VOLÚPIA E MAIS – 19/28 AGO 17
SONETOS ERÓTICOS DE WILLIAM LAGOS
(Em parte
fertilizados por inspirações da década de 80 do século passado.)
VOLÚPIA I – 19 AGO 2017
Nenhum fruto nasce sem que pereça a flor,
nenhuma aurora surge sem a noite perecer;
para nascer alguma vida é preciso outra morrer,
bebê não surge sem o sangue ao mundo expor;
não nasce uma criança sem o vaso constritor
sem o esperma em cabedal primeiro receber,
morrem então milhões, somente um a escolher
o cone de atração sobre um óvulo receptor.
Assim, eu me perdi no divinal amplexo,
em orgásmico prazer, mas não em busca dele,
na insistente caça de um mais completo nexo,
que orgasmo é só centelha, a luz que nos apele
para o túnel rosado que nos convida ao sexo,
até que esta insistência a nova vida sele.
VOLÚPIA II
E quando em minhas noites a súcubo traiçoeira
me vem a conduzir a um gozo inesperado,
em ereção me investe, inteiro conquistado,
sem o sono desfazer no qual de mim se abeira;
um vezo de adultério me prende o corpo inteiro,
no sonho multicor o prêmio cobiçado,
suas coxas me arrastando ao onírico pecado,
até de mim tomar a gota derradeira...
E sem sequer se pode nomear masturbação,
sem que haja um apalpar exceto espiritual:
demônios femininos são anjos, afinal,
causando inesperada e plena excitação,
roubando integralmente, porém ser causar mal,
salvo ao exército dotado a breve duração.
VOLÚPIA III
De fato, ao acordares, não encontras nos lençóis
a mancha acinzentada de uma simples polução;
a próstata, contudo, cumpriu a sua função,
orgasmos expelindo em mil pequenos sóis!
Na noite dessa orgia composta de faróis,
as lâmias te esgotaram até a satisfação;
contudo, não a tua – a fome da paixão
com que colhem as sementes para novos arrebóis.
Afirmam que transportam (os monges exorcistas)
a semente que roubaram para seus reais amantes,
os íncubos, a que dotam do sêmen das conquistas,
para mulher assaltarem em sonhos delirantes,
de preferência freiras, exaustas dessas listas
de terço e ladainhas, em repousos inconstantes.
VOLÚPIA IV
Do Malleus Maleficarum seguindo
as instruções,
tais monges interrogam as pobres virgens velhas
e as submetem mesmo a torturas tão parelhas
às que julgam ocorrer após as danações!...
E as pobres monjas tristes, sem ter malversações,
sem traírem o Esposo, do convento sob as telhas,
alianças nos dedos, num professar de abelhas,
acabam confirmando ao fim das confissões,
que os íncubos as teriam, mesmo virgens, fecundado
com o sêmen que as súcubos teriam recolhido,
já que eles mesmo não têm nem terão qualquer semente;
desculpa conveniente para o sêmen derramado
por qualquer confessor, indigno e perdido,
usufruindo assim de sua vítima inocente!...
VOLÚPIA V
Não creio em tais insídias.
Só sei que bem frequente
orgasmos dei à noite, em onírico esplendor,
quando me achava só, ausente de um amor,
sem haver um onanismo que os provocasse, urgente.
Uma exceção não sou, sei bem naturalmente:
tais sonhos eu recebo em espasmos, sem temor;
meu cérebro animal tão só seu construtor,
volúpia usufruindo em sono intermitente.
É apenas secreção, não mais que emunctório,
como as fezes ou a urina, a lágrima e o suor,
sem nada de pecado a conspurcar cibório,
no orgasmo cintilante dessa voluptuosidade
que invade o solitário a quem não cabe amor
e nem sequer em si procura a saciedade!
CHUVARADA I – 20 AGO 17
Cada estrela no céu é qual suave janela,
por onde sua saída reflete-se num brilho,
gametas me procuram, sideral seu trilho,
cada estrela no céu a torre mais singela,
cada estrela do céu farol de uma procela,
defesa dos recifes, arame em fino atilho,
égua de luz a quem albardo firme e encilho,
buraco de alfinete na indumentária bela,
camisola azul-escuro em que dormita a aurora,
antes de se acordar, ainda estremunhada,
ostentando a nudez, um tanto desleixada,
cabelos a esparzir em sua primeira hora,
como laços de luz; e enjoada e desgrenhada
a noite agarra o manto e após se vai embora.
CHUVARADA II
Porém durante a noite derrama chuva escura,
borrifos em botão por toda a madrugada
e as cores do poente vai reduzindo a nada,
os raios do luar fruta fina e bem madura;
as pedras se derretem em mucilagem pura
e cada caule brilha, feroz gume de espada,
na cópula da Terra, de luz ali encantada,
caçando algum refém, restos de sol e agrura.
Cada estrela do céu outro laivo de agonia,
um túnel cristalino, uma gentil voragem,
sugando a mente e os pés na morte desse dia,
Cada estrela do céu fosca gota deslumbrante,
a morte a me queimar integra-me à paisagem,
em breve estremecer e em pasmo delirante.
CHUVARADA III
Cada estrela do céu é a lâmia que me esgota,
que leva minha semente a outra dimensão;
eu não compreendo bem qual seja sua razão,
meu falo a conduzir a tal esfera ignota;
cada estrela no céu novo universo adota,
o fruto dos testículos fertilizando então
a fada expectante, copioso galardão
de chuva inversamente, alçada como frota
e destas filhas minhas, em singular incesto,
recebo sêmen novo, em vasta inspiração,
cada estrela que tomba gentil palimpsexto,
quando apago do céu o manuscrito antigo
e planto com meu sangue escrita em brotação,
sem temor de qualquer mal ou recear algum perigo.
CHUVARADA IV
Cada estrela do céu é cornucópia altiva,
um canto de trombeta, de fole e sacabuxa,
cada estrela no céu desmesurada bruxa,
sabbath a convocar em campainha impura,,
que então fecunda a mim na graça de uma diva,
mil flechas de estelar em dolorosa ducha,
a estrela desce à terra, sua prenhez já murcha,
desgastada de cópulas em agônica doçura.
A estrela desce a mim, sem ter azul celeste
e o busca nos meus olhos da forma mais estranha,
buscando a melanina em diagonal agreste;
a estrela vem demente, meu sêmen a reveste
e volta para o céu, depois que a mente lanha
e novo cosmos brota do esperma que ela apanha.
POEIRA
DE FUGAS I – 21 AGO 17
Desde
que te encontrei, sinto-me puro;
amor é
dúvida, igual que uma promessa,
não
sendo dívida, cujo cobrar não cessa,
mas
voluntária doação em que perduro.
Antes
de te encontrar, amei no escuro:
a carne
contra a carne ali se engessa,
sem
interesse por qualquer vida pregressa,
apenas
sexo no material mais duro.
Não que
te erga sobre um pedestal
e não
deseje tuas coxas cintilantes,
o musgo
perfumado que vejo em tua vagina;
só
almejo muito mais que orgasmo triunfal,
mais do
que as pérolas de amores gotejantes,
mais do
que um lábio que a outro lábio inclina.
POEIRA
DE FUGAS II
O sexo
que antes fiz foi prazer em desafogo,
os
beijos que suguei sabor de terciopelo,
a
cópula integral introspecção de apelo,
a
entrega vaginal a posse de meu rogo.
O sexo
que fiz foi triste olvido logo,
os
seios que lambi um coquetel de gelo,
os
pelos de outros púbis tentacular flagelo,
a dança
de tais coxas mesmerizado fogo.
Porém
contigo fiz o amor, não a atração,
as
carnes copularam em cromossoma e pele,
espíritos
trançados, passado que cinzele,
na
lâmina do peito tatuagem de emoção,
foi
muito mais que coito e até se o não houvera,
seria
um fecundar da alma nessa espera.
POEIRA
DE FUGAS III
Amores
anteriores foram só consumação
e logo
se partiram em fragmento e poeira,
restaram
secreções na pele dessa esteira,
dois
corpos afastados sem fome de ilusão.
Um
rápido desejo mais como obrigação,
como
quem apressurado de lavatório abeira,
um
tédio delirante sem prenda derradeira,
em
rápida partida para outro corpo então.
Porém o
nosso amor de fuga foi à prova,
dois
corpos feitos um em crepitar de estrela,
uma
porção complexa que sempre se renova.
Assim
não houve poeira após o turbilhão,
não foi
mera atração pelos quadris da bela,
mas
pleno copular do ventre e coração!
VERRUMAS I – 22
AGOSTO 2017
PELA SENDA DA
POESIA SEGUE A ALMA ESFARRAPADA,
EM CADA VERSO
DEIXANDO À BORDA DA VEREDA,
UM TRAPO DE
VIRTUDE, UM PAVIO QUE DALMA CEDA,
OS PÉS
ENSANGUENTADOS EM PASTA MACULADA.
NA SENDA ESSA
POESIA REPRESENTA A NAMORADA
E O PURO SENTIMENTO
EM BALBUCIAR ENREDA,
O AMOR CARNAL
REJEITO, O ESTELAR SÓ QUEDA,
PÉS MÉTRICOS NAS
COSTAS, QUAL COXA ENTRELAÇADA.
EM CADA ARQUEJO SE
APROXIMA O CORTE DA CESURA,
NA RAPIDEZ DO RITMO
DESSA CÓPULA DOURADA,
A CARNE A PERFURAR
EM GIRO DE VERRUMA,
EM CADA RIMA FEITA
O ESPERMA AINDA PERDURA
E O FILHO SURGE
LOGO, PARTEIRA EXPERIMENTADA
E O FECHO EM
ADULTÉRIO A NOVO POEMA RUMA.
VERRUMAS II
O SEXO DO VERSO É
MUITO MAIS PREMENTE,
QUARTETO QUE
PROCURA A CÓPULA GRUPAL,
TERCETOS QUE SE
ABREM À CONJUNÇÃO CARNAL,
QUATORZE VERSOS NUS
EM ORGIÁSTICO PRESENTE.
PORÉM NÃO SE
SEPARAM APÓS A LUZ NASCENTE,
É COMO SE SOFRESSEM
A PENA DO INFERNAL,
QUATORZE CORPOS NUS
EM GOMA PERENAL:
NÃO POSSO LEMBRAR
UM SEM QUE OUTRO SURJA À FRENTE.
SÃO PRESAS POR
VERRUMA ESSAS PALAVRAS DOCES,
EM FERROS DE
ARCABOUÇO ESTÃO ARREBITADAS,
NA GRADE PROCESSUAL
DE CRAVOS MARTELADOS,
PERDIDOS PARA
SEMPRE EM METÁFORA DE POSSES,
QUATORZE FRASES
PRESAS EM TINTA AGRILHOADAS,
NESSE OFEGAR FINAL
DE QUATORZE CONDENADOS!...
VERRUMAS Iii
ERAM PALAVRAS SÓS
NA VASTA SOCIEDADE
DE VELHO
DICIONÁRIO, TÃO BEM CATALOGADAS,
EM ORDEM ALFABÉTICA
ASSIM CLASSIFICADAS,
APENAS AS CABEÇAS
COM REAL AFINIDADE.
PORÉM CHEGOU O
POETA EM MALICIOSIDADE,
MENTINDO QUE SERIAM
POR ELE LIBERTADAS
E AS RETIROU DALI
QUAIS VIRGENS ESTUPRADAS
EM lupanar
LEVANDO-as A TOTAL PROMISCUIDADE.
E ASSIM AS ENCRAVOU
NESSE NEXO GRUPAL,
FEZ FURO AQUI E ALI
E AOS POUCOS ENCAIXOU,
PALAVRAS
MASCULINAS, PALAVRAS MATERNAIS,
E NUM PERPÉTUO SEXO
ENVOLVEU-AS, AFINAL,
QUATORZE VERSOS NUS
EM BORDADOS ENFAIXOU,
GERANDO SEU SONETO,
SEU FILHO... E NADA MAIS...
CARTAPÁCIO I – 01 mar 1980
Por adúltera que seja a vã delícia,
Por desleal volúpia que nos deixe,
Por incerta saudade nos desleixe,
Aos olhares alheios da malícia;
Por condena invejosa, que se enseje,
Por nefário amargor, que se elicia,
Por insídia nefanda, em nostalgia
De os outros ver no bem que não se beije;
Por véu de hipocrisia derradeira,
Por convenção social tão definida,
Que o que se faça, seja bem matreiro,
Por tótem e tabu, jaula partida,
Por ídolos de barro soerguida,
Gozar teu beijo eu quero por inteiro!...
CARTAPÁCIO II – 23 AGO 17
Pois essa espera impura, noção condenatória,
Jamais nos traz virtude, apenas rebeldia,
Ao invés de puro amor, a busca de uma orgia,
Que em ausência de ocasião se faz masturbatória.
Os versos desse antanho, em voz peremptória,
De fato descreviam postergar a companhia,
Depois a refulgir em plena melodia,
Da qual alguém diria ter sido uma vitória.
Mas Pirro, o general, jamais foi derrotado,
Só perdeu tanta tropa após uma batalha,
Que se julgou perdido, embora houvesse glória.
E a “vitória de Pirro”, no brocardo consagrado,
Revela após o amor igual noção na talha
Do preço e compromisso de nota promissória.
CARTAPÁCIO III
Palavras têm sentido que aos poucos vai mudando:
Um termo havia na missa, a “Ejaculatória”,
Indicando exclamação, convocação de glória;
Em livros mais antigos tal termo se encontrando;
Vem assim ejacular, sem sexo indicando,
Imperador ou bispo, em frase peremptória.
Que explode pela boca de forma consistória,
Apenas um comando ou surpresa revelando!
“Fazer amor”, também, era apenas galanteio
Ou no amor cortesão, espirituosa troca,
Antes de referir do amor sexual meneio...
Mas hoje também vejo, em desapontamento,
Que ninguém mais emprega o termo que o invoca,
Mas “transa” ou “trepa” apenas em sexo violento.
CARTAPÁCIO IV
E tantas vezes vê-se, naquela antiga história,
A troca de carinhos gentis em palavreado,
Talvez hipocrisia, talvez mesmo falseado,
Mas coisa mais suave do que se escuta agora!
Em que momento, penso, na guerra ou na vitória,
Falar mais obsceno tornou-se consagrado,
Perante uma plateia o termo declamado,
A conspurcar o hoje com cacos de sua escória!
Quando seria possível obter-se igual efeito
Ou até muito melhor de forma mais sutil...
Não que de tais palavras eu tenha nojo ou medo,
Mas guardo para mim constante esse direito
De referir por “pênis” o meu membro viril,
Porém seus nomes chulos mantendo num degredo!
Vapidez 1 – 02 mar 1980
Não saberei dizer, mulher que adoro,
Se tens amor por mim, se pelo vinho.
Não saberei dizer se teu carinho
Foi matizado assim pelo decoro...
E por isso ocultou-se durante tantos
meses...
Ou só ao perceber estar quase
perdida,
Por evitar mostrar o peito malferida
Finalmente mais fundo mostrar quanto
me prezes.
Ou se foi, ao contrário, apenas
reprimido,
Em leve espuma gris, já quase à flor
da pele,
Amor bastante de afogar-se nele...
E que os goles dourados,
rebrilhantes,
Quebrassem de fugazes tais instantes
E nos teus braços enfim fosse
acolhido.
Vapidez 2 – 24 ago 2017
Por vários anos, carícias tão
somente,
Mais que a presença, a ausência foi
frequente,
Porém na ausência a imagem mais
silente,
Bem mais distinta que na tua
presença.
Como se pode ter imagem frente à frente,
Quando se pode encarar presença
densa,
Quando a figura se torna mais intensa
E de tornar-se imagem apenas faz-se
infensa?
Mas a ilusão entrou assim em picnose:
De suas células os núcleos
destruídos,
Na realidade de visual fagocitose,
Quando a verdade devorou o sonho,
Seus fantasmas em aroma dissolvidos,
No sensabor de um insípido bisonho.
Vapidez 3
Vapidez pode ser apenas coisa
insípida
Ou no sentido oposto, exalação;
Em tua presença há feroz percepção,
Em tua ausência me envolvo só na
onírica,
Alucinada imagem, qual em bruma
etílica,
A ti concebo tão só em imaginação
E te conservo tão somente no pulmão,
Tal qual te exale nas fímbrias da
metílica.
Essa imagem, contudo era só minha,
Somente ao cérebro devia exultação,
Enquanto o ser real me traz o orgasmo.
Enquanto o ser real me traz o orgasmo.
Hoje contemplo os membros da rainha,
Diluída a imagem, não passava de
ilusão,
Mas obteve-se real ganho nesse pasmo?
Vapidez 4
O que é certo é que eu amava tal
imagem,
Mas sem por ela jamais onanizar,
Era o sonho mais suave de todo o meu
pensar,
Para o reino de Morfeu a mais gentil
carruagem...
E agora que te abraço com voragem,
A própria imagem põe a si em
masturbar
E a cada vez mais pálida vem a se
tornar,
Vagos contornos sobre a real
paisagem.
Fui então eu que abandonei a imagem
cara
Nesse adultério com a mulher real
Ou ela esvai-se em sangue de ciúme?
Pois em tríade, por mim, a
conservara,
Mas sem pendor de lésbico fanal,
Também ao homem desertou em
azedume...
SEDEX I – 03 mar 1980
Confio em ti, que de esperar bem sabes
E tanto de confiar, tens esperado;
E tanto de me amar, tens sopesado
A escala de valores, onde acabes
Por me saber valendo, em peso forte,
Mais que outros pesos tantos de tua vida...
Já que, em teu coração, abriu ferida
Um beijo azul selando a nossa sorte.
Confio em ti, que de esperar és rica:
Que de amor sejas rica e de confiança,
Por que razão exista de esperança.
Confia em mim, porque confiar se aplica,
No meu amor, tão cheio de bonança,
Quando a certeza de teu amor se indica...
SEDEX II – 25 AGOSTO 2017
Confiar não podes em pendor testicular,
bem mais que o sêmen, querendo o coração,
sem dar somente morada de ocasião,
antes de inteiro o teu peito partilhar.
Metáfora é o “coração” bem singular,
contraposto contra o sexo em rubra união,
como se a alma habitasse a locação
em que carmim se vê tal órgão latejar!...
Não me confiaste, para a entrada triunfal
conceder-me da vulva nos refolhos,
antes de ter de meu espírito a certeza;
mas nessa entrada no átrio vaginal,
talvez a alma naufragasse nos escolhos,
pelas Trompas de Falópio na aspereza...
SEDEX III
Do tal Falópio em mim há aborrecimento,
já que tuas trompas somente a
ti pertencem,
condescendendo que para mim se adensem,
numa entrevista de congraçamento.
Igual é Eustáquio, que tem merecimento
nesses canais em que sons mais se condensem;
mas tais Trompas são minhas e convencem
minhas cocleias desse ar em vibramento
que origem dá à percepção sonar,
como outras trompas em feitiço milenar
dão origem a nós, pequenos seres;
ambas não sopram, que podem só sugar
semente e som, vida e canto a originar,
nessa velhíssima epopeia dos prazeres!...
SEDEX IV
Destarte, ambas as trompas são canais,
a transmitir, cada qual, a sua mensagem;
traz uma o som em vasta perpassagem
e traz a outra toda a vida dos mortais.
Para a vida segue o sêmen em carruagem,
pelos sinuosos meandros vaginais;
por misteriosos meandros cerebrais,
o som se insere para a cerebral paisagem.
E as palavras de amor que se murmuram
e pelas Trompas de Eustáquio são levadas,
para as Trompas de Falópio abrem caminho
se o som o sexo mutuamente auguram
percepções de maravilhas encantadas:
cerebral gozo em vaginal carinho!...
CELEBRANTES
I – 4 mar 80
Nós
temos testemunhas... complacentes.
Talvez
partilhem mesmo nosso amor
ou,
num suspiro apenas, com fervor,
desejem
nos tornemos permanentes.
Que
em nossa bússola louca de erradia,
não
haja mais ponteiros tontiformes,
não
haja mais amores desconformes,
mas
duas vozes na mesma melodia...
Naquela
meiga e morna nostalgia,
relva
nos braços, carne em plenilúnio,
desafiando
o fado do infortúnio;
naquela
mesma e simples luz de antanho,
naquele
igual fervor em que me assanho
a
te possuir, à luz do meio-dia!...
CELEBRANTES
II – 26 AGO 17
Serão
voyeuses nossas testemunhas,
tendo
prazer só no prazer de observar,
no
melancólico cantochão de lupanar,
sua
pele a acariciar com brandas unhas?
Suas
orgias em cruz de várias cunhas,
as
vergastas em sibilo a murmurar...
Será
que pensam estar a conspurcar
esta
pureza que dentro em ti supunhas?
Será
que querem tão somente delinquir,
satisfação
nas más ações que praticaram,
sem
que de fato se envolvam em adultério?
Será
que buscam tão somente perquirir,
com
olhos ímpios, os dotes que levaram
à
decadência sexual de um monastério?
CELEBRANTES
III
Sempre há videntes para a pornografia,
mas nem sempre é pornográfica essa ação;
nem sempre existe aqui malversação:
bem generosa será talvez a sua valia!...
Condescendência, depois que alguém sentia
que já deixou para trás toda a ocasião
e tem prazer vicarial na situação
de a outrem prover o que não mais teria?
Sempre se encontra qualquer sexualidade
em tais atos de complacente proteção
e de algum modo existe, em tal presença,
um certo amor sem buscar fertilidade,
qual casamento por procuração,
sem qualquer consumação que o amor adensa.
CELEBRANTES
IV
Será
que existe aqui um despudor,
exibição
com laivos de vaidade
ou
indiferente e total sinceridade
quanto
à visão que tem seja quem for?
E
qual é o preço deste destemor,
como
dar às testemunhas saciedade,
qual
o ritual a compensar saudade
desse
tempo em que possuíam mais vigor?
A
maioria das pessoas simpatiza,
ao
ver nas ruas um casal de namorados,
porém
outra fração sofre de inveja;
mas
quem amparo a dois amantes visa,
talvez
só lembre dos prazeres olvidados,
sua
recompensa o próprio ardor que enseja...
Empecilho 1 – [datado “MAR the
First”.]
Que estranho não consiga nesta noite,
Embora assim para escrever desperto,
Descrever, no esplendor do meu
afoite,
Quanto de mim tua alma chegou
perto!...
Ou, quem sabe, é um assomo de pudor,
Que assim me impede, em gesto de
cautela,
Revelar a expressão do nosso amor,
Brilhante e breve, qual luzente
vela...
Não que seja furtivo de meus deuses,
Que neles não confie...
mas, talvez,
Melhor me fora furtar-me a teus adeuses,
Por não lembrar instantes de maciez,
Quando perdido em chama de desejo,
Teu corpo desnudei em arcano beijo.
Empecilho 2 – 27 agosto 2017
Antes que houvesse a livre permissão
Para os amantes juntos convivessem,
Como hoje vejo, vi antes que estivessem
Autorizados a conubial consumação,
Era diversa a sociedade na ocasião,
Mas às décadas assisti que nos
trouxessem
Os anticoncepcionais aos que
quisessem
A busca do prazer sem apreensão.
Tive tempo de assistir a sociedade
Despir-se aos poucos de sua
hipocrisia:
Não mais a outra cidade a jovem ia,
Para ao sexo entregar-se em
saciedade,
Que hoje recebe qualquer na própria
cama
Tantos amantes quanto o corpo lhe
conclama!
Empecilho 3
É tal qual se, nos tempos do passado,
O preconceito só encarasse a gravidez,
Não contra o sexo em que parceiro
vês,
Qualquer casal bem rápido trocado.
Tive tempo de assistir ao descuidado
Más moléstias contraindo por sua vez
E por questão de saúde, a cada mês,
Mais o governa aceitando o novo
estado,
Vindo por certo o estigma a banir,
Generoso a distribuir gratuitamente
Os meios de impedir sua difusão,
Que hoje o estigma se encontra em
contrair
Essas moléstias transmitidas
sexualmente
Por tanta cópula realizada sem
paixão!
Empecilho 4
Porém na década em que redigi o soneto
Que encabeça esta série retomada,
Era igual a atividade praticada,
Porém às escondidas, em secreto...
Da hipocrisia era o sexo objeto,
Muito especial por quem já quase nada
Fora na vida sexual aquinhoada:
Passado o gozo, torna-se o sexo
abjeto!
E nessa época, quando eu me atrevia
A falar do sexual abertamente,
Aberta achei ou oculta repreensão...
E mesmo hoje, ainda encontro – quem
diria?
Quem julgue ter direito impertinente
De reprovar o que já fez noutra
ocasião!
PRIORIDADE I – 12
out 81
Em posição fetal, teu corpo morno,
enrodilhado e meigo no sofá
e os dedos insistentes, porque já
sozinhos nos deixaram os de entorno...
Tão logo a porta cerrada se encontrasse,
a boca tu me abriste e os dedos quentes,
na nuca e nos meus ombros, mais ardentes
do que jamais no outrora te abraçasse...
E o beijo sem demora, de audacioso,
revolve-se nos seios, perfumoso,
enquanto a língua descende até o limite
que de orgasmo derrame teu clitóris,
antes que a carne toda me devores,
no ardor do olhar, que ao gozo me concita!
PRIORIDADE II
Nem sempre, quando eclode o amor primeiro
entre um casal, o orgasmo é surpreendente;
depois de adiado, o desejado é tão premente
que esse prazer se esgota mais ligeiro...
há uma ansiedade pelo espasmo derradeiro,
ante o que foi negado anteriormente,
se o desempenho será mesmo o mais veemente
ou degradado em triste fato corriqueiro...
de outras vezes, ocorre até o contrário,
quando se esbate em ocasião inesperada
e a alma explode com o sêmen derramada,
quando as coxas se contraem em relicário,
enquanto os haustos dos pulmões são
expelidos
em feroz série de gemidos incontidos.
PRIORIDADE III
Só depois que se cumpriu o desejado
a um certo tempo, não mais dúvida ou
promessa
é que o delírio um do outro se confessa
e o corpo inteiro nesse dom faz-se
integrado.
Sem mais se precisar ter o ventre
preparado,
desde que tal oportunidade permaneça
e que qualquer insegurança a gente esqueça,
quando o falo já foi pela vagina
consagrado!
Há de fato mais prazer na permanência,
na concessão de real continuidade
que em puro e simples concluir penetração
de um corpo pelo outro, numa ardência
que não busca prometer perpetuidade
e nem pretende oferecer continuação.
PRIORIDADE IV
Contudo existe um beijo inesperado
que nos provoca uma tão grande exultação,
um permanente combustível de ereção,
no repetir de cada orgasmo conservado.
É quando amor se manifesta desvairado,
quando a vertente cascateia em profusão,
bem certamente quando ocorro a ovulação
e o ventre anseia afinal ser fecundado.
Nessa armadilha que brota desde o antanho,
quando cada antepassado canta em coro,
quando cada descendente nos aprova,
velha serpente de um fragor tamanho,
em copular desprovido de decoro,
no qual a raça inteira se renova!...
Recanto das Letras > Autores > William Lagos
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