SONHOS VAGABUNDOS & MAIS
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM lAGOS
(AEOLOS' DAUGHTER = A FILHA DE ÉOLO, DEUS DOS VENTOS)
SONHOS VAGABUNDOS I – 11 FEV 2017
O AMOR EXPANDE A VIDA, ASSIM AFIRMAM,
E SEM AMOR, TUDO EM POEIRA SE REDUZ,
MAS ESSAS CINZAS, QUE RECOBREM LUZ,
SÓ MAIOR TRANQUILIDADE REAFIRMAM.
É MELANCÓLICO, TALVEZ, O QUE NOS FIRMAM,
MAS O COÁGULO QUE REVESTE A CRUZ
E A DOR QUE SE REVELA EM VERDE PUS
SOMENTE ALÍVIO AO CORAÇÃO CONFIRMAM,
PORQUE ESSA CALMA FOSCA, ESSA AGONIA,
SÃO AUSÊNCIAS DE ESPANTO, TÃO SOMENTE,
ANESTESIA, NÃO MAIS QUE DECORRENTE
DESSA AUSÊNCIA, CAPTORA DE ENERGIA,
UM CORAÇÃO, VAZIO DE IMPOTENTE,
QUE AINDA PROSSEGUE, ISENTO DE ALEGRIA.
SONHOS VAGABUNDOS II
A VIDA NOS ATACA, AOS NACOS E À MORDIDA;
DURANTE A MOCIDADE, MAL SE SENTE,
MAS À MEDIDA EM QUE O TEMPO SE PRESSENTE,
VEEM-SE AS CILADAS QUE NOS LEVAM DE VENCIDA.
A GENTE AS SENTE, NO LIMIAR DA VIDA,
MAS RECUPERA-SE FÁCIL NO PRESENTE,
ATÉ A ACOSTUMAR-SE, DIARIAMENTE,
COM MAIS TOCAIAS, EM SUA FRAGOSA LIDA.
PORÉM NOS LEVAM A CANSAR, DEVAGARINHO:
FORAM NACOS DEMAIS QUE JÁ ARRANCARAM
E AS MORDIDAS AGORA SE INFECCIONAM,
SÃO BACTÉRIAS ESSAS FALTAS DE CARINHO,
QUE TANTO AMOR NA VIDA NOS NEGARAM,
MAIS A SAUDADE DOS PEDAÇOS QUE NOS TOMAM!
SONHOS VAGABUNDOS III
NA VERDADE, NÃO ME IMPORTO, REALMENTE:
FAÇO O QUE FAÇO POR IMPULSO INSANO
E SEI DEMAIS ACERCA DO QUE É HUMANO,
ENCAIXO APENAS EM TAL PADRÃO FREQUENTE.
JÁ TRANSCORREU O TEMPO SURPREENDENTE
EM QUE EU MESMO ADMIRAVA ESTE PROFANO
FLUXO MÚLTIPLO DE ESPLENDOR ARCANO
A QUE HOJE AINDA REAJO, INDIFERENTE.
O MÉRITO QUE HÁ EM MIM, UNICAMENTE,
É O DE PERMITIR PLENA VAZÃO
À MULTIDÃO DOS SONHOS ESQUECIDOS,
POIS PERMANEÇO ESCRIBA, CLARAMENTE,
SEM TER QUALQUER CONTROLE DA PAIXÃO
QUE ME COUBE DE DIAMANTES REPARTIDOS.
SONHOS VAGABUNDOS Iv
POIS TE DAREI TAIS DIAMANTES REPARTIDOS
EM FONTE ESCASSA E CINTILANTE DE ILUSÕES;
BEM NO FUNDO, SABERÁS QUE SÃO CANÇÕES
ESSES BRILHANTES SONHOS REPRIMIDOS.
CARBONO APENAS OS DIAMANTES TÃO QUERIDOS,
NÃO MENOS QUE O CARVÃO CHAMA E PAIXÕES
QUE NOS AQUECEM FUNDO OS CORAÇÕES,
MAS LOGO SE CONSOMEM, RESSEQUIDOS.
MAS IGUALMENTE O GRAFITE É TAL CARBONO,
SÃO OS DIAMANTES NEGROS DO ABANDONO
QUE TE DERRAMO EM VERSOS, DIARIAMENTE.
CARVÃO, DIAMANTES, LÁPIS, LONGO SONO,
TEU CORPO REDE TÃO SÓ DE
HIDROCARBONO
QUE MESMO ASSIM HEI DE AMAR INTEGRALMENTE.
CRER PARA AMAR I – 12 FEV 2017
Meu coração ainda se aperta, se te vejo
num encontro casual, manso, aleatório;
mais surpresa talvez, nesse envoltório
de sonho e de quimera em tal ensejo.
