muita gente
cristã escravizada
e transportada
para as terras africanas,
mas Dom Fuas
até Ceuta navegou:
venceu o combate
e outras naves muçulmanas,
sem quaisquer
dificuldades apresou...
O ALMIRANTE DOM
FUAS IV
Em Mil Cento e
Oitenta e Dois permaneceu
de Porto da Mós
em sua alcaideria;
foi nessa data,
então, que lhe ocorreu
de Nazaré o
Milagre de Maria,
quando tentava
caçar certo veado,
o que será mais
adiante relatado.
Logo a seguir,
as incursões recomeçou:
saqueou
Melilla, por se achar desguarnecida;
muitas aldeias
igualmente devastou,
mês após mês a
vitória conseguida.
Mas no
princípio do ano seguinte,
De Oitenta e
Quatro, aumentando sua vaidade,
tentou Sevilha,
um porto de requinte,
trinta e três
naves sua capacidade;
Ibn Khaidun, o
grande historiador,
nos relata esse
combate de valor,
em que
cinquenta e uma galeras enfrentou,
sem conseguir
vencer esse combate;
vinte e duas
naves portuguesas se apresou,
cerca de dez
afundadas nesse abate.
Falam alguns
que pereceu nessa batalha,
mas o mais
certo é ter voltado a Portugal,
com a
derradeira nave que lhe calha,
humilhado e
furioso ante seu mal;
e novamente
pediu o apoio de seu rei:
“Igual que
antes, desta vez triunfarei.”
E então partiu
contra a Serra de Abila,
que pôs a ferro
e fogo e até saqueou,
mas foi cercado
diante desta vila
e finalmente no
Mediterrâneo se afogou...
Jaz até hoje o
valoroso marinheiro
em qualquer
ponto do Mediterrâneo ocidental,
Oitenta e
quatro o seu ano derradeiro,
nesse combate
sofrendo morte triunfal...
Até aqui vão os
fatos desta história:
do Milagre de
Nazaré seguirá a glória,
para o qual
existe tão só comprovação
de que no ano
de Mil Cento e Oitenta e Dois,
foi registrada
de um terreno a doação
por Dom Fuas,
como se há de ver depois.
O ALMIRANTE DOM
FUAS V
No Santuário do
Sítio de Nazaré
expõe-se
estátua da Virgem Maria,
amamentando
Jesus. Segundo a fé,
o próprio São
José a esculpiria,
olhando a
esposa que tanto respeitava,
enquanto ela a
Jesus amamentava.
Mais tarde, por
razão desconhecida,
São Lucas de
cor negra a pintaria,
quando à sua
guarda esteve recolhida:
Nossa Senhora
assim negra ficaria
Esta história,
por sua vez, foi incluída
por Frei
Bernardo de Brito em sua história,
“A Monarquia
Lusitana”, redigida
com muita
afirmação peremptória
da realidade
dos milagres e ensejos,
em que a Virgem
e os anjos, em adejos,
teriam vindo a
auxiliar os portugueses,
junto a muitos pormenores
que se louve,
nos seus
relatos profanos muitas vezes,
impressa um dia
em Mil Seiscentos e Nove.
A Frei Bernardo
de Brito, na verdade,
se chamou “o
Cronista-Mór de Portugal,
por narrativas
de grande majestade,
em que a
existência de lendas não faz mal.
A doação de Mil
Cento e Oitenta e Dois
foi mencionada
inicialmente, pois,
nesse relato do
escritor admirável,
quinhentos anos
depois de sucedida,
baseada em
narrativa respeitável
que no Monteiro
de Alcobaça era mantida.
Afirma a
crônica que em Nazaré da Galileia
fora a imagem
esculpida inicialmente,
de mão em mão
passando em odisseia,
chegando a
Santo Agostinho finalmente.
Por Ciríaco, um
monte grego, acompanhado,
Santo Agostinho
assim teria viajado
até a Espanha,
trazendo a santa imagem.
Ou São Ciríaco,
sozinho, viajara,
enfrentando mil
perigos, com coragem,
e a São
Jerônimo de Estridão a entregara...
O ALMIRANTE DOM
FUAS VI
Era o prior de
um mosteiro, em Cauliniana,
perto de
Mérida; e ali a imagem foi honrada
desde o século
quinto, é o que proclama,
até a tropa ter
sido derrotada
de Roderico, o
derradeiro rei
da Gothalunya,
pela imensa grei (*)
dos mouros e
também de renegados,
de Guadalete,
na pérfida batalha,
deixando os
pobres monges assustados,
cada um fugindo
para o ponto que lhe calha.
