PARARREALIDADE
& MAIS
William Lagos
PARARREALIDADE I (2006)
Sonhos existem que são
mais que sonhos,
especialmente os dons do
devaneio
que, de olhos abertos,
sem receio,
te perscrutam os
cenários mais bisonhos...
Sonhos existem que levam
à loucura,
quando o mundo colorem
de impossível,
indigno de um viver, no
inexaurível
cadenciar de monótona
tortura...
Mas temos sonhos belos,
envolvidos
no rolo das sinapses,
repetidos
a cada vez que nos damos
a Morfeu.
Quais ninguém pode
roubar de tua ilusão:
por mais que te
atormente o coração,
nunca te esqueças de que
esse sonho é teu.
PARARREALIDADE II –
6 OUT 14
Li certa vez que
certa máquina inventaram
para gravar os
sonhos que alguém tinha;
por enquanto, é
ficção, mas se avizinha,
pois quantos sonhos
de papel se realizaram!
Foram profetas
esses que espalharam
ideias seminais em
longa linha
de doze ou quinze
décadas e que a minha
mente e vida tão a
fundo influenciaram.
Hoje esses sonhos,
em parte numerosa,
se tornaram
reais. Pois quem diria,
cinquenta anos
atrás, que até crianças
carregassem por aí,
sem grande prosa,
seus celulares e
cada rosto se veria
copiado nessas
telas em lembranças!...
PARARREALIDADE III
Só me refiro a este
exemplo tão comum,
mas já existe a
nanotecnologia,
que nos permita
operar, sem que se abria
cavidade qualquer
em corpo algum.
E essa imagem, que
bem conhece cada um,
já há trinta anos,
da ultrassonografia,
qual ficção
científica se descartaria
há duas gerações,
sem a crença de nenhum
desses cientistas
de excelente formação,
porém na mente já
estratificados,
cada academia a
combater a mais recente,
tal qual se fosse a
mais completa negação
de seus
conhecimentos mais prezados,
cuja obsolescência
contudo se pressente...
PARARREALIDADE IV
E no entretanto, o
que sonharam sonhadores
hoje entre nós já
se apresenta diariamente;
costumes, roupas,
até alimento diferente,
qual contemplaram
esses tais contempladores,
da transformança os
reais transformadores,
mas sem que o povo
se acostume, realmente;
cada emoção a
demonstrar-se resistente
a tais coisas que
mudaram os mudadores...
Por isso a atual
recrudescência do tribal,
nessas danças
coletivas e ruidosas
e nos piercings, livre sexo e tatuagem,
as novas drogas em
realidade artificial,
na rejeição das
conquistas fabulosas,
que não aceitam,
por falta de coragem...
DEVANEIOS
I – 7 SET 14
Hoje
precisas de sabores acendrados,
porque
os suaves não distingues mais;
já
esgotaste os quatro flavores naturais
e
vais em busca dos mais sofisticados...
Não
que o sejam. São desculpa dos cansados,
velhos
prazeres já perdidos no jamais,
abandonados
por puramente artificiais,
pelas
fraquezas dos sentidos adotados.
Porque
escutaste sons altos demais
e se
acham ressentidas tuas cocleias:
terá
de ser reforçada a bateria...
Teus
olhos gastos perante os terminais
dos
monitores e videoguêimes, em epopeias
em
que o quiasma com esforço mais sofria.
DEVANEIOS
II
Teu
paladar com o fumo desgastou-se:
tabaco,
ópio, no baseado da maconha,
todo
o sabor perdido na bisonha
colônia
papilar, que já queimou-se...
A
percepção dos odores também foi-se;
os
cheiros fortes superam a pamonha:
escapamentos
e os gases que se exponha
diante
de ti, no mais violento coice.
Sobra-te
o tato, talvez, igual que ao cego,
que
quase tudo reconhece pelos dedos,
se
não queimaste as polpas pelo crack...