Eu te espantei, quem sabe, em meu
almejo,
nunca te disse quão dourado esse cibório
(*)
que meu olhar espelhou, sem peditório,
amor silente, amor de velho andejo...
(*) Cálice da Comunhão.
Contudo, cheio está meu coração,
vazio de ti, mas de memória e
esquecimento,
que se tivesse o teu beijo,
enfartaria...
Prefiro assim, só ter tua sombra pelo
chão,
que enrolo e guardo no meu pensamento,
que um transitório amor que passaria...
CRER PARA AMAR II
O amor é a lei da vida; e toda lei
provoca a reação do proibido;
e por isso confundimos o perdido
amor com simples sexo. Eu andei
por caminhos poeirentos e hoje sei
que tenho aquilo por que tenho vivido,
quer seja vero amor, quer tenha sido
não mais que a ilusão com que sonhei.
Posso afirmar que nunca recusei
as opções de amor oferecido,
por mais que se antolhassem passageiras;
fui na choupana e na casa fui do rei
e cada face que pensei ter esquecido
permanece em meus meandros seresteiros.
CRER PARA AMAR III
Já te falei de amor vezes demais,
sem que bem percebesses que o dizia,
que entrevista fosse apenas fantasia
e que esse amor inútil fosse, quais
esses barcos sem adriças nem estais, (*)
desarvorados no porto e sem valia,
âncoras mortas sob cascos em agonia,
apodrecendo sem se afastar do cais.
(*) Cordas e suportes para as velas.
Mas ao falar de amor, calafetava
todas as fendas do casco e aprestava
para longa viagem meu convés;
velas erguidas, já comprada nova lona,
substituídas a mezena e a bujarrona,
sem desencanto por perdidas fés.
CRER PARA AMAR IV
Nada mais haverá que amor se chame,
que amor foi só palavra que inventaram
certas mulheres; e assim escravizaram
seus homens, pela força do reclame.
Marionetes que somos, nosso arame
manipulado por aquelas que o puxaram,
pelas mil artimanhas que criaram,
guerra de flores em pistilo e estame.
Mas essas tolas ainda pedem igualdade,
depois de tal domínio e privilégios
(com menos cinco anos se aposentam!)
e dessa forma, após perder fertilidade,
sexuais amores tornam em sacrilégios,
perdido o zelo com que aos homens
alimentam.
CASAS DE TORRÃO I – 13 FEV 2017
Antigamente, conheci negras casinhas,
que vez ou outra, no verão caiavam;
tantas havia em um local vizinhas
que Vila do Torrão mesmo o chamavam.
Os ricos contemplavam as mesquinhas
moradias em que os pobres habitavam
e pensavam nessas gentes pobrezinhas
com certo alívio (porém nunca as
ajudavam).
Já os “remediados”, como antes se dizia,
a classe média, com menor padecimento,
religião e donativos lhes trazia;
da estrada nua traziam pó de sofrimento,
mas apreciavam, após a ventania,
aquela pesca milagrosa do momento!
CASAS DE TORRÃO II
Algumas vezes, admiravam o frescor,
quando pisavam dentro das casinhas,
nos turbulentos dias de calor:
poucos móveis nas peças pequeninhas,
mas que enfrentavam, com certo destemor,
os dias de inverno, gelo a pender das
linhas
desses arames estendidos sem amor,
sempre assobiando do vento as ladainhas.
Grande surpresa que nas casas de torrão,
nas quais se via, mal e mal, um
fogareiro,
o frio do campo não pudesse penetrar;
e ao repassar os cobertores que lhes
dão,
um certo espanto as perpassasse, derradeiro:
desnecessário era o que vinham
presentear?
CASAS DE TORRÃO III
E ao retornarem às suas casas de cidade,
em que (razão que nunca se entendia),
nem ao menos lareira se acendia,
calefação não mais que raridade,
muito embora no Uruguay, na realidade,
calefação em toda parte se possuía
e nas lareiras fogo sempre se “prendia”,
até nos barrios mais pobres, na verdade.
Calor provinha tão somente dos fogões,
das roupas grossas e da sopa quente;
e quando os velhos e as crianças
tiritavam,
surgia a inveja das casinhas de torrões,
sem confessarem uns aos outros,
realmente,
como suas casas de tijolos lastimavam!
CASAS DE TORRÃO IV
Quando tais casas pretendiam construir,
todo o barro retiravam, junto ao chão,
cada tijolo improvisado a pôr, então,
sob o sol de verão, para frigir!...
