quinta-feira, 16 de outubro de 2014







PARARREALIDADE & MAIS
William Lagos

PARARREALIDADE I (2006)

Sonhos existem que são mais que sonhos,
especialmente os dons do devaneio
que, de olhos abertos, sem receio,
te perscrutam os cenários mais bisonhos...

Sonhos existem que levam à loucura,
quando o mundo colorem de impossível,
indigno de um viver, no inexaurível
cadenciar de monótona tortura...

Mas temos sonhos belos, envolvidos
no rolo das sinapses, repetidos
a cada vez que nos damos a Morfeu.

Quais ninguém pode roubar de tua ilusão:
por mais que te atormente o coração,
nunca te esqueças de que esse sonho é teu. 

PARARREALIDADE II – 6 OUT 14

Li certa vez que certa máquina inventaram
para gravar os sonhos que alguém tinha;
por enquanto, é ficção, mas se avizinha,
pois quantos sonhos de papel se realizaram!

Foram profetas esses que espalharam
ideias seminais em longa linha
de doze ou quinze décadas e que a minha
mente e vida tão a fundo influenciaram.

Hoje esses sonhos, em parte numerosa,
se tornaram reais.  Pois quem diria,
cinquenta anos atrás, que até crianças

carregassem por aí, sem grande prosa,
seus celulares e cada rosto se veria
copiado nessas telas em lembranças!...

PARARREALIDADE III

Só me refiro a este exemplo tão comum,
mas já existe a nanotecnologia,
que nos permita operar, sem que se abria
cavidade qualquer em corpo algum.

E essa imagem, que bem conhece cada um,
já há trinta anos, da ultrassonografia,
qual ficção científica se descartaria
há duas gerações, sem a crença de nenhum

desses cientistas de excelente formação,
porém na mente já estratificados,
cada academia a combater a mais recente,

tal qual se fosse a mais completa negação
de seus conhecimentos mais prezados,
cuja obsolescência contudo se pressente...

PARARREALIDADE IV

E no entretanto, o que sonharam sonhadores
hoje entre nós já se apresenta diariamente;
costumes, roupas, até alimento diferente,
qual contemplaram esses tais contempladores,

da transformança os reais transformadores,
mas sem que o povo se acostume, realmente;
cada emoção a demonstrar-se resistente
a tais coisas que mudaram os mudadores...

Por isso a atual recrudescência do tribal,
nessas danças coletivas e ruidosas
e nos piercings, livre sexo e tatuagem,

as novas drogas em realidade artificial,
na rejeição das conquistas fabulosas,
que não aceitam, por falta de coragem...

DEVANEIOS I – 7 SET 14

Hoje precisas de sabores acendrados,
porque os suaves não distingues mais;
já esgotaste os quatro flavores naturais
e vais em busca dos mais sofisticados...

Não que o sejam. São desculpa dos cansados,
velhos prazeres já perdidos no jamais,
abandonados por puramente artificiais,
pelas fraquezas dos sentidos adotados.

Porque escutaste sons altos demais
e se acham ressentidas tuas cocleias:
terá de ser reforçada a bateria...

Teus olhos gastos perante os terminais
dos monitores e videoguêimes, em epopeias
em que o quiasma com esforço mais sofria.

DEVANEIOS II

Teu paladar com o fumo desgastou-se:
tabaco, ópio, no baseado da maconha,
todo o sabor perdido na bisonha
colônia papilar, que já queimou-se...

A percepção dos odores também foi-se;
os cheiros fortes superam a pamonha:
escapamentos e os gases que se exponha
diante de ti, no mais violento coice.

Sobra-te o tato, talvez, igual que ao cego,
que quase tudo reconhece pelos dedos,
se não queimaste as polpas pelo crack...

Sacerdote não sou e nada prego,
mas pede a teu passado seus segredos:
talvez retornem, ao som de um atabaque...

DEVANEIOS III

Até o sexo perdeu-te seu sabor,
experimentando, talvez, trocas demais;
já precisas de estimulantes artificiais,
não basta apenas o estímulo do amor...

Havia segredos no feminino odor,
na visão de tornozelo e nada mais...
Corpos desnudos hoje visões tão naturais
que mal despertam o desejo do sexor.

