OS NETOS DA BRUXA – 8 DEZ 16
(Folclore norte-americano, versificação e adaptação de WILLIAM LAGOS)
OS NETOS DA
BRUXA I
Era uma vez, em
um país distante,
casal de irmãos
a viver alegremente
com sua mãe,
sem o pai estar presente,
que para as guerras
o levara o rei adiante.
Sua boa mãe os
vigiava a cada instante
e encantamentos
repetia bem frequente
e até mesmo
algum feitiço mais potente
que os
protegesse contra o mal constante.
Alguns até a
Mo, seu menino, já ensinara;
magia “Branca”
que lhe desse proteção,
mas não a
Jenny, sua bonita irmã,
ainda pequena,
que à idade não chegara
em que pudesse
empregá-los com razão:
só decorá-los
coisa perigosa e vã.
OS NETOS DA
BRUXA II
Sua mãe,
Margretha, não era feiticeira,
mas que era
filha de uma lhes diziam
seus
amiguinhos, que com frequência viam,
que ainda
morava na Floresta Pegureira.
Eram histórias
de assustar sobremaneira:
que devorava as
crianças que lá iam
e tinha bolas
de cristal, que perseguiam
as que tentavam
realizar fuga ligeira!...
“Mamãe, por que
nunca encontramos a Vovó?”
“Ora, ela mora
num lugar bem perigoso
e nunca vem nos
visitar aqui na aldeia...”
“Mas não tem
medo de morar tão só?”
“Bem ao
contrário, tem do povo supersticioso,
mas dos
monstros da floresta não receia...”
OS NETOS DA
BRUXA III
“Mas por que
nunca a vamos juntos visitar?”
“Vovó Tusnelda
não queria que eu casasse...
Foi necessário
que seu pai me raptasse...
Vivemos bem até
a guerra o convocar...”
“Mas nós
queremos a nossa avó encontrar...”
“Não é época
que da casa me ausentasse;
caso os frutos
do pomar não retirasse,
na maior parte
iriam se estragar...”
“Deixe que
vamos só nós dois... Já estou crescido
e os meus
feitiços aprendi de proteção...”
“Então terão de
sair de manhã cedo...”
“Qualquer criança
que por lá tenha dormido
jamais voltou
para a própria habitação:
há duendes por
ali de causar medo...”
OS NETOS DA
BRUXA IV
Mas tanto as
duas crianças insistiram
que finalmente
ela aprontou uma cestinha.
“É um presente
de Margretha, sua filhinha:
seus netos
conhecê-la me pediram...”
“Mas quando
virem que as sombras já surgiram,
para seu lar
retornem, depressinha,
porque é sinal
que a noite escura se avizinha
e o mal assalta
a quantos lá dormiram!...”
“Mas o caminho
para lá é bem cuidado,
muita gente o
percorre a cada dia:
compram
remédios e ervas para o chá...”
“Ela faz bem à
gente do povoado,
mas tanta coisa
ruim há quem dizia,
que pegou fama
de ser a Bruxa Má...”
OS NETOS DA
BRUXA V
“Então meus
doze cachorros vou levar,
que certamente
nos podem proteger!...”
“Se forem cães,
não os há de receber:
nesses feitiços
que ensinei deves confiar...”
No dia
seguinte, logo após se alimentar,
os seus
cachorros Mo mandou permanecer
e disse à mãe:
“Se algo mau acontecer,
com um assobio especial
os vou chamar...”
“Só meus
cachorros escutar isso conseguem;
caso comecem a
latir sem ter motivo,
a senhora solte
os doze bem depressa,
“que nosso
rastro sem demora seguem
e nos protegem
de perigo morto ou vivo,
por pior que
seja o que nos apareça!...”
OS NETOS DA
BRUXA VI
Ficou Margretha
muito preocupada,
mas não pensava
que sua mãe fosse malvada;
depois de muita
recomendação ser dada,
deixou que os
dois se embrenhassem na floresta.