Seu cozimento não era de iludir,
quando movidos com uma certa precaução;
mas um buraco quadrado de feição
era deixado, mais de metro a introduzir
dentro do solo que cedera o material;
sem alicerces, erguiam-se as paredes,
contra as beiradas, em apoio natural;
e sobre a terra, erguia-se, afinal,
parede baixa e grossa, da qual vedes
só meia altura a ressaltar do
capinzal...
CASAS DE TORRÃO V
O artifício era esse, justamente,
que atacava o calor e todo o frio,
santa-fé a se cortar perto do rio,
a quincha atada sobre a casa,
firmemente;
e sendo rasa sobre o solo, facilmente
ao vendo resistia em simples brio,
tourinhos negros de bramir bravio,
que nem a chuva perfurava, realmente...
Nas atuais casas populares, gente ativa
consegue aos poucos melhorar o ambiente,
mas nem em todos há tal iniciativa,
a maioria a queixar-se, simplesmente,
desses casebres de alvenaria esquiva
que um governo paternal lhes apresente.
CASAS DE TORRÃO VI
Hoje, sem dúvida, há veraz
transformação,
muitas casas da cidade têm lareiras,
umas que outras calefações maneiras,
ventiladores a ligar-se em ocasião,
outras com ar condicionado no verão,
mornas as casas nas noites das frieiras,
as classes médias com splits altaneiras,
só não existem mais casinhas de torrão!
Mas apesar de iniciativas solidárias,
a gente pobre ainda sua no calor,
devido ao preço da eletricidade,
sendo furados os tijolos dessas várias
“Minha Casa, Minha Vida”, com valor
menor que o barro das casinhas, na
verdade!
EXÍLIO I – 14 FEV 17
O sono é coisa por demais valorizada;
O importante, realmente, é se sonhar,
Sem oito horas por dia se gastar.
“Terça Metade” assim desperdiçada
De nossa vida, essa andorinha alada,
Que as penas perde de tanto revoar,
Por entre as penas por que deve passar,
Até se achar totalmente desnudada.
Então recebe certas penas de madeira,
Ao invés de crista, uma tampa envernizada,
Sem que hoje em dia lhe deem sequer mortalha
Para esse sono de coma derradeira,
Com suas penas de festa conservada,
Dependuradas em cabide que espantalha!
EXÍLIO II
E dentro desse invólucro vazio
Que um dia soube albergar o pensamento,
Será que existe, por um só momento.
Algum sonho, fugaz mesmo ou arredio?
Sem as redes neurais a lhe dar fio,
Sofrendo o encéfalo inicial desmanchamento,
Como de um sonho gozar qualquer portento,
Como da vida recordar seu brio?
E quantos há que falam em sono eterno,
Como se os ossos de fato descansassem,
Para depois espreguiçar-se num bocejo!
Tal qual se fosse ainda possível sonho terno
A experimentar-se, enquanto esfarelassem
Mesmo esses ossos, na poeira de um adejo!...
EXÍLIO III
Por isso eu digo: para que dormir
De nossa vida um terço, diariamente?
Rezar um Terço seria, claramente,
Mais proveitoso para a alma se nutrir!
Nos monastérios, não há como iludir:
Cada três horas há uma prece diferente;
Só duas horas no intervalo, realmente,
Pesado sono sem jamais lhes permitir!...
Porém os frades têm, nesse alternar,
Sonhos variados com sonhos de rezar:
Sempre há descanso no entoar da litania!
Sem oito horas jamais se completar,
Sonhos de arcanjos trombetas a assoprar,
Sonhos de
freiras em casta salmodia...
EXÍLIO IV
Destarte evito o exílio desse sono;
Apenas durmo até o final de um sonho,
Que esses da noite, mesmo o mais tristonho,
Completo sempre e desse ideal sou dono;
Enquanto os sonhos do dia, em abandono
Sou forçado a perceber ideal bisonho;
Um desaponto em seu lugar reponho,
Enquanto versos perdidos ainda entono...
Se mais dormisse, não sonharia mais,
Nem em minha vida real, nem em devaneio,
Busco esse terço da vida assim poupar,
Somente um quarto para sonhos eventuais,
Pois quando eu
for ao astral, ali receio
Nova vida receber, sem mais sonhar!...
ESPECLORAMA I
– 27 DEZ 2007
[Luneta
de Espelhos]
Eu
te contemplo, mulher caleidoscópica,
em
mil rosáceas reveladas pela luz...
Quando
sacodes, mudas... Hipnótica
de
cores abstratas... Que seduz
ainda
mais na doçura irrefletida,
como
modelo de mil fotografias
que
não são tuas; ou na fala repetida
a
voz que escorre ao ritmo dos dias...