Por isso a busca de tantas perversões,
em que o sofrer se transformou em erótico,
a morte alheia a despertar o adormecido;

a própria morte a alimentar as ilusões,
nas fantasias do encontro mais despótico,
sem que outro amor possa em ti ser concebido.

LÁGRIMAS BRANCAS I – 8 out 14

Ela virá, a se queixar do frio,
e outro café tomarei, alegremente,
que nossa união se afirme mais potente
contra o frio que ma trouxe do arredio.

Bem raramente para fora espio
e sinto dentro em mim o impertinente
queimor do frio.  É sempre o dia quente
que me arranca da alma um calafrio.

Portanto, em meus encontros tão somente
o abraço do calor tem acolhida,
o frio da rua totalmente de vencida,

no meu espírito a força da semente
que dentro de sua alma brotará
e nesse instante do frio a aquecerá.

LÁGRIMAS BRANCAS II

Ela virá a se queixar de dores:
com quarenta gotas de analgésico as apago;
para as minhas, peço a ajuda de Avendago,
o bruxo amigo de tantos meus pendores.

Peço a Valfada que apoie os meus amores,
a cada vez que de lágrimas me alago;
ela sorri e proporciona todo o afago:
não são de sangue meus olhos predadores.

Vertem apenas lágrimas incolores,
ou talvez, levemente amareladas,
lágrimas secas nas comissuras encarnadas;

lágrimas brancas, porém, quais meus suores,
enquanto enfrento o calor da madrugada,
que alfim me extingue e me reduz a nada.

LÁGRIMAS BRANCAS III

Tenho outro bruxo, de nome Mostradamus:
não é o famoso Michel-Renaud de Notre-Dame,
não o profeta que qualquer tolo proclame;
o que ele faz e agitar-me os ramos

e minha sorte lançar em brancos panos,
novos Purim que só para mim chame; (*)
meu mau destino que para outrem dane
e numa vida melhor nos encontramos...
(*) As sortes que os judeus lançavam sobre o manto divinatório.

Mas o problema são as vidas paralelas
que seguem outras mil igual a mim,
cada uma em seu setor do pluriverso;

magia e milagres sob a luz de estrelas,
mas que se pode conjurar somente assim:
forçando outrem a um destino mais perverso.

LÁGRIMAS BRANCAS IV

Pois veja bem.  Ninguém pode imaginar
o que Deus não tenha feito de antemão;
seus olhos sempre sobre nós estão:
princípio, meio e fim a contemplar;

fora do tempo a Divindade a ministrar
as consequências de cada uma decisão.
Pois não prevê.  Somente vê cada ocasião.
Já está feito.  Nada há a modificar.

Mas como então um milagre se promete:
“Pedi e recebereis; buscai e achareis,”
e até mesmo: “Batei e abrir-se-vos-á?”

É que há um leque de possíveis, qual confete
e em qualquer ponto se encontra o que quereis,
pois de que forma outro futuro se abrirá?

LÁGRIMAS BRANCAS V

E se pedirmos com fervor bastante,
somos inscritos em outra linha temporal,
em que não vemos mais o antigo mal,
porém aquele que pedimos nesse instante.

Essa doutrina, assaz interessante,
vem do Talmude de forma imemorial,
nos escritos dos rabinos, afinal,
para explicar esse fato deslumbrante.

Porém o mal que a nós antes acomete,
não desaparece pura e simplesmente:
o que fazemos é trocar nosso lugar

para outro orbe que no nosso se intromete;
outro de nós, por equilíbrio pertinente,
também trocando, o intercâmbio a confirmar.

LÁGRIMAS BRANCAS VI

Deus sabe o que fez.  E assim recolhe
a quem a troca causou menos lamentar;
pior seria o destino do avatar:
duplo milagre numa troca que não tolhe.

Mostradamus já viajou por esse molhe
e também trocas consegue efetivar;
mas só de um lado se poderá apreciar
essa estranha mudança que se colhe.

E assim Valfada favorece meus amores
e Avendago para a dor me torna exangue,
mas outro de mim recebe sortes mancas

e desse modo sofre os maus pendores,
toma o destino de minhas lágrimas de sangue,
enquanto cabem a mim lágrimas brancas...

