BHUVANESWARA – 2 JAN 2011
(Bhuvaneswari devi é a deusa hindu do mundo material, também
chamada de “MÃE DO MUNDO”, UM AVATAR DE Durga)
DUODECANETO DE WILLIAM LAGOS
(BHUVANESWARI DEVI)
bhuvaneswara
I (2 jan 2011)
em tons de verde
minhas dúvidas elevo:
combate a turmalina o carmesim,
berilo claro e transparente assim,
que na turquesa refletir-me devo;
verde-petróleo a meus altares levo,
nessa queima de holocausto para mim:
verde-esperança a conduzir meu fim,
que só a mim mesmo
suplicar me atrevo;
são verdes os meus
ossos vegetais,
no
verde musgo das lendas naturais,
no verde-folha de um sonho malformado;
verde meu sangue, em linfa derramado,
verde minha vida oprimida de criança,
que meu destino só
verdemente alcança.
bhuvaneswara II
com teu arado meu
coração lavraste,
torrões
de lama, porém gume afiado;
não te importaste com o coração magoado,
na imposição do talho que deixaste;
porém da carne que assim arroteaste
surgiram folhas verdes, continuado
esplendor
de esperança, em compassado
crescer – talvez bem
mais do que esperaste;
a carne inteira se
fundiu em negra terra
e
a própria indiferença ao sofrimento
semeou vasta assembleia de botões;
ou quiçá fossem sementes que ela encerra,
o
pobre coração em seu tormento,
reproduzido na verdura
dos florões.
bhuvaneswara III
agouro verde que
tomou-me a crina
à
guisa de uma rédea verdejante;
montou-me na garupa, triunfante,
a dirigir cada passo de minha sina;
agouro verde que a anunciar inclina
a indiferença dessa vida sibilante,
o
tédio pelo tempo negrejante,
no corte manso dessa
mágoa fina;
agouro verde como o
mate amargo
em
seu gelado sabor de tererê:
sua bomba serve para me sugar,
nessa inversão de seu antigo encargo,
aos
poucos me dilui – e então se vê
o agouro verde em mim
se realizar.
bhuvaneswara IV
sou um homem comum e
sem poderes,
salvo
aqueles que o verde me concede;
desde criança me escapei da rede
de comer carne e de seus malfazeres;
pois me bastam da terra os concederes:
cereais e frutas é quanto a mente pede;
o
verde da hortaliça a carne mede
e me fez crescer bem,
sem desprazeres;
contudo, não sou um
bom vegetariano:
ovos
e leite, requeijão e queijo
me levaram a apostatar dessa dieta;
porém refreio em mim sabor profano
com
as pastas do verde que desejo
e o laticínio a
consciência não me afeta.
bhuvaneswara V
no caule assegurado,
rédeas vou tomar do tempo,
a
floresta então cavalgo em embiras de cipó
o verde caule e a carne verde são um só,
ninguém me segue, está vazio o templo;
a verde orquestra sobre mim contemplo,
esverdeado de ouro em poeira e pão-de-ló;
sou
trigo e sou farinha, sou grão e sou a mó
no esmeraldino verde
de cada contratempo;
em tal caule me
assento, segurando folhas
e
ordeno que revolva, tal qual um girassol,
na esteira do vento em dança de sementes,
na espuma do verso que espero hoje recolhas
no
musgo esverdinhado do teu guarda-sol
e em ti eu reverdeço
as cantigas mais dolentes.
bhuvaneswara VI
por acaso não pensas
que já me enjoei dos versos?
pois
deles eu cansei na esteira de mil anos,
mas verdes rebrotaram no vicejar dos planos,
estrofes a reunir domínios indispersos;
e os vejo de novo, diários e dispersos,
no ar baila a moinha, luxúria dos enganos,
narinas
que me invadem, silentes em afanos,
nas glaucas cenas tais
dos tempos mais diversos
e mesmo esse vapor que
brota desde o chão,
é
rocio invasor de meus olhos, nenhum dó,
na tenra exposição auriverde das espigas;
e meiga então me aquece e alucina a emoção,
de
mim tomando conta, jamais deixando só,
palavras a verter no
verde das urtigas.
bhuvaneswara VII
e quando tuas flores –
em mim se enraízam,
em
ramos macios de verde a granel,
em minhas narinas o pólen faz mel,
colmeias de verde e a mente escravizam;
mas quando caprichos os brotos repisam
de flores coradas, sua seiva de fel
instila-me
dores de um gosto rebel,
os sulcos na carne de
verde revisam;
aos poucos me surgem,
porém cicatrizes
no
pus das feridas que verdes fecharam,
o amor esquecido parece-me louco,
contudo, ao pensar que ainda me vises,
sorrio
em cinábrio, que as dores viraram
convólvulos verdes de
incômodo pouco.
bhuvaneswara VIII
memórias retidas em
verdor luxuriante,
a
pouco emurchecem e se fazem castanhas,
já mais quebradiças, em fibras estranhas,
veludo em folhagem de tom lancinante;
textura conservam na cinza inquietante,
as folhas se enrolam no murcho das manhas,
secadas
se acham porque não as banhas,
passados os beijos de
olor cativante.
contudo seu caule
ainda está resistente
e
assim pode afrontar o pranto da geada,
sussurrando ante a brisa num pálido som;
deixou de ser verde, num gris inconsciente,
talvez
sequer passe outra vez madrugada
nesse pingo de orvalho
de um gélido tom.
bhuvaneswara IX
contudo, essas raízes
em minha alma,
por
mais que sejam negras, verde têm;
basta esperá-las que mostrarão também
suas dicotiledôneas, no verdor de palma;
retornar me virá o que
me embalma,
a um breve sopro que de ti provém,
não
mais do que suspiro, mas contém
revigorante turmalina
e grácil calma.
sou verde para ti,
tímido embora,
pois
guardo os lanhos em meu coração,
a tua ausência me feriu como azorrague,
que decepou minhas flores nessa hora,
mas
meus rizomas guardam firme essa emoção
e hão de brotar sempre
que sopro teu me afague.
bhuvaneswara X
mas enquanto não
retornas, verde limo
vai
recobrindo as dobras de meu peito,
surgem os líquens, sem qualquer defeito,
brotam avencas ao redor do sino;
as samambaias entoam verde hino,
a relva cresce e vai tomando jeito,
surgem
dentes-de-leão, em brando eito
e do canteiro já
ocupam todo o cimo;
não há lugar para
flores de cultivo,
mas
são dourados tais dentes-de-leão,
enquanto as sépalas verde têm suave;
talvez um dia rebrote, redivivo,
esse
jardim abandonado em vão,
como os vinhos
esquecidos numa cave.
bhuvaneswara XI
em tons de verde,
retornam as memórias,
para
o jardim ressecado de meu peito;
ninguém mais, além de ti, possui direito
de recordar-me o berilo dessas glórias;
pouco importa que as aleias com escórias
se achem entupidas, em liquefeito
escorrer
das quimeras que hoje aceito,
nesse sínople
imperfeito das histórias;
pois algo sempre
houve, no entretanto;
trouxe
o verde de além-mar para a mistura
do que foi sonho com a nova permanência,
água-marinha e solidão no escuro canto,
entronizadas
no ouropel da ilusão pura,
em mantos verdes da
mais vital potência.
bhuvaneswara XII
retorno ao verde, com
mediocridade,
verde-de-prússia,
envenenado canto,
minha deusa a invocar em seco pranto,
a medusa a transformar em realidade;
as gotas verdes em sangue sem maldade,
na clorofila do meu ideal – mais santo
que
a hemoglobina em seu purpúreo manto,
que nutre e anima toda
a humanidade;
verde poema em renovo
de um caudal,
verde
macio de trevos e azevém,
saxífragas em ranques espraiadas;
aspargo e junco como flautas em sinal,
o
verde escolho que verde amor contém
na pradaria dos mil
pequenos nadas.
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos
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