Cometa
e estrela, pura de inconstante,
só
permanente na fixidez escusa
com
que alteras os reflexos de enlaces.
Nesse
cambiar de panóplia delirante,
foste
vampiro e anjo, lâmia e musa
no
projetar perpétuo de mil faces...
ESPECLORAMA
II – 15 FEV 2017
Quando
criança, chamavam de “Teteia”
caleidoscópios
comprados no Uruguay;
não
sei por que motivo não se vai
encontrar
no Brasil tal assembleia
de
três espelhos, duplicando como teia
essas
pedrinhas coloridas. A luz recai
pelo
vidro do cilindro e então sai,
mediante
o mínimo movimento que se ateia
uma
simétrica e brilhante imagem,
na
transparência de sutis mandalas,
horas
a fio os meus olhos de criança
a
encantar, na infinitez de tal paisagem,
os
traços mágicos e trípticos de salas,
quais
fogos-fátuos que jamais se alcança.
ESPECLORAMA
III
Assim
gerava as figuras pelos dedos,
sem
que jamais construísse duas iguais,
mil
esplendores quânticos virtuais,
a
despertar-me a noção de sonhos ledos,
nessa
feérica negação dos medos,
bijuterias
incrustadas nas neurais
redes,
visões formando conceituais,
de
jóias verdadeiras mil segredos...
De
Iracy Garrastazu eram presentes,
a
quem tratava de “Vovó Cici”;
em
longos dias tais desenhos me encantavam,
das
magias televisivas precedentes,
que
hoje as crianças dominam por aqui...
Até
que, um dia, as lunetas se estragavam...
ESPECLORAMA
IV
O
especlorama vem do século dezenove,
como
acessório aos telescópios de então;
de
William Herschel seria a criação, (*)
que
por Urano descobrir ainda se louve.
(*) Astrônomo Inglês, 1738-1822.
Na
medida em que tal cilindro move,
vai
refletindo das estrelas multidão,
muito
mais nítidas que na contemplação
do
olhar apenas, que muita luz estorve.
E
acoplada ao telescópio, tal luneta
facilitou-lhe
muitas descobertas,
por
seu reflexo mais claro e concentrado,
sua
luz espectral bem mais concreta,
que
as transmitidas por lentes só abertas,
fotografando
após ter tudo triplicado.
ESPECLORAMA
V
Caleidoscópico
igualmente é meu olhar,
na
captura de mil imagens por minuto
e
tendo o dom ainda mais arguto
de
visão estereoscópica me brindar;
e
assim amplio, qual visão sem par,
pelas
pupilas, em seu duplo conduto;
mas
tais imagens no mental reduto
são
verdadeiras ou só do imaginar...?
Talvez
tivera tão somente a completar
mil
fragmentos de partido espelho,
na
formação de meiga musa singular,
frankensteiniano
esse meu comportar,
vivas
e mortas abrangidas no conselho
de
quem só deusa perfeita quis amar.
ESPECLORAMA VI
Não
obstante, quando tudo considero,
no
percutir das mil imagens numa só,
cacos
de espelho triturados sob mó,
que
rejuntar nesse entretanto espero.
Do
justapor de mil cacos eu me abeiro,
desenfreado
imaginar de causar dó;
não
são mulheres enleadas em cipó,
mas
uma apenas que contemplo bem sincero.
Por
mais buscasse apresentar outra feitura
são
só dela essas mil faces, realmente,
talvez
em torno a colher outros reflexos;
mas
essa mescla de sua alma ela conjura,
em
cem lamentos e alegrias permanente,
seu
corpo apenas no ansiar de meus amplexos.
McNADA I – 27 DEZ 07
Procurei ver o Cometa McNaught, (*)
sem nada conseguir. Mas não afirmo
ter ido em busca dele, em convescote,
(+)
lá no alto de um morro. Nem confirmo
(*) Robert H. McNaught, astrônomo
escocês, nascido em 1956.
(+) Piquenique.
.
ter viajado a qualquer ponto distante
das luzes da cidade, de onde o visse,
quando sua longa cauda de
brilhante,
destruindo a si própria, refulgisse...
Fiz diferente. Só olhei de minha
janela:
busquei felicidade em meu jardim,
como o Pássaro Azul de Maeterlinck.(*)
(*) Maurice Maeterlinck, 1862-1949,
escritor belga.
Mas com busca de cometas não se brinque:
crepuscular sorriu-me a lua bela,
depois que a luz do sol fugiu de mim...
McNADA II – 16 FEV 17
Quantos afirmam terem procurado,
ao longo de suas vidas, um cometa,
sem confessar a indolência mais secreta,
só das janelas tendo o cosmos
perlustrado!
Tantos afirmam perseguir sonho dourado,
sem ter jamais alcançado a doce meta,
talvez mesmo a despedir rápida seta,
mas sem ao alvo certo ter mirado!...
E quantos buscam essa estrela que
Gepetto
convocou para dar vida a seu boneco,
Carlo Collodi a descrever esse fantoche,
(*)
(*) Carlo Lorenzini Collodi, 1826-1890,
escritor italiano, autor de Pinocchio.
mas sem ter ido mesmo atrás desse
objeto,
sua Fada Azul não mais que um galho
seco,
condão de estrela diluído em tal
deboche!
McNADA III
A maioria, realmente, só deseja
ter essa estrela ardente no seu colo,
sem meteoro ir buscar em qualquer solo,
reza vazia de quem só o rosário beija,
sem nem pensar, caso o desejo seja
atendido pela fada, sem ter dolo,
que quente pedra provocasse, em golo,
vasta cratera, que em seu corpo enseja!
Pois se no solo tombar meteorito,
será detido por terra ou rocha dura,
em fragmentos a veloz se espatifar,
porém seu colo será por ele aflito,
sua carne assada em fenda de loucura,
tão lastimada que nem possa se curar!
McNADA IV
Eis é o perigo dos desejos atendidos:
quem sabe um santo te escute nessa hora,
ou qualquer lágrima derrame a boa
Senhora,
que assim se apiada dos rogos mais sofridos,
e se disponha a atender os tais pedidos,
igual que o faz, nos dizem, desde o
outrora,
ao suplicante sem correr jamais embora,
por sua alma e coração compadecidos...
Desde os Romanos são avisos proferidos:
“Tem cuidado com o que pedes! Pode haver
qualquer deus na vizinhança a espairecer
e a teus rogos então abrir ouvidos,
para o que pedes, exatamente, conceder.”
Leve malícia nesses sonhos deferidos...
McNADA V
Mas se preferes pouco ou nada suplicar
perante as velas coruscantes do cometa,
sem que qualquer imanência se intrometa
em teu destino – e prefiras te esforçar,
sem com propina qualquer santo
perturbar,
ou fogo-fátuo que num pântano projeta
ou nesse arco-íris que inundação
completa,
para o tal pote de ouro então caçar,
é mais provável que consigas obter
aquilo que buscavas, cedo ou tarde,
ou semelhante ao que querias ter;
e se teu máximo de esforço der em nada,
será Teu Nada, que tal esforço carde,
não a fumaça do sorriso de uma fada!
McNADA VI
Ou se acreditas no acaso ou pura sorte,
sempre há moeda no meio do caminho
(ou ao contrário, na mão crava-se
espinho),
ao te abaixares por fulgor de estranho
porte.
São tuas escolhas as mães de todo
aporte:
se remexeres sem cuidado em escaninho,
sempre te pode picar algum bichinho
ou de uma farpa de madeira sofrer
corte...
Mas acredito ainda forjar o meu destino
e se forem minhas escolhas imperfeitas,
nunca em estrelas confiei quaisquer
instantes,
pois todas elas falecem em desatino,
abandonando imensidões mais rarefeitas,
num suicídio de brilhos fulgurantes!
VIGIA I -- 27 dez 07
Esquadrinhei os céus, não vi cometa,
embora outros me dissessem tê-lo visto;
e, em várias noites, ao firmamento insisto,
sem nada ver, senão essa completa
teia de estrelas, que abriga meu destino...
Esquadrinhei a vida por carinho
e nada vi; e embora esse vizinho
povo ao redor, mostrasse o cristalino,
assanhado borbulhar, felicidade
quase fácil de achar, mesmo transiente,
o bimbalhar alegre desse sino
que apenas escutei bem raramente,
vendo o carinho, somente peregrino,
passar por mim depressa e sem saudade.
VIGIA II – 17 FEV 17
Os céus esquadrinhei nessa ilusão
de que talvez dito cometa me abençoasse
ou, pelo menos, seu fulgor mostrasse,
qual certo dia, em milênios que lá vão,
entre pastores causou agitação
e cada mago fez que terras abalasse,
que a maravilha nas faces estampasse,
ante o portento da antiga tradição,
ainda que, na capital, Jerusalém,
ninguém pareça, de fato, tê-lo visto:
sobre tal coisa os Evangelhos silenciam
e nem tão longe localizava-se Belém,
em que nascera o aguardado Cristo
e ao Rei Herodes, facilmente, ludibriaram...
VIGIA III
Na realidade, nos fala a narrativa
de um estrela, nunca de um cometa;
foi só Giotto que a impressão completa, (*)
dando a essa estrela certa cauda viva.
(*) Giotto di Bondoni, 1266-1337, pintor italiano.
Segundo dizem, é o de Halley que se ativa, (*)
segundo cálculo fornecido ao exegeta;
destarte a estrela ele deixa mais dileta
com essa coma aérea mais esquiva.
(*) Edmond Halley, 1656-1742, astrônomo inglês.
A supernova já se localizou,
hoje não mais do que uma estrela anã,
que há dois mil anos teria sido refulgente;
mas por que sobre o presépio ela pousou,
já perguntei em meu passado, com afã,
após velar seu brilho inteiramente?
VIGIA IV
Essa questão, de fato, é irrelevante.
de McNaught o cometa é bem real,
diagnosticar não veio outro Natal,
tampouco a Terra incinerou-se nesse instante.
Nem sequer Halley se mostrou brilhante
em Oitenta e Seis – não foi nada triunfal;
em Mil Novecentos e Dez além do natural,
o Apocalipse anunciando expectante.
Só irá voltar em Dois Mil Sessenta e Dois,
embora afirmem que periodicamente
nos traga chuvas de pequenos meteoros.
Trinta anos esperei... para depois
só com desdém mostrar-se, realmente,
sem quaisquer anjos exultando em coros.
VIGIA V
São mensageiros só de gelo e gás,
sem nos mostrarem qualquer profecia,
indiferente esta chama que se via,
quando, em parte, na atmosfera se desfaz.
É tão somente o orgulho humano que perfaz
essa quimera de fervente romaria;
não vem por nós tal estrela de magia,
sem trazer mal ou bem, tampouco a paz.
Embora corra por aí certa teoria
que por sua cauda atravessou a Terra,
gentes tomando de histeria coletiva,
que a Primeira Guerra Mundial provocaria,
século inteiro em sua maldade encerra
e Armageddon, contudo, em nada ativa...
VIGIA VI
Também a Terra, um dia, esquadrinhei,
convites a buscar em mil olhares,
que imaginei como sedosos pares;
com algumas delas, é fato, me encontrei.
Cadentes beijos no antanho então gozei,
mesmo podendo causar-me ressabiares,
cálidos foram em seus instantes singulares
e nada importa se hoje deles me apartei.
Mas quantos foram meus, eu requestei:
nenhuns amores lançaram-se em meu colo,
cada um deles no seu tempo pequenino;
frágeis cometas de sonhos que aceitei,
por breves tempos a me dar consolo,
sem se incrustarem totalmente em meu destino.
MUTAÇÃO I – 27 dez 2007
Portanto, vou esperar que me retorne
esse risco trepidante pelos céus;
em cem mil anos, erguerei os véus,
até que a luz, enfim, meu rosto adorne.
Por agora, seja a tela que me informe
do espectro de luz que nunca vi,
ou, quem sabe, há cem mil anos conheci
e a memória do passado me transtorne.
Terei sido pouco mais que um troglodita,
catador de raízes ou de frutas,
que ergueu os olhos, de assombro marejados.
Ou talvez, um morador de palafita,
junto a meu clã, de cócoras e às escutas
da voz dos deuses, em coros extasiados...
MUTAÇÃO II – 18 FEV 2017
Ainda hoje, cometas nos encantam,
embora, no geral, sejam distantes,
a inspirar profetas e hierofantes
e os povos primitivos ainda assombram.
Mesmo cristãos e muçulmanos louvam
essas riscas de giz nos céus vibrantes;
para estudiosos, também são interessantes,
nos contidos entusiasmos que a alguns movam,
suas estatísticas sempre atualizando
ou seu nome anexando a descobertas,
depois que outros as vejam, confirmando,
na antiga ânsia por sua afirmação,
as suas vistas mantendo sempre alertas,
mesmo sem verem nos cometas religião.
MUTAÇÃO III
Desde o tempo dos mais antigos calendários,
inexplicáveis em seus doze meses,
astrólogos assentavam-se em arneses,
os céus mirando por motivos bem contrários;
certamente garantiam seus salários,
com profecias para seus fregueses,
os eclipses acertando muitas vezes,
as estrelas perseguindo nos seus páreos.
Assim criaram certas constelações,
oito mil anos atrás mais claras,
doze animais afirmando lá formados,
que o Sol cruzava em peregrinações,
sem sofrer ferimentos nem escaras
ao deparar-se com tais feras aladas!...
MUTAÇÃO IV
Esses sumérios a inventar duodecimal
sistema em peculiar aritmética,
cada um deles em abordagem menos cética
que a dos astrônomos neste mundo atual.
Mas por que doze? É pouco
natural,
ao contarmos nossos dedos... Mais estética
e melhor coadunado à dialética
o nosso simples sistema decimal.
Aos doze deuses visitantes atribuíam
esse sistema assim caleidoscópico,
o seu olhar de então mais telescópico
que os descendentes de hoje recebiam
ou talvez mais favorecesse o nervo ótico
um céu mais límpido que os antigos olhos viam.
MUTAÇÃO V
Embora hoje se persigam os cometas
mais através de programas digitais,
catalogados sendo muitos mais
que os mostrados em revistas, neoprofetas,
em seus sistemas bombásticos de metas,
para atrair, com manchetes triunfais,
os seus leitores, ganhando mais Reais
em sua influência sobre tais almas inquietas,
seus objetivos sofreram mutações.
Há uma nova religião proposta:
vida no cosmos a buscar algures,
muitos planetas demarcando em vastidões,
até alguns em que colônia seja posta,
caso essa vida acharem em nenhures...
MUTAÇÃO VI
Como em toda religião, o orgulho humano,
talvez por ambição da hierarquia,
ânsia de lucro, quiçá, da oligarquia,
assim desventram o espaço soberano.
Na Idade Média, era tido por profano
disputar quanto Tomás de Aquino nos dizia, (*)
que um falso interpretar então possuía
das Escrituras, com seu poder arcano,
(*) Frei Tommaso d’Aquino, 1225-1274.
tal qual se Deus apenas nos criasse
à sua imagem e perfeita semelhança,
mas nos quisesses negar conhecimento
e assim do Paraíso o expulsasse,
por ter confiado na Serpente, em comilança,
para depois ir caçar Deus no firmamento!
DECLARAÇÃO I – 28 dez 07
Se alguém me tem amor, terá de me buscar:
terá de vir a mim, porque não a buscarei;
minhas regras são bem claras: não mais procurarei,
quem antes procurei, sem conseguir achar.
Se alguém me tem amor, terá de vir a mim:
demonstrar seu desejo, até mesmo insistir;
a vida ressabiou-me: não quero mais sentir
o que antes sentia. Não buscarei, assim,
por mais que ainda anseie, por mais que o coração
se expanda e se contraia, na comum humilhação
de alguém depender que de mim não dependa;
de atender alguém que a mim já não atenda;
de esperar por alguém que por mim não espera:
assim considerando quem mal me considera.
DECLARAÇÃO II – 19 FEV 17
O fato surpreendente é que houve quem buscasse,
nenhum orgulho há aqui, somente espanto:
de quem se arrependeu soube lamber o pranto
e retribuí o apego de quem quer me abraçasse,
sem embargo entender que então se abalançasse
a vir buscar em mim um simultâneo canto,
calor a compartir em aconchegado manto,
que amor ou gentileza no rosto me mostrasse.
E deste modo, então, com a mesma gentileza,
tomei nos braços àquelas que me tomem,
nesse orvalho sutil de gotas de incerteza,
pois quem sou eu, enfim, que alguém procure,
de fato, muita vez, a dizer não ser o homem,
mas só o poeta que outra alma assim segure.
DECLARAÇÃO III
Pois tanta vez amor é apenas letra morta,
na busca de carinho, no anseio por apego,
satisfação, assim, de algum desassossego,
que lá no fundo dalma é a solidão que importa
e se a perversidade do peito então a entorta
e faz pingar desdém em trescalante rego,
ao ver de outro amor o alvo do deus cego
que pelas nuvens róseas, brejeiro, ali cavorta,
não há razão, portanto, no pensar em amor eterno,
tampouco em zelo tolo ou ódio perdulário,
que o coração sem dono só busca um peito terno
em que consiga, breve que isto seja, repousar,
talvez a se iludir possuir um dom superno
que sempre há de acabar no mais leve calvário.
DECLARAÇÃO IV
Que seja amor, então, de curta duração,
muito mais longo sendo tão só gentil carinho,
que aceita o dia a dia de cunho comezinho...
Somente ao desencanto dando plena aceitação!
Assim receberei, sem qualquer trepidação,
a qualquer que me procure quando estiver sozinho;
dar-lhe-ei pão e sal, servindo o branco vinho
pelo ventre derramado, mas que vem do coração!
Por que pensar eterno seja o aroma desse adejo,
se cada flor brilhante projeta-se no solo,
no suicídio final do amargurado pejo?
Porém não buscarei o aroma do desejo:
que a musa se desnude e assente no meu colo,
invisível que seja e mesmo frio seu beijo!
AMOR DE CÂMARA XXIX-A (10 JAN 2008)
Quando a tomo em meus braços, cada dia
e sinto o seu perfume e o som da pele
e a luz do coração quanto me apele,
sou envolvido na cor dessa elegia...