(*) A “Terra
dos Godos”, hoje Catalunha.
Dom Roderico se
teria refugiado
nesse mosteiro,
após a sua derrota;
e ao ver que
estava sendo abandonado,
a um certo Frei
Romano se devota
e disfarçados
como dois mendigos
para o
Atlântico partiram os dois amigos,
de Setecentos e
Onze no final,
tendo a imagem
consigo transportado,
até chegarem,
enfim, a Portugal,
em uma gruta a
Santa Virgem colocando.
Foi nesse ano,
em Novembro Vinte e Dois,
que se
instalaram no Monte de Seano,
chamado Monte
de São Bartolomeu depois,
no qual, sob
domínio ainda romano
fora a Igreja
de São Gião ali erguida;
muito pequena,
de fato, quase ermida,
mas pelos
padres de então abandonada,
por não haver
mais ali a segurança;
de fato, a
porta estaria escancarada
e a dupla ali
se acolhe em esperança.
Contudo, após
haverem descansado,
vinda de fora,
suave voz então se escuta;
e depois de sua
origem ter buscado,
Frei Romano
finalmente achou tal gruta.
Embora em zona
de bastante agrura,
pareceu-lhes se
mostrar bem mais segura.
Ali o monge para
sempre se instalou,
mas querendo
iniciar outro combate,
Dom Roderico
para o norte viajou,
numa esperança
que seu destino abate...
O ALMIRANTE DOM
FUAS VII
Ficou o monge
por ali até morrer,
sem pelos
mouros ser nunca perturbado,
até da
Reconquista o transcorrer,
quando o
santuário novamente foi achado.
Tem vinte e
cinco centímetros a imagem,
Nossa Senhora a
mostrar negra visagem,
seu seio
exposto para aleitar Jesus;
sobre um
pequeno banco está sentada,
jamais vergonha
existindo em seios nus
quando criança
está sendo amamentada.
Por pastores
era há tempos conhecida:
Nossa Senhora
Negra era chamada...
Em Mil
Trezentos e Setenta e Sete tal guarida
por El-Rey Dom
Fernando foi honrada:
dez anos antes
seu reinado começara,
indo até
Oitenta e Três; e erguer mandara
a atual igreja,
que então foi consagrada
como o Sítio de
Nossa Senhora de Nazaré
e a tal
santuário foi a imagem transportada
e conservada
até hoje, em plena fé.
Durante a época
dos Descobrimentos,
vinham ali
rezar sempre os marinheiros
e da presença
atestam documentos
dos mais
famosos de tais aventureiros:
Gil Eannes
esteve ali, o descobridor
daquele
estranho Cabo Bojador,
junto do qual a
costa africana se desvia,
que então
pensou que até a Ásia conduzisse;
Vasco da Gama
visitou-a, quando ia
ao grande
périplo e a Virgem ali o bendisse.
Também o nosso
Pedro Álvares Cabral
foi acender ali
um círio ou vela,
que em sua
viagem não sofresse qualquer mal,
que o Brasil
para a Coroa assim revela;
já com outro
nome era a imagem referida,
Nossa Senhora
de Nazaré, sendo acolhida,
até que em
Fátima, muitos séculos depois,
noutro
santuário, fosse a Virgem recebida;
este alcançou
fama maior dos dois,
mas sem que a
Nazaré fosse esquecida.
O ALMIRANTE DOM
FUAS VIII
Muitas réplicas
da estatuazinha se fizeram;
na maior parte,
por pura hipocrisia,
ao seio de
Maria mutilaram:
pobre Jesus!...
que assim fome passaria!
E esse famoso
Círio de Nazaré,
de Belém do
Pará réplica é...
Hoje em dia, a
estatueta traz um manto,
quase sempre
negro ou azul, que lhe recobre;
Jesus Menino no
seu colo santo,
a Negra Virgem
com expressão bem nobre.
Mas onde está a
tal ação miraculosa?
No dia Quatorze
de Setembro, de manhã,
de Mil Cento e
Oitenta e Dois, a luz radiosa
foi escondida
por certa névoa vã...
