quarta-feira, 11 de maio de 2016





FLICTEMA (BOLHA) – 14 ago 2009
(Poema experimental em doze instâncias de WILLIAM LAGOS)

 FLICTEMA I  (14/8/2009)
(bolha)

persigo, sorridente,
a voz do sonho:
à morte chamo filha e companheira:
tantos filhos eu fiz, em longa esteira,
quantos deixei morrer em vãos escuros,
na impiedade dos pensamentos puros,
versos impuros     versos impuros
dos inseguros     dos inseguros
gurus     gurus
versos de nada,
na seclusão,
tenho uma pilha morta no escritório,
tem um valor somente emunctório,
na falta de melhor composição,
tardios frutos da ejaculação,
maus versos são     maus versos são
malversação     malversação
feita inação     feita inação

FLICTEMA II

nem eu entendo
porque tal ritmo
que me arde como bolhas nas pupilas,
pestanas se arreganham nessas filas
de palavras estoicas e sem nexo
que me deixam fremente de perplexo
interconexo     interconexo
desconexo     desconexo
meu sexo     meu sexo
em revoada
bica minha alma
e cada pássaro leva sua migalha,
perfurada qual filó essa mortalha,
que envolve o coração em sacramentos
do maculado enxoval dos paramentos
parlamentos     parlamentos
de lamentos     de lamentos
ainda bentos     ainda bentos

FLICTEMA III

urgente a urina
escorre em ouro
nos filamentos ágeis do desdouro
no verdigris dos dedos, lavradouro
da saga morta umedecendo os versos
que escorrem pelos dedos, redispersos,
predispersos     predispersos
dispersos     dispersos
temas tersos     temas tersos
tais sombreiros de luz
são califormes,
na tinta negra escorrem como ourina,
os versos vesicais da triste sina,
a displasia da morte impenitente,
encardida ante um deus indiferente
complacente     complacente
à reverente     à reverente
curvada frente     curvada frente

FLICTEMA IV

escorrem versos
como absurdos
ardem nos dedos como quem cistite
sofre no ventre por malapetite,
às avessas de nutrir-se do alimento,
mantendo na albumina o pensamento
em julgamento     em julgamento
por nojento     por nojento
sangue lento     sangue lento
e é de pensar,
 que onde frequento
me flui o sangue em ouro por meus dedos,
vermelha urina de sutis degredos,
azulada tristeza de caligem,
gama inútil das dores que me atingem
e santa virgem     e santa virgem
me impingem     me impingem
e me tingem     e me tingem

 FLICTEMA V

noiva da terra
põe seu vestido
canção de outono que sem querer compus
se anela em geada com frivolidade
e se penteia no esmeralda da vaidade
seu rosto cinza em maquiagem de alvaiade
à senectude   à senectude
sua face rude   sua face rude
então alude   então alude
calça sapatos
feitos de argila
ainda se prende ao medo dos conventos
não se casou no momento em que devia
encanecida em seu temor de tia
muita vela já acendeu a santo antônio
em vago harmônio   em vago harmônio
quase demônio   quase demônio
seu peritônio   seu peritônio  

FLICTEMA VI

mas perigalho
é o noivo velho
praticamente retirado do ataúde
com uma bolha aos pés de cada olho
as rugas fundas desespero de restolho
em seu anseio de ser melhor alude
felicitado   felicitado
imaculado   imaculado
em nado   em nado
por entre o mar
das brumas de sonetos
vai procurar qualquer rascunho que lhe serve
como um trajo de gala em melodia
que com dificuldade escutaria
são apenas sete notas que se herde
já disse aqui   já disse aqui
o debussy   o debussy
só para ti   só para ti

FLICTEMA VII

por casamento
lá na campanha
em vão procura um cartório distrital
já os escrivães todos aposentados
ou aos pouco pela morte convocados
e sepultados sem tumba senhorial
não na cidade   não na cidade
na opacidade   na opacidade
da velha idade   da velha idade
contudo à noiva
o noivo convenceu
a celebrar o matrimônio em cetegê,
com esporas e adagas, já se vê,
do juiz de paz arranham os sapatos
rasgam batina do padre sem recatos
na churrasqueira   na churrasqueira
em velha asneira   em velha asneira
ovelha inteira   ovelha inteira

FLICTEMA VIII

contudo os noivos
já sendo velhos
nesta canção de melodia plagiada
pobre poema de métrica empoeirada
mal pronunciaram os votos de enfiada
e de sua gala só ficaram contemplando
o matrimônio ela   o matrimônio ela
o patrimônio ele   o patrimônio ele
demônio os dois   demônio os dois
papeis assinam
mas ficam por ali
desnudos tristes pálidos e crus
sua poeira acumulada em magros nós
amarrados pelas bolhas de suas fés
duas cartas velhas de pacientes traços
mortos conselhos   mortos conselhos
perante espelhos   perante espelhos
dois pobres relhos   dois pobres relhos

 FLICTEMA IX

mas quem persegue
a bolha da poesia
apenas cria bolhas nos seus dedos
com mais flictemas a criar nos pés
enquanto busca em vão que alguém publique
a displasia de versos que escreveu
com patrocínio   com patrocínio
do lenocínio   do lenocínio
em latrocínio   em latrocínio
caso publique
pagando caro
terá de perturbar os seus amigos
os conhecidos até mesmo os mais antigos
para esse instante febril do lançamento
provavelmente em pronto enterramento
do que escreveu   do que escreveu
na cortesia   na cortesia
desse seu dia   desse seu dia

FLICTEMA X

quando se os lê
naturalmente
esses tais versos até mesmo guardam
num vão de estante em seu fatal suspiro
e se um dia um visitante no seu giro
enquanto donos da casa ali se aguardam
abre a estante   abre a estante
por um instante   por um instante
só deslizante   só deslizante
aborrecida hora
dessa demora
e pega o livro tão fininho para abrir
olhos correndo para se distrair
observando as folhas sem nem ler
o anfitrião dá-lhe o livro de presente
que já leu mente   que já leu mente
num dom pungente   num dom pungente
muito contente   muito contente

FLICTEMA XI

por que então
eu deveria
publicar essas bolhas que escrevi
nessa vaidade morta que esqueci
dez mil poemas perdidos no ademais
dos adultérios os filhos naturais
quatorze linhas   quatorze linhas
estão vizinhas   estão vizinhas
em tristes vinhas   em tristes vinhas
como os poemas
já passam dos dez mil
alguns deles tendo quarenta versos
outros com cem alguns até com mil
mas sendo a maioria só sonetos
quatorze linhas dos versos mais diletos
quantos serão   quantos serão
na conclusão   na conclusão
duzentos mil?   trezentos mil?

FLICTEMA XII

e assim falando
com sinceridade
nem posso acreditar que na verdade
alguém sequer queira passar espanador
quem gosta de poesia é porque a escreve
e cada amigo presença ali lhe deve
chega no dia   chega no dia
qual deveria   qual deveria
será que os lia   será que os lia
bolhas rebento
nem eu mais leio
mas pelos versos me sinto constrangido
que para a rede eletrônica exilei
junto dos títulos meu nome quase nem botei
não é importante que em respeito eu seja tido
só a displasia   só a displasia
bolha vazia   bolha vazia
sem mais alento   sem mais alento

William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com



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