VINGANÇA – 29 OUT/07 NOV 2016
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS
EM LÚCIDA VINGANÇA I – 25 out 2007
por toda vida foi o meu FestiM
magra exclusão e AdversidadE.
nunca fluiu com LiberalidadE
a cornucópia da abundância AssiM.
bem ao contrário, do pouco que GanhavA,
com grande esforço, sempre eu AjudeI
os que necessitavam; grande tempo DeI
à formação dos jovens que EncontravA.
agora, eles me encontram e SorrieM
ou me agradecem e tratam com RespeitO,
mas nada espero em troca do que FiZ.
enquanto as minhas forças não se
EstieM,
continuarei a agir, do mesmo JeitO,
pois não me deram nunca o que mais QuiS.
EM LÚCIDA VINGANÇA II – 29 OUT 16
embora a vida não me fosse GenerosA,
até o presente não me magoou DemaiS;
tive meus lucros e revezes NaturaiS,
sem ter herança ou dádiva FormosA;
toda conquista mostrou-se VagarosA
e algumas vezes, perdeu-se no JamaiS,
meus ganhos muito mais EspirituaiS,
a mente a conservar limpa e ViçosA;
nunca tentei aos outros EnganaR,
para alcançar do lucro a TentativA,
embora outros contra mim TentasseM
os meus parcos haveres EspoliaR
e neles encontrasse insídia AtivA,
enquanto alguns fingiam que me AmasseM.
EM LÚCIDA VINGANÇA III
vejo ao redor de mim muitos RancoreS,
poucos, por sorte, lançados contra MiM;
a maior parte em desejos de ArlequiM,
depois perdidos do ciúme em EstertoreS;
quando alguém de outrem sofre DoreS,
vingança logo quer tomar AssiM;
mas quando o mal de alguém recebo EnfiM
encaro apenas como outros DissaboreS;
não lhes devolvo o troco da MaldadE,
mesmo nas vezes que a magoa, na VerdadE,
me inclinaria a lhes dar Retribuição;
que insiste a Bíblia na
ProporcionalidadE,
punir a culpa com EquanimidadE,
nisso que chamam de “Pena de TaliãO”.
EM LÚCIDA VINGANÇA IV
existe quem proteste, IngenuamentE,
ser isto marca de BarbaridadE;
mas basta que se pense, em RealidadE,
nessa vingança que pretende muita GentE;
por uma ofensa, a bofetada IngentE,
por bofetada, uma sova em IntensidadE
ou mesmo a morte, com requintes de
MaldadE,
muito mais que de justiça, RealmentE;
olho por olho e assim, dente por DentE,
mão por mão e cabeça por CabeçA;
pé por pé e por injúria, SimplesmentE,
outra injúria que mantenha peso IguaL,
sem que essa punição imensa CresçA
muito mais do que seria NaturaL.
EM LÚCIDA VINGANÇA V
sem se matar alguém, porque OfendeU,
mas nos fazendo pagar quanto RouboU,
mais os ditames que a lei DeterminoU
por cada crime que nela se InscreveU;
pois a Vendetta no passado se PerdeU,
quando a Escritura o perdão DeterminoU
e foi essa que meu peito DominoU,
bem raramente o ódio me VenceU;
sem que, por isso, eu pretenda ser
MelhoR
do que os demais: vingança é TrabalhosA,
nem nos convém deixar pela MetadE;
e minha vingança assume outro TeoR,
ao mesmo tempo cortante e PreguiçosA,
envergonhando ao outro com BondadE.
EM LÚCIDA VINGANÇA VI
pois, de fato, já mencionei
AnteriormentE
essa instrução que nos vêm das
EscrituraS:
perdoar setenta vezes sete essas
LoucuraS,
em substrato de vingança DiferentE;
as Brasas Vivas a acumular, FrequentE,
em sua cabeça, por gentilezas PuraS;
talvez se ofendam por não sofrer AgruraS
e covardia em nós se lhe AparentE;
porém perdoar não significa PermitiR
que os deixemos repetir igual MaldadE,
mas certamente impedir RepetiçãO;
não por vingança, mas por SubsistiR,
que esse perdão contra sua IniquidadE
em nova vítima talvez cause outra
InfraçãO.