Dom Fuas
Roupinho caçava com amigos,
mas temendo da
falésia os seus perigos,
seus
companheiros ficaram para trás,
porém Dom Fuas
gordo veado perseguia
e sem caçá-lo
não se satisfaz,
seguindo empós
qualquer ponto a que fugia...
Ora, esse Monte
de São Bartolomeu
formava um
promontório até o Oceano
e o marinheiro
muita vez o percorreu
e para sua
caçada armou um plano:
ao animal
pensou encurralar
na faixa
estreita que conduzia ao mar,
acreditando que
sua presa voltaria,
ao perceber que
não tinha escapatória;
e que destarte,
finalmente, a caçaria:
era alimento,
muito mais que uma vitória!
O veado, porém,
não retornava
e a caçada
prosseguiu, bem impetuosa;
do precipício
já se aproximava
a sua montada,
por demais fogosa,
sem que essa
arrancada interrompesse!...
Temeu Dom Fuas
que ali já se perdesse
e recordando
sua já antiga devoção,
gritou:
“Valei-me aqui, Nossa Senhora!”
O seu cavalo
então parou de sopetão;
lançou-se ao
mar o veado e foi-se embora!
O ALMIRANTE DOM
FUAS IX
E de permeio
aos recifes ardilosos,
seguiu nadando
até praia distante;
cedeu a névoa
nos momentos mais preciosos:
viu-se o
quadrúpede a nadar do mar avante!
Mas por saber
que bem perto estava a gruta,
já Dom Fuas
imaginou nova labuta
e desmontou
depressa do cavalo,
pensando
agradecer à boa Senhora,
fazendo um
voto... e para conservá-lo,
trouxe a seguir
alguns pedreiros, sem demora.
Ergueu-se assim
a Ermida da Memória,
nesse local em
que vivera Frei Romano;
e segundo
prossegue a mesma história,
sob o singelo
altar, envolto em pano,
achou-se um
cofre. Pensando ser tesouro,
buscou-se o
brilho de moedas d’ouro;
mas no interior
somente ossos havia:
dois esqueletos
enrolados com cuidado.
Seria Frei
Romano, que estaria,
sob o altar há
tanto tempo preservado?
E nesse caso,
de quem o outro esqueleto?
Chamou-se o
padre capelão de Leiria,
que viu na
tampa qualquer sinal secreto,
que bem diversa
interpretação lhe permitia:
eram os ossos
de São Bartolomeu!
E os de São
Brás, que o bom monge recolheu,
então guardados
de São Gião na igreja,
julgando ali
melhor os preservar;
seu esqueleto
ali portanto não se enseja:
alguns pastores
levaram-no a enterrar...
Assim a Ermida
da Memória os conservou,
santas
relíquias dos mouros preservadas
e nela a imagem
novamente entronizou,
por muita gente
sendo sempre veneradas.
No Bico do
Milagre ainda apresentam
os moradores,
que aos visitantes tentam
mostrar na
pedra o sinal da ferradura
desse corcel,
no lugar em que estacou;
e em Setembro o
costume ainda perdura
de acender
velas no lugar que demarcou.
O ALMIRANTE DOM
FUAS X
Logo a seguir,
fizeram-se gravuras,
mostrando esse
cavalo que estacou,
algumas mesmo
até em iluminuras:
só raio de sol
que o nevoeiro dissipou;
mas a partir do
século Dezessete,
uma nova
imageria se intromete:
o próprio vulto
de Nossa Senhora,
sempre trazendo
o seu bebê ao colo,
levita acima e
à frente nessa hora,
para manter o
cavaleiro sobre o solo.
É uma dessas a
nossa ilustração,
um belo quadro
de autor desconhecido,
no qual um raio
de real cintilação
ao cavaleiro
salvou de ter morrido
a alguns passos
apenas desse oceano
em que teria
falecido, sem engano.
De Frei
Bernardo de Britto a narração
conclui aqui,
mas prossegue em sua memória,
contando os
fatos realizados pela mão
do cavaleiro e
almirante, em pura glória.
Porém a lenda
que se narra em Portugal
contém ainda prodigiosos
pormenores;
já antes disso,
em devoção bem natural,
Dom Fuas
determinara a escultores
que lhe
fizessem uma réplica da imagem
e a
transportava para qualquer paragem;
e quando a pia
vela lhe acendia, (*)
demonstrava a
sua armada grão valor,
constantemente
a derrotar a mouraria:
era a Virgem de
Nazaré mostrando amor!...