Numa das mãos
carregava Mo sua cesta,
Maninha Jenny
pela outra apresta;
brilhava o sol,
mil flores como festa,
sem ver motivos
para temerem nada,
pois no caminho
havia outras pessoas
que pretendiam
encomendar ervas e chás,
seguindo
alegres, sempre a conversar,
falando apenas
sobre as coisas boas,
que a companhia
gentil sempre nos traz,
enquanto o
astro-rei fica a brilhar...
OS NETOS DA
BRUXA VII
O grupo chegou
logo na choupana:
havia uma
velha, toda de azul vestida;
esperaram
acabar da venda a lida
e só depois
foram ver a velha dama.
Não parecia
merecer a sua má fama
e quando a
história foi contada e crida,
abriu-lhe os
braços, no carinho da guarida,
num perfume de
alfazema que a recama...
“Finalmente
notícias manda minha Margretha!
Claro que ouço
o quanto o povo conta,
mas só agora é
que conheço meus netinhos!”
“Chorei mil
lágrimas de emoção secreta
pela saudade de
não pouca monta,
dez anos a
separar nossos caminhos!...”
OS NETOS DA
BRUXA VIII
Pelas pessoas
que ainda ali se achavam
mandou a
Margretha o mais gentil recado,
que não tivesse
mais qualquer cuidado,
pois em sua
casa seus netos pernoitavam!
“Seus dois
priminhos também hoje chegaram,
que
coincidência!... Até parece combinado!”
Almoço lhes
serviu bem preparado
e com os primos
depressa se enturmaram...
Se bem que
tinham dentes pontiagudos,
uns olhinhos
puxados, pele escura,
orelhas longas,
cobertas de pelinhos...
Falavam mal e
eram meio cabeçudos,
mas a
estranheza pouco tempo dura:
logo brincavam
como velhos amiguinhos!
OS NETOS DA
BRUXA IX
Ora, o tempo
foi passando e, de repente,
se começaram as
sombras a alongar,
os dois irmãos
já a se preocupar...
“Não há
qualquer perigo, certamente!”
“Há papões pela
floresta, é evidente:
não vou
deixá-los pelo escuro caminhar,
mas em minha
casa podem pernoitar,
bem protegidos
contra os males, realmente!”
Porém assim que
começou a escurecer,
Vovó Tusnelda
fez aos quatro entrar
e trancou
portas e janelas firmemente...
Após um
saboroso jantar oferecer,
fê-los subir
para o segundo andar,
em que camas
arrumou rapidamente.
OS NETOS DA
BRUXA X
A Jenny e Mo
ela tapou com cobertor
muito limpo e
de extremada alvura,
mas para os
primos um de total negrura:
logo roncavam
sem o menor pudor...
Jenny abraçou
Mo com o máximo vigor:
“Tenho saudades
da Mãe, nessa lonjura!”
“Não se
perturbe,” disse o mano, com ternura,
“Vovó Tusnelda
demonstrou-nos muito amor!”
Logo em seguida
também Jenny adormeceu,
os dois primos
a roncar ainda mais forte,
porem Mo
continuou bem acordado!...
E um som lá da
cozinha o surpreendeu:
Vovó Tusnelda
parecia afiar o corte
de alguma faca
de se talhar assado!...
OS NETOS DA
BRUXA XI
Ainda pôde
escutar um forte chiado,
como de água a
ferver num panelão!
Mas isso é hora de fazer a refeição?
Ou de afiar uma faca para assado?
Daí a pouco,
ouviu passos com cuidado:
degraus rangiam
sob a velha, no escadão!...
“Estão
dormindo?” – indagou com precaução.
“Não,” – disse
Mo – “ainda estou bem acordado.”
“Então durma,
meu querido, um feliz sonho!”
Voltou a velha
para afiar sua faca!...
Mais acordado o
menino ainda ficou!...
Tornou de novo
a escutar passo bisonho:
“Dormiu
agora...?” – a voz de novo se destaca.