ESTATUTO
I – 28 out 2007
Amor
pequeno, não mais que de criança,
de
mãe por filho, que nele recupera
o
que nem própria mãe sequer lhe dera:
incesto
meigo e obra de esperança...
Que
se veja na pátria a mãe amada,
que
não se pode ter, pois foi do pai,
mas
nem por isso foi menos desejada:
amor
que vem, mas que depressa vai,
se
nele existe um grão de sensatez...
mas
se esse amor perdura, que castigo!
Terá
de ser sofrido, hoje ainda mais,
que
surgiu essa imensa estupidez
que
é o Grande Monstro ECA, tal perigo (*)
que
à mãe-pátria vencer possa jamais...
(*) Estatuto da Criança e do
Adolescente.
ESTATUTO II – 30 OUT
2016
Durante anos, meu
tempo desgastei
do magistério na
monotonia;
bem raras vezes
mostrou-me sua valia
no sorriso de ex-aluno
que encontrei.
Nos intervalos, até
mesmo poetei
os meus rascunhos,
porém não os exibia;
por muito tempo a
incerteza persistia,
se deveria apresentar
quanto grafei.
Ainda hoje, tenho
certa restrição
sobre ser, realmente,
algum poeta,
sem grande empenho por
publicação.
Porém alguns me
conferiram o estatuto
e neles vejo meus
ideais de esteta
e a cada verso que sai
cresce meu luto.
ESTATUTO III
Embora julgue que essa
inspiração
(bem ao contrário de
certos sandeus)
produza versos que, de
fato, não são meus,
ao que resulta enfocar
devo atenção.
Já disse antes não
nutrir a ilusão
de qualquer fama ou
glória ter os véus,
pois desce a musa
desde os altos céus,
segura a pena entre os
dedos de minha mão.
E sendo assim, não
mais devo ocultar,
não porque mérito
julgue merecer,
mas pelo mérito
inerente aos próprios versos,
que quando saem,
roubam algo de mim mesmo,
partes da vida que
assim espalho a esmo,
e então pranteio pelos
cânticos dispersos.
ESTATUTO
IV
É
amor pequeno pelo verso assim perdido;
sou
pai e mãe nesse constante parto;
desse
estro que me inspira não me farto;
se
os guardasse, teria incesto cometido.
E
ao mesmo tempo, me percebo desvalido
quando
na rede um tal ritual descarto,
embora
saiba que, tal qual lagarto,
a
nova cauda crescerá – e o novo olvido.
Mas
não pretendo dar aulas nunca mais:
são
os alunos de hoje deformados
pela
má aplicação do Monstro ECA;
rosas
não nascem mais nesses quintais:
ideais
antigos de respeito depravados
na
liberdade excessiva que os resseca.
BACHAREL
I – 27 out 2007
Eu
vejo que tu mesma me excluíste
e
te busquei deveras, tantas vezes.
De
quantos modos demonstrei, bem viste
o
quanto te queria e precisava.
O
quanto sempre dei que me pediste,
o
quanto percorri, por esses meses,
a
senda amarga em que o amor insiste,
sem
divisar o alvo que buscava...
Um
dia a corda rompe, pois se esgarça,
se
diariamente e sempre é distendida.
Até
o metal encontra a sua fadiga,
mas,
por enquanto, essa ferida é esparsa.
Sempre
retorna a mente combalida
à
busca infausta da ilusão antiga...
BACHAREL
II – 31 OUT 16
Não
deveria existir tal insistência
em
monótona e insípida paixão;
findado
o curso, se encontra graduação,
mas
esse amor nos traz só insolvência,
tal
qual se nele houvera repetência
desses
mesmos conteúdos de ilusão,
sem
nunca se alcançar a aprovação
que
nos traria a desejada consequência.
Queimam-se
as noites a pensar no amor,
como
no estudo para a “sabatina”
ou
das “canônicas horas” em burel;
queima-se
a espera ante o mau preceptor,
que
para reprovar sempre se inclina,
sem
permitir que nos tornemos bacharel.
