CINCO CONTOS DE MALBA TAHAN
(ADAPTAÇÃO
E VERSOS DE WILLIAM LAGOS – 3-7/3/3017)
OS GANSOS DA PÁSCOA
... ... ... 3 MAR 17
O COLECIONADOR DE
COINCIDÊNCIAS ... ... ... 4 MAR 17
OS COMEDORES DE
REIS ... ... ... 5 MAR 17
a CIDADE PERDIDa
... ... ... 6 MAR 17
O ELEFANTE FURIOSO
... ... ... 7 MAR 17
(aldrava para porta)
OS GANSOS DA PÁSCOA I – 3 MAR 17
Em certa noite de Páscoa, Rogério de
Teivar,
um barão espanhol bastante
aquinhoado,
com doña Blanca, sua esposa, achava-se assentado
à sua mesa, com os quatro filhos a
cear...
Dois rapazes e duas moças a brindar
por essa Páscoa, que enfim havia
chegado,
carne comer novamente autorizado,
longa Quaresma a afetar seu
paladar...
Por fora, caía chuva em tempestade,
mas dentro estavam todos abrigados,
tanto a família quanto os seus
criados;
porém um outro som a casa invade:
alguém erguia e baixava a sua
aldrava,
diante da porta da mansão alguém
chegava!
Veio o mordomo, um tanto perturbado.
“Senhor Barão, apareceu um
forasteiro
pedindo abrigo. Vim indagar primeiro
o que deva fazer. Parece-me educado.”
“Também se veste com certo cuidado,
não como camponês ou cavaleiro,
é mais como burguês... Correu ligeiro,
mas pela chuva ficou todo
encharcado!...”
“Ora, mande-o entrar e vir até aqui;
não vai ficar na chuva, mas vou ver
de que maneira ser tratado deverá.”
“Senhor Barão, por isso eu perquiri,
mas tem certeza de que o deva aqui
trazer?
A sua ceia irá, por certo,
perturbar!”
“Traga-o aqui. Não irá nos perturbar,”
disse o barão. O mordomo obedeceu
e logo um rapaz (até bonito) apareceu,
todo molhado, o piso a
emporcalhar!...
Com educação se soube apresentar;
sem humildade nem orgulho respondeu:
“Eu sou Ramiro Fruela e aconteceu
que a tempestade não estava a
esperar.”
“Sou mestre-escola na aldeia de
Alcalá
e ao ver chegarem as férias de verão
(na Europa é invertida esta
estação),
“com meus pais quis a Páscoa
celebrar,
mas não consigo ainda hoje chegar
lá,
depois que veio a tempestade a
desabar...”
Mas o barão esqueceu as boas
maneiras
e ao invés de convidá-lo a se
assentar,
daquele pobre ensopado quis zombar:
“A Providência tem medidas bem
certeiras!”
“Um mestre-escola as matemáticas
ligeiras
tenho certeza de que sabe
calcular...
Tenho um problema e sei que pode me
ajudar,
pois já esgotamos as respostas mais
rasteiras...”
“Senhor Barão, certamente o
ajudarei,
desde que tenha a meu alcance a
solução...”
“Como vê, em minha família somos
seis...”
“Já o meu problema lhe apresentarei:
um de meus arrendatários na ocasião
trouxe-me seis gansos dignos de
reis!...”
OS GANSOS DA PÁSCOA II
“Um está aqui, já servido na
travessa,
os outros cinco estão no galinheiro
e por nós seis preciso dividir;
primeiro
será este ganso cujo odor não cessa
“de fazer com que na boca a água
cresça...
Depois, há os outros cinco no
terreiro
a dividir por seis, meu
cavalheiro...
Como fazer...?” “Senhor, sois a cabeça
“desta família e também a
sustentá-la.”
E tomando o trinchante, foi cortar
cabeça e costas para o prato do
barão.
E a doña Blanca serviu, para agradá-la
todo o peito do ganso. “Cabe à mãe
amamentar
seus filhos. Eis, portanto, a sua porção!...”