(*) Piedosa,
reverente.
Porém na triste
batalha por Sevilha,
teria sido Dom
Fuas aprisionado;
um Comandante
Abdul a imagem pilha
e com rancor a
teria desprezado,
pretendendo
lançá-la para o mar,
Dom Fuas em
insistência a suplicar
que preservasse
a sua imagem santa...
“Sois cães
idólatras, vós, os Nazarenos!
A própria
Bíblia de vocês lhes canta
não crer
ídolos, sejam grandes ou pequenos!”
O ALMIRANTE DOM
FUAS XI
Porém Dom Fuas suplicou
com devoção
e esse Abdul
pô-lo à prova decidiu:
“É só um Deus
que nos governa, vil cristão:
Alá é grande e
a sua flotilha destruiu!
Não adoramos a
qualquer mulher
e repudiamos a
um ídolo qualquer!...”
Mas como lhe
suplicasse o marinheiro,
disse Abdul,
com o máximo desdém:
“Então a jogue
ao mar você primeiro!
Prove que adora
a um só Deus também!...”
E então grave
dilema apresentou:
“Capturei seus
vinte e dois navios,
Mas com bravura
percebo que lutou;
serão escravos
seus marujos tão bravios,
porém sua
própria nave eu vou livrar:
sua tripulação
e a você vou libertar...”
Dom Fuas
agradeceu a sua bondade.
Riu-se Abdul:
“Mas há uma condição:
jogue no mar
essa figura de maldade,
que não merece
a sua heroica devoção!”
“Mas meu
senhor, tal coisa eu não farei!...”
“Bem, nesse
caso, no fogo a vou queimar;
a sua galera
agora incendiarei,
porém primeiro
irei nela o acorrentar!...”
“Estou disposto
a dar por ela a vida,”
disse Dom Fuas,
“que é santa e mui querida!”
Mas novamente
zombou dele esse Abdul:
“Seus marinheiros
também vou acorrentar!
Jogue seu ídolo
para o mar azul,
caso contrário
a vós todos vou queimar!”
“A escolha é
sua. Mas se concordar,
libertarei a
você e à tripulação
e poderão para
suas casas retornar.
Decida agora,
sem mais hesitação!”
E envolvido
nesse atroz dilema
deixou-se Fuas
convencer. Com muita pena,
beijou a imagem
que depois no mar lançou.
Disse Abdul: “A
minha palavra cumprirei.”
E a essa única
galera libertou,
com que Dom
Fuas retornou para seu rei.
O ALMIRANTE DOM
FUAS XII
No coração,
porém, trazia a vingança;
e conseguindo
reunir pequena fila
de novos
barcos, retornou com esperança,
chegando à
aldeia de Serra de Abila,
que incendiou,
pensando o mal lavar
e a proteção da
Virgem recobrar;
mas não trazia
a imagem mais consigo
e Abdul
retornou, com grande armada...
Dom Fuas
pereceu ante o inimigo,
sua coragem já
não valendo de mais nada!
A santa imagem
pelas ondas foi levada,
duzentos anos
pelas vagas revolvida,
quem sabe
aquela que no Brasil foi encontrada,
hoje chamada de
Senhora Aparecida!...
O mesmo manto
de um azul triangular,
com negras
faces ainda a rebrilhar...
Talvez se diga
que tal santa padroeira
não traz ao
colo mais esse menino;
alguma réplica
diferente da primeira...
Mas alguma
sobre o mar achou destino!
E por que essa
imagem encontrada
pelos jesuítas
nas praias do Brasil
não teria sido
por eles enfeitada,
sendo adornada
com tal manto de anil?
Será verdade
que em Palestina se criava
essa imagem que
a Jesus amamentava?
Naturalmente,
nunca foi submetida
a algum exame
de laboratório,
sua antiguidade
comprovada por tal lida,
após exame de
caráter ostensório...
Mas certamente
terá bem mais de mil anos,
já sendo antiga
no tempo de Dom Fuas,
de mão em mão
passando, sem enganos,
até alcançar as
espanholas ruas...
Que São José,
um exímio marceneiro,
movido por
ardor e amor inteiro,
a tivesse
esculpido, é até possível.
Mas por que São
Lucas a teria pintado?
Já me parece
ser coisa menos crível,
sendo ele por
São Paulo doutrinado.
