A TORRE
INVERTIDA - 20 jul 11
William Lagos
(An Old Prussian folktale, apud Chris
Willrich)
A TORRE INVERTIDA I
Há muitos anos, o mago Assetodoro
construíra uma torre, que invalida
a própria gravidade. Era invertida,
crescendo para baixo, em mau agouro.
Descida/erguida à beira de um penedo,
seu piso abaixo do mar encapelado
e o teto contra o fundo colocado.
Somente ele dominava tal segredo...
Deste modo, só por túnel se ingressava,
passando junto ao fundo desse mar
e de repente, num golpe de estontear,
os pés viravam e a cabeça se encontrava
junto ao antigo solo em que pisara,
deixado para trás, pois na antessala,
os pés tocavam outro assoalho, sem escala
e a cabeça um outro teto contemplava.
Pois no momento de se transpor a porta,
se invertia totalmente a gravidade,
mas por janela se enxergava a sociedade
dos peixes ao redor dessa comporta,
de barriga para o céu todos nadando,
igual que o mundo contemplado por espelho
que se coloque, por um mau conselho,
diante do peito, enquanto caminhando.
A TORRE INVERTIDA II
Depois, por uma
escada circular,
se subia facilmente
(ou se descia!)
quando a vertigem
não acometia,
a quem pelas
janelas via o mar.
Chegava-se enfim do
mago ao gabinete,
localizado acima/embaixo,
nessa estranha
visão do mar por
sob os pés, tamanha
era a força da maré
quando o acomete.
Quem estava
acostumado, já sabia,
mas ao sofrer uma
tal reviravolta,
pela primeira vez,
quase se solta
o conteúdo que o
estômago trazia...
Assetodoro,
portanto, preparara
outro feitiço para
a circunstância,
depois de
experimentar, em outra instância,
alguns efeitos de
que não se agradara...
Fora seu servo
golem que limpara
os resultados de um
estômago virado.
Era de barro,
porém, pobre coitado!
gastara as mãos com
a água que os lavara.
E Assetodoro passara
uma semana
a se esforçar por
suas mãos reconstituir.
Um
outro escravo espiritual, ao substituir,
conservara o mau
odor na carne arcana...
A TORRE INVERTIDA
III
Quanto ao demônio
que havia dominado,
que também tinha
seus laivos de magia,
tudo limpara quando
o mal acontecia,
mas ao redor da
torre havia espalhado,
sem que as
paredes em nada ele sujasse,
mas atraindo muitos
tubarões,
querendo devorar as
multidões
dos peixes que o
alimento congregasse.
Assim, Assetodoro
concebera
difícil e eficiente
encantamento.
Para evitar
passasse mal em tal momento,
quem
a inversão estranha percebera,
pois parecia
perfeitamente natural
o inusitado
inverter de posição
e colocara de
guarda em seu portão
um espírito de
espelho original,
que na
saída iludia o visitante
que da
inversão, em sua inconsistência,
não chegava sequer
a ter consciência
antes de achar-se
em ponto bem distante.
Assim, se
precisasse se aliviar,
era bem longe da
torre que o faria...
Com perdão da má
palavra, soltaria
o seu refluxo em
qualquer outro lugar...
A TORRE INVERTIDA
IV
Os moradores da
aldeia e suas crianças
já conheciam muito
bem a bruxaria.
Quando chegavam,
ninguém nada percebia;
iam depressa
apresentar suas esperanças.
Eram bem fáceis até
de contentar:
que o mago lhes
abençoasse a pescaria,
que sobre as hortas
viesse chuva serodia,
ou que fizesse suas
bonecas caminhar.
E a todos eles
satisfazia Assetodoro,
que na verdade, nem
gostava de lembrar
há quanto tempo
habitava esse lugar,
Porto dos
Caranguejos, para seu desdouro.
Pois já era velho
quando se mudara,
mas os avós dos
atuais avós eram crianças
de quem satisfizera
as expectanças
pequenas, que cada
um lhe apresentara.
Ele deixara a Velha
Escola há gerações,
quando tivera de
celebrar um sacrifício.
Seu coração era
puro e um malefício
não praticava, por
quaisquer razões.
Mas isso dera
ocasião a zombaria:
por outro fora a
virgem imolada...
Assetodoro tomara a
própria estrada,
só praticando
simples atos de magia.
A TORRE INVERTIDA V
É que sem sangue
não ocorria a execução
dos atos
portentosos de outros magos,
enquanto ele
dominava com afagos
silfos, duendes, um
que outro anão,
pois algo em troca
da ajuda lhes daria,
salvo ao pegá-los
obrando malefício,
quando podia, pelas
regras desse ofício,
escravizá-los para
a própria fantasia.
E assim ia vivendo,
brandamente,
sem grandes
ambições, só estudava
os alfarrábios de
alto preço que comprava
ou adquiria de
algum modo diferente.
Aos poucos, ler as
auras aprendera,
já dominava os
ventos e as marés
e dos clientes
aproveitando as fés,
a cada um de seus
anseios atendera.
E deste modo teria
vivido até seu fim,
somente em busca de
maior conhecimento,
sem conspurcar-se
com mau encantamento,
pois seu caráter se
formara assim.
Mas certo dia, uma
visita recebeu
de um estranho
casal amaldiçoado.
Por outros magos
fora o par logrado,
mas com plena
boa-vontade os acolheu.
A TORRE INVERTIDA
VI
O nome da mulher
era Alecrim,
mas o homem
chamava-se Antimônio
e parecia ter
partes com o demônio...
Ela era fresca como
flores de um jardim,
porém usando a
magia de um cristal,
percebeu que sua
aura se manchava
pela impiedade que
do outro respingava:
sofre a pureza ao
conviver com o mal.
E constatou também
Assetodoro
que Antimônio já
era homem muito velho.
Era outro rosto que
refletia o espelho,
apesar de aparentar
ter o tesouro
da força e do vigor
da mocidade...
Interrogado,
confessou qual a razão:
sua juventude
adquirira, em condição
de praticar muitos
atos de maldade!
Sem dúvida, era bem
rara maldição:
quanto mais mau
ficasse, remoçava.
Sua juventude,
porém, já o incomodava:
queria livrar-se,
conservando a ilusão.
Subitamente, uma
emoção acometeu
o bom Assetodoro,
ao ver a jovem;
as suas
virtudes, devagar, lhe fogem
e um feio plano sua
alma concebeu...
A TORRE INVERTIDA
VII
Pois nessa tarde,
enamorou-se de Alecrim,
que a
sua atração demonstrava-se inocente
ou lá no fundo
obscuro de sua mente
alimentava tais
desejos, pois, enfim,
ela queria que
curasse seu marido,
porém sua alma já
fora maculada.
Sua inocência ainda
estava preservada,
mas, bem de leve, o
seu peito corrompido.
E então,
inconscientemente, prometeu
que se o mago
curasse a Antimônio,
romperia o seu
estranho matrimônio...
O mago viu e tudo
compreendeu,
pois ela mesma da
promessa não sabia...
Após a cura, com
seu par iria embora,
até que lhe
chegasse a extrema hora
que a longevidade
inatural lhe cortaria.
E Assetodoro caiu
na tentação;
não poderia esperar
mais sessenta anos:
ela seria bem
velha, que os humanos
são submetidos da
idade à sedução.
E nem sabia se a
velhinha o lembraria
ou teria forças
sequer de retornar.
Magicamente, a
poderia restaurar,
mas tal amor pouco
ou nada lhe servia.
A TORRE INVERTIDA
VIII
Movido assim por
sua longa solidão,
ele ocultou na
verdade uma mentira...
De Antimônio o
encantamento quebraria,
mas perigosa seria
a libertação.
Era preciso para
seu encanto quebrantar
que Antimônio um
outro encanto dissipasse
e tal ação,
destarte, o libertasse,
desde que em tudo
cumprisse seu mandar.
Há muitos séculos
sabia de um castelo
cercado eternamente
em fogo mágico.
Antimônio só
escaparia de seu trágico
destino se
quebrasse o arcano selo.
Então o fogo
incontinênti cessaria
e com ele se
extinguiria a maldição,
sem nada mais
fazer. Porém, no coração,
tinha certeza de
que não o obedeceria.
Pois lá dentro do
castelo o aguardavam
outros perigos e
tão só triunfaria
se as instruções
completas seguiria
que as palavras do
mago lhe ditavam.
Alecrim afirmou que
o obrigaria
a cumprir todo o
voto de obediência.
Assetodoro
explicou-lhe, com paciência,
que auxílio algum
prestar-lhe poderia...
A TORRE INVERTIDA
IX
Pois Antimônio
teria de ir sozinho
para apagar o fogo
inteiramente,
mas com os dois ele
iria, certamente,
e lhes daria
proteção pelo caminho.
Só que durante
a realização de tal proeza,
teria Alecrim de
continuar-lhe ao lado,
pois Antimônio é
que era o amaldiçoado
e precisava
portar-se com nobreza...
E assim foi.
Assetodoro chamou barco,
que depressa
emergiu das profundezas.
Do mar absorvera as
incertezas,
mas era rápido e
certeiro como um arco.
Os três logo depois
nele embarcaram,
sem transportar nem
água ou provisão.
Por sete dias
velejaram, sem que mão
tocasse o leme, mas
as velas se enfunaram.
De Assetodoro
obedecendo seu comando.
Ele soprava um
longo tubo e, na fumaça,
virava o barco, na
mais perfeita graça,
até que a seu
destino ia chegando.
Mas várias vezes,
durante tal viagem,
Assetodoro insistiu
com o amaldiçoado,
que obedecesse cada
ponto do traçado,
sem intentar buscar
qualquer miragem.
A TORRE INVERTIDA X
E lhe dizia:
"Sei bem és um ladrão
e que já foste
muitas vezes assassino,
obedecendo tão só
ao próprio tino;
porém não podes te
livrar da maldição
se não me
obedeceres totalmente.
A Alecrim sei que
foste já infiel,
porque a traição
para ti é um doce mel,
mas só triunfas, se
fores diferente."
"Porque há
vários perigos no caminho
até o castelo e
precisas tal fogueira
apagar de uma forma
derradeira
e terás tudo de
realizar sozinho...
Não deves nunca no
castelo penetrar:
está a tua cura no
apagar do fogo:
extinto esteja,
deves voltar logo
para os braços de
tua esposa recobrar."
Pois era em tudo
sincero Assetodoro,
mas conhecia de
Antimônio a natureza.
Missão cumprida, na
maior certeza,
iria procurar no
castelo algum tesouro.
"Não entres
lá, pois há o maior perigo,
ouviste bem?
Talvez não saias mais.
Já te bastam as
três provas naturais,
pois no trajeto não
terás qualquer amigo."
A TORRE INVERTIDA
XI
"Escuta bem,
no caminho terás sede
e encontrarás um
aprazível poço,
mas não tentes
beber, porque num fosso
se mudará e lhe
cairás na rede.
E pensa bem: no
caminho terás fome
e três frutos
saborosos hás de achar,
que de árvores
diferentes irás pegar:
nem a mais leve
mordida deles come..."
"E finalmente,
acharás uma serpente.
Com olhar fixo te
contemplará
e se a encarares,
te fascinará:
lança-lhe um fruto
com ar indiferente.
Depois que ela o
comer, te servirá.
Então avança até
onde está a fogueira.
Há um brasão na
parede bem fronteira:
planta outro fruto,
que logo crescerá."
"E se fará
depressa em árvore alta.
Manda a serpente em
um galho se enrolar:
seu corpo agarra,
em firme balançar;
sobre a fogueira
num só impulso salta
e cai direto em
frente do brasão,
pois dentro dele
encontrarás um osso,
que deverás jogar
dentro do poço;
e cuida bem
de cumprir cada instrução."
A TORRE INVERTIDA
XII
"Frente ao
brasão o outro fruto irás plantar
e noutra
árvore igualmente virará.
Salta de um galho,
que te apanhará
essa serpente que
pudeste conquistar.
Então volta nos
teus passos até o poço;
dá de novo
liberdade à tua serpente,
pois não te fará
mal, já indiferente;
e no fundo das
águas lança o osso."
"Então delas
sairá uma criatura,
que não é feita de
carne, mas de água;
comido o osso, sem
a menor mágoa
irá seguir-te, em
obediência pura.
Segue com ela então
até a fogueira
e sobre as chamas
faz com que ela assopre.
O fogo mágico se
extinguirá de chofre
e a maldição se
apagará inteira."
"Porem vou te
dizer, mais uma vez
que não procures
entrar nesse castelo,
na esperança de
encontrar tesouro belo.
Sentirás que a
maldição se te desfez
e ao mesmo tempo
livrarás a Alecrim!..."
Porém remorso
remoia já Assetodoro,
porque a cilada,
para seu desdouro,
ao preveni-lo,
preparara assim...
A TORRE INVERTIDA
XIII
Ele já lera de Antimônio a natureza...
Um de seus traços era a teimosia
e a ambição seu coração regia:
obedecê-lo não iria, com certeza!...
Quando aportaram na
pequena ilha,
sobre a colina o
castelo ainda se erguia
e do fogo o
vermelhão se pressentia
a uma distância
maior do que uma milha.
De Alecrim
despediu-se Antimônio,
após pedir ao mago
Assetodoro:
"Cuida bem
dela! É meu único tesouro!"
E partiu, deixando
ao velho o patrimônio,
que ocultava com
cuidado sua vergonha,
pois prometera
cuidar bem de Alecrim,
mas pretendia
conservá-la, enfim,
depois de livre da
maldição medonha.
E enquanto
Antimônio se afastava,
soprou no ar um
círculo de fumaça...
A Alecrim
paternalmente abraça,
e nela a senda
de Antimônio lhe mostrava.
Ele, à princípio,
as instruções obedeceu,
mas tinha sede;
e quando viu o poço,
sem mesmo
crer que se virasse em fosso,
depressa se
ajoelhou e então bebeu!...
A TORRE INVERTIDA
XIV
As águas bem
depressa se agitaram
e Antimônio saltou
rapidamente atrás.
A agitação no mesmo
instante se desfaz,
passou o tempo
e as vagas se acalmaram.
"Já vi que nisso, o bruxo se enganou..."
pensou Antimônio. "Só espero esteja certo
nas outras coisas, isso porque, decerto,
quero livrar-me do mal que me tomou..."
A fome agora suas
entranhas retorcia
e logo os frutos
viu, apetitosos...
Colheu os três e os
achou tão saborosos,
que logo dois, sem
mais pesar, comeu!
Mas de súbito,
depara com a serpente
e então lhe joga a
fruta derradeira...
Ela a abocanha
e à instrução certeira,
demonstra ser-lhe
fiel e obediente...
"Ao menos nisso o tal mago acertou!
Mas sem as outras, terei de dar um jeito!"
Voltou atrás, mas
como por despeito,
sequer uma outra
fruta ele encontrou...
Seguiu em frente,
menos por coragem
do que movido pela
força da confiança.
De alguma solução
tinha esperança,
mesmo sem árvores
de mágica visagem!
A TORRE INVERTIDA
XV
Alecrim abraçara a
Assetodoro,
não que tentasse
consciente sedução,
mas por ter medo
dessa encantação,
ao reparar das
instruções algum desdouro.
E perguntou:
"Por que a água da fonte
e os dois frutos
que bebeu e que comeu
mal não
fizeram?" "O encanto enfraqueceu,"
lhe disse o mago,
"pois já secou sua fonte."
Logo a seguir
puderam assistir
quando Antimônio
chegou até a fogueira
e ao invés de uma
pira sobranceira,
a altura máxima que
podiam atingir
as velhas chamas,
que ainda crepitavam,
era a altura dos
joelhos de Antimônio,
que em sua teimosia
de demônio
lançou-se às chamas
que mal o afetavam.
E apagou as velhas
brasas com as botas!
Foi pisoteando
tições com tal vigor,
que logo se
extinguiu todo o calor,
em toda a volta do
castelo as rotas...
"Já noutra coisa o mago se enganou...
Foi bem mais fácil do que me parecia!"
Mas nesse instante,
do seu peso se alivia:
do embruxamento
inteiro se livrou!...
A TORRE INVERTIDA
XVI
Enquanto isso, no
barco junto à praia,
Assetodoro e
Alecrim o contemplavam:
como os perigos não
se concretizaram;
e logo o peso de
Alecrim se espraia!...
"Bom mago, já
se desfez o encantamento!
E as instruções que
lhe deste não cumpriu."
"É que o
outro mago de há muito já partiu:
de seu
poder por aqui ergueu-se o manto..."
"O
encantamento, como qualquer glamor,
está ligado à vida
inteiramente
do mago que o
lançou e que consente
em conferir-lhe, em
parte, seu calor...
Já se passaram
milênios, minha querida,
até a lembrança
desse mago se extinguiu:
pouco a pouco seu
poder daqui fugiu;
Tomou-lhe a morte
todo o vigor da vida..."
"Mas não te
iludas, porque ainda há perigo
dessas ruínas no
pálido esplendor.
Do teu encanto foi
quebrado seu valor
e te livraste de
teu mal antigo...
Mas Antimônio
precisa retornar!...
De forma alguma
ingressar nesse castelo,
pela ambição de algum
tesouro belo,
pois lá o glamor
continua a funcionar!..."
A TORRE INVERTIDA
XVII
"Passou a
maldade que lhe deu a maldição,
mas há malícia em
sua própria natureza
e temo que
Antimônio, em sua vileza,
não poderá
resistir-lhe à tentação..."
E dito e feito.
Zombando da instrução,
que comprovara
falha anteriormente,
sob influência
curiosa permanente,
Antimônio seguiu
empós a sua ambição!
Chutou a serpente,
com breve gargalhada,
e atravessou dos
muros o portão,
que pendia dos
gonzos, sua atenção
pela ânsia do ouro
despertada...
Estava leve e cheio
de vigor:
de si lançara a
longa maldição...
Sentia por isso
ainda mais razão
para buscar
recompensa de valor...
Forçou a porta que
levava ao interior
e dentro viu, no
seu deslumbramento,
mil objetos de estranho
acabamento:
incalculável realmente
o seu valor!...
Porém com ele,
também entrou o ar
e o fogo místico já
não protegia
aquele ambiente que
há séculos jazia,
sem que ninguém
pudesse nele entrar...
A TORRE INVERTIDA
XVIII
E cada vez que um
tesouro ia pegar,
em pó e cinza ele
se desfazia.
Enferrujava o metal
e derretia
até o diamante, só
de seu tocar...
Antimônio praguejou
contra a má sorte,
mas avançou, por
pura teimosia,
pois verdadeira
coragem não sentia,
nem esperava ter de
enfrentar a morte.
E foi andando em
frente, até que achou
uma porta de bronze
resistente
ao seu toque.
A fechadura, facilmente,
como hábil ladrão,
logo arrombou.
E sobre um leito de
pétalas de rosa,
dormia sob escudo
uma donzela.
Jamais na vida vira
mulher mais bela:
tinha a seu lado
uma espada poderosa...
E o coração infiel
desse Antimônio
de imediato
esqueceu-se de Alecrim:
logo avançou e deu
um beijo, assim,
na loura dama de
guerreiro patrimônio...
E aquilo que
esperava, aconteceu:
abriu os olhos e
disse, com calor,
"Vieste enfim
despertar-me, meu amor!
Depois que tanto
tempo transcorreu..."
A TORRE INVERTIDA
XIX
E em torno dele
seus braços envolveu
e atraiu-o,
para quente e longo beijo...
A natureza de
Antimônio, nesse ensejo,
de tudo mais em
torno se esqueceu...
Mas Alecrim a tudo
isso assistia,
junto com o mago,
pela roda de fumaça!
E murmurou
Assetodoro: "Que desgraça!
Aconteceu
justamente o que eu temia..."
E Alecrim olhou-o,
fixamente:
"Você sabia
que isto iria acontecer?"
"Minha
querida, você me ouviu dizer
que retornasse para
cá imediatamente
após ter sido
quebrado o encantamento.
As minhas
instruções desrespeitou:
que não houvesse
mais perigo ele julgou,
em consequência do
enfraquecimento..."
Mas Alecrim
ergueu-se, bem depressa.
"Eu vou
livrá-lo de mais essa armadilha!"
"Não deves
ir!... É perigosa a trilha,
a tua passagem
talvez algo te impeça..."
Porém não deu-lhe
ouvidos Alecrim
e logo pela
encosta, destramente,
já ia
subindo! Com suspiro de impotente.
ergueu-se o mago
para segui-la assim...
A TORRE INVERTIDA
XX
Porém moveu-se por
força de magia
e chegou nas ruínas
à sua frente.
Sentia remorsos e
estava penitente:
quiçá Antimônio
salvar ainda podia!...
O ladrão velho era
falho de coragem,
não entendia o que
a princesa lhe dizia
e cheio de temor,
já lhe fugia,
mas Assetodoro
entendia-lhe a linguagem.
"Ah, meu amor,
quebraste o encantamento,"
ela falava, cheia
de emoção...
"És o
guerreiro de valente coração
e agora és meu,
conforme o juramento!"
Mas Antimônio só
queria era escapar
dessa valquíria de
armadura fulgurante...
Mas as portas se
fecharam nesse instante
e o trinco, em
vão, tentava ele girar...
Mas de repente,
moveu-se a maçaneta
e saiu para fora,
em disparada!...
Era mais rápida a
princesa descantada,
cheia de força da
maldição secreta.
E outra vez em seus
braços o envolveu:
"Mas por que
foges de mim, oh doce amor?
Já não te
demonstrei o meu calor...?"
Mas Antimônio em
nada a compreendeu...
A TORRE INVERTIDA
XXI
E assim escapar-se
de novo procurou,
enquanto a
princesa, firme, o perseguia...
Mas ao redor o seu
olhar corria
e pelas salas do
castelo nada achou...
"Mas o que é
isso?" sua boca murmurou.
"Este não é o
castelo de Roswitha!
Para onde foi a
decoração bonita,
as bandeiras e as
panóplias? Aonde estou?"
E Antimônio
aproveitou o seu espanto
para pular depressa
uma janela,
mas caiu mal,
emaranhou-se nela,
tombando desmaiado
em qualquer canto!
Assetodoro, que já
havia chegado,
foi atender o homem
malferido.
Afinal, parte da
culpa tinha sido
dele mesmo, que
estivesse ali deitado...
E enquanto tons de
cura murmurava,
para fechar-lhe
todo ferimento,
chegou Alecrim,
nesse exato momento
em que a princesa
no pátio despontava...
As duas se
encararam, sem qualquer
dúvida,
percebendo-se rivais,
na acurácia dos
instintos naturais,
dessa intuição que
possui toda mulher...
A TORRE INVERTIDA
XXII
"Quem é
você?" foi indagar, enfim,
da castelã a
indesejável visita.
"Sou a dona do
castelo: sou Roswitha!
Você quem
é?" "Meu nome é Alecrim..."
Porque essa jovem
entendia a língua antiga.
"E por que veio
meu idílio interromper?
O meu encanto
acabou de desfazer
meu valoroso
cavaleiro, meu auriga!..."
"Eu vim a
resgatar o meu marido!"
"Mas de quem é
que você está falando?"
"De
Antimônio, que você anda abraçando,
talvez pensando ser
desimpedido..."
Roswitha de
imediato enfureceu-se:
"Não pode ser
verdade, mentirosa!...
Ele chegou até meu
leito rosa,
beijou-me a boca e
o encanto assim desfez-se!..."
"Eu sou a
herdeira desta fortaleza
e um velho mago
buscou o meu amor,
que lhe neguei, com
todo o meu ardor
e então me
amaldiçoou, em sua vileza!...
'Irás adormecer, até que venha
o mais bravo de todos os guerreiros,
a enfrentar os perigos derradeiros,
pela coragem que o coração contenha...'
A TORRE INVERTIDA
XXIII
"Adormeci, mas
meu amor não veio,
nesses milênios de
minha longa espera;
meu castelo se
arruinou, era após era,
o mundo inteiro
mudou, assim receio...
Mas finalmente
chegou o meu guerreiro,
quebrou o encanto e
agora ele é só meu!
Pois os perigos
fatais ele venceu,
esse meu bravo e
garboso cavaleiro!..."
Mas Alecrim soltou
uma gargalhada:
"Meu Antimônio
nunca foi um cavaleiro!...
É só um ladrão, não
é nenhum guerreiro:
foi por acaso que
foste desencantada...
Aqui nos trouxe o
mago Assetodoro,
para quebrar a
nossa própria maldição,
após fazer feroz
recomendação
que não entrasse em
busca de tesouro..."
"Porém
depressa ele o desobedeceu
e foi por isso que
te desencantou...
Foi por acaso que
teu charme ele quebrou:
meu Antimônio não
passa de um plebeu!"
Disse Roswitha
então, bem lentamente:
"Por isso
então é que tentou escapar...
Até a janela
conseguiu pular...
Fugiu de mim.
Não tem nada de valente..."
A TORRE INVERTIDA
XXIV
"Mas não
importa. Eu já esperei demais.
Meu castelo se
arruinou e está vazio.
Nem alimento
encontrei e sinto o frio
que se aproxima...
Não poderei jamais
permanecer aqui,
após desperta...
Ladrão ou não, ele
me conquistou,
ainda que pouca
bravura demonstrou.
Saca tua arma e
para a luta põe-te alerta!"
"Uma de nós
tão só sobreviverá:
ele é só meu e não
será de mais ninguém!"
Sacou a espada e
Alecrim, também,
porém sua adaga mal
e mal a defenderá.
E o combate se
travou, com o resultado
que facilmente se
esperar podia...
Roswitha era
guerreira forte e esguia,
logo o braço de
Alecrim foi desarmado!...
"Prepara-te
agora, pois, para morrer!"
disse Roswitha, sua
espada contra o peito
de Alecrim, que
respondeu, no seu despeito:
"Podes
matar-me, mas irás te arrepender,
porque Antimônio é
infiel e desonesto,
em nada se
assemelha a um cavaleiro:
é um covarde
e o mais medíocre guerreiro;
péssima escolha
terás feito com tal gesto!"
A TORRE INVERTIDA
XXV
"Já não
importa... Lutaste bravamente,
mas na derrota já
chegou tua hora.
Eu cortarei tua
garganta sem demora:
meu salvador será
meu eternamente!"
Mas antes que seu
golpe desferisse,
aproximaram-se
Antimônio e Assetodoro
e gritou
aquele, para seu desdouro:
"Princesa, eu
te amo!" em falsidade disse.
"Não quero
mais saber dessa mulher:
serás o meu amor,
perpetuamente!...
Não precisas
matá-la... É indiferente,
depois de ti, um
outro amor qualquer..."
Roswitha foi então
baixando a espada
e Alecrim soltou
longo suspiro...
Mas, de repente,
Roswitha deu um giro:
"Escuta bem,
donzela! Estás perdoada!..."
"Mas se este
homem tentar fugir contigo,
encontrarei e
matarei os dois!...
Eu não sou tola.
Não haverá depois,
jamais perdoei na
vida outro inimigo!..."
Então o mago
igualmente suspirou,
tomando firme e
amarga decisão,
todo o desejo de
Alecrim, no coração,
por ser inútil,
prontamente ele abafou...
A TORRE INVERTIDA
XXVI
E a Roswitha então
se dirigiu:
"Bela
princesa, não busco teu lamento,
mas este homem
foi só meu instrumento
e minhas falsas
instruções ele cumpriu.
Quem realmente o
encantamento te quebrou
fui eu somente,
pela força da magia,
que um falso beijo
não te desencantaria:
foi meu ardil que o
encanto conquistou."
"Que não
entrasse no castelo, certamente
eu lhe recomendei,
diversas vezes...
Porém conheço bem
os meus fregueses,
pois Antimônio não
é nenhum valente,
apenas homem falso
e cobiçoso...
Pensando não
existir qualquer perigo,
por ter desfeito o
encantamento antigo,
o invadiu, por
tesouros ambicioso..."
Mas eu bem lhe
conhecia a natureza:
tinha certeza de
que desobedeceria
e nos teus braços
facilmente cairia,
mesmo porque é
irresistível tua beleza...
E desse modo,
trairia a Alecrim,
que no meu peito
muito choraria
e devagar
consolá-la saberia,
para a guardar
depois só para mim!...
A TORRE INVERTIDA
XXVII
Alecrim ficou assim
cheia de espanto:
aquele velho em que
tanto ela confiava
era a ela que
realmente cobiçava...
Mal conseguia
reprimir o pranto...
Mas prosseguiu o
mago Assetodoro:
"Esse
Antimônio só deseja te iludir,
até o instante de
te poder trair,
pois Alecrim é seu
real tesouro!..."
"Ele só disse
o que falou para a salvar:
sente por ela amor
longo e profundo
e não a troca por
nada deste mundo...
Sou bem
sincero em traição te revelar."
Tirou da túnica
então mágica lente;
deu-a à princesa:
"Olha com toda a calma,
verás o quanto
habita na sua alma,
que a verdade
interior toda pressente..."
Roswitha só hesitou
por um momento;
então sua espada
finalmente ela guardou
e pela lente
enfeitiçada contemplou
e desse vidro
acreditou no julgamento.
Era Antimônio homem
falso e ardiloso,
covarde, egoísta e
sem qualquer valia...
No coração de
Alecrim, porém, jazia
certa pureza de
valor mais alteroso...
A TORRE INVERTIDA
XXVIII
Logo Roswitha assim
se convenceu
que aquele homem
não lhe tinha serventia,
pois nem sequer
para Alecrim ele servia:
seu coração de pura
pena confrangeu...
Mas então a lente
mágica virou
em direção ao mago
Assetodoro,
sem perceber ali
qualquer desdouro:
sua natureza
corajosa contemplou!...
E então falou:
"Tu és igual a mim.
Por não quereres
praticar o mal
perdeste a glória e
a fama do imortal:
não há coragem
maior do que esta, enfim.
E reconheço: foste
tu que libertaste;
os verdadeiros
perigos enfraqueceste;
ao mentiroso
facilmente convenceste:
quis enganar, mas a
ele tu enganaste."
"Tens coração
feroz e orgulhoso,
ninguém na Terra
teria mais poder,
mas se essa glória
resolvesses acolher,
te tornarias também
pecaminoso.
Tampouco tu és meu
resgatador,
mas poderás
tratar-me com carinho,
até que encontre
meu novo caminho...
Não, meu amigo, em
nada és um traidor!"
A TORRE INVERTIDA
XXIX
E voltando-se
depois para Alecrim,
após a lente da
verdade devolver:
"Guarda teu
homem, não mais o quero ter,
pois sofrimento te
causará no fim..."
Então os
transportou Assetodoro
e velejaram os
quatro no seu barco,
para o destino
certeiro como um arco,
até chegarem ao
velho ancoradouro.
Antimônio e Alecrim
se despediram,
tomando a estrada
para seu destino
e disse Assetodoro,
em gesto fino:
"Entendo bem
porque não me agradeceram.
A esses dois eu
libertei da maldição,
mas não lhes
transformei a natureza:
causarão mal um ao
outro, com certeza,
pois um do outro já
conhece o coração..."
"Mas vem
comigo então, bela Roswitha:
em minha torre
comigo habitarás,
até o dia em que
teu fado seguirás,
pela senda a que o
destino então te incita."
Roswitha apenas
revelou certa surpresa,
sem demonstrar
qualquer sinal de enjoo,
ao contemplar
aquele estranho voo
dos peixes, nas
marés da correnteza...
A TORRE INVERTIDA
XXX
E assim, foi-se
afeiçoando, lentamente,
ao velho mago de
coração magoado.
E decidiu que
ficaria do seu lado,
enquanto tivesse
vital remanescente...
Foi o Porto visitar
dos Caranguejos
e indagou se
inimigos não havia...
"De vez em
quando, algum aparecia,"
lhe disse
Assetodoro em tais ensejos...
"Pois
doravante, serei sua defensora,
enquanto na tua
torre me aceitares..."
Assetodoro, após
tantos azares,
nem sequer cria em
tal sorte sedutora:
que com ele se
quedasse a jovem loura,
muito mais bela,
afinal, do que Alecrim,
que começou a
esquecer, enfim,
por esta nova
emoção libertadora...
E realmente, nem
sei por quantos anos,
os dois
moraram em tal Torre Invertida,
que de repente, ao
amor dava guarida...
Mas todo o mago
possui os seus arcanos
e Assetodoro cem
anos remoçou,
nos braços jovens
da guerreira antiga,
amor mais longo que
qualquer homem consiga,
pois foi a ele que,
no fim, ela encantou...
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