BACHAREL
III
É
como quem em concurso sempre insiste,
nessa
esperança de obter um bom emprego,
ano
após ano, sem se dar sossego:
duro
é o alvo que a tal busca resiste...
Diverso
é o fruto que ao redor se aviste,
não
se consegue jamais sair do rego,
nesse
cravar insistente do deus cego,
nessa
quimera que nalma ainda persiste...
E
assim a vida passa, inútil, degradante,
enquanto
o alvo do amor a outrem passa,
amiga
sendo, mas sem tornar-se amante,
como
um bloqueio que assola o estudante,
não
obstante o fervor com que repassa
o
conteúdo esquecido a cada instante...
BACHAREL
IV
Os
mais maduros se arrogam “a experiência
da
faculdade da vida”, que aprenderam;
porém
procedem igual que procederam,
os
mesmo erros cometendo a cada instância.
Como
é rara a pessoa a que a vivência
lhe
traz à mente os erros que ocorreram
e
assim a impede, quando outros se lhe abeiram,
de
embriagar-se com igual fragrância!...
Os
mesmos erros cometendo a maioria,
que
se convence a si mesma, inutilmente,
que
desta feita será a coisa diferente;
e
nesse encanto de amor em que se cria,
mais
de uma vez é perdido esse laurel,
que
a alguém faria da paixão um bacharel!
AMOR
DE CÂMARA XV – 30 out 2007
Já
na minha vida o coração se agita
em
ritmo diferente dos de outrora...
Desejos
permanecem, muito embora
a
forma em consumá-los, esta aflita
espera
por um bem mais ardiloso
do
que o simples fruir de um dom concreto
queira
algo mais suntuoso e mais discreto:
que
seja humilde, mas revista de orgulhoso
este
anseio transitório e duradouro:
amor
de barro envolto em fólio de ouro,
fama
obscura e estética assimétrica,
austera
e sibarítica, serpentina ética.
E
enquanto faço amor, meu coração se move
perante
a música de Rimsky-Korsakov.
EXCLUSÃO I – 29 out 2007
bem gostaria que, pronto, a meu RegaçO
as coisas se lançassem... no EntretantO
jamais me foi assim, embora o PrantO
não me suba, qual fumaça, para o EspaçO
[é por dentro que choro] – o véu do
EspantO
eu rompo a cada dia... inda que
BaçO
se me torne o olhar, eu EncompassO
a névoa que me envolve e abafa o CantO
e luto gentilmente e sem AlardE
fingindo até prazer, nesse CombatE
que ao resultado fosse ComplacentE.
mas, lá no fundo, o coração me ArdE
e me ressinto assim, desse AcicatE
que os bens da vida me nega,
IndiferentE.
EXCLUSÃO II – 1º NOV 2016
na paranoia que, às vezes, me SurpreendE,
eu me descubro, de fato, PerseguidO;
não sei que espanto a tenha assim
NutridO,
porém tombo na emboscada que me RendE.
a temer a tocaia a gente AprendE,
depois de o alvo de algumas já ter SidO;
é sempre súbito que me tenham AtingidO,
com talho rápido que a couraça FendE,
sem que se saiba, realmente, de onde
VeiO
ou quem brandiu a afiada CimitarrA
que os pés decepa ao longo do CaminhO;
não admira que se marche com ReceiO,
cuidando sempre aquele em que se
EsbarrA,
antes que se erga da areia o PelourinhO.
(*)
(*) Cadafalso para tortura ou forca.
EXCLUSÃO III
posso afirmar, com toda a PrecisãO,
que não se trata, simplesmente, de
VingançA;
mas cada vez em que alimento uma
EsperançA,
surge um alfanje que me corta o CoraçãO.
cada tarefa me encontra em ProntidãO,
agindo assim desde os tempos de CriançA,
mas no momento de encontrar BonançA,
enxada surge e desarraiga minha PaixãO.
por isso evito até mesmo CompetiR,
mantendo erguida a minha LevadiçA,
seguro e firme dentre minhas MuralhaS,
mas de repente outra chispa vem LuziR,
torre de assalto, de fato, bem SediçA,
tornando o ouro em ressecadas PalhaS.
