CINCO CONTOS SÍRIOS
Baseados em contos de Maria Helena Deibler Mansur.
Versão poética William Lagos,
24-28 out 2016
AMOR NO LÍBANO
... ... ... 24 OUT 16
OS GATOS DO
VIZIR ... ... ... 25 OUT 16
A DANÇARINA ...
... ... 26 OUT 16
A PRINCESINHA
RENGA ... ... 27 OUT 16
O CÃO HABIB ... ... ... 28 OUT 16
(Aammiq, Vale do Beka'a)
AMOR NO LÍBANO I – 24 OUT 16
No vale do Beka’a, que o Líbano
atravessa,
desce um pequeno regato ao grande
rio,
no qual a religião tem grande
brio,
cada qual firme naquela que
confessa.
Tempos existem de rivalidade
espessa,
em outros sangue corre bem mais
frio,
sem que dois homens se observem
em arrepio
a cada vez que na estrada o outro
apareça.
Quase sempre a depender do
governante,
pois alguns determinam a
tolerância
a medir entre Cristãos e
Muçulmanos;
mas às vezes, na faísca de um
instante,
por inveja, talvez... ou por
ganância,
rompe uma guerra com traços
desumanos!
Por isso foram numerosos os
Cristãos
que emigraram para a terra
americana,
sob o temor de uma espada
muçulmana,
quando suas vidas perceberam em
suas mãos.
Mas no relato das presentes
situações
era a França a potência soberana,
que a igualdade defende e que
proclama
onde quer que dominem suas
legiões.
Mesmo assim, ainda reinava
desconfiança
entre as famílias que seguiam o
Alcorão
e aquelas a quem a Bíblia ainda
alcança.
E deste modo, numa das margens do
regato
um pequeno povoado era cristão
e na oposta, do Islam era o
recato.
A família de Abu Sami muçulmana
criava ovelhas, seus dois filhos
pastores;
porém Samir, de ocidentais
pendores,
estudava em Beirute a lei romana,
para formar-se no direito que
proclama
a igualdade entre servos e
senhores,
acreditando necessitassem
defensores
fora da Shariya de violenta chama.
Durante as férias à aldeia
retornava
e com frequência junto ao regato
ia estudar,
naquela paz que a paragem
dominava.
Mas de Jamil Ayala ali morava
do outro lado a família, a
conservar
a religião cristã que
professava...
Ora, estes eram mais
viticultores,
possuindo igualmente cem
figueiras;
tinham pêssegos, maçãs e até
roseiras,
mil abelhas a revoar em
esplendores...
Yasmini, filha dos bons
agricultores,
mais bela que as estrelas mais
fagueiras,
do entardecer nas horas
derradeiras,
ao regato ia lavar roupas, sem
temores.
Mas quando via sentado ali Samir,
sempre fingia nem sequer o
perceber,
mantendo este um idêntico fingir:
ela nas roupas conservando o seu
olhar,
ele seus livros de Direito a ler,
sem a menor intenção de
namorar...
AMOR NO LÍBANO II
Mas certo dia, já que Allah Kebir!
“Deus é grande!” para as duas
religiões,
senhor e mestre de todas as
paixões,
no destino destes dois quis
intervir...
De suas leituras se espantou
Samir,
a hesitar em suas antigas
opiniões,
forçado a inesperadas decisões,
quando gritos de Yasmini pôde
ouvir!...
Cruzou o regato, achando
necessário
a jovem defender de algum perigo,
mas ela disse: “Uma abelha me
picou...”
Ruborizada do proceder tão vário,
a si chamando a atenção de um
inimigo,
rapidamente assim se
desculpou!...
Ele arrancou, sem a menor
hesitação,
o ferrão que provocara o acidente
e num ato vingativo e
surpreendente
matou a abelha a estrebuchar no
chão!
Não se atreveu a segurar-lhe a
mão,
no que seria então ato indecente,
mas os dois se descobriram, de
repente,
a conversar, sem recordar proibição...
Cada um ao outro já a explicar
que ali se achavam por pura
coincidência,
que nunca antes pretendiam se
falar,
sem sua conversa nunca terminar,
as palavras a brotar com
impaciência,
bem diversa intenção a
demonstrar...
Em um namoro nem se podia pensar,
mas continuaram a se ver nesse
verão...
Maktub! Estava escrita
essa paixão:
quase impossível que pudessem se
casar...