“As duas filhas são belas e
prendadas
e muito em breve terão seu
casamento;
as asas lhes darei neste momento,
pois a voar a um novo lar são
destinadas...”
“Aos dois rapazes estarão já
preparadas
longas viagens do maior portento;
assim as pernas lhes darei em
cumprimento
das excursões em suas muitas
caminhadas!”
“E como eu mesmo sou jovem e
modesto,
a minha valia sendo, é certo, bem
menor
que a da família da qual estou no
meio...”
Puxou a travessa para si, num veloz
gesto:
“... eu me contento com a porção
pior
e vou comer apenas o recheio!...”
Foi acolhido por uma vasta
gargalhada!
Disse o barão ao mordomo
surpreendido:
“O professor de frio está encolhido:
leve-o a trocar-se por roupa
adequada...”
“E o traga de volta sem demora. Preparada
já está a ceia inteira...” Foi logo obedecido;
em seguida foi seu hóspede atendido,
da ceia inteira a partilhar ali
mostrada...
Após tomar o vinho e a sobremesa,
o barão retomou o requerimento:
“E como vai nos dividir os cinco
gansos?”
Disse Ramiro: “O estômago me pesa
após a ceia de tão bom sustento...
De três em três dividirei seus
bichos mansos...”
“Mas como assim? Dividir cinco por seis
criando grupos de três, todos
iguais...?”
“O Barão e à Baronesa, por motivos naturais,
e mais um ganso formarão grupo de
três!”
“Às suas filhos com outro ganso
formareis
segundo par de três, assim no
mais...
E seus filhos e outro ganso serão
tais...
E eu faço três com outros dois, que
me dareis!”
Novamente originou grande alegria
e o mestre-escola permaneceu bem
hospedado,
tendo de adiar a visita a seus
parentes...
Quando partiu, um bom cavalo
dirigia,
com vinho e provisões bem equipado,
mais um bornal estufado de
presentes!...
EPÍLOGO
Naturalmente, foram os gansos
abatidos
e servidos em almoços e jantares:
não seriam no cavalo pendurados!...
Bem mais valiosos os presentes
recebidos,
muito apreciados pelos familiares
aqueles seus engenhosos
resultados!...
O COLECIONADOR DE COINCIDÊNCIAS I –
4/3/17
Certo dia, um matemático famoso
foi em seu escritório visitado
por um desconhecido inesperado,
cujo aspecto era um tanto
misterioso...
O matemático indagou, meio curioso,
qual o motivo que o havia
impulsionado
até seu escritório, sem querer ser
perturbado,
por um motivo que não fosse
prestimoso...
O homem era da máxima magreza
e ainda usava uns óculos cinzentos,
(*)
com aros de tartaruga avermelhados.
(*) Não diga UM ÓCULOS. Duas lentes formam par!..
“Não vim aqui explorá-lo, com
certeza,
pois lhe farei os devidos
pagamentos,
caso me atenda com seus gentis
cuidados..”
“Pois muito bem. E que problema será esse?”
“Veja bem: eu coleciono
coincidências.
Não se espante. Já escutou muitas tendências
dessas pessoas que um certo zelo
aquece...”
“Pois selos colecionam e moedas;
ainda há esse
que junta fósseis, pedras, conchas
com frequências
muito acentuadas; quadros e jóias,
se as potências
econômicas lhes permitem as caras
messes...” (*)
(*) No sentido de conjuntos ou
acervos.
“Já eu procuro ser bem mais
original:
procuro coincidências nos jornais.
no rádio, em livros e na televisão
“e me esforço a comprovar, é
natural,
que não me sejam inventadas,
ademais,
mas que, de fato, ocorram na
ocasião!”
“Trago em meu álbum as fotografias,
os recortes de jornal, depoimentos
que realmente confirmem tais
portentos,
nunca aceitando criações ou
fantasias.”
“Olha, entendi muito bem o que
dizias,
mas o que tenho a ver? Nestes momentos
não me ocorrem quaisquer
desdobramentos...
