segunda-feira, 6 de novembro de 2017



DEGRADAÇÃO E MAIS – 3 a 12 Ago 2017
Novas Séries de William Lagos

DEGRADAÇÃO I -- 1980

Amor um dia, em gesto cintilante,
Eu te entreguei, qual áureo recipiente,
De seiva estuante e de esplendor frequente:
Estrela matutina e chamejante.

Meses depois, pediste casuarinas,
Para expor em tua sala à luz mortiça;
E ao deixar de ser bela, quebradiça,
Acinzentou-se em ramas peregrinas...

Não resistindo à geada matutina,
Furtada a estrela pela ventania,
Viçoso fora nosso amor outrora,

Tornou-se cinza, tal que a casuarina:
E como a casuarina, veio um dia
Em que tiveste de lançá-lo fora.

DEGRADAÇÃO II – 3 AGO 2017

Amor também aos poucos se acinzenta,
Vêm bactérias de degradação:
Ciúme, orgulho, talvez nova atração
Possibilidades diversas te apresenta.

Conservar talvez amor a gente tenta
Como uma flor que se guarda em ocasião
Entre as páginas de um livro, em condição
De suas cores conservar tal qual se assenta...

Anos depois, quando a página é aberta,
A flor de antanho meio que esquecida,
Abrem-se as páginas do álbum improvisado.

A adormecida flor então desperta,
Mas cada cor se tornou esmaecida,
Só o arcabouço no livro conservado...

DEGRADAÇÃO III

Assim melhor é manter amor regado,
Com insistência e sem consternação,
Mesmo tediosa sendo essa missão,
Talvez retorne só por ser acarinhado...

Mas o amor que se julga resguardado
Como um poema de antiga devoção,
Vai ressecando, perdida sua atração,
Somente sobra um arcabouço acinzentado.

A casuarina, mesmo seca, ainda sussurra
Quando em seu vaso perpassa alguma brisa;
Amor, porém, guardado em álbum, não murmura,

Que a capa contra a capa amor empurra,
Restando apenas uma lembrança lisa,
Por mais que antes tivesse sido pura.

BRUMA I - 22 set '78

Foi numa noite antiga de neblina,
Enquanto o amor recente se escoava,
Galgávamos os dois verde colina
Que da ilusão o espanto revelava.

E como a carne desejar queria
Mais carne ser que sonho e inspiração,
Transpondo audaz as vestes que me abria,
Sua tenra carne eu lhe afaguei com a mão.

E quando o orgasmo lhe causei num beijo,
Não busquei contentar o meu desejo,
Nem possuir seu abraço de um momento;

Mas bastou-me o perfume: e, em vão deleite,
Lambi meus dedos líquidos de azeite
E à névoa apenas… foi o som de meu lamento!...

BRUMA II – 4 AGO 2017

Ela aceitou minhas carícias como um preito
À flor carmim da feminilidade,
A esse assomo de prazer tendo direito,
Sem ter partilha de responsabilidade.

Amor, entanto, partilhou desse conceito,
Nada esperando em troca, na verdade,
Deu-lhe prazer em “ato jurídico perfeito”,
Furtivo o amor, mais furtiva a castidade...

Por um momento, seus olhos rebrilharam
Ao ver o néctar da consumação
Sendo na bruma sorvido e deslumbrado

E lá no fundo então se consagraram
As fibras rubras de seu coração,
Mais que semente lhe houvera derramado.

BRUMA III

Muitos anos, depois disso, já passaram
E as fibras carmesim dessa emoção
Ano após ano de novo rebrotaram,
Raízes fundas dentro ao coração.

Seus braços noutras noites me enlaçaram
E em surpreendente firmeza, desde então,
Mútuo prazer, enfim, compartilharam,
Muito mais que seu perfume da ocasião.

As décadas dissolvem-se na bruma,
Mas a lembrança na alma não dormiu,
Sem que esse amor em nada se consuma

E de meus dedos o líquido sabor
Tantos milhares de versos seduziu,
Nessa tormenta de azeitonado ardor.

FAIRYDOM – April 24, 2006

To each man comes the transcendence
His heart seeks...  For a long, long while,
It was religion... But then the wile
Swayed to the past, to the essence

Of mythology, and then to love,
Love requited, as much as love forlorn,
Then to the science, wet, newly-born,
Then the crowds politics would move.

Then emotion rebelled, and thence
Was brought forth New Age; and been
The Goddess to worship, the stars to query.

Yes, to every man the transcendence
He seeks...  To me, such would be the fairy,
Whom until now I have never seen.

AMEAÇA I – 13 abril 2006

Nós vacilamos todos, no mesmo e antigo fio,
Pendulados e inermes, no estranho desafio
Que a carne faz à mente; e a mente consagrada
Perfaz de redolente, em gestos de rocio...

Cristais nós somos todos, de geadas e de gelo,
Nos prados esparzidos, no mesmo e ideal desvelo
De ver-nos espalhados na relva entrecortada,
No mesmo derreter dos sonhos em degelo...

Bafio singular...  perfumes maculados,
Pelo mesmo oscilar, fecundo de pecados,
Da espada ao som do fio atroz de um sentimento.

Bafejo apenas somos, na aurora condensados
E, em silvo de metal, nos vemos perturbados
E feitos qual o sopro que aciona este instrumento.

AMEAÇA II – 5 AGOSTO 2017

E SE NÃO FOSSE ASSIM?  Se fôssemos perfeitos,
Se a dor e enfermidade não fôssemos sujeitos
E nem sequer da morte tivéssemos noção,
Das emoções teríamos idênticos conceitos?

E SE NÃO FOSSE ASSIM?  Se como os vegetais,
Sem ter noção de tempo, estátuas minerais,
De um dia após o outro, em simples ilusão
A vida nos formasse como luzes siderais?

E SE NÃO FOSSE ASSIM?  Será que o próprio amor,
Na ausência de tristeza, sem partilhar da dor,
Teria entre os humanos surgido alguma vez?

Se a pura indiferença, completa de impudor,
Apenas racional carne e mente em seu pendor
Teríamos concebido os sonhos em que crês?

AMEAÇA III

É a própria convicção da transitoriedade,
Da condição de brisa perdida em tempestade,
Que logo adquirimos, desde a primeira infância
Que nos faz conceber a quimera da bondade.

O quebradiço ser da cristalinidade,
O Sol a presidir e provocar mortalidade
Enquanto à vida seu calor convoca em ânsia,
Cubos que somos de gelo e frialdade...

O QUE SERIA DE NÓS, se fôssemos constantes,
Joguete sendo apenas de racionais instantes,
Sem sentir empatia ou sombra de piedade?

O QUE SERIA DE NÓS, por egoísmo dominantes,
Em gélida assembleia de ideológicos orantes,
Irresponsáveis na vida e perante a eternidade?

ENGENHEIROS I – 25 abr 2006

Se todo mundo dissesse só o que pensa,
Não haveriam leitos que chegassem,
Nem túmulos também que nos bastassem
Para os mortos nascidos desta ofensa.

Mas em dizer tão só o que a boca pensa,
Os nossos números seguem aumentando
Destarte a cova à sepultura se ajuntando,
A terra recobrindo de uma densa

Camada destes mortos sem história,
Que mal provaram, desta vida inglória,
O amor que se destila em mel e vinho.

Assim, melhor seria cavarmos da ilusão
A cova rasa e meiga, em sonho pequeninho,
Do que legar à terra inteiro o coração.

ENGENHEIROS II – 6 AGO 17

O mundo construímos tão só em fraternidade,
Não se erguem prefeituras sem colaboração,
Grilhões que sejam conduzindo à escravidão,
Erguer poucos conseguem na individualidade.

De uma forma ou outra a engenhosidade
É fruto puro e simples da civilização,
Fecunda e original seja a teorização,
Sem seguidores jamais se erige uma cidade.

E desse modo todos nos tornamos engenheiros;
Operários aos milhares é que erguem catedrais,
Não abrem alicerces arquitetos sem pedreiros

E se falássemos todos em idêntica Babel,
Sem ter submissão a leis feitas por demais,
Sequer se aprenderia a fabricar papel...

ENGENHEIROS III

Não obstante, de algum modo se daria
Ao solo pelo menos qualquer fertilidade,
Largados sobre a terra, sementes de umidade,
Para o húmus da terra a final engenharia.

Hoje furtamos ao solo o mineral que nos nutria;
As necrópoles competem com a arabilidade,
Os corpos a engavetar nessa horizontalidade,
Perplexa a natureza ao desperdício que se cria.

Tudo pensado, porém, talvez não se ergueria
Qualquer cidade ao mundo sem marcos funerários,
Dos seres que perdemos um ponto de lembrança

E em tendas ou choupanas talvez a gente viveria,
Sem qualquer desenvolver de ideais humanitários,
Sem mais que o desgastar diuturno da esperança.  

DESVARIO I – 7 AGO 2017

O sono é um fio de seda multicor
que nos conduz ao paraíso onírico,
cada paisagem a lembrar um sonho etílico,
a mente inteira em psicodélico esplendor.

Com um anzol recolho o meu ardor
e o manuseio em seu pendor satírico,
a vida sangra em seu sonhar umbílico,
que me estrangula qual jiboia constritor.

Será nos sonhos que de fato vives?
Ou essas horas de tédio e zombaria,
na sucessão de vagos dissabores

tu mesma os cries e a seguir atives,
pesadelos masoquistas de agonia,
nada mais que peripécias multicores?

DESVARIO II

Assim vivemos o controlado desvario;
diz-nos alguém que sonho é alucinação,
mas nosso dia coletivo é a invenção
dos ancestrais, em pegajoso fio,

de que cada geração renova o cio,
dele manchado cada nova geração;
vivem em nós os que não mais estão,
o mundo inteiro forjado por seu brio

a cada década mais sofisticado,
pois quem nos diz que, em tempos do passado,
não fosse realmente a Terra plana?

Mas alterado o inconsciente coletivo,
a pouco e pouco rebelde e mais ativo,
à curvatura do orbe nos conclama!...

DESVARIO III

Será que a célula existia realmente
antes que Hooke a revelasse numa lente,
ou era o corpo um todo permanente
e a celulose vegetal inexistente?

Será que tempo houve no passado
em que a bactéria e o vírus malfadado
não existissem e só a culpa do pecado
cada moléstia nos tivesse desatado?

Foram há pouco descobertos os fractais...
Será que antes existiam, realmente
ou hoje os criamos, coletivamente?

Hoje perturbas os espaços siderais
e achas possível perfurar o véu
de esferas sólidas de um mais antigo céu!

DEVANEIO I – 8 ago 17

do tempo em dança na quina da navalha,
macia e tenra como pétala de rosa,
na precessão de cada hora buliçosa,
na inquietação que o coração entalha,

nos equinócios contemplo minha batalha
e nos solstícios a vida perigosa;
cada manhã é alguma nuvem preguiçosa,
cada crepúsculo o longo dia retalha;

guardo suas cores antes que ressequem
nas horas cinza que nelas se intrometem,
os minutos a luz que a vida ingratam

e nesses flocos derradeiros que arrebatam,
perdido o mundo pelo gume de sua margem,
tal qual a última negaça de uma virgem.

DEVANEIO II

guardo esses flocos de luz em minha mochila
e noutro bolso a luz crepuscular,
cinzas de noite em semente singular,
poeira de estrela trancada em negra fila;

de minha própria derme eu faço a esquila,
gotas de pó meu suor a ressecar;
visto essa luz que consegui guardar:
os mil retalhos de um crepúsculo de argila;

já tantas vezes devanearam ao por-do-sol,
porém meus olhos não pranteiam o dia morto:
nenhuma missa eu mandarei rezar,

pois tomo a luz no apogeu de seu farol,
quando em meus olhos, num piscar, eu corto
a mortalha e a camisola do luar.

DEVANEIO III

o que é a vida senão o pontilhar
de noite e dia, em sucessão veloz!
uma foice corta o sol como um algoz,
meia laranja os montes a ocultar;

mil vagalumes nos ares a passear,
cricrilam grilos com insistente voz,
contudo os corvos não crocitam sós,
que a solidão puderam sempre devorar

e em cada passo galgo escada de capim,
pedra que outra a se aflorar ali;
os fogos-fátuos tomo nos meus dentes,

marchando em frente com sua luz em mim,
no rosto bate o vento que não vi,
na alma a vaga emoção dos impacientes.
 
Entrega 1 – 1979

Queria desnudar-me a sós contigo
Da roupa toda, menos do boné,
Desde o calçado que recobre o pé,
Até o bigode, de meu lábio abrigo.

Queria desnudar-me, sem demora,
Desta vaidade boba e tão mesquinha,
Da ânsia de ofuscar, da comezinha
Vontade de ficar, sem ir embora.

Ao desnudar-me todo, por inteiro,
Nesse compasso morno e derradeiro,
Que me forjou por vida um desatino;

E, por modéstia, enverga finalmente,
Ao revestir-se de esplendor frequente,
Um travo de amargor no meu destino.

Entrega 2 – 9 ago 17

Passados tantos anos, desnudei-me,
Mas os bonés conservo na cabeça;
Por retirá-los é preciso que padeça
De uma aflição de que nunca permeei-me.

Foi só na praia que de boné banhei-me,
Mas é preciso que jamais se esqueça
Que uma touca de banho o crânio meça
Nesses chuveiros sob os quais postei-me.

Sem o boné me escapam as ideias,
Igual que o boto tenho um orifício
No cocuruto como respiradouro

E assim conservo minhas epopeias,
Sejam de bem ou para malefício,
Por minha glória ou para meu desdouro.

Entrega 3

A tampa do tesouro é a cobertura
Pois não permite que meus sonhos voem;
Só pelos dedos é preciso que me escoem,
Quer horror causem, quer delícia pura.

E nesses versos da nudez mais dura
Deixo que os sonhos mansamente soem
E os travos de amargor não mais me doem,
Das mãos só pinga o sangue da doçura.

Não desejo que desnudo me observes;
Já fui robusto, mas jamais atleta,
Embora guarde até hoje a energia.

Só gostaria que meus versos nus conserves
Em minha prenhez de prestimoso esteta,
Se alguns apenas trouxeram-te harmonia.

Entrega 4

Completa assim minha própria zombaria,
Talvez mofada de um pouquinho de esperança,
Até o ponto mais verde dessa dança,
No destemor das fragas da ironia,

Algo mais sério quiçá te afirmaria,
Não do boné a usar desde criança,
Nem do sarcasmo agrilhoado em trança,
Porém dessa nudez que alcançaria.

Quase ninguém, de fato, se desnuda
Dessa mortalha chamada pretensão,
Desses deveres que impõe a convenção,

Mas é preciso, ao menos, que me iluda
De um certo módico de autenticidade
Que outros costumam crismar de liberdade.

Entrega 5

Pois liberdade é coisa tão singela
Que a maioria procura e nunca acha;
Qualquer complexidade ali se enfaixa
Mesmo naqueles que mais julgam tê-la,

Tal qual nudez de fome paralela,
Meio de orgulho ou vergonha que rebaixa,
Nos males de Pandora em que se encaixa,
Caçada essa esperança sem retê-la,

Que logo após, acabou por libertar-se
E o próprio mal pelo orbe distribuiu,
A nos cortar inteira a liberdade,

Que da esperança não é possível desfazer-se
E insatisfeita, constante nos traiu,
Sempre acenando com dourada falsidade.

Sufragâneo 1 – 1979  (bispo ainda não sagrado,
em verso eleito de santos oxímoros).

Quebrada a luz, o som todo apagado,
De um vento escuro, azul, quase abandono,
De chuva verde e seca, aqui ressono
Meu palpitar de sangue, em coagulado,

Aberto coração, flor insincera,
Centelha fria, orgasmo delicado,
Lava desfeita, em pranto deliciado
Pela própria razão dessa quimera.

E eu fico cego, apenas por momentos,
Pois logo eu vejo, ouvidos mui atentos,
Como a luz se incendeia na cratera

Da órbita vaga e plena desse instante,
Pois só concebe o verso palpitante
Quem vê na sombra a luz da primavera.

Sufragâneo 2 –10 agosto 2017

Eleito o sonho por vasta minoria
A sombra azul reluz dentro do peito,
Cada falha promovida em amor-perfeito
No carbúnculo de muda sinfonia.

Sopro gentil da maior cacofonia,
Os dotes todos recusados como preito,
Tendo a desfaçatez pleno direito,
Credo Apostólico balbuciado em heresia.

A borboleta devora a aranha que surgia,
Suga-lhe a linfa no tanger dos ventos
Para depois lançar à terra sua carcaça

E o camundongo, em plena valentia,
Gatos enfrenta sem padecimentos,
Gentil bondade em mais gentil pirraça!

Sufragâneo 3

O Bispo Roxo desbota-se em Cardeal,
Que eleito Papa, desbota-se em brancura;
Pesada mitra o crânio lhe tortura,
Será que em Anjo desbota-se, afinal?

E se algum Anjo, em dote triunfal,
Alcançar mais sublime investidura,
Ao ser Arcanjo desbote a fronte pura,
Só revestido de um dourado sideral?

E sendo o Arcanjo eleito Serafim,
Para cantar do Santo Pai a divindade
E então se torne um radiante Querubim,

Em seis asas desbotado em humildade,
Cores diáfanas assumindo assim
Ao se tornar Dominação ou Potestade?
THE BLACK-TRESSED BUTTERFLY

There is but a way I'll ever leave you:
One day the gods will offer me wings,
And I shall take them.
Leaving you will a dear price to pay be,
But then wings...  are wings.

You already have them.
Fly up and meet me there,
Let's dance among the eagles,
Hanging from threads of silvermoon,
Hugging each other across sunbeams,
Kissing among the highest stars.

There your varicolored wings will glow
Though mine will be dunner,
Set together from the pangs I gathered
Through my already too long a journey.

There my multivoiced soul will burst a song,
Though thine will be softer,
Come to me, share with me thy wings,
And I'll become lighter.
Come to me, share with me my soul
And thou shalt be eternal. 

Not every love song a sonnet must be.
Butterflies have rhymes in their wings,
Black tresses have rhythm in their waving,
And our metrics will be ours alone,
Puccini will set our love-making to music.

AYIM HARÁ I – 11 ago 17

Conserva bem a tua felicidade.
Não a espalhes inconsciente aos quatro ventos;
só aos que te amam revela então seus elementos,
que a aceitarão com vezo de bondade.

Pois de cada infeliz brota a maldade
e se te veem feliz, cuidam atentos
como melhor provocar teus desalentos,
desde o começo de tua mocidade.

Com olhos verdes demonstram seu ciúme,
com olhos pardos o processo de sua inveja,
com olhos rubros te lançam mau-olhado,

nessa amargura... inteira feita de azedume,
o sofrimento provocando que se enseja,
esguio como cílio em tua íris pendurado.

AYIM HARÁ II

Das muitas lendas contidas no Talmude
uma das mais estranhas refere o Ayim Hará,
tristeza violenta que a inveja causará
no melancólico desgosto a que se alude,

na insatisfação geral que se transmude
num infeliz mau-humor que diário manterá,
sem real causa que o justificará,
nessa medonha maldade em que se ilude.

Se tão somente para si o guardassem,
fruto enrugado do desapontamento,
e por vontade ou por ressentimento

a sua mágoa ao redor não espalhassem!
Contudo, lançam ao redor o Ayim Hará,
pena e desdita que aos demais espalhará!

AYIM HARÁ III

Destarte, nunca esfregues a alegria
no semblante de qualquer desconhecido:
seu interior, por orgulho malferido,
esparze aos outros mágoas e agonia,

que ao ver-te alegre, se ressentiria
e sobre ti um olhar envilecido
haverá de lançar, claro ou escondido:
por que em ti felicidade existiria?

E por malícia te prejudicará,
ao ver que tens o que não pode ter,
quer material, quer dom de bom-humor;

nada de bom para ti desejará,
mas teu vigor ansiará por remover,
mesmo que busques demonstrar-lhe amor!...

PESCANDO ESTRELAS I – 12 AGO 17

Como todo adolescente, de amores eu sofri
e tais negaças o peito e alma feriram,
mas nunca me matei.  Ao menos, nunca viram
meus olhos o interior de ataúde em que vivi!

Meu coração de carne partir não consegui,
minhas artérias flexíveis bastante se empenharam,
malhando por sua conta aos poucos me incitaram
contra a lembrança fugaz das penas que então vi.

É bem estranho dizer que um coração se parte.
o meu caiu no chão e só ricocheteou
de volta ao seu lugar que tinha no meu peito!

Mas tantos vi sofrer e até morrer destarte;
decerto foi mais frágil o amor que se formou
ou então foi este meu que tinha algum defeito!

PESCANDO ESTRELAS II

Contudo, o coração, mesmo jamais partido,
em diversa intenção assim se acostumou:
não mais por emoção, mas corpo desejou
e nessa delinquência foi fácil atendido.

Não foi apenas um, por vários acolhido;
um corpo descartado, já outro se achegou;
a adolescência, entanto, assim se abandonou,
sem ter fase gentil de amor correspondido.

Será que foi minha culpa ou meu ideal desfeito
não mais me permitiu depois me apaixonar,
mas ao sabor de um beijo somente me afeiçoar,

a boca contra a boca, o peito contra o peito,
por mais que lá no fundo ilusão permanecesse
de haver um amor gentil ao qual eu pertencesse!

PESCANDO ESTRELAS III

Amor eu tive, enfim, mas não adolescente
e o tal “primeiro amor como jamais se olvida”,
no dizer de Neruda, por longa seja a vida,
um olhar que nos queima de forma permanente

no fundo da retina, a se esgueirar ingente,
por vezes olvidado, outra emoção sentida
de amor de aceitação, de bênção recolhida,
adulto a se tornar, em dom subjacente.

Mas lá no fundo os olhos, em terno pesadelo,
por mais que fosse amor recente em seu desvelo,
por mais que se apagasse a brasa do carvão,

por mais que o coração guardasse sua inteireza,
surgindo em algum momento de irônica incerteza
do que podia ter sido em vã lamentação. 

PESCANDO ESTRELAS IV

Mas como nunca a Lua se pôde conquistar,
contempla-se ao redor a mágica de estrelas;
seu brilho bem menor, não deixam de ser belas;
luz própria sempre têm para nos acalentar.

Contudo, aquele amor de apego peculiar,
que sempre se julgou, quando se pôde vê-las,
não chega a nos queimar à força de procelas:
são distantes demais no espaço do orbitar.

Porém pescar estrelas é real atividade:
são elas mesmas que atraem em sua direção
o agudo anzol do amor feito em maturidade

e nessa pesca, enfim, se acha a liberdade,
na mesma sintonia do amor de aceitação,
por breve se demonstre perante a eternidade.

HARDSHIP – 22 April 2006

"Love will find a way".  If He doesn't,
Is not intense enough, is but a whim,
A shadow, a mistake, a sham, a dream,
A dead-end, alas, something we mustn't

Follow for long, except when the lust
Sets us together, man and wife,
And them enjails the both of us for life,
In that folly law pretends to be just.

However, if you really for me cared,
You'd curtail your absences; and shared
Some of your scarce, precious time with me.

It could be hard, but if you felt the urge,
All else you would, with no regard, purge,
Offset by pleasure, as hard as it might be. 
 
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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