“É estranho
este lugar – não me deixou...”
OS NETOS DA
BRUXA XII
“Algumas vezes,
perco o sono lá em casa
e então Mamãe
me traz meu violino...
Fico
tocando...” – explicou o menino –
“E o sono chega
sem perder a vaza...”
“Também tenho
um violino, envolto em gaza,
um instrumento
até bastante fino,
com um timbre
gentil como o de um sino,
decerto o sono
seu belo toque embasa...”
Vovó Tusnelda
trouxe logo o instrumento
e Mo se pôs a tocar
com gentileza,
tal qual
Margretha a trautear um acalanto...
Da faca o
chiado, em rápido momento,
cessou... Sua Avó
dormira, com certeza!
Foi sacudir sua
irmãzinha no seu canto!
OS NETOS DA
BRUXA XiiI
Desceram a
escada no maior cuidado,
mas antes Mo
trocara os cobertores,
pondo o branco
a cobrir os roncadores,
trazendo o
preto para a cama do seu lado.
Os travesseiros
arrumou num amontoado,
qual se
dormissem como dois amores...
Pisaram nos
degraus com mil temores:
que ninguém
fosse por rangidos despertado!
Disse então o
menino: Escada, escada,
que nossos passos não entortem nada!
E até à sala
não se ouviu qualquer ruído...
Disse o menino
então: Ó porta, ó porta,
abre tua tranca sem ficares torta!
E nem o menor
estalinho foi ouvido!...
OS NETOS DA
BRUXA XIV
Só perceberam
uma coisa muito estranha:
sua Vovozinha
cheirava agora muito mal,
perdera o rosto
sua feição original,
pendendo a boca
numa solerte manha!
Longo o nariz,
tal qual feia artimanha,
o queixo
imenso, num focinho de animal,
emaranhados os
cabelos, afinal,
como uma fera
da mais perversa sanha!
Mesmo sua roupa
estava diferente:
vestia-se agora
com negro roupão,
muito diverso
daquele azul de antes...
Chapéu usava,
entortado para a frente,
com bico longo,
lembrando um boticão,
abas caídas
como orelhas de elefantes!...
OS NETOS DA
BRUXA XV
Por fora a
porta fecharam com cuidado,
logo saindo a
correr pela vereda,
a Lua lembrava
a cor de fruta azeda,
sentiam perigos
a espreitar de cada lado!
Mo murmurava encantamentos,
apressado,
que a proteção
a seu redor não ceda!
E nem liana nos
seus pés se enreda,
mas o caminho
era escuro e prolongado...
Enquanto isso,
a bruxa se acordou,
sem escutar
mais o som do violino...
Levando a faca,
pela escada ela subiu,
do branco
cobertor se aproximou,
matar pensando
a garotinha e o menino,
sem perceber
quando o parzinho lhe fugiu!...
OS NETOS DA
BRUXA XVI
Mas no momento
em que ergueu o cobertor,
descobriu que
eram os outros que matara!
Os dois
“sobrinhos”, como antes os chamara,
porém seus
filhos, de fato, que pavor!...
Ela os gerara
com qualquer horror
que saído da
floresta a visitara...
Terrível grito
então aos céus lançara,
feroz vingança
buscando com vigor!
De uma arca,
tirou uma bola de cristal
e logo após
conjurar algum feitiço,
em nenhum ponto
da casa os encontrou...
Abriu a porta,
então, presa do mal,
e pôs a bola a
correr no maior viço,
que
inicialmente o caminho não achou.
OS NETOS DA
BRUXA XVII
Girou a bola da
casa ao derredor
e então tomou seu
rumo com firmeza,
pela vereda a
rodar com ligeireza,
forte alarido
produzindo com vigor!...
Logo os meninos
perceberam, num horror,
que haviam sido
descobertos com certeza,
e numa árvore
subiram com leveza,
de tronco
grosso, mas no maior fervor!...
Encantou Mo: Ah, bela Castanheira,
solta depressa teus galhos mais de baixo!
E o caule
abaixo deles ficou liso...
Mas bem
depressa apareceu a feiticeira:
“Ah, seus
malvados! Vou acender um facho,
fazendo um fogo
desde o lugar que piso!”
OS NETOS DA
BRUXA XVIII
Mas disse Mo: Consome-te, Capim!
Que não consiga nos queimar a feiticeira!
E logo se
apagou toda a fogueira,
vasto perigo
sendo afastado assim!...
Disse Jenny:
“Por que nos quer dar fim?
Somos seus
netos!” “A sua Mãe traiçoeira
deixou-me só, tal
qual pomba ligeira!
Foi uma tonta
em enviá-los para mim!...!
“Vocês até
sabem de algum encantamento,
mas há feitiços
bem mais fortes do meu lado:
vou derrubar
bem depressa a Castanheira!”
E resmungou um
bruxedo num momento:
logo em sua mão
se condensou um machado,
tirando lascas
do tronco, bem ligeira!...
OS NETOS DA
BRUXA XIX
Contudo Mo
conhecia outra defesa
e cada vez que
desferia machadada,
ele dizia: Castanheira, és encantada,
cura teu tronco e logo fica ilesa!...
Pegou a bruxa a
faca e com firmeza
cravou-a no
tronco, em terrível punhalada,
fazendo a seiva
escorrer logo em jateada,
do novo encanto
a Castanheira presa!
Jenny gritou:
“Ela vai nos derrubar!”
Mas Mo falou:
“Meu bem, não perca a calma.”
E começou a
silvar seu assobio!...
Lá na granja os
doze cães logo a escutar!
Sentiu
Margretha uma pontada nalma,
ouvindo os cães
ladrando no vazio!...
OS NETOS DA
BRUXA XX
Bau-bau! Uau, vai cair a Castanheira
e os meus netinhos vão cair depois!
Vou fazer uma geleia desses dois!...
Mas falou Mo
sua magia derradeira:
Engrossa, Tronco, contra a Feiticeira!
Afina em cima e vê se a Faca róis!...
Em cada golpe, vê se o Machado móis!
E logo a árvore
obedeceu, hospitaleira...
Porém em cima
foi depressa se afinando
e já mal dava
para as crianças segurarem!
E a cada golpe
estremecia o tronco inteiro!
Mas no momento
em que estava desabando,
escutaram os
seus cães se aproximarem,
o maior deles a
chegar logo primeiro!...
OS NETOS DA
BRUXA XXI
Os doze cães
atacaram a Feiticeira,
que defendeu-se
com faca e com machado;
logo foi um dos
cachorros derrubado,
depois um outro
e onze de fileira!...
Mas o maior a
mordeu de tal maneira
que lhe rasgou
o pescoço lado a lado,
morreu a Bruxa,
todo o sangue derramado
e só depois é
que caiu a Castanheira!
Mas os meninos
não se machucaram
e Mo tirou-lhe
a faca de sua mão,
vendo os seus
cães caídos ao redor
e logo carne e
ossos se rasgaram,
arrancando-lhe
para fora o coração,
encantamentos
gritando com ardor!...
OS NETOS DA
BRUXA XXII
E segurando nas
mãos o coração,
foi apertando
até o sangue jorrar,
a cada um dos
onze cães indo banhar,
até que a vida
lhes voltou nessa ocasião!
A Bruxa se
desmanchou, de sopetão
e ainda
escutaram sua choupana desabar,
enquanto o sol
começava a despertar
e a Castanheira
ressurgia desde o chão!...
Lavaram as mãos
na água de um regato
e voltaram para
casa, onde os abraços,
sãos e salvos,
de sua Mãe foram ganhando!
E para ainda
mais alegre ser o fato,
pela estrada se
escutou o som de passos:
era seu pai, da
longa guerra retornando!
Entrou pela
porta e saiu pela cozinha:
quem quiser
outra, vá pedir à sua Mãezinha!
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos
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