Qual o motivo por que me
consultarias?”
“Caro senhor, são as probabilidades!
Que me calcule matematicamente
de cada coincidência as
raridades...”
“Ser algumas bem prováveis poderão,
enquanto outras são bem raras,
realmente,
coisas que ocorram só uma vez em um
milhão!”
“Sei que algumas são simples,
realmente:
a gente telefona para alguém
e então descobre a intenção que tem
de nos ligar, quase
simultaneamente...”
“Ou entramos em uma loja,
calmamente,
e nosso nome escutar a gente vem
e então nós vamos responder, porém,
havia um tocaio bem próximo da
gente!...”
“Já no outro dia, ocorreu um
acidente:
um cidadão morreu atropelado,
um médico foi bem rápido chamado,
“depressa um guarda a ocorrência
atende,
mais um repórter que surge de
repente...
Todos se chamam José! Não lhe surpreende?”
O COLECIONADOR DE COINCIDÊNCIAS II
“Sem dúvida,” disse o outro. “É bem verdade
que esse nome, “José”, antigamente
era aplicado aos homens bem
frequente;
mesmo assim, é inesperado, em
realidade...”
“E desta outra, qual será a
probabilidade?
Mil novecentos e dezenove. Um barco,
realmente
Foi de Dover para a França... O
surpreendente
é que era um barco cargueiro. E a quantidade
“de passageiros era de quatro,
apenas...
A dois, porém, faltava a perna
esquerda!
E os outros dois não tinham a
direita!...”
“Tenho na pasta fotografias dessas
cenas...
Como explicar que cada um tivesse a
perda
de igual membro e ali se achasse
nessa feita?”
Pela resposta nem espera o visitante
e disse ainda: “Meço de altura um
metro e setenta,
meu nome é Samuel Senna. Que se apresente
outro Samuel, já será bem
interessante
“coincidência, mas nada de
importante;
porém se a altura que a esse outro
atente
for justamente a minha? Não se alente
um pouco mais a coincidência
avante...?”
“Também sou médico e exerço a
profissão;
e se descubro, em idêntica ocasião,
que esse outro é doutor em
medicina?”
“Já mil vezes mais raras as coisas
são!
E se o desconhecido se destina
tal como eu, a uma igual
recepção...?”
“Não será coisa mais cem mil vezes
rara?
E se então descubro que o
desconhecido.
de quem jamais antes disso tinha
ouvido,
tem o mesmo sobrenome? Não dispara
“a imaginação a correr e já não
para?
Só num milhão de vezes o ocorrido!
É isso que eu quero: ver
estabelecido
um padrão que a raridade torne
clara!”
“Fácil é probabilidades calcular,”
respondeu o matemático, sem pressa.
“Basta os Teoremas aplicar de
Poincaré...” (*)
(*) Matemático francês. Pronuncie “puancarê”.
“Bem facilmente nisso posso lhe
ajudar,
mas é preciso que nunca se esqueça:
não coincide tudo aquilo que se
lê...”
“Nesse caso do barco que citou,
não leu o amigo a notícia até o fim?
Durante a guerra perdem os quatro
assim
cada membro inferior que lhe
faltou...”
“E numa clínica da França se
agendou:
ali suas próteses iam provar,
enfim...
Não há qualquer coincidência para
mim:
no mesmo barco o exército os
mandou...”
“Não tenha dúvida, vou calcular o
seu teorema.”
E o matemático da poltrona levantou:
tinham os dois exatamente a mesma
altura....
“Como o senhor, eu me chamo Samuel
Senna...
Também sou médico. Meu diploma não notou
naquele quadro? Eis coincidência pura!...”
OS COMEDORES DE REIS I – 5 MAR 17
Acusado de resistir a um policial,
foi um rapaz jogado na prisão,
junto a dois homens que ali já
estão,
cumprimentos trocando mal e mal...