Quando a mim nos braços toma, nessa fria
cordialidade dos tempos de calor,
a tal ponto me refresca, em seu amor,
que a pele acalma e a mente me esvazia.
A cada vez, me sinto mais surpreso,
que retome o anseio de seu beijo,
em tal orgasmo, refletido em intermezzo.
Que assim retome a força do desejo,
cálido e leve, sol em seus afélios,
amor fazendo aos acordes de Sibelius.
IMAGEM
AOS BORRIFOS I – 10 JAN 2008
Bem
a conheço, tantas vezes que a vi nua,
não
há segredos que seu corpo esconda,
por
mais que o amor carnal que assim me ronda,
mais
vezes tenha visto que a própria luz da lua...
E
quando ela se banha, um gentil aroma estua,
em
gotas peroladas, trescala em pura onda,
que
escorre, que respinga e fundamente sonda
o
coração e a alma a perfurar-me em pua...
Mas
então corre a cortina, em capricho de pudor
deixado
fora e só, por ódio ou por amor,
da
íntima umidade que não posso partilhar...
E
sua nudez evoco qual jamais a tendo visto:
para
as gotas de tal sombra ainda olhar insisto,
mistério
inconsequente da cortina a farfalhar...
IMAGEM
AOS BORRIFOS II – 20 FEV 17
Então
apago a luz da peça ao lado,
para
melhor contemplar a sua silhueta,
que
a luz do box, em traição secreta,
facilmente
me dedura em seu pecado.
Talvez
ela nem sequer tenha notado
cada
borrifo de mornura que a completa
ou
pretender que não nota assim afeta,
falso
pudor com o qual faz-me encantado...
Deito
de lado sobre a cama larga
e
fico de tocaia nessa espia
(nunca
a escuto cantar quando se banha),
mas
de tal sexualidade sinto a carga
que
do outro lado da cortina me avalia,
sabendo
bem quanto a visão me assanha...
IMAGEM
AOS BORRIFOS III
Embora
tantas vezes fosse minha
e
mesmo tendo já gerado descendência,
ainda
a desejo com igual luminescência
e
apenas nela meu coração se aninha...
Apenas
nela o cérebro se alinha
e
sempre a quero, quiçá com mais potência.
Como
saber se só me aceita com paciência
de
cada vez que bem perto se avizinha?
Mas
por maior que seja a aceitação,
não
é visível na mulher transformação;
talvez
mamilos tornados mais eretos,
mas
muito menos que a máscula ereção;
rubor
nas faces, o respirar trocando afetos,
em
cada pulso o palpitar do coração.
IMAGEM
AOS BORRIFOS IV
Mas
pouco a pouco, cada borrifo escorre,
em
seu lento serpentear de sedução,
cada
gotícula a espelhar outra emoção,
enquanto
o rito do adiamento corre
e
os ladrilhos do chão penso que forre
com
tantas células largadas sem paixão,
de
sua epiderme a total renovação,
em
vago rumo que o imaginar percorre.
E
embora saiba que, em breve, sairá,
fresca
do banho, surpresa a pretender
que
ali a esperá-la me encontrasse,
essa
parte de si se perderá,
que
entre os dedos gostaria de reter
cada
gotinha desse sonho que escapasse...
IMAGEM
AOS BORRIFOS V
De
certo modo, retenho e fotografo
contínuas
vezes sua silhueta bela,
amortecido
o mundo diante dela,
meus
pulmões a aspirar cálido bafo;
quando
da ducha percebo enfim abafo,
acendo
a luz, fingindo nunca tê-la
apagado,
para a sombra que encastela
melhor
reter, meu olhar um batiscafo
que
assim mergulha nesse mar leitoso
de
silhuetas repetidas, uma a uma,
que
já pertencem à minha visão de esposo;
corre
a cortina... e o ambiente se perfuma,
na
contundência de seu passo vagaroso,
qual
um arco-íris reluzindo em cada espuma.
IMAGEM
AOS BORRIFOS VI
Como
seria, caso seu corpo se perdesse
nesses
borrifos que escorrem pelo ralo
e
nunca mais pudesse acompanhá-lo
nesses
meandros de saponácea messe?
E
se em cilindros de canos me esquecesse?
Se
de algum modo pudesse ate alcançá-lo
na
agitação imoderada desse embalo,
mas
meu abraço jamais reconhecesse?
Assim
quisera os mil borrifos recolher,
para
com eles recompor-lhe toda a imagem
de
uma forma perpétua e permanente,
sem
que jamais fossem ao oceano pertencer
nesses
recônditos fortuitos da paisagem,
mas
tudo dela conservasse inteiramente!...
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
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