ECLÂMPSIA I – 9 OUT 14

NÃO DUROU MAIS QUE PASSEIO
ESSA ESTADIA DO AMOR,
TALVEZ COM CERTO RECEIO
DOS EFEITOS DESSES ARDOR:
QUE SE TORNASSE MAIOR
QUE NO MOMENTO EM QUE VEIO,
QUE ME EXIGISSE ESTERTOR
SE FICASSE DE ENTREMEIO.

PORÉM EXPLOROU-ME TODO
NESSA SUA CURTA EXISTÊNCIA,
AMA E SENHORA DE MIM,
INDIFERENTE À SEU MODO,
NUM TREJEITO DE IMPACIÊNCIA,
AO RETIRAR-SE POR FIM.

ECLÂMPSIA II

AMOR PERCORREU MEU CORPO,
PALMILHOU CADA CAMINHO,
REVESTIDO DE CARINHO,
MESMO NA FALTA DE RIMA...
AMOR PERCORREU MEU CORPO,
PALMILHOU-ME CADA VEIA,
CADA GOLE E CADA CEIA,
A DEGLUTIR-ME A AUTOESTIMA.

DEPOIS, AMOR AFASTOU-SE,
SEM NEM OLHAR PARA TRÁS,
DE GERÂNIOS EM FRAGRÂNCIAS;
SEM PALAVRAS, RETIROU-SE,
COMO CEDO OU TARDE O FAZ,
A BUSCAR NOVAS ESTÂNCIAS.

ECLÂMPSIA III

AMOR SE FEZ EM PROMESSA,
RESSECADA PELA MORTE,
DESSICADA PELA SORTE,
NA MEMBRANA MAIS ESPESSA,
AMOR SOB EFEITO DESSA
AFECÇÃO DE MAU PORTE,
AMOR COM PALOR DE MORTE,
BEM MELHOR ATÉ QUE O ESQUEÇA.

NESSA SAUDADE ECTÓPICA,
MEIOSE FEITA MITÓTICA,
AMOR DE PERDIDA ÂNSIA,
DE ÓLEO OCULTA EM FRAGRÂNCIA,
QUAL EXALTAÇÃO ROBÓTICA,
NUM ESTERTOR FEITO ECLÂMPSIA.

ECLÂMPSIA Iv

AMOR, DOCE INFECÇÃO,
QUE ENVENENOU-ME OS SENTIDOS,
MEUS HUMORES MAL NUTRIDOS,
EM GENTIL IMPRECAÇÃO,
GRAÇA DE ÍMPIA EMOÇÃO,
SERPENTIFORMES GEMIDOS,
SEQUER POR MIM MESMO CRIDOS,
DESULTÓRIA COMUNHÃO.

AMOR BREVE ENFATUAÇÃO,
COLORIDA DE RESERVA,
MEU AMOR DE IDEAL DESFEITO,
BEGÔNIA EM FECUNDAÇÃO,
DERRAMADA SOBRE A ERVA
A SEMENTE DE MEU PEITO.

lavradio I – 10 out 14

porque eu desisto facilmente em tudo
quanto envolva qualquer competição,
muita coisa perdi no sem-razão
das disputas constantes do olhar mudo;

quanto me toca só a mim, contudo,
sempre me esforço ao máximo em questão
de baixar a cabeça em comunhão
com meu teclado, que facilmente estudo.

mandar tampouco quero; foi demais
o tempo gasto em responsabilidade
por coisas para as quais sei que não vim;
envolvido em mil tolices imortais,
igual que os versos de tal futilidade
que se tornaram tão somente em outrossim.

lavradio II

quando criança, eu era o último escolhido
para as equipes ou para brincadeiras,
razão de sobra para atitudes sobranceiras,
minha espera muda feita em ideal calado.

vasto futuro assim não abraçado,
no orgulho vão das recusas altaneiras:
que no meu colo caíssem, derradeiras
quaisquer escolhas que tivesse preferido.

mas quanto veio a mim, levei a sério
e realizei com o máximo de empenho,
só os resultados do esforço a apreciar,
desgraça e triunfo a encarar com despautério,
nessa ironia que no olhar contenho,
sem os valores alheios apreciar...

lavradio III

que busquem outros os seus próprios alvos!
quantos eu vi que logo os alcançaram
e seus dias depressa terminaram,
os meus até o presente em sãos ressalvos...

sem me prender a seus desejos calvos,
eles que alcancem o quanto cobiçaram;
para mim basta o quanto desprezaram:
os meus restolhos com cuidados salvos...

que ainda espero a luz de meu futuro
enquanto os outros estiverem esquecidos,
mas caso a veja, será que a apreciarei,
como um diamante a iluminar-me o escuro,
presidindo aos esqueletos desnutridos,
valendo mais do que quanto realizei?