Sacerdote
não sou e nada prego,
mas
pede a teu passado seus segredos:
talvez
retornem, ao som de um atabaque...
DEVANEIOS
III
Até
o sexo perdeu-te seu sabor,
experimentando,
talvez, trocas demais;
já
precisas de estimulantes artificiais,
não
basta apenas o estímulo do amor...
Havia
segredos no feminino odor,
na
visão de tornozelo e nada mais...
Corpos
desnudos hoje visões tão naturais
que
mal despertam o desejo do sexor.
Por
isso a busca de tantas perversões,
em
que o sofrer se transformou em erótico,
a morte
alheia a despertar o adormecido;
a
própria morte a alimentar as ilusões,
nas
fantasias do encontro mais despótico,
sem
que outro amor possa em ti ser concebido.
LÁGRIMAS
BRANCAS I – 8 out 14
Ela
virá, a se queixar do frio,
e
outro café tomarei, alegremente,
que
nossa união se afirme mais potente
contra
o frio que ma trouxe do arredio.
Bem
raramente para fora espio
e
sinto dentro em mim o impertinente
queimor
do frio. É sempre o dia quente
que
me arranca da alma um calafrio.
Portanto,
em meus encontros tão somente
o
abraço do calor tem acolhida,
o
frio da rua totalmente de vencida,
no
meu espírito a força da semente
que
dentro de sua alma brotará
e
nesse instante do frio a aquecerá.
LÁGRIMAS
BRANCAS II
Ela
virá a se queixar de dores:
com
quarenta gotas de analgésico as apago;
para
as minhas, peço a ajuda de Avendago,
o
bruxo amigo de tantos meus pendores.
Peço
a Valfada que apoie os meus amores,
a
cada vez que de lágrimas me alago;
ela
sorri e proporciona todo o afago:
não
são de sangue meus olhos predadores.
Vertem
apenas lágrimas incolores,
ou
talvez, levemente amareladas,
lágrimas
secas nas comissuras encarnadas;
lágrimas
brancas, porém, quais meus suores,
enquanto
enfrento o calor da madrugada,
que
alfim me extingue e me reduz a nada.
LÁGRIMAS
BRANCAS III
Tenho
outro bruxo, de nome Mostradamus:
não
é o famoso Michel-Renaud de Notre-Dame,
não
o profeta que qualquer tolo proclame;
o
que ele faz e agitar-me os ramos
e
minha sorte lançar em brancos panos,
novos
Purim que só para mim chame; (*)
meu
mau destino que para outrem dane
e
numa vida melhor nos encontramos...
(*)
As sortes que os judeus lançavam sobre o manto divinatório.
Mas
o problema são as vidas paralelas
que
seguem outras mil igual a mim,
cada
uma em seu setor do pluriverso;
magia
e milagres sob a luz de estrelas,
mas
que se pode conjurar somente assim:
forçando
outrem a um destino mais perverso.
LÁGRIMAS
BRANCAS IV
Pois
veja bem. Ninguém pode imaginar
o
que Deus não tenha feito de antemão;
seus
olhos sempre sobre nós estão:
princípio,
meio e fim a contemplar;
fora
do tempo a Divindade a ministrar
as
consequências de cada uma decisão.
Pois
não prevê. Somente vê cada ocasião.
Já
está feito. Nada há a modificar.
Mas
como então um milagre se promete:
“Pedi
e recebereis; buscai e achareis,”
e
até mesmo: “Batei e abrir-se-vos-á?”
É
que há um leque de possíveis, qual confete
e
em qualquer ponto se encontra o que quereis,
pois
de que forma outro futuro se abrirá?
LÁGRIMAS
BRANCAS V
E
se pedirmos com fervor bastante,
somos
inscritos em outra linha temporal,
em
que não vemos mais o antigo mal,
porém
aquele que pedimos nesse instante.
Essa
doutrina, assaz interessante,
vem
do Talmude de forma imemorial,
nos
escritos dos rabinos, afinal,
para
explicar esse fato deslumbrante.
Porém
o mal que a nós antes acomete,
não
desaparece pura e simplesmente:
o
que fazemos é trocar nosso lugar
para
outro orbe que no nosso se intromete;
outro
de nós, por equilíbrio pertinente,
também
trocando, o intercâmbio a confirmar.
LÁGRIMAS
BRANCAS VI
Deus
sabe o que fez. E assim recolhe
a
quem a troca causou menos lamentar;
pior
seria o destino do avatar:
duplo
milagre numa troca que não tolhe.
Mostradamus
já viajou por esse molhe
e
também trocas consegue efetivar;
mas
só de um lado se poderá apreciar
essa
estranha mudança que se colhe.
E
assim Valfada favorece meus amores
e
Avendago para a dor me torna exangue,
mas
outro de mim recebe sortes mancas
e
desse modo sofre os maus pendores,
toma
o destino de minhas lágrimas de sangue,
enquanto
cabem a mim lágrimas brancas...
ECLÂMPSIA
I – 9 OUT 14
NÃO
DUROU MAIS QUE PASSEIO
ESSA
ESTADIA DO AMOR,
TALVEZ
COM CERTO RECEIO
DOS
EFEITOS DESSES ARDOR:
QUE
SE TORNASSE MAIOR
QUE
NO MOMENTO EM QUE VEIO,
QUE
ME EXIGISSE ESTERTOR
SE
FICASSE DE ENTREMEIO.
PORÉM
EXPLOROU-ME TODO
NESSA
SUA CURTA EXISTÊNCIA,
AMA
E SENHORA DE MIM,
INDIFERENTE
À SEU MODO,
NUM
TREJEITO DE IMPACIÊNCIA,
AO
RETIRAR-SE POR FIM.
ECLÂMPSIA
II
AMOR
PERCORREU MEU CORPO,
PALMILHOU
CADA CAMINHO,
REVESTIDO
DE CARINHO,
MESMO
NA FALTA DE RIMA...
AMOR
PERCORREU MEU CORPO,
PALMILHOU-ME
CADA VEIA,
CADA
GOLE E CADA CEIA,
A
DEGLUTIR-ME A AUTOESTIMA.
DEPOIS,
AMOR AFASTOU-SE,
SEM
NEM OLHAR PARA TRÁS,
DE
GERÂNIOS EM FRAGRÂNCIAS;
SEM
PALAVRAS, RETIROU-SE,
COMO
CEDO OU TARDE O FAZ,
A
BUSCAR NOVAS ESTÂNCIAS.
ECLÂMPSIA
III
AMOR
SE FEZ EM PROMESSA,
RESSECADA
PELA MORTE,
DESSICADA
PELA SORTE,
NA
MEMBRANA MAIS ESPESSA,
AMOR
SOB EFEITO DESSA
AFECÇÃO
DE MAU PORTE,
AMOR
COM PALOR DE MORTE,
BEM
MELHOR ATÉ QUE O ESQUEÇA.
NESSA
SAUDADE ECTÓPICA,
MEIOSE
FEITA MITÓTICA,
AMOR
DE PERDIDA ÂNSIA,
DE
ÓLEO OCULTA EM FRAGRÂNCIA,
QUAL
EXALTAÇÃO ROBÓTICA,
NUM
ESTERTOR FEITO ECLÂMPSIA.
ECLÂMPSIA
Iv
AMOR,
DOCE INFECÇÃO,
QUE
ENVENENOU-ME OS SENTIDOS,
MEUS
HUMORES MAL NUTRIDOS,
EM
GENTIL IMPRECAÇÃO,
GRAÇA
DE ÍMPIA EMOÇÃO,
SERPENTIFORMES
GEMIDOS,
SEQUER
POR MIM MESMO CRIDOS,
DESULTÓRIA
COMUNHÃO.
AMOR
BREVE ENFATUAÇÃO,
COLORIDA
DE RESERVA,
MEU
AMOR DE IDEAL DESFEITO,
BEGÔNIA
EM FECUNDAÇÃO,
DERRAMADA
SOBRE A ERVA
A
SEMENTE DE MEU PEITO.
lavradio
I – 10 out 14
porque
eu desisto facilmente em tudo
quanto
envolva qualquer competição,
muita
coisa perdi no sem-razão
das
disputas constantes do olhar mudo;
quanto me toca só a mim, contudo,
sempre me esforço ao máximo em questão
de baixar a cabeça em comunhão
com meu teclado, que facilmente estudo.
mandar tampouco quero; foi demais
o tempo gasto em responsabilidade
por coisas para as quais sei que não vim;
envolvido em mil tolices imortais,
igual que os versos de tal futilidade
que se tornaram tão somente em outrossim.
lavradio
II
quando
criança, eu era o último escolhido
para
as equipes ou para brincadeiras,
razão
de sobra para atitudes sobranceiras,
minha
espera muda feita em ideal calado.
vasto futuro assim não abraçado,
no orgulho vão das recusas altaneiras:
que no meu colo caíssem, derradeiras
quaisquer escolhas que tivesse preferido.
mas quanto veio a mim, levei a sério
e realizei com o máximo de empenho,
só os resultados do esforço a apreciar,
desgraça e triunfo a encarar com despautério,
nessa ironia que no olhar contenho,
sem os valores alheios apreciar...
lavradio
III
que
busquem outros os seus próprios alvos!
quantos
eu vi que logo os alcançaram
e
seus dias depressa terminaram,
os
meus até o presente em sãos ressalvos...
sem me prender a seus desejos calvos,
eles que alcancem o quanto cobiçaram;
para mim basta o quanto desprezaram:
os meus restolhos com cuidados salvos...
que ainda espero a luz de meu futuro
enquanto os outros estiverem esquecidos,
mas caso a veja, será que a apreciarei,
como um diamante a iluminar-me o escuro,
presidindo aos esqueletos desnutridos,
valendo mais do que quanto realizei?
INCOGNITA
I – 11 OUT 14
COMO
SÃO TOLAS AS MULHERES QUE ACREDITAM
QUE O
MUNDO GIRA EM TORNO DE SEUS FILHOS!
ENCAIXADAS
ASSIM NOS VELHOS TRILHOS
COM
QUE AS MULHERES SEMPRE O MUNDO FITAM.
MAS
NEM SEMPRE É ASSIM: HÁ MÃES QUE INCITAM
A
ACREDITAR QUE O MUNDO GIRA EM TORNO DELAS
E
DESTARTE ELAS SE CREEM, QUANDO SÃO BELAS,
ATÉ O
MOMENTO QUE EM SEUS BRAÇOS NENÊS GRITAM.
CUMPRIDA
ASSIM VELHA MISSÃO, ENTÃO TRANSFEREM
A
ILUSÃO ADIANTE, QUE GIRE EM TORNO DA SEGUINTE
GERAÇÃO,
DESSES QUE EM TORNO DELAS GIRAM...
O QUE
É ESTRANHO É QUE IGUALMENTE ESPEREM
QUE
MIL COMPETIDORES, EM TAL ACINTE,
NO
MESMO SOL ORBITEM QUE ELAS MIRAM...
INCOGNITA
II
QUANTO
A MIM, TENHO A ILUSÃO DE SER PLANETA
QUE
ATÉ O PRESENTE NÃO ENCONTROU SEU SOL;
SOU
ARREDIO FISGADO EM LENTO ANZOL,
TAL
COMO A ÓRBITA EXCÊNTRICA DE UM COMETA.
MINHA
ILUSÃO JÁ DE HÁ MUITO NÃO É SECRETA;
DE
MUITA ESTRELA PRETENDI SER GIRASSOL;
NUTRI
FREQUENTE EM MIM SONHO DE ESCOL,
SEMPRE
PERDI-ME EM INESPERADA GRETA...
FORAM-SE
OS SÓIS AFASTANDO POUCO A POUCO:
SER
PLANETA SOLITÁRIO É O MEU DESTINO,
JÁ
SEM IDEAL DE ACHAR LUZ NA ESCURIDÃO;
PORÉM
JAMAIS PUDE NUTRIR O SONHO LOUCO
DE
SER O CENTRO DE UM MUNDO PEQUENINO,
PERANTE
O QUAL REVOLUTEASSE MULTIDÃO...
INCOGNITA
Iii
FICOU
CLARO PARA MIM, JÁ DESDE A INFÂNCIA,
QUE
SÓ SE FAVORECE A PREPOTÊNCIA;
DE
CADA ESTRELA, A DEMONSTRAR PACIÊNCIA,
MAIS
DO QUE A LUZ, EU SÓ ATRAÍ FRAGRÂNCIA.
Foi
aspirada de longe, em larga instância,
Em
minhas narinas só restando certa ardência,
Enquanto
o astro espraiva-se em potência
E se
expandia pelas cavernas da distância.
A
minha estrela permanece sendo incógnita
E
reconheço não ser bom em matemática:
Meus
professores me apagaram tal carinho;
Mas
permaneço no encalço dessa insólita
Luz
peregrina em apenas vaga estética,
Mas
que persiste em se afastar do meu caminho.
PRECE
VERMELHA I – 12 OUT 14
As
minhas preces para longe transmiti
Dos
velhos sonhos na antropofagia;
Minhas
semanas mastiguei em nostalgia,
Nas
curtas horas em que, afinal, dormi.
Meus
longos dias de fato não perdi,
Desgastados
em trabalho o que não lia;
No
almofariz minhas tristezas remoia;
Com
desapontamentos um castelo construí.
Mas
faleceram os mil dias que passaram
E não
consigo recobrar o tempo tenso,
Que
às gargalhadas, escorre por minha mão,
Enquanto
vejo que horas de hoje se juntaram
E
após sua longa morte, apenas penso
Em
presidir à minha própria exumação!
PRECE
VERMELHA II
Mas
como posso nesse vasto lamastério
Ressuscitar
o largo tempo meditado?
Os
dias esvoaçam e se juntam no amontoado
Cinza
das horas, a zumbir no cemitério.
Meus
anos monges em calmo eremitério,
Formando
mantos de pano redobrado,
Com
poucos restos de vida tracejado,
No
tempo escuso de meu velho despautério.
E
como posso esse passado reviver,
Que
em sepulturas já foi mumificado?
Será
que o posso ter somente na lembrança?
Preces
vermelhas, sem deixar sangue escorrer,
Não
mais que branco som exsanguinado,
Em
débil uivo, sem voltar a ser criança...
PRECE
VERMELHA III
Vermelha
é a prece que se doura em sangue...
Para
onde foram tantas rezas que lancei,
As
ladainhas que com o tempo disputei,
Qual
a narina que lhes cheirou seu tangue?
Antigamente,
cada deus enlangue-
escia
com a carne que queimei (*)
sobre
os altares em que óleo derramei,
minhas
largas piras ressecando cada mangue.
(*)
Aqui há um emprego da Sinafia.
Para
onde foi a fumaça do holocausto,
Dessas
rezas proferidas sobre os joelhos?
Pois
não foi feito o sacrifício de uma vez?
Porém
dos últimos círios sobe o hausto
Para
as narinas ressecadas desses velhos
Santos
antigos em quem nem mais tu crês!
PRECE
VERMELHA IV
Doze
de Outubro... Dia da Criança,
Que
já morreu há muito dentro em mim,
Pureza
imaginada e ressecada assim,
Na
lenha inútil e persistente da esperança.
Resta
a fumaça das velas, que descansa
Por
um momento, do suplicar sem fim
A tal
padroeira de ébano e alecrim
Com
quem celebram hoje sua aliança.
Restam
as horas que não cessam de escorrer,
No
coração a me bater prece encarnada,
Na
vasta sístole e diástole da vida,
Que
prece alguma conseguirá deter,
Por
sua essência em si mesma devorada,
Por
mais que a queira do passado devolvida...
IMPÍSSIMA TRINDADE
I – 13 OUT 14
Vem-me do fundo da
alma meus fantasmas
que se geraram de
meus próprios sentimentos,
insubmissos ao
poder dos julgamentos,
acorrentados por
cadeias de miasmas;
vagos duendes no
prazer com que me orgasmas,
na habitação dos
descontentamentos;
eles se aprestam
sem ter impedimentos,
buscando
controlar-te quando pasmas...
Tu tens os teus e
os meus também possuo;
possuem os próprios
também todos transeuntes:
as mais das vezes
por eles são possuídos;
já meus controles
com esforço eu suo,
para mantê-los sob
grades e rejuntes,
numa implosão de
neurônios comprimidos.
IMPÍSSIMA TRINDADE
II
Não sei se podes
controlar os teus
ou se, ao invés, a
ti eles controlam;
em ocasiões, a mim
mesmo me enrolam,
quando meus dias
são escuros como breus;
sobre mim lançam as
suas redes como arpéus
e desde o cerebelo
então me assolam,
aproveitando os
descuidos e me esfolam,
mas mesmo ímpios,
eles nunca são ateus;
que nos momentos de
revolta, eu os criei;
senão em deuses, em
mim decerto creem,
de mim dependem
para a sobrevivência;
mas desde a
adolescência os dominei
e pesadelos em mim
novos não se veem,
por mais que uivem,
impantes de veemência.
IMPÍSSIMA TRINDADE
III
Como são ímpios,
devo eu então ser puro,
para em meu sangue
poderem-se banhar;
Mostradamus em
demiurgo a se mostrar,
tal qual se fora do
mundo amo seguro;
Avendago, seu
preposto no conjuro
dos bens da Terra;
de fato, a controlar
as energias que
conseguiu amealhar
no hipotálamo do
poder mais obscuro.
Valfada finge
distribuir o amplexo
de cada abraço que
encontrei na vida,
como se fosse de Afrodite
a encarnação.
Mas os contemplo e
lhes empresto nexo
e se derramam na
corrente desmedida
dos versos rudes de
minha exultação.
IMPÍSSIMA TRINDADE
IV
Trago na mente os
três ímpios feiticeiros,
que em sonho e vida
me querem controlar.
Mostradamus pretende
ser senhor sem par
deste planeta até
seus planos derradeiros.
Tesouros Avendago
promete-me, altaneiros
e Valfada mil
amores me brindar;
nos meus ergástulos
os busco conservar
e transformá-los em
sonhos altaneiros.
Mais por angústia,
que por dons interesseiros
dos pantanais
respirei o morto tangue
e nas minhas veias
os acolhi por caridade,
na redenção de meus
três ímpios feiticeiros,
mediante a longa diálise de meu sangue,
os transformei na
mais limpíssima trindade.
ORVALHO
VERMELHO I – 14 OUT 14
Meu
coração são pétalas de fogo
de cada
amor que me parece sem remédio;
nelas
me vejo despetalar de tédio
e assim
me esforço para extirpá-lo logo;
emaranhados nos dados desse jogo,
meus braços pulsam, no diário assédio,
enquanto fichas se acumulam em tal nédio
apostar da vida inteira em fátuo rogo.
Que sempre apostas se perdem para a casa:
é quem mais lucra em cada prestação,
perdida a fé a cada entardecer...
Mas a esperança ressumbra em toda vaza,
que a cada noite em que arranco o coração
já o encontro recomposto ao amanhecer...
ORVALHO
VERMELHO II
Este
campo que eu rego interiormente,
é
cor-de-rosa, salmão ou encarnado;
cada
nuance se faz rubro acarminado,
cada
medula de escarlate complacente...
A relva cresce em meu pulmão, frequente;
e pelo vento das narinas é agitado
esse azevém nos alvéolos espalhado:
longa essa saga em seu jaez potente...
Chamas percorrem as sendas arteriais,
correm chispas fulgurantes pelas veias,
leves faíscas perlustram capilares;
os rins e fígados os rudes materiais
a transformar nas límpidas cadeias
de ouro vermelho em sagas singulares...
ORVALHO VERMELHO III
E é nesse fogo sólido que agito
que aposto contra o mundo diariamente,
que o poderei dominar completamente,
não ele a mim! – por meu vibrante grito.
E a cada célula e neurônio ainda incito
a devorar a região circunjacente,
toda a energia a captar alvinitente
e a transformá-la no magenta de meu fito.
O alimento que consumo o faço em fogo
e minha bebida num vapor transformo,
enquanto dores e temores lanço a esmo
e o desgaste do universo desafogo,
enquanto estrelas inteiras eu reformo
nas mais vastas galáxias de mim mesmo.
ORVALHO
VERMELHO IV
Assim
eu rego minhas próprias pradarias
com o
orvalho encarnado da pujança,
verde-encarnada
até a minha esperança,
enquanto
a mim restarem energias.
Formosa estrela, que dentro em mim luzias
e que não cansas de bater, em longa dança,
é nesse brilho que se acha a minha bonança,
mas até quanto ainda me sustentarias?
Essa é uma aposta que faço contra o mundo:
trovoada leve, sem nunca descansar;
um fogo brando e eterno a crepitar...
Sobre meu pano vermelho mais profundo
eu rolo os dados na justa mais secreta,
enquanto a esfera sacode minha roleta...
PÉS DE
OIRO I – 15 OUT 14
eu te darei o sol de
agosto e a Metade
do sol de fevereiro e à
noite Plena,
branca tua pele, igual que uma Açucena,
se
bronzeará sem resquício de Maldade.
com ozônio, eu te darei à Saciedade
um bloqueador solar, que te Envenena
a luz do sol que aos outros, nesta Cena
envolvem corpos em cortinas de Vaidade.
pura falta de critério, o mais das Vezes:
“o que é bonito, deve ser Mostrado!”
mas quantas vezes só se expõe o Imperfeito!
e o que
era belo, no perpassar dos Meses,
vai
decaindo, talvez por Devorado
pelos
olhos das outras, em Despeito!
PÉS DE OIRO II
sobre tua pele se aprofunda o Sol,
nessa
conquista da umidez do Solo;
fatal o abraço desse deus Apolo,
a quem te expões sob o facho do Farol!
ainda que marches somente no Arrebol,
no enviesado que te marcheta o Colo,
betas e gamas te espargem leve Dolo,
por entre os poros penetrando qual Anzol.
só por isso, não darei os dias de Praia
em que a maioria vai-se Expor,
suor e odor rescendentes no Calor,
mas o
suave da Lua que se Espraia
e te
recobre ombros e coxas em Desvelos,
feita
em coroa prateada de Cabelos...
PÉS DE OIRO III
pois mesmo quando empregam Bloqueador
desde a
face, nos seios, na Cintura,
ombros e coxas no frescor da Tessitura,
as panturrilhas recobertas com Fervor,
ainda duvido que esse sumo Protetor
coloquem em seus pés, carne Obscura,
perdida junto à areia, em que Perdura
a radiação que lhes reflete, com Ardor,
nos pés de carne, já em nuance mais Marrom:
fina é a pele da camada Superior
e é por ali que se introduz cada Janeiro,
os pés
de ouro em progressivo Tom
da
refração, em sua escala Multicor,
num
leve adejo, que te assalta Sorrateiro...
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