Mas os irmãos de Samir foram
notar
e logo ao pai denunciaram a
infração;
Abu Sami pretendeu reprovação,
mas Samir seu grande amor foi
confessar...
Depois de toda a família
concordar,
foi Abu contatar Jamil Ayala,
buscando assim resolver a
situação;
que há muitos anos se sabiam
respeitar,
café tomando em sua modesta sala,
até pedir-lhe de Yasmini a mão...
E sendo época de tranquilidade,
até os dois sacerdotes se
acertaram
e um duplo casamento celebraram,
com festejos na maior
cordialidade.
A carne trouxe Abu Sami em
saciedade
e os Ayala mel e frutas
aportaram;
suco de uva os Islamitas só
tomaram,
vinho os Cristãos a beber com
liberdade.
Mas houve quem reprovasse o
casamento:
que religião seguiriam as
crianças?
A conversão considerada coisa
vil...
E lhes deram, afinal,
consentimento
e o casal, na maior das
esperanças,
alegremente embarcou para o
Brasil!...
OS GATOS DO VIZIR I – 25 out 2016
Elias Ibn-Yussef era o vizir
do Sultão de Khazar por muitos
anos;
sempre fiel, sem cometer enganos
muito constante e leal no seu
cumprir.
Porém a inveja sempre há de
surgir
entre aqueles que rodeiam
soberanos,
crescendo mesmo entre maus
Muçulmanos
que no alto posto o queriam
substituir.
O Sultão não dava ouvidos às
intrigas,
mas em batalha, após ser
derrotado,
numa emboscada de tropas
inimigas,
acabou por nessa trama acreditar,
de que o Vizir teria conspirado
para o trajeto de suas tropas
revelar!...
Porém Elias sempre o servira
fielmente
e ante a veemência de sua negação
não o submeteu ao castigo da
traição
e em benefício da dúvida, foi
leniente.
Foi demitido, porém, nesse
incidente
e retirou-se para uma região
em que herdara dos pais velha
mansão,
a que cercava uma aldeia
decadente...
Conformado, dedicou-se à criação,
a um pomar e a alguma
agricultura,
dando emprego a pequena multidão.
Seus inimigos, contudo, ainda o
temiam
e na maldade de sua alma impura,
salteadores contra ele
conduziam!...
Deste modo, no tempo da colheita,
durante a noite chegavam
salteadores,
trigo ceifavam e colhiam os
pendores
dos frutos do pomar em cada
feita!...
Ou do redil em que o rebanho
ajeita
as ovelhas carregavam os
malfeitores,
espancando sem pena seus
pastores,
matando a cabra que o filhotinho
aleita!...
E desta forma, o Vizir era
obrigado
a gastar os dinares que ainda
tinha
numa arca que seus pais haviam
deixado,
alimentando cada servo e
apaniguado
nessa pequena aldeia ali vizinha,
os alimentos a comprar noutro
mercado...
Porém depressa suas reservas se
acabavam;
dinheiro gasto bem depressa some
e até o bom velho começou a
passar fome,
junto aos criados que ainda o
acompanhavam!
Mas a certa distância então
moravam,
em um mosteiro de que não sei o
nome,
algumas freiras a quem a piedade
tome
a recolher quantos gatos
encontravam...
Ou talvez fosse uma fada
disfarçada,
que à mansão chegou com uma
cestinha,
com meia dúzia de gatos em
ninhada...
O porteiro não os queria receber:
pouco alimento a despensa ainda
continha...
mas a mulher viu nos ares se
perder!
OS GATOS DO VIZIR II
Ficou o porteiro em seu
deslumbramento,
a procurá-la pelo jardim e no
pomar,
a tal cestinha de gatos sem
cuidar,
que logo entraram, sem maior
impedimento...
Para si mesmos caçavam o
alimento,
muitos ratos e insetos a buscar,
que a despensa costumavam
assaltar
e mais escasso tornavam o
sustento...
E Elias Ibn-Yussef se afeiçoou
àquele bando de pequenos animais,
aos quais espantar ninguém
deixou,
a percorrerem sua casa
livremente,
as hortas, os pomares e os
quintais,
tal qual se fossem seus donos,
realmente...
Ora, ocorreu que a época chegou
de colher trigo e cevada que
brotava,
as hortaliças que o quintal
alimentava,
madura a fruta que em cada árvore
brotou.
Logo em aldeias vizinhas se falou
ser ocasião de roubar quanto se
achava,
sem pena ter de quem ali morava,
aos quais a fome por anos
dominou...