Um homem magro, de aspecto marcial,
falava ao outro, a mostrar
desolação:
“Só consegui esta semana, meu irmão,
comer um rei. Tens mais sorte, é
natural,
porque dois reis eu sei que já
comeste!”
Falou o outro, com vasta barba
preta:
“E da rainha, tão depressa te
esqueceste?”
“Esta semana também uma
devoraste!...”
Ficou o rapaz na maior tensão
secreta:
Os
dois são loucos! Melhor seria que me afaste!
Pediu em vão para trocar de cela,
nenhuma atenção lhe deu o
carcereiro...
Não
pretendo passar por ser cordeiro,
vou
inventar loucura ainda mais bela!
“Estou aqui porque tive má estrela”,
começou a mentir, mais que ligeiro.
“Aqui me tendes por perfeito
companheiro.
A cada vez que surgia uma procela,
eu penetrava no palácio de algum
rei!...
Quatro comi tão só no ano passado:
o da Bulgária foi depressa devorado;
os da Grécia e da Sérvia eu já
cacei;
o Rei da Albânia me deu indigestão:
comi-o inteiro, mesmo tendo um
barrigão!”
Os outros dois o contemplaram com
espanto,
até mesmo a demonstrar
consternação...
Pois
vou causar-lhes até mais admiração!
“Também comi uma rainha no seu
canto,
“e a dez famílias reais já causei
pranto:
sete princesas já comi em ocasião
e mais dois príncipes, de pouca
nutrição,
o meu estômago forrando com seu
manto!”
Viu que os outros dois estavam
embasbacados
e o rapaz ainda falando prosseguiu:
“Tenham certeza, não estou mentindo,
“aos dois confesso realmente os meus
pecados;
ninguém fazer-me confessar já
conseguiu,
mas esse vício já percebo a nós
unindo!...
E percebendo ainda haver certa
descrença,
o rapaz, mais que depressa,
improvisou:
“Pois desta vez a polícia me
encontrou,
após comer o Arquiduque de
Placença!...”
“Com o uniforme o devorei e mesmo a
tensa
comenda de ouro que sempre ele
ostentou;
já a sua espada mais esforço me
tomou:
devia tê-la guardado na
despensa!...”
“Mas comi tanto que nem pude fugir!
“Desci, é certo, o muro do castelo,
mas não pude cruzar o fosso a nado!”
“Assim a guarda me pôde descobrir;
a espada vomitei, perdido o zelo,
mas digeri tudo o que havia
devorado!”
OS COMEDORES DE REIS II
“Esse rapaz é louco!...” – um
exclamou.
“Com ele aqui já dormir não
poderemos!
Com nossos cintos é preciso que o
amarremos!”
E logo o par sobre ele se atirou!...
Foi o rapaz dominado e suplicou:
“Por favor, não me comam! Tenho venenos
em minha carne, que comprei dos
sarracenos, (*)
que irão matar a quem não me
escutou!...”
(*) Nome dado antigamente aos
muçulmanos.
“Você é louco mesmo! Não queremos,
de forma alguma devorar você!...”
“É claro, não sou rei, sou só
plebeu!...”
Eles riram. “Acho que não nos entendemos
não somos canibais... É isso que crê?...”
Longa risada aos dois acometeu...
“Pobre idiota!... Nós somos
jogadores
e aqui está o nosso tabuleiro!...
Um deles levantou um travesseiro
e uma tábua lhe mostrou, com
marcadores,
em quadrados demarcando seus
pendores.
“Faz tempo que aqui estamos,
companheiro,
Xadrez jogamos e o tempo passa mais
ligeiro,
é só das peças que nós somos
comedores!...
“Nós as fazemos com miolo de pão
e o vencedor da partida come o rei
ou a rainha, quando ela é tomada...”
“O perdedor tem de usar a sua ração
para substituir a peça: é nossa lei
e o alimento já é bastante
limitado!...”
“Tal qual verá, caso na cela se
demore;
é muito pouca a comida que nos dão;
sacrificar mesmo um naco desse pão
é como se a nós mesmos o outro devore!”