EPÍLOGO
Entre os
judeus, qualquer imagem esculpida
seria na época
totalmente condenada;
mas nesse ardor
de seu final de vida
talvez fosse a
ordenança então quebrada
por São José, o
pai postiço e protetor,
pelo nenê e por
sua mãe mostrando amor...
Até hoje está a
imagem no santuário,
talvez de
ébano, sem ter sido pintada;
mas até termos
provas em contrário,
em Portugal
será sempre venerada!...
Não é de se supor que algum dia se permita raspar um pedacinho
da imagem original de Nossa Senhora de Nazaré a fim de submetê-lo a um exame de
Carbono Quatorze para determinar-lhe a idade.
É bastante provável que tenha mesmo estado no mosteiro de Cauliniana
perto de Mérida, na Espanha, antes de ter sido levada para as terras que hoje
são de Portugal. Mas mesmo que algum teste científico não destrutivo comprove
que tenha dois mil anos, nada garante ser manufatura de São José, embora este a
possa ter esculpido durante sua estadia no Egito, em que as imagens não eram em
absoluto desprezadas ou que a tivesse deixado lá ao retornar para Nazaré. O que é incompreensível é que São Lucas
tivesse pintado de preto os rostos e as mãos.
Dom Fuas é um personagem totalmente histórico, embora os
pormenores dessa lenda possam ser contestados; se fosse em outra época, ele
poderia ter sido protegido por alguma fada.
A caça ao veado é um tema recorrente em contos populares; e que não se
pense em chocarrice: o veado sempre foi um símbolo de masculinidade que se
encontra mesmo nos escudos heráldicos de muitas das famílias nobres europeias,
equiparado à águia, ao leão e ao unicórnio.
Somente no Brasil é que se criou a lenda de seu homossexualismo,
iniciada por Cassandra Rios em seu romance, Georgette. Ela misturou o termo “corno”, indicando
“marido enganado” com o francês “biche”, ou “corça”, a fêmea do veado, aplicado
na França aos homossexuais, de que deriva nosso apodo, “bicha”. Nisto não há
nada de admirar, considerando que se referia a “olhinhos corriqueiros”, para
indicar que se achavam “em constante movimento” e não que fossem de aspecto
comum. Fora destes cochilos, foi uma
excelente escritora.
Sendo um animal de grande porte e vulto nobre, o veado
constituía caça exclusiva da nobreza, de cujas refeições fazia parte pelo sabor
de sua carne e mesmo pela escassez de alimento durante a Idade Média. Era totalmente proibida sua caça aos plebeus,
punida pelo enforcamento.
Quanto aos ossos de São Bartolomeu se encontrarem no santuário,
não existe a menor garantia. Outra
versão diz que esse apóstolo foi morto na Índia por um golpe de lança. Não há
comprovação histórica do lugar do falecimento de qualquer dos apóstolos. O Livro dos Atos indica claramente que São
Paulo esteve preso em Roma, mas não menciona São Pedro, que era mesmo seu
rival.
São João estaria vivo até hoje, dormindo em uma gruta em Éfeso,
na atual Turquia, esperando a Segunda Vinda. Os locais mostram um orifício na
rocha do qual se escutaria a sua respiração...
Já São Tiago o Maior estaria enterrado em Compostela... Mas todas essas lendas são sujeitas a muitas
contradições, tais como o túmulo da Virgem Maria, mostrado em uma dezena de
lugares diferentes, até ser proclamado o dogma da Assunção. Tampouco há historicidade na lenda de que São
Pedro foi crucificado de cabeça para baixo e Santo André em uma cruz no formato
de um xis.
O único fato registrado foi o apedrejamento do Diácono Santo
Estêvão, em Jerusalém, de cujo suplício São Paulo foi testemunha, “segurando as
vestes dos que o apedrejavam”. A
tradição diz que São Paulo foi decapitado em Roma, por ser cidadão romano, mas
tampouco isso consta da Bíblia, apenas sua prisão em Roma durante muitos anos,
de onde escreveu as suas Epístolas. Mas
o povo necessita de maravilhas e com a proibição dos contos de fadas, a Igreja
criou a hagiologia (história das vidas dos santos), boa parte da qual foi
desmentida por Sua Santidade João XXIII, o Papa do Ecumenismo. E quem nos diz que a tradição não conserva
fatos que realmente ocorreram? Apenas
nos falta a sua comprovação histórica ou científica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário