sábado, 13 de julho de 2013



MANUEL DA BENGALA
    (Folclore brasileiro, provavelmente mineiro e de origem portuguesa,
         recolhido por Sílvio Romero e recontado por Monteiro Lobato,
            versão poética de William Lagos, 16/12/12).

MANUEL DA BENGALA I

Era uma vez um rei, que teve um filho
destinado a se tornar um andarilho;
já nascera muito forte e comilão;
só a mãe não bastava dar-lhe o peito;
sete amas de leite foi o jeito
de garantir-lhe a diária refeição...

Em poucos dias, já o leite não chegava:
ele comia papinha e não bastava;
os dentes lhe cresceram bem depressa;
numa semana, chegara a metro e meio
e as pessoas já o olhavam com receio
por sempre mais querer comer à beça!...

Assim que o garotinho fez um mês
comia carne e pão mais do que três,
e já alcançara seus dois metros de altura!
No mês seguinte, já comia um boi
e a preocupação do rei rápido foi
crescendo junto com a imensa criatura!

Ao mesmo tempo, ficava musculoso,
proporcionado e de rosto bem formoso,
mas tinham medo que não parasse de crescer!
Por sorte, demonstrou-se inteligente,
com três meses lia bem perfeitamente;
domava potros e a lutar foi aprender...

MANUEL DA BENGALA II

Um dia, enfim, de crescer ele parou,
porém dois metros e vinte ele alcançou
sem que aumentasse mais seu apetite!
Mesmo assim, ainda era um boi inteiro
durante o almoço; e ao jantar, o cozinheiro
preparava muitos pratos, num agite!...

O rei ficara já bem assustado
por ter um filho assim desempenado,
pois todos os bois do reino comeria!
Além de aves, de arroz e de feijão,
muita batata e quilos de seu pão,
sua despensa a deixar quase vazia!...

E a seus ministros foi pedir conselho
porque, afinal, já estava meio velho
e era seu filho que seria o sucessor!...
E os conselheiros lhe recomendaram,
sendo a única solução que lhe encontraram,
que mandasse correr mundo o comedor!

Então o rei mandou forjar machado
para o tamanho do filho agigantado,
bem longa foice e de ferro uma bengala;
depois lhe disse, com a maior paciência:
“Meu filho, tu precisas de experiência:
vai correr mundo!”  E Dom Manuel se abala...

MANUEL DA BENGALA III

No outro dia, chegou a uma serraria
e os lenhadores corriam a serrania,
mas não davam da encomenda vencimento.
Manuel se ofereceu, a um boi por dia,
que de madeira suficiente a supriria
para manter o serviço em andamento.

O serrador aceitou a empreitada,
pensando que ele queria juntar uma manada,
porém Manuel só queria a refeição!...
Numa semana, empilhou tanta madeira,
a machadada derrubando árvore inteira,
puxando o tronco com a força de sua mão!

Logo ficou entulhada a serraria
e a cada vez que alguém seu boi trazia,
comia-o inteiro, sem nem deixar os ossos!
E ainda se apresentava no jantar,
comendo tudo que pudessem cozinhar,
sem deixar nada para os outros moços!

Assim, o seu patrão o despediu,
com muito medo...  Mas não se ressentiu:
“Cortei as árvores por léguas ao redor!
Tão cedo, não precisa mais de mim...”
E foi-se embora, cantarolando assim,
como se o mundo fosse feito de esplendor...

MANUEL DA BENGALA IV

Logo depois, chegou a uma fazenda,
na qual o mato já crescera até na senda
e ali se ofereceu para a roçar,
em troca apenas, para sua comida,
de um boi inteiro, se levasse de vencida,
o carrascal que tanto estava a incomodar...

O fazendeiro concordou, acreditando
que um rebanho ele estava preparando;
e na hora do almoço, trouxe um boi,
mas sugeriu que se sentasse à mesa.
Manuel aceitou o convite, com certeza,
e por sua goela a refeição inteira foi!...

Logo depois, voltou para o roçado:
léguas e léguas deixou tudo cortado
e no jantar comeu seu boi inteiro!...
Ninguém podia acreditar, sequer,
que pudesse comer tudo com prazer...
E apavorou-se logo o fazendeiro!...

Numa semana, ele limpou toda a fazenda
e comeu sete bois, nessa prebenda,
além de abóboras, couves e repolhos!
O fazendeiro precisou mandá-lo embora,
cheio de medo, quando chegou a hora,
mas Manuel viu a despedida com bons olhos...

MANUEL DA BENGALA V

“Eu já rocei esse seu campo inteiro:
com minha foice, eu trabalhei ligeiro;
você não tem mais serviço para mim!”
E lá se foi, muito alegre, carregando
as suas ferramentas e cantando,
aproveitando outra experiência assim...

Depois abriu uma mina a bengalaços,
as pedras arrancando nos trompaços,
deixando o ouro exposto à luz do sol...
Eliminou assim trabalho escravo,
mas seu apetite deixou o dono bravo
E o mandou passear no outro arrebol...

Chegou a um porto e reuniu-se aos pescadores,
puxando a rede sem quaisquer temores,
em vez de boi, comeu um tubarão!...
Mas lhe disseram que pescara  muito mais
do que eles precisavam... Era demais!
Para vender iria lhes dar um trabalhão!

E finalmente, chegou em outra terra,
cujo rei se preparava para a guerra,
seu reino fora assolado por gigantes!...
Um deles, suas três filhas lhe roubara...
Um vasto exército aos poucos já aprestara
e engajaram Manuel em dois instantes...

MANUEL DA BENGALA VI

Porém Manuel subiu sozinho até a montanha
e no machado empregou força tamanha
que acabou com os gigantes bem depressa!
Contudo, as filhas do rei não encontrou.
Comendo um boi por dia, procurou,
sem nada achar, mas de comer não cessa...

Então o rei também o mandou embora:
“Caso eu precise de você, em outra hora,
é garantido que o mandarei chamar!...”
Manuel aceitou de boa vontade a ordem
e voltou para seu reino, sem desordem;
ficou seu pai muito contente de o encontrar...

Não obstante, apesar de sua alegria,
seu coração bem veloz se confrangia,
vendo os rebanhos diminuir ao derredor!...
Embalde quer o filho ter por perto,
que o campo logo se tornará deserto
e da revolta do povo tem temor...

E de novo os conselheiros lhe falaram
e a única resposta que encontraram
foi mandar D. Manuel para sua morte!...
Decapitá-lo seria uma injustiça:
pois deveria ser mandado para a liça,
em que teria de enfrentar má sorte...

MANUEL DA BENGALA VII

Então lembraram de um bando de leões
que andava atormentando as multidões:
que fosse o príncipe contra eles enviado!
Manuel pediu por três juntas de bois
atrelados a um carro e foi, depois,
para a floresta, sem ter nada desconfiado.

Usando sua bengala e seu machado
foi os leões desbaratando para um lado
e logo o maior deles capturou;
deu-lhe carne de ovelha e uma bordoada,
até a fera ficar bem amansada
e num dos jugos do carro o atrelou!

Tirou o boi e o devorou inteiro,
para depois ir descansar, todo lampeiro...
No dia seguinte, bem cedo se acordou,
entrou no mato e lá caçou outro leão,
com uma corda, puxão após puxão,
mais uma fera depressa ele domou!...

E colocou-o atrelado em sua carroça,
comendo o outro boi, sem grande bossa,
e de tarde, foi caçar algum veado.
Carneou o bicho e o serviu para os leões,
(guardando um pouco para as próprias refeições)
e foi dormir depois, bem descansado...

MANUEL DA BENGALA VIII

E fez o mesmo por mais quatro dias,
deixando os leões bem mansos, sem manias,
que os açoitava como um bom verdugo!...
Os seis bois foi comendo, um por um,
prendendo os bichos, sem deixar nenhum,
perfeitamente sujeitos ao seu jugo!...

E depois de completar suas refeições,
obrigou as três juntas de leões
a puxar o seu carro até a cidade!...
Carregado de carcaças de veados,
cujo cheiro os deixava alucinados,
dando-lhes aos poucos uns pedaços, na verdade.

Chegando à capital, a admiração
de todo o povo o recebeu, em ovação:
“Viva o príncipe!  Viva Manuel da Bengala!”
E ele erguia na mão o longo ferro,
incitando os leões com forte berro:
e a multidão delira e não se cala!...

Porém passada mais uma semana,
em que comia com uma fúria insana,
os conselheiros insistiram com seu pai.
Mas tinham medo de sua força tão tamanha:
um regimento sucumbiria à sua sanha!...
Porém de fome o reino inteiro morrer vai!...

MANUEL DA BENGALA IX

Destarte, embora muito desgostoso,
disse o rei a seu filho tão guloso:
“Vou ser forçado a te mandar embora!
Não mais comporta a nação teu apetite,
temo que a fome uma revolta incite,
preciso que te afastes nesta hora!...”

Manuel pôs no ombro o seu machado,
a sua foice pendurada do outro lado,
saiu batendo no chão com sua bengala...
Porém o povo ainda o aclamava,
saudando o príncipe que as feras derrotava...
Assim partiu, garboso e em grande gala...

Pelo caminho, em duas pernas de pau,
viu um homem, a quem chamavam Passa-Vau,
que atravessava toda a gente pelo rio,
mas não queria ao príncipe passar...
Porém Manuel o obrigou a carregar,
e nas suas costas montou com todo o brio...

E do outro lado, disse: “Meu amigo,
doravante, você virá comigo,
posso encontrar outras águas pela frente...”
Passa-Vau o acompanhou de má vontade,
pois não queria ser montado, na verdade,
por um homem tão grande e tão potente!...

MANUEL DA BENGALA X

Logo a seguir, outro homem encontravam:
Corta-Cipó era o nome que o chamavam,
pois toda árvore ele podava em seu caminho.
E Manuel disse: “Preciso de você!...”
Corta-Cipó ficou com medo, já se vê
e acompanhou a D. Manuel, devagarinho...

E mais adiante, acharam Arranca-Serra,
todo armado e preparado para a guerra,
que procurou contra D. Manuel lutar...
Mas o príncipe com a foice o derrubou
e com o machado então o ameaçou
e Arranca-Serra prometeu o acompanhar...

Passou o bando por muitas aventuras,
sempre vencendo, mas também agruras,
porque Manuel comia por demais...
Corriam os bosques, sempre atrás de caça:
Manuel comia couro, osso e carcaça,
sobrando pouca comida para os mais...

E combinaram cada um caçar sozinho,
trazendo bastante para seu bandinho,
porém comendo primeiro na floresta...
E o sistema funcionou, inicialmente.
Cada um deles caçava coisa diferente
e os quatro, ao depois, faziam festa...

MANUEL DA BENGALA XI

Seus companheiros, já meio satisfeitos,
abriam mão de parte dos direitos
e Manuel da Bengala enchia a barriga!
Mas na sua vez, caçava duplamente,
para sobrar também para sua gente,
sem desconfiar que fosse sua inimiga!...

Mas um dia, durante a vez de Passa-Vau,
achou um moleque, com cara de ser mau,
que lhe pediu para o cachimbo fogo...
Passa-Vau não tinha... Então o moleque
moveu o braço ligeiro, como um leque
e lhe deu uma cachimbada, em desafogo!...

Passa-Vau ficou caído, desmaiado
e só no fim da tarde foi encontrado,
sem que os outros o quisessem acreditar...
Manual da Bengala foi pegar um jacaré,
que devorou com dente e casca até,
sem esquecer de alguma carne lhes deixar...

No outro dia, foi caçar Corta-Cipó
e apareceu o moleque, ao vê-lo só,
pedindo fogo para o seu cachimbo...
Corta-Cipó não tinha...  E o molequinho,
lhe deu forte cachimbada no focinho,
mandando o outro direto para o limbo!...

MANUEL DA BENGALA XII

Quando os outros e encontraram desmaiado,
Manuel achou um urso atocaiado
e o degolou para lhes dar jantar...
Comeu os ossos, os pelos, até as tripas,
para os outros só deixou umas farripas,
que mal bastaram para os três alimentar.

Arranca-Serra falou ser a sua vez
e que traria boa comida para os três,
mas o moleque ele encontrou também...
Para o cachimbo, uma brasa lhe pediu.
Arranca-Serra não tinha... E num salto de bugio,
derrubou-o com o cachimbo muito bem!...

Foram achá-lo já ao entardecer...
Manuel da Bengala uma jiboia foi vencer
e a estrangulou com a maior facilidade...
Deu um pedaço para seus comparsas,
tragando o resto sem maiores farsas,
pois seu estômago era imenso, na verdade!

No quarto dia, os companheiros lhe disseram:
“Nós já caçamos!”  “Ora, vocês nem puderam!
Mas muito bem!  Vou eu caçar, meu povo!...”
Entrou no mato e lá chegou o moleque:
“Eu quero fogo!” “Não tenho, pé de leque!”
E o molequinho o atacou de novo!...

MANUEL DA BENGALA XIII

Só que não pôde lhe acertar a cachimbada:
foi o Manuel que lhe deu uma bengalada
e com sua foice lhe arrancou a carapuça!...
Porque era um diabrete e toda a força
ele tinha no capuz e assim se esforça
para pegar de volta, pula e fuça!...

Porém Manuel pôs no bolso o seu capuz:
“Só lhe darei se você agora me conduz
à caverna em que as três princesas abduziu!...”
“Mas como sabe que fui eu?” disse o guri.
“Os gigantes eu matei e logo vi
que foi você que ao combate os induziu...”

Mas não queria se entregar, o capetinha,
lutando em busca de sua carapucinha,
enquanto Manuel lhe pregava bengalaços...
Até que, finalmente, concordou
e à frente do príncipe, ele marchou,
pensando em conduzi-lo a tropicaços!...

Mas Manuel era bastante equilibrado
e não ficava nem um pouco atrapalhado,
pulando cada pedra e cada fenda;
e o diabinho desceu por uma gruta,
pela qual mil gemidos já se escuta:
era o Inferno, igual que a antiga lenda!...

MANUEL DA BENGALA XIV

Foram descendo, cada vez mais fundo;
nem era escuro no abismo tão profundo,
que havia luz de fortes labaredas!...
Mas passavam mil escravos condenados,
realizando os trabalhos mais pesados
ou escavando outros túneis pelas gredas...

E numa cela, que ficava ao lado,
estavam as princesas, com cadeado
firmando as três, sob grossas correntes...
“Por que estão aqui acorrentadas?”
“É que estão vivas, não são almas penadas;
se as soltar, se escapam, bem contentes!...”

“Por que então não escapam os condenados?”
“Porque estão presos pelos seus pecados!
Parecem soltos, mas não podem mais fugir...”
“Mas se as princesas estão vivas, como foi
que as prendeu aqui?”  “Ora, Manuel do Boi,”
disse o capeta, “não procure se iludir...”

“Todas têm algum pecado... Uma é vaidosa,
a outra sempre foi muito orgulhosa
e a terceira trata mal as empregadas...
Não é o bastante para serem condenadas,
mas vão ficando no purgatório acorrentadas
e com o susto, vão deixar de ser malvadas...”

MANUEL DA BENGALA XV

“Foi um castigo para aquele rei teimoso,
que construiu na capital templo formoso
e nele insiste em ir à missa todo dia...
Assim aprende a nos dar maior valor
e ao povo todo tratar com mais rigor,
na corrupção que o Demo mais queria...”

“Está certo...  Mas agora, chega de conversa,
Solte as princesas...” disse, com voz tersa,
Dom Manuel da Bengala.  “Vamos logo!...”
E o diabinho meteu um chifre no cadeado
e o portão assim se abriu de lado a lado...
As três princesas saíram sem mais rogo!...

Foram subindo depressa para a luz,
cada uma delas a fazer sinal da cruz...
Só a terceira é que lhe agradeceu...
“Você viu?” disse o moleque.  “São ingratas,
me dê o capuz e vá para sua matas...”
“Pensa que um tolo por aqui sou eu...?”

“Só lhe devolvo depois de estar lá fora!...
Com a carapuça, nem me deixará ir embora...”
“Está certo,” disse o capeta.  “Vamos lá...”
Manuel galgou depressa à superfície,
não achou ninguém, mas o moleque disse:
“Os seus amigos já estão mais acolá...”

MANUEL DA BENGALA XVI

“Eles pegaram as princesas e fugiram...
Deixou-as sós e de você se riram...
Agora, dê-me de volta o meu capuz!...”
“E se você quiser de novo me atacar?”
“Você me vence de novo, se eu tentar...
Mas lhe faço um juramento bem de truz!...”

“E você acha que eu acredito num capeta?  
A sua palavra não passa de uma treta...”
“Juro três vezes pelo meu Pai de Baixo!...”
Manuel da Bengala não queria ceder...
“Escute bem, que um segredo eu vou dizer:
Sob suas ordens, três vezes eu me encaixo!...”

“O meu poder vem do capuz, é certo...
Vire do avesso... Quando estiver aberto
Verá que por três paninhos é forrado...
Tire os três panos, igual que fossem lenços.
Três desejos a eles vêm apensos,
com minha promessa de atender a seu chamado.”

“Eu lhe concedo qualquer desejo que quiser,
mas depois que cumprido ele estiver,
o lenço some e então volta para mim...”
“Ainda que seja, qual é minha garantia
que contra mim você não se voltaria...?”
Manuel lhe perguntou, desconfiado ainda assim.

MANUEL DA BENGALA XVII

“Vou-lhe contar um último segredo...
Mesmo depois que o desejo lhe concedo,
você guarda de cada lenço um fiapinho...
Caso pense que lhe fiz uma traição,
queime o fiapo com uma brasa de tição
e meu capuz se queimará inteirinho!...”

“Somos diabos, mas temos nossas leis;
nossas palavras são como as dos reis
e você me derrotou com lealdade...
Mas vou contar, mostrando ser amigo:
quando você derrotar um inimigo,
ficarei dono da alma dele, na verdade...”

Então Manuel tirou do bolso a carapuça,
virou do avesso e viu uma tela ruça,
que começou a puxar, devagarinho...
Logo em três lenços ela se desvirou
e em seu bolso todos três ele guardou,
entregando a carapuça ao diabinho...

Este sumiu, numa reviravolta,
num redemoinho, como em rédea solta
e então Manuel percebeu estar sozinho...
Segurou um dos lenços em sua mão
e desejou aparecer dentro ao salão
das três princesas, em rápido caminho. 

MANUEL DA BENGALA XVIII

Então se viu transformado em papagaio,
pelas nuvens foi voando, feito um raio
e logo estava dentro do castelo!...
Ora, aconteceu que seus três companheiros
haviam roubado as princesas e, ligeiros,
forjado haviam um plano bem singelo...

Foram dizer ao rei serem os salvadores
e em recompensa pelos seus labores,
deviam com as princesas se casar!...
E as ameaçaram que, se elas contassem,
não escapavam sem que as três matassem:
seria bem fácil a cada uma apunhalar!;;;

Elas choravam e não queriam se casar,
mas disse o rei que devia recompensar
seus salvadores, mediante o casamento.
Era uma lei do reino, muito antiga
e a sua própria coroa assim periga,
caso tentasse impedir seu cumprimento!

Mas enquanto a cerimônia preparavam,
o papagaio chegou e se assustaram
com sua chegada, os três espertalhões.
E quando o papagaio virou gente,
logo Manuel, um herói tão imponente,
maravilharam-se o rei e os cortesãos. 

MANUEL DA BENGALA XIX

Disseram as damas: “Foi este o salvador:
desses três cada qual é um salteador
e ameaçaram nos causar a morte!...”
Foram atrás de Manuel, a se esconder
e os três bandidos precisaram se atrever
a atacá-lo, para tentar a sorte!...

Passa-Vau avançou com um varapau!...
Manuel derrubou com a foice o Passa-Vau,
que sumiu, diante de todos, de repente!
Corta-Cipó o atacou com uma lança,
mas a bengala de Manuel logo o alcança
e não teve um destino diferente!...

Arranca-Serra o acometeu em sua armadura,
sua espada afiada, longa e dura,
mas Manuel o derrubou com machadada!
E a sua couraça ali ficou vazia...
Só Manuel soube para onde seguia
esse malvado de alma maculada!...

E desse modo, foi realizado o casamento
de Manuel com a de maior encantamento:
foram os dois com muitos filhos abençoados.
As outras duas acharam noivos nobres
e os sinos lhes tocaram novos dobres:
três matrimônios foram consagrados...

EPÍLOGO

E então Manuel exigiu que aparecesse
um novo boi a cada dia em que vivesse,
sem ao reino precisar empobrecer...
O segundo lenço então sumiu também,
mas o terceiro, Manuel quis guardar bem,
para de armadilha futura o proteger...

O rei velho não tardou a falecer
e foi Manuel no trono o suceder.
Correu a notícia até o reino de seu pai
que em seguida também abdicou:
coroa e trono assim ele entregou
e dos dois reinos um país somente sai!...

Viveu Manuel em grã prosperidade,
mas conservou os três fiapos, na verdade
pois queria se guardar de uma traição...
Algumas vezes, lhe aparecia o diabrete,
novos desejos em sugestão lhe submete,
mas Manuel foi sempre adiando essa ocasião!

E o diabrete lhe contou que Passa-Vau
passava o dia a apanhar de varapau!...
Que Corta-Cipó se cortava o dia inteiro
E Arranca-Serra dia e noite ia serrando,
cada um deles suas más ações pagando,
até chegar-lhes o dia derradeiro!...



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