“Quem tem as pretas ainda é preciso
que decore
com a fuligem das paredes ou do chão
essa peça que perdeu... E com razão
é com as pretas que jogar a gente
adore!”
“Sempre as brancas conservarão
melhor sabor,
mas como aqui se passa muita fome,
também as outras, no final, se
come!...”
“Mas o que vamos fazer, seu comedor,
que confessou-nos ser um canibal?
Denunciá-lo será preciso, no
final!...”
“Não, por favor!... Confesso que
menti:
pensei que fosse de vocês essa
loucura!
E se achassem que eu era rei? Qual a tortura
que eu sofreria?... Nem há fogo por aqui!...”
De boa vontade, então o barbudo ri
e o desataram, até mesmo com
ternura...
Ele indagou, em curiosidade pura:
“E as outras peças que na caixinha
eu vi?”
“Vocês não comem todas essas também?”
“Quanto mais peças a gente for
comer,
maior prejuízo se daria a quem as
fez!...”
“Só uma partida por dia a gente
tem!...
Por que não veio logo a ideia lhe
ocorrer?
No fim das contas, estamos todos no
xadrez!...”
A CIDADE PERDIDA I – 6 MAR 2017
Em um ponto hoje esquecido do
deserto
havia um oásis com sete mil
palmeiras,
junto do qual defendiam suas
fronteiras
mil guerreiros de ânimo desperto!...
Muralhas ali ergueram, muito perto
de Shaarka-al-Ladam, hospitaleiras
para honestos mercadores as suas feiras,
para adversários a proteção por
certo!
Contudo, os habitantes da cidade
eram só homens cruéis e salteadores,
assaltando os oásis ao redor,
trazendo ao lar riqueza em
saciedade,
mais fileiras de escravos
sofredores,
que então vendiam só por ter lucro
maior!
Ao retornarem, após os seus
combates,
eram sempre recebidos com festejos
das mulheres e filhos, com mil
beijos
a repartir todo o botim dos
açafates!
Raros morriam nesses tais embates:
sua má fama os precedia nos ensejos;
os invadidos rendiam-se sem pejos,
tudo entregando, poupando-se aos
abates!
E foi assim aumentando a sua
ambição;
com desgosto, olhava Alá a
Shaarka-al-Ladam,
pensando, enfim, em punir-lhes a
impiedade,
quando inspirou-lhes uma vasta
expedição:
saquear a capital de uma região de
Oman,
a sua cobiça incitando de
verdade!...
Tendo escutado a voz dos mercadores
sobre as riquezas de Ras-al-Azir,
que calcular mal podiam conseguir,
mas era um povo, afinal, de
saqueadores!
Até nos velhos despertaram-se os
ardores,
furiosa tropa podendo então reunir,
para a cidade irem alegres destruir,
um vasto saque, depois de sangue e
horrores!
E desta forma, só ficaram na cidade
os meninos menores e as mulheres,
sem de fato precisar de defensores;
todos temiam a sua ferocidade,
nenhuma tribo a ameaçar os seus
haveres,
partindo todos, sem quaisquer
temores!...
Mas desta vez, encontraram
resistência,
pois em nada eram covardes os
Aziritas,
enfrentando bravamente aos
Ladamitas,
mesmo vencidos por sua maior
potência...
Mas da derrota ao se tomar
consciência,
sem submeter-se às suas ações
malditas,
fez o sultão evacuar, em longas
fitas,
os habitantes, na maior urgência!...
Indo às cavernas que possuíam nas
montanhas
e retardando, através de
escaramuças,
embora sempre em constante
retiradas,
aos Ladamitas, com variadas
artimanhas,
perdendo gente nas areias ruças,
mas garantindo as salvaguardas
desejadas!
A CIDADE PERDIDA II
Os Ladamitas todos os seus bens
saquearam,
mas não seu ouro, suas jóias ou
diamantes,
Salvaguardados de tais cobiças delirantes
por suas famílias, que inteiras se
salvaram!...