EXCLUSÃO IV
então me lanço, outra vez, nessa
ColheitA,
por entre as palhas a brandir o meu
ForcadO,
feno buscando para o meu EiradO,
pequeno lucro esperando dessa FeitA.
mas sempre encontro olhar AmarguradO,
que ao impulso da inveja me SujeitA,
mesmo sendo tão modesto o que se AceitA,
para me dar outro golpe InesperadO.
que dessa palha recolhida, SimplesmentE,
me apresente alguma conta, algum
ImpostO,
sem a menor razão ou PropriedadE,
sem que o autor do golpe se ApresentE,
dando a impressão de que só busca meu
DesgostO
satisfazendo tão somente a sua
MaldadE.
EXCLUSÃO V
veja-se bem que, ao menos na AparênciA,
as pessoas que encontro me ApreciaM;
muitos sorriram no instante em que me
ViaM,
conversação iniciando com VeemênciA,
que em geral eu aceito, com PaciênciA,
salvo quando compromissos me AssistiaM;
as opiniões me pedem – e até se FiaM,
se lhes respondo, nos limites da
SapiênciA...
e a todos trato com CordialidadE,
a quem me pede, sempre pronto a AjudaR,
até a fronteira da PossibilidadE;
abertamente sem sofrer ExecraçãO,
tal paranoia certamente a me AtenuaR,
na tenuidade de tal PerseguiçãO.
EXCLUSÃO VI
mas certamente, em minha JuventudE,
tornei-me alvo constante desse
“BullyinG”
com que um louco fabricam e então
ExclueM:
fui espancado de maneira RudE.
e embora década após década me EscudE,
nas quais eventos meu temor DilueM,
as cicatrizes sobre a pele FlueM
e a esperança, quando em vez, me IludE.
Mas se algo faço que cause algum
EspantO,
abrem-se os olhos dessas cem CabeçaS:
brasas vermelhas, aos poucos,
RelampejaM;
sem que eu perceba de qual oculto CantO
escorrem sobre mim cinzas EspessaS,
que não calcinam, mas ao redor me
AdejaM.
LUDÍBRIOS
I – 30 out 2007
Eu
tenho um passaporte para ingresso
em meu
computador: chamam de senha
e não
espero qualquer imagem venha,
sem
digitar meu código de acesso...
Eu
tenho um passaporte de arremesso
para o
trabalho: a roupa de estamenha
com que
me visto, embora vestes tenha
muito
mais nobres. Externamente espesso
é o véu
que me separa da feição
que
queria em meu mundo e nesta mescla
combino
a gentileza à qualidade.
Assim,
dirijo à obra estes meus pés, cla- (*)
ramente
a enfrentar a adversidade,
enquanto
expulso o rancor do coração.
(*) Aqui emprego a Grande Sinafia.
LUDÍBRIOS
II – 2 NOV 2016
Não me
permito, de fato, dominar
por
esta rede de malversações;
os anos
passam em novas agressões,
simples
que sejam, sempre a incomodar.
Ou com
teor de mais vasto violentar
e a
tudo enfrento, no vigor das ilusões;
não
arquiteto vinganças nem paixões
com que
aos outros pretenda derribar.
Apenas
me defendo, quando chega
qualquer
infâmia inesperada, mas enfática,
que a
sociedade, em malquerer, me lega,
toda a
dissídia desfazendo nessa luta,
por
alquimia ou, talvez, magia simpática,
sempre
sabendo que surgirá nova disputa...
LUDÍBRIOS
III
Há
muito tempo, de fato, percebi
que não
se trata de real perseguição:
cada um
corre empós a sua ambição
e só me
empurra se me encontra ali.
Não é
sequer a ambição do que obti-, (*)
ve –
porém a sombra para a sua visão;
é
necessário pôr de lado a obstrução
para
ocupar o seu espaço aqui.
(*) Novamente, emprego da Grande
Sinafia.
Não é
por ódio que agem os ladrões,
mas
apenas pelo lucro sem trabalho
e até
mesmo sua cobiça é inconsequente,
só
buscando para si espoliações,
qual do
Acácio de Gogol seu agasalho, (*)
sem se
disporem a enfrentar algum valente.
(*) Alusão a “O Capote”, em que Akakkiy Akakkievitch é espoliado e morre
de frio
.
LUDÍBRIOS
IV
E se
tenho para a vida um passaporte,
para os
demais de pouco servirá;
mas
nunca falta quem o roubará,
no
fluir inconsequente da má sorte.
Ao
espoliador talvez menos aporte
para a
forma como ao mundo enfrentará
do que
o tanto que de mim espoliará
a cada
vez que da esperança sofra o corte.
Destarte,
não há por que me revoltar,
já que
essa gente só busca o próprio bem
e para
o mal que cause é indiferente;
Sempre,
de fato, consegui recuperar,
com
energia a enfrentar cada porém,
tanto
ludíbrio descartando firmemente...
ABANTESMAS
I – 31 out 2007
A
minha amiga queixou-se que os fantasmas
de
seus velhos amantes ressurgiam
a
cada vez que os via... e produziam,
por
vivos serem, uma névoa de miasmas...
Sua
lembrança olvidara, mas revê-los,
em
carne e osso, fantasmas de calçada,
de
novo lhe sorrindo, na impensada
expectativa
de que voltasse a tê-los,
profundamente
a deixava envergonhada...
Sabendo
pertencer-lhes, no passado,
sem
conseguir libertar-se, no presente,
mas
de seus rostos vítima assombrada,
daquele
mesmo outrora rejeitado,
mas
que insistia em retornar premente...
ABANTESMAS
II – 03 nov 16
Eu
sempre a consolei. Mostrei-lhe a aurora
que
ao dealbar seus fantasmas dissipara...
Até
falei de amor, qual despertara
dentro
de mim, inda soubesse, embora,
como
era indesejado o sentimento
que
lhe trazia agora, em taça de ouro...
Meu
coração voltou-se, sem desdouro:
amei-lhe
a alma e quis-lhe o pensamento.
Não
era o seu desejo, todavia...
Queria
era possuir nova lembrança,
para
um cortejo nutrir ainda maior...
Queixou-se
dos fantasmas, mas queria
gerar outro
abantesma, sem tardança
e
junto aos outros conservá-lo a seu redor...
ABANTESMAS
III
Porém
se o abantesma não lhe dei,
talvez
no fundo lhe esteja da retina
essa
imagem que, perpétua, se assassina,
que
o sol nos rouba e nunca lhe neguei.
Bem
no fundo de minha vista a sua guardei:
sendo
mulher, com seu jeito de menina,
feminilidade
pueril que nos fascina,
mas
a inconsútil miragem não beijei.
São
para mim bem diversos abantesmas,
quando
os encontro vivos pelas ruas
mas
em nada sua presença me envergonha,
embora
alguns me persigam como lesmas,
a
percorrer da mente as sendas nuas,
com
seus rastros reluzentes de peçonha...
ABANTESMAS
IV
De
certo modo, percebo a espoliação
quando
de mim mastigam o reflexo;
sei
como é tolo deste verso o nexo:
querer
guardar minhas imagens que se vão!
Bem
sei que a mim – de fato – não verão,
mas
é com olhos que se busca o sexo;
só
a luz do sol se captura neste amplexo,
não
são camadas de mim que furtarão.
Os
primitivos também nutrem a impressão
de
que os engula o olhar de toda a gente
e
que os levem para um ponto indiferente
nessa
lágrima que escorre sem noção,
como
se fosse o proverbial argueiro
que
escorre à noite para o travesseiro.
ABANTESMAS
V
Fato
é que recolhi as tais imagens
que
dela para mim se refletiram,
brandos
reflexos que assim se transmitiram,
sumo
do Sol ou das luzes da cidade...
Entremeadas
das calçadas nas paisagens,
quando
seus olhos para mim luziram,
dez
nuances de castanho que sorriram,
sem
compromisso de maior profundidade...
Talvez
guardasse também o meu reflexo,
mas
certamente o dela eu desejava,
armazenado
no paiol de meu quiasma; (*)
(*) Nucleo cerebral que combina as
imagens dos dois olhos.
até
que ponto quis ela o meu amplexo,
ou
tão somente nas vistas me guardava
na
coleção sorrateira outro fantasma?
ABANTESMAS
VI
Será
que tens igual sensibilidade
e
te envergonhas de passados beijos?
Ou
tens saudades dos pálidos desejos
que
não mais vivem na atual realidade?
Será
percebes a reflexibilidade
que
te invadiu do luar nesses ensejos?
Será
que buscas guardar esses adejos
como
reserva para a terceira idade?
Eu
acalento, gentil, meus abantesmas,
que
Iri-kiôs não são, fantasmas vivos, (*)
porém
as páginas amarelas de um missal,
(*) Projeção dos maus sentimentos no
folclore japonês.
que
retorno a folhear em minhas quaresmas,
pobres
santinhos no coração esquivos,
que
nem mais lástima me causam, afinal...
ESTRELAS DECADENTES I – 4 NOV 16
ENCARDIDO DE MEU SANGUE, O MEU AMOR
SE ARRASTA NAS TERNURAS INVISÍVEIS,
DIAPASÃO PARA OS MIL SONS TERRÍVEIS,
TRISTE ESPELHO DE OLHARES SEM CALOR.
NUANCEADO DE TRISTEZAS MEU ARDOR
ALICERCE DA MANSÃO DOS IMPOSSÍVEIS
CASAMENTO DE ZUNIDOS INTANGIVEIS,
DOCES LÁBIOS DAS AMANTES SEM PUDOR.
O MEU AMOR SE FAZ SENTIR TAMBÉM
NOS PORÕES ESCAMADOS DAS TRISTEZAS
NA TERRA DE NINGUÉM DAS INCERTEZAS,
NOS ESCANINHOS DOS SONHOS DO PORÉM,
NOS CALABOUÇOS DE MINHAS ILUSÕES,
EM ADEREÇOS DESTITUÍDOS DE EMOÇÕES.
ESTRELAS DECADENTES II
O MEU AMOR é AMORTECIDO EM ZELOS,
AMOR TECIDO DE ZELOS TENEBROSOS,
AMOR DE TEIA, PINGENTES MAIS SEDOSOS
QUE O LUZENTE ESFIAPAR DE BRANCOS GELOS.
O MEU AMOR É AMORTALHADO EM BELOS
ATAÚDES TALHADOS, POBRES ROSAS
CUJOS TALOS NÃO SUPORTAM MAIS VIÇOSAS,
ALUMBRAÇÕES MAGENTA DE MIL SELOS,
REPRODUZIDO O AMOR DO ORIGINAL,
APRISIONADO EM COFRES SEM DESVELOS,
PROTEGIDOS POR SEUS INVESTIDORES,
NUMA BELEZA TÃO SOMENTE MARGINAL,
QUANDO MILHÕES SÃO GASTOS PARA TÊ-LOS
NESSA CARÍCIA EVENTUAL DE USURPADORES.
ESTRELAS DECADENTES Iii
FIZ PARA O AMOR UM ESQUIFE DE PALITOS
RETIRADOS DO CAULE DE ROSEIRAS,
MORTAS AS ROSAS NÃO MAIS ALVISSAREIRAS,
SEM MATURAREM SEUS BOTÕES AFLITOS.
AMOR DE MIL RETALHOS TÃO BONITOS,
AMOR RECAMO DE PÉTALAS TOUCEIRAS,
AS ESTRELAS CONTEMPLANDO SORRATEIRAS
CARAMANCHÕES DE ESPÍRITOS MALDITOS.
MIL ESTRELAS A SUGAR FLORES VIRENTES
AO INVÉS DE MOSTRAR-SE LUMINOSAS,
VAMPÍRICOS TAIS ASTROS DO DESTINO
OU COMETAS DE COMAS RELUZENTES
A RESSECAR NO SOLO TRISTES ROSAS
CUJA SOMA ALCANÇAR SEQUER ATINO.
ANTICLEIA 1 – 5 NOV 2016
De há muito cachos não vejo nos
cabelos
E como é raro que ainda enxergue
tranças!
Elas não sabem que poder tais
lanças
Exercem sobre os homens em
desvelos!
Hoje em dia, o que a moda torna
belos
São os piercings e tatuagens, feras danças;
As atrações da epiderme, que eram
mansas,
Não mais recordam as damas dos
castelos.
Eu sempre fui andante cavaleiro
Nos estertores finais do romantismo:
Amo os vestidos longos que
esvoaçam;
E agora vejo, em desalento
derradeiro,
Que tudo mostram, cheias de
cinismo,
Até o ponto em que os encantos se
desfaçam...
ANTICLEIA 2
Foi Anticleia a mãe do Ulisses
bravo
Que passou vinte anos em disputas
Contra Posêidon amarguradas
lutas,
Depois que Troia derribou em
arcaico travo.
Algumas vezes, até provou do mel
o favo,
Nesses amores de Afrodite em
grutas;
Em outras, bem diversas suas
condutas,
Tal qual do cíclope cujo olhar
fez cavo. (*)
(*) Ulisses cegou a Polifemo
canibal.
Mas Anticleia de saudades se
finou,
Desesperando de rever o filho
amado,
Sem de Penélope conservar igual
pendor.
Até que o deus – Posêidon – se
apiedou,
Só sobre o filho o seu rancor
lançado,
Transformando Anticleia em meiga
flor.
ANTICLEIA 3
Por longos anos, aguardando
marinheiros,
As suas esposas colhiam esta flor
E nas praias as lançavam, com
fervor,
Para que os barcos retornassem
por inteiros.
Que usavam cachos os desenhos
verdadeiros,
Crateras e ânforas de antanho no
primor
Nos demonstram – e das tranças o
pendor,
Sem ter tatuagens em seus corpos
trigueiros.
Nem Penélope na permanente
tessitura
E nem tampouco a lânguida
Anticleia
Suas epidermes assim
contaminaram;
Apenas rugas a traçar sua pele
pura,
Nas duas décadas que durou essa
Odisseia,
Tal qual aedos dos helenos nos
legaram.
LAERTES I – 6 NOV 16
CONSOANTE A TRADIÇÃO DE ALGUNS
AEDOS,
NÃO FOI LAERTES O VERDADEIRO PAI
DO HEROICO ULISSES QUE A TANTOS
MARES VAI,
TÃO PERSEGUIDO POR NETUNO NOS
DEGREDOS.
SERIA SÍSIFO, CONSOANTE ESSES
SEGREDOS
QUE ANTICLEIA EM SEDUÇÃO ATRAI
E NA ARMADILHA A VIRGEM ENTÃO CAI
ENGRAVIDANDO SOB A FORÇA DE SEUS
DEDOS.
SEMPRE BUSQUEI A LIRA MITOLÓGICA,
MEU AMOR PELA TRAGÉDIA DE
ESPLENDOR,
A INDIFERENÇA DOS OLÍMPICOS AO
HUMANO,
AO SOFRIMENTOS DOS MORTAIS DANDO
UMA LÓGICA,
EM CADA POEMA SINFÔNICO A ACHAR
VALOR,
VENDO O FANTASMA DE LISZT EM MEU
PIANO.
LAERTES II
SERIA LAERTES O NOIVO ASSIM
TRAÍDO,
A CONFISSÃO ACEITANDO DE
ANTICLEIA,
A DESGRAÇADA A RECEBER NESSA
ASSEMBLEIA,
TAL QUAL SE SÍSIFO NÃO A TIVERA
SEDUZIDO.
MAS ESTA É UMA VERSÃO QUE TENHO
OUVIDO.
SEGUNDO OUTRA, CONSERVADA NA
ODISSEIA,
PRENDEU APENAS LAERTES EM SUA
TEIA
A BELA JOVEM CUJO AMOR TINHA
OBTIDO.