INCOGNITA I – 11 OUT 14

COMO SÃO TOLAS AS MULHERES QUE ACREDITAM
QUE O MUNDO GIRA EM TORNO DE SEUS FILHOS!
ENCAIXADAS ASSIM NOS VELHOS TRILHOS
COM QUE AS MULHERES SEMPRE O MUNDO FITAM.

MAS NEM SEMPRE É ASSIM: HÁ MÃES QUE INCITAM
A ACREDITAR QUE O MUNDO GIRA EM TORNO DELAS
E DESTARTE ELAS SE CREEM, QUANDO SÃO BELAS,
ATÉ O MOMENTO QUE EM SEUS BRAÇOS NENÊS GRITAM.

CUMPRIDA ASSIM VELHA MISSÃO, ENTÃO TRANSFEREM
A ILUSÃO ADIANTE, QUE GIRE EM TORNO DA SEGUINTE
GERAÇÃO, DESSES QUE EM TORNO DELAS GIRAM...

O QUE É ESTRANHO É QUE IGUALMENTE ESPEREM
QUE MIL COMPETIDORES, EM TAL ACINTE,
NO MESMO SOL ORBITEM QUE ELAS MIRAM...

INCOGNITA II

QUANTO A MIM, TENHO A ILUSÃO DE SER PLANETA
QUE ATÉ O PRESENTE NÃO ENCONTROU SEU SOL;
SOU ARREDIO FISGADO EM LENTO ANZOL,
TAL COMO A ÓRBITA EXCÊNTRICA DE UM COMETA.

MINHA ILUSÃO JÁ DE HÁ MUITO NÃO É SECRETA;
DE MUITA ESTRELA PRETENDI SER GIRASSOL;
NUTRI FREQUENTE EM MIM SONHO DE ESCOL,
SEMPRE PERDI-ME EM INESPERADA GRETA...

FORAM-SE OS SÓIS AFASTANDO POUCO A POUCO:
SER PLANETA SOLITÁRIO É O MEU DESTINO,
JÁ SEM IDEAL DE ACHAR LUZ NA ESCURIDÃO;

PORÉM JAMAIS PUDE NUTRIR O SONHO LOUCO
DE SER O CENTRO DE UM MUNDO PEQUENINO,
PERANTE O QUAL REVOLUTEASSE MULTIDÃO...

INCOGNITA Iii

FICOU CLARO PARA MIM, JÁ DESDE A INFÂNCIA,
QUE SÓ SE FAVORECE A PREPOTÊNCIA;
DE CADA ESTRELA, A DEMONSTRAR PACIÊNCIA,
MAIS DO QUE A LUZ, EU SÓ ATRAÍ FRAGRÂNCIA.

Foi aspirada de longe, em larga instância,
Em minhas narinas só restando certa ardência,
Enquanto o astro espraiva-se em potência
E se expandia pelas cavernas da distância.

A minha estrela permanece sendo incógnita
E reconheço não ser bom em matemática:
Meus professores me apagaram tal carinho;

Mas permaneço no encalço dessa insólita
Luz peregrina em apenas vaga estética,
Mas que persiste em se afastar do meu caminho.

PRECE VERMELHA I – 12 OUT 14

As minhas preces para longe transmiti
Dos velhos sonhos na antropofagia;
Minhas semanas mastiguei em nostalgia,
Nas curtas horas em que, afinal, dormi.

Meus longos dias de fato não perdi,
Desgastados em trabalho o que não lia;
No almofariz minhas tristezas remoia;
Com desapontamentos um castelo construí.

Mas faleceram os mil dias que passaram
E não consigo recobrar o tempo tenso,
Que às gargalhadas, escorre por minha mão,

Enquanto vejo que horas de hoje se juntaram
E após sua longa morte, apenas penso
Em presidir à minha própria exumação!

PRECE VERMELHA II

Mas como