Mas quando os agressores retornaram,
com muito menos do que esperavam
dantes,
Shaarka-al-Ladam sumira em tais
instantes
e em tontos círculos no deserto a
procuraram!...
Nem sequer seus alicerces encontraram,
chegando até de seu lugar a duvidar,
por duas semanas, em vão, a procurar
e logo os odres de água se gastaram,
os velhos e os feridos a morrer,
sequer do oásis a menor pista
ter!...
Os Ladamitas foram tomados de
horror.
Mas
o que é isso? Era o
inverso de miragem,
ao invés de duplicar-se uma
paisagem,
somente viam mais areias e calor!...
As mulheres e crianças com fervor,
mais do que tudo, procurando com
coragem
e em vão pediam a Alá qualquer
mensagem,
não mais podiam gozar do Seu
favor!...
Então Kahled el-Azir, sábio sultão,
decidiu de sua derrota se cobrar
e após deixar os sobreviventes
descansar,
partiu célere em sua perseguição!
O seu vizir ainda intentou o
dissuadir,
sem o sultão os seus conselhos
permitir...
“Agora eu sei que os poderei vencer:
os Ladamitas já perderam seu ardor,
não têm mais lares, nem filhos, nem
amor,
nunca lutaram por só simples
prazer!...”
“Queriam às tendas o seu botim
trazer!
Estão sem forças, feridos pelo
horror
desse castigo de Alá, o bom Senhor
que não permite aos infiéis
remanescer!...”
E realmente, aos Ladamitas
encontraram,
mal acampados, no meio do deserto,
que se deixaram matar sem
resistência!
Muitos deles até se suicidaram,
largado o saque sob o céu aberto,
recuperado pelo dom da Providência!
Shaarka-al-Ladam nunca mais
apareceu,
somente os ossos dos guerreiros no
lugar,
mas caravanas por ali a atravessar,
viram vultos cavalgando sob um véu;
homens armados a fazer grande
escarcéu,
mas que passavam por ali sem atacar,
sumindo logo sob os raios do luar...
E da cidade, a pouco e pouco, se
esqueceu...
Embora a lembre algum velho
mercador,
a lenda antiga repetindo com
espanto:
“Ali havia maravilhosa feira!...”
“Deles Alá retirou todo o favor:
nada subsiste na ausência de seu
manto!
Que vossa fé seja pura e
verdadeira!...”
O
ELEFANTE FURIOSO I – 7 MAR 2017
Havia
na Índia, na região de Sariwar,
uma
floresta de árvores pujantes
e
à sombra de uma delas, viajantes
sempre
notavam um asceta se assentar...
Os
seus discípulos, com paciência, a ensinar
algumas
lições de Jainismo transbordantes;
aos
mais avançados, em notas mais brilhantes,
sua
doutrina mais austera a analisar...
Brahma compõe o Universo inteiro,
sair de Sua presença é impossível;
desde o nascer até o instante
derradeiro
é inconcebível Dele se afastar,
todas as coisas em seu peito
inexaurível,
o Bem e o Mal, tudo Nele a se
guardar!...
Para
iniciantes, ele falava simplesmente,
que
em tudo Brahma Deus se pode achar;
Ele se encontra em qualquer lugar,
nos animais, nas plantas e na
gente...
E nada ocorre neste falso mundo
ingente
que não venha a Sua vontade
completar;
a vida e a morte deveis calmos
aceitar,
que até na dor e na doença está
presente!
Seguir a Ahimsa é,
portanto, necessário: (*)
nem uma pulga devereis matar,
nela também podeis Brahma encontrar.
(*) Doutrina da não-violência: matar
nunca!
Reside em tudo. Todo e qualquer fadário
É Attakatha, um
divino comentário
e assim deveis mesmo as folhas
respeitar!
“Mas
como iremos nos alimentar?”
Na Natureza existe o acolhimento;
parte aceita ser de outra o
alimento:
quando morrerdes, ireis ao solo
retornar...
A vossa carne irá as plantas
conservar
e no louvor desse divino julgamento
os animais nutrirá, nesse
portento...