E quando à noite chegaram os
bandidos
viram luzes rebrilhando no
quintal
e por Agar se julgaram perseguidos!...
Um mau espírito que por ali
temiam
(mas eram os olhos dos gatos,
afinal)
e bem depressa os ladrões dali
fugiam”
E assim foram espalhar pelas
aldeias
que alguns effrites protegiam o lugar, (*)
chispas de luz brotadas do luar
quase sendo capturados em suas
teias!
(*) Gênios maléficos que se opõem
aos djinns, mais favoráveis.
Seria o castigo por ações tão
feias,
a pobre gente do povoado a
espoliar,
querendo o velho Vizir
prejudicar,
mais escassas a tornar suas
magras ceias...
E doravante, ninguém mais
assaltou
e o pobre povo da aldeia
prosperou
e até as reservas do Vizir se
refaziam...
Ele até mesmo melhorou do
reumatismo,
que as suas pernas aqueciam, sem
egoísmo,
aqueles gatos que em seu leito
então dormiam”
Eventualmente, ao Sultão se
demonstrou
quem eram, realmente, os seus
traidores,
que mandou executar por maus
pendores
e o bom Vizir em seu cargo
restaurou...
Alguns gatos à capital ele levou,
por muitos anos a lhe aquecer os
cobertores
e a conservá-lo livre de suas
dores:
por longo tempo ainda ao Sultão
aconselhou.
Porém na aldeia até hoje existem
gatos,
que tratam todos com prazer e
amizade,
não apenas pela caça de seus
ratos,
mas porque os maus espíritos
espantam,
em cada lar a trazer prosperidade
e sendo belos, porque todos ainda
encantam...
A DANÇARINA I – 26 OUT 2016-11-21
Esta história transcorreu em
Samaria,
na Cisjordânia atual localizada,
em que Kasbah era dançarina
procurada
para todos os eventos que lá
havia.
Ela espalhava nos cafés a sua
magia
e até na praça central
movimentada;
ante o palácio do Sultão era
avistada
e junto ao mar e à beira-rio
seguia...
Mas embora sendo assim tão
requestada
sempre Kasbah preservara sua
pureza,
por seu pai e seus irmãos
acompanhada.
Ao invés de véu usava os seus
cabelos,
trançados com cuidado, na esperteza
de apenas revelar seus olhos
belos...
Com jodhpurs as suas pernas protegidas, (*)
blusa bordada a lhe ocultar o
peito,
mostrando apenas a cintura sem
defeito,
em sandálias os seus pés tendo
guaridas...
(*) Espécie de bombacha de seda
transparente.
E recolhiam as mil moedas
concedidas
os seus irmãos, em bem treinado
jeito,
enquanto o pai a vigiava, ao
brando leito
dos narguilés em suas nuvens
aquecidas...
E na cidade todos respeitavam
a sua habilidade e extrema graça
e nenhum mal jamais dela suspeitavam,
mas com seus passos todos se
encantavam
a protegê-la de algum mal que ali
perpassa:
de ninguém era – e todos a
louvavam!...
Ora, um dia disfarçou-se o
soberano,
que se encantou por tal graça
também
e quis comprá-la para o seu
harém,
porém seu pai não atendeu a seu
reclamo.
“Minha filha é virgem, poderoso
amo;
um casto voto ela assumiu, porém,
que buscaria a todos dar o bem
de seu talento, no mais gentil
afano...”
“Mas não seria de ninguém, até
que Alá
de seu marido o nome então
falasse;
e sua pureza até então
conservará,
“embora exposta a todos sua
beleza,
sem lamentar que desejo
despertasse
desde o mendigo até a maior
nobreza...”
Nem quando o rei se deu a
conhecer
concordaram com sua venda os
familiares;
e o povo inteiro, em todos os lugares,
ergueu-se em breve para a
defender...
Então o Sultão limitou-se a
requerer
que na sua corte seus dotes
invulgares
também tivessem seus
apresentares,
ali a família igualmente a
proteger...
A dançarina assim se apresentava,
uma vez por semana, sem deixar
os demais pontos em que se
revelava;
e ao final de cada dança,
conversava
com o Sultão, em elegante
linguajar
e deste modo ainda mais o
encantava!...
A DANÇARINA II
Mas a esposa do soberano
observava
conversa e dança, por detrás dos
reposteiros,
os seus ciúmes crescendo bem
ligeiros,
pois o interesse do Sultão bem
suspeitava!
Logo Sulema com o Vizir
confabulava,
malvados planos a conceber
certeiros,
temendo este se tornassem
conselheiros
os seus irmãos ou o pai que a
acompanhava.
E deste modo, disfarçadamente,
tomou um anel que pertencia à
rainha
e o escondeu nas roupas que,
frequente,
Kasbah deixava, descuidadamente,
porque nas ruas grande recato
tinha,
quando evitava se mostrar a toda
a gente...
Então Sulema, a chorar, se
apresentou.
para dizer que haviam roubado tal
anel
e que Kasbah se mostrara em
ouropel
quando a seu próprio salão a
convidou;
a sua roupagem então se revistou;
mostrou o Vizir, a sorrir qual
cascavel,
a joia achada na burkha cor de mel (*)
que na salinha do lado se
encontrou...
(*) Trajo feminino, que só deixa
à mostra os olhos.
Que mais fazer poderia esse
Sultão?
Apesar de seus protestos de
inocência,
mandou prender Kasbah e seus
parentes,
mas sem mandar aplicar a punição
que a Sharyia determinava sem leniência, (*)
por grande pena sentir no
coração...
(*) Lei islâmica, com castigos
bem cruéis.
Mas a Sultana insistia em tal
castigo,
mesmo a joia lhe tendo sido
devolvida;
e o Vizir, com veemência
desmedida,
queria à letra da Lei dar pleno
abrigo!...
Pôs-se o Sultão a meditar consigo
que alguma trama ali fora
concebida
e muito em breve testemunha foi
ouvida
que denunciou tal maldade de
inimigo!
E quando o mau Vizir foi
denunciado
de cuja corrupção já suspeitava,
sumariamente ele foi decapitado;
porém Sulema, apesar de seu
pecado,
agora o rei simplesmente
repudiava,
o seu divórcio prontamente
decretado!
Mandou o rei libertar de sua
prisão
a dançarina e todos os seus
parentes,
como desculpa, magníficos
presentes,
logo pedindo que seu pai lhe
desse a mão.
Kasbah lhe concedeu o seu perdão,
indo à mesquita agradecer nesse
entrementes,
aos céus erguendo preces
consistentes
para que Alá lhe concedesse a
permissão...
E desse modo, realizou-se o
casamento,
suntuosa a pompa da festividade,
mostrando a noiva o seu
merecimento,
embora muitos ficassem a
lamentar,
pelos cafés e praças da cidade,
que nunca mais a pudessem ver
dançar!
A PRINCESINHA RENGA I – 27 OUT 16
Em um lugar onde hoje é o
Paquistão,
localizava-se o Reino de Samira;
entre as mãos do Rei Namir a
sorte gira,
sendo “rajá” o seu título na
ocasião.
A Fahid amava com todo o coração,
a linda esposa que sua vista
mira,
pelos cantores louvada com sua
lira,
por formosura e por gentil
educação...
Em pouco tempo, Fahid engravidou
e logo teve uma bonita garotinha,
que recebeu todo o amor do bom
rajá.
Alguns meninos depois ele gerou,
que trouxe à luz também a sua
rainha,
a sucessão garantida desde já...
Era Soraya o nome da menina,
muito linda crescendo e bem
saudável,
até surpresa causar desagradável,
seu pé direito encolhido, triste
sina!
Do calcanhar não se assentava a
quina
sobre o solo e assim foi
inevitável
fazer calçados para aliviar-lhe o
passo instável,
disfarçado por jodhpur de seda fina...
Mas as sandálias apenas
disfarçavam
e de “Princesa Renga” a apelidavam
essas más línguas que se acha em
toda parte,
indicando que seus passos
manquejavam
e pelas costas do rajá dela
troçavam
as invejosas, na maldade de sua
arte!...
O rajá e a rani, ocultamente,
choravam em razão de tal defeito,
o matrimônio futuro assim sujeito
à zombaria atroz de muita
gente!...
E tendo medo que caísse, era
frequente
que aonde fosse o seu caminho
feito,
uma aia a acompanhasse e, junto
ao peito,
a segurasse, antes do tombo
consequente...
De fato, assim nunca sofreu
queda,
devido a tal constante proteção
e seus irmãos igualmente a
acompanhavam;
era gentil, querida e muito leda,
apesar de sofrer desse senão
e mesmo os maus por ela
lamentavam...
Mas que fazer? Seu apelido continuou
de “Princesinha Renga”, mesmo sem
maldade,
muitos dizendo com certa
caridade,
devido à marca que Sheitan nela deixou. (*)
(*) Satanás.
E muita gente do povo até rezou
para que Alá lhe mostrasse sua
bondade,
Namir um bom soberano, na
verdade,
Certamente não foi Deus que o castigou!
Porém devia haver algum motivo! –
diziam outros, em razão para o
castigo,
sendo o rajá um tão ardente
muçulmano
e procuraram nos avós algum
esquivo
crime esquecido, qualquer pecado
antigo
que lhe houvesse provocado o feio
dano!
A PRINCESINHA RENGA II
O período chegou, eventualmente,
em que Soraya se deveria casar.
Embaixadores mandaram a demandar,
entre os reinos vizinhos, um
pretendente.
Mas Samira, embora fosse
independente,
era um pequeno reino, pouco a dar
como dote da princesa, sem nem
significar
uma aliança poderosa a outro
regente...
E a notícia há quinze anos se
espalhara...
Alguns temiam ser a falha
hereditária,
outros diziam que o diabo a havia
marcado
e nenhum príncipe se prontificara
a casar com a princesinha
solitária,
já seu tempo normal tendo
passado...
Foi sugerido um torneio realizar,
acompanhado por vistosa feira,
seria a cerimônia derradeira
dos cavalos do rei o leiloar...
E nessa espera, viram-se travar
vários combates, com armas de
madeira,
muitas corridas por bem longa
esteira,
mais outras provas de valor a
demonstrar.
Vieram xeques, príncipes e
emires,
além de numerosos comerciantes,
com centenas de hábeis
cameleiros,
participando dos faustosos
reluzires
e dos banquetes com seus pratos
elegantes,
ricos prêmios para os melhores
cavaleiros..
Entre os príncipes destacou-se o
bom Munir,
único herdeiro do poderoso Emir
de Addar,
nas provas todas em constante
destacar,
muitos dos prêmios podendo assim
reunir.
Mas no momento em que vira
reluzir
os olhos de Soraya, de um fulgor
sem par,
perdidamente ele se veio a
apaixonar,
logo pensando em sua bela mão
pedir...
E cada prêmio que granjeava em
cada luta
ao camarote real ele levava,
para depô-lo aos pés da
princesinha...
E chegada a conclusão dessa
disputa,
ao Rei Namir uma audiência
demandava
e nela a mão de Soraya pedir
vinha...
Porém o rei lhe indagou: “Não
escutaste
que a princesa possui triste
defeito
em um dos pés e caminha de mau
jeito...?”
“Já me falaram sobre isso o
quanto baste.”
“Mas ela é linda e o corpo tem
bem feito,
Que tal pequena falha não me
afaste...”
O dote e a festa causaram bom
desgaste
no tesouro do rei, qual de
direito...
Mas no momento em que ela subiu
no seu camelo, feia queda então
sofreu
e seu pé manco bateu firme no
chão!...
O seu tendão defeituoso se partiu
e nunca mais mancar lhe
aconteceu,
prova que Alá abençoara a santa
união!...
O CÃO HABIB I – 28 OUT 2016
É a Síria uma terra muito antiga,
provável berço da civilização;
dali partiu o rebanho de Abraão,
buscando o pasto que melhor
consiga
em Canaan, sendo o nome que então
liga
sua terra-alvo como inicial
designação,
que lhe aplicara em sua primeira
povoação
aquela gente que por ali se
abriga.
Provavelmente, foi na Síria que
Noé,
por vez primeira, se estabeleceu,
após descer dos montes de Ararat,
altar erguendo, como prova de sua
fé
no Deus que do dilúvio o
defendeu,
de cujo culto jamais se
apartará!...
Na Síria ergue-se de Homs a
cidade,
bem perto de Damasco, a capital,
nela abundante de trigo o
cabedal,
havendo ovelhas e galinhas à
vontade!...
Sem grande luxo, mas com
prosperidade
vivia o povo, sem sofrer o árido
mal
dos desertos de pedra ou vasto
areal
que se estendem bem perto, na
verdade.
Mas quando a neve chegava, em
cada inverno,
com seu manto de limpeza e de
brancura,
o povo em casa então se recolhia,
a partilhar, com bom humor
fraterno,
de suas despensas a graça da
fartura,
nos longos meses em que a terra
inteira esfria.
Contudo, pelas faldas da
montanha,
de cães selvagens formava-se
alcateia,
durante o inverno reunida em
assembleia,
quando, sem caça, sua fome era
tamanha
que à cidade então desciam, com
tal sanha
que as galinhas caçavam em sua
teia
e nos currais, para carnificina
feia,
abriam passagem, com astuciosa
manha...
Eram cães grandes, branca sua
pelagem,
que com lobos até se assemelhavam
e outros bandos a mostrar pelos
vermelhos,
cujos focinhos recordavam a
visagem
de raposas... mas não se
acasalavam...
Só nos ataques reunindo-se
parelhos...
Eles latiam, uivavam e
rosnavam...
E como eram de fato numerosos,
aos cães domésticos deixavam temerosos
e mesmo os homens deles se
esquivavam.
Qualquer criança em casa
resguardavam;
as portas e janelas, cuidadosos,
trancavam bem; somente os
corajosos
pastores a tais feras
enfrentavam,
armados com cajados e pedradas,
que lançavam com grande precisão.,
para abater alguns dos animais,
que preferiam as capoeiras mal
fechadas,
as aves devorando sem perdão,
matando os cães que defendiam
seus quintais.
O CÃO HABIB II
Somente quando a luz da manhã os
espantava,
ou se sua fome fora inteira
satisfeita,
saía a gente para as ruas,
contrafeita
e os numerosos prejuízos
calculava...
Se algum ferido o seu bando
abandonava,
era morto a pauladas, numa
estreita
vingança... Porém de certa feita,
um filhotinho num pátio se
encontrava...
Bem esquelético estava o
cachorrinho,
ganindo fraco, por ter fome e
frio.
O Pai da casa o levantou,
devagarinho...
Mostrou-lhe os dentes, sem poder
morder...
Acharam graça ao ver mostrar seu
brio,
porém a Mãe não o queria
recolher...
Mas a menina Mariam tanto pediu
que sua Mãe, finalmente,
concordou
e com leite de ovelha o
alimentou,
até que, enfim, levantar-se
conseguiu...
Mas ao tentar caminhar, logo caiu
e Mariam, a seguir, breve notou
que uma patinha alguma coisa
machucou,
razão porque deixara-o a mãe
quando fugiu...
Mas depois disso, foi tratado com
carinho,
dormindo à noite sob um velho
cobertor,
encolhido, mas da lareira bem
pertinho!...
depois, mostrou-se bastante
agradecido:
ganhou de Habib o nome encantador,
que significa, em árabe, “meu
querido”!
Cresceu Habib com saúde e fez-se
forte,
em tudo demonstrando ser amigo,
bem disposto a defendê-los do
perigo,
mesmo não sendo ainda de bom
porte.
Chegou então outro inverno. E quis a sorte
que os cães brancos deixassem seu
abrigo,
os cães vermelhos a conduzir consigo,
em grandes números, fugindo à
fome e à morte.
E embora alguns dos homens
enfrentassem,
o Pai apenas reforçou seu
galinheiro,
que sua cerca, desta vez, não
derrubassem.
Porém Habib ficou em desassossego
e assim que pôde, se escapou,
ligeiro,
antes que alguém pudesse tê-lo
pego!...
E bem depressa, correu para a
matilha.
Disse Mariam: “Ele quer nos
defender!”
Falou o Pai: “Se brigar, irá
morrer...”
E segurou bem firmemente a mão da
filha.
Contudo os dentes Habib sequer
rilha
e uma cadela gigantesca foi
lamber
e logo os dois se farejavam a
valer:
“É a cadela sua mãe, que já o
perfilha!”
“Ele vai nos deixar, minha
querida...”
Viram o bando a seu redor
observar,
dando a impressão de que mesmo
conversavam.
E então a mãe empurrou-o,
decidida,
até a soleira da porta... E a ladrar,
levou consigo os cães que a
acompanhavam.
Nenhum deles atacou as suas
galinhas,
mas para a praça distante se
afastaram:
com Habib talvez pacto firmaram
de somente atacar as ruas
vizinhas...
O mais estranho é que as matilhas
não voltaram
no inverno seguinte, mesmo sendo
bem daninhas
nas demais povoações
circunvizinhas...
Talvez porque seus habitantes se
juntaram
e os mataram em grande
quantidade,
os que sobraram ficando
temerosos,
em outra parte a demonstrar suas
manhas...
Habib envelheceu, tal qual a
humanidade,
mas cada inverno lançando olhares
lastimosos,
sempre ganindo para o lado das
montanhas...
Nenhum comentário:
Postar um comentário