DE QUALQUER MODO, A ULISSES
PROCLAMOU
COMO SENDO O PRIMOGÊNITO GERADO
E SEM TER QUAISQUER IRMÃOS,
ENTRONIZADO
FOI SOBRE ÍTACA, TÃO LOGO SE
FINDOU
O REINADO DE SEU PAI, APÓS LEVADO
PARA O HADES, EM QUE SÍSIFO
ENCONTROU.
LAERTES Iii
POREM SÍSIFO JÁ NO TÁRTARO SE
ACHAVA, (*)
PENA CUMPRINDO POR MUITO
MALEFÍCIO,
SENDO ATÉ HOJE RESPONSÁVEL PELO
OFÍCIO
DE ENCHER BARRIL SEM FUNDO, EM
QUE TEIMAVA.
(*) A PARTE DO HADES EM QUE ERAM CASTIGADOS
OS CRIMINOSOS.
MAS NOUTRAS LENDAS LAERTES SE
ENCONTRAVA,
POIS A HÉRCULES AUXILIOU NO
SACRIFÍCIO
DO JAVALI; E PARTILHOU, SEM
ARTIFÍCIO,
DA EXPEDIÇÃO QUE O TOSÃO DE OURO
BUSCAVA.
E RETORNOU DA CÓLQUIDA O
ARGONAUTA
PARA, ENFIM, SOBRE ÍTACA REINAR,
UM BERÇO RICO DE VARÕES VALENTES,
JÁ DECANTADO TAMBÉM EM OUTRA
PAUTA,
POR SUAS RIQUEZAS APTO A ATIÇAR
DE PENÉLOPE OS COBIÇOSOS
PRETENDENTES.
A ESTRADA SEM FIM I – 7 NOV 16
Se alguma coisa persegue a humanidade
ou, ao contrário, é por ela perseguida,
é essa busca da emoção indefinida
a que chamaram de Amor na antiguidade.
Sobre cada geração a sexualidade
assombra o homem, na mulher tendo guarida,
levando alguns a certa busca desmedida,
contentes outros com a maior simplicidade
de um lar e filhos, refeições constantes,
a calidez do leito e a companhia,
consolo do cansaço, os beijos sem paixão,
sem se esforçar por orgasmos delirantes,
mas por confiança nos olhos de quem via,
a cada dia renovando a aceitação.
A ESTRADA SEM FIM II
Foi o que fizeram seus pais e um dia farão
esses filhos que, com sorte, gerarão,
a conferir-lhes alimento e proteção,
até que um dia se invertam os papéis.
Exceto os monges envolvidos em buréis,
ou alguns soldados engajados em quartéis,
quaisquer atores revestidos de ouropéis,
porém que escassa compõem uma exceção.
Partiu a estrada do mais longo antanho,
desde o momento da primeira mutação,
que de hominídeos, em milagre, fez humanos,
com novos cérebro convolutos, em tamanho
capazes de albergar maior razão,
para sobre os demais ser soberanos.
A ESTRADA SEM FIM III
A longa senda a projetar-se no futuro,
espermatozoides em brancos regimentos,
óvulos rosa à espera dos portentos,
cada rebento a enfrentar destino duro
após deixar a calidez do ninho escuro,
em que as linhas de suas mãos tomam assentos,
em profecia – ou não – tais ligamentos,
nessa impressão palmar do nascituro.
Mas são os pés a percorrer a estrada,
também estes totalmente individuais,
mas descurados por quiromancia...
Transpondo a maioria um quase-nada,
por superior que seja aos animais,
mais uma pedra que a estrada revestia...
A ESTRADA SEM FIM IV
Também eu faço parte do caminho,
sem de fato palmilhá-lo pretender,
aos descendentes outra pedra a oferecer,
como um liso suporte de carinho.
Sob o cálcio da ossamenta algum espinho
que outros pés não precisarão temer,
quando estiverem a via a percorrer,
enquanto buscam tecer seu próprio ninho.
A longa estrada conduzindo ao infinito,
enquanto o mundo o mundo for assim,
enquanto os raios do Sol forem dispersos,
enquanto exalo meu derradeiro grito
e nesta longa lista ponho um fim
na multidão insaciável de meus versos...
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