Não há razão real para jejuar!...
Mas se matardes, pedi a permissão
e agradecei ao cordeiro vosso irmão!
E quando frutos para comer tomardes,
agradecei à árvore e à raiz,
pelo nutrir que vossa boca e alma
quis:
não há razão para não vos
alimentardes!
Tudo
escutava Ajamil com atenção;
de
seus discípulos o mais jovem e mais recente.
“E
na Sansara não devo então ser
crente?” (*)
Nunca se pode negar a reencarnação.
(*) A Roda das Encarnações; o Eterno
Retorno.
Mas uns afirmam outra coisa, sem
razão:
que retornar como animal seja
frequente.
Não é assim. Tão logo seja humana gente,
não perde a alma a sua humana
condição.
Contudo, se o seu karma não cumprir, (*)
deve outra vez passar por vida
igual,
o mesmo bem e também o mesmo mal,
(*) Escolhas de uma missão para cada
vida.
até aprender o seu destino a dirigir
e retornar depois, somente então,
para na Terra executar nova
missão...
O
ELEFANTE FURIOSO II
Foi
Ajamil certo dia buscar lenha,
pedindo
ao solo permissão para juntar
os
galhos secos que havia de encontrar:
Que sempre a bênção de Vishnu
contenha!
Que de Shiva a proteção sobre ti
venha!
Eu te agradeço pelo que hoje vou
queimar,
para assim preparar nosso jantar...
Que sempre a chuva do céu teu solo
tenha!
E
assim falando, um feixe sobraçou,
nem
mais, nem menos do que precisava,
e
para o Ashram do sábio retornou. (*)
(*)
Acampamento, pequena aldeia.
Mas
no caminho, encontrou um elefante,
que
furioso, à sua frente trombeteava,
tudo
que achava a derrubar por diante!
Inutilmente,
procurava o condutor
com
o seu ankus pontiagudo controlar,
a
besta-fera que tudo estava a derrubar;
e
o avisou, com o maior ardor!...
“Saia
do caminho, jovem, por favor!...
Meu
elefante talvez o vá matar
e
esse dharma vai em mim se derramar!
(*)
A
sua morte me virá em desfavor!...”
(*)
Responsabilidade dentro da Roda das Encarnações.
Ajamil
só pensava, no entretanto:
Deus se encontra também no elefante.
Brahma é bom e jamais me fará mal!
Gritou
de novo o condutor, já quase em pranto:
“Saia
já deste caminho, neste instante!
Pode
sofrer qualquer golpe mortal!...”
Ajamil,
porém, em nada se afastou.
Deus está em mim e também nesse
animal.
Para si mesmo, Deus não fará mal!...
Assim
a ira do elefante ele arrostou!...
Mas
quando a besta sua tromba levantou,
pela
cintura o agarrou! E, triunfal,
jogou
o jovem contra o capinzal
e
pela senda correndo continuou!...
O
condutor, então, foi acudi-lo.
“Você
é surdo? Não me ouviu o aviso?”
“O
paquiderme sobre a grama me jogou!”
“Por
que motivo o animal me fez aquilo?
Sempre
agradeço ao solo até que piso,
mas
Brahma estava no elefante e me pisou!
O
auriga até o ashram o conduziu
E
seu saddhu cuidou dele com carinho.
(*)
“Não
quebrou nada,” falou o bom vizinho.
“É
de espantar que tão pouco se feriu!...”
(*)
Homem santo, anacoreta, asceta.
Ajamil
pergunta ao mestre dirigiu:
“Vi
o elefante, no meio do caminho,
não
acreditei me machucasse o pobrezinho...
Deus
está nele”... O elefante não me viu?
Brahma se acha no elefante,
certamente,
mas também nos seus olhos e
ouvidos...
Por que ao condutor não escutou...?
Brahma se achava nesse homem, igualmente,
Pois não ouviu os seus gritos
incontidos,
quando Deus, por meio dele, o
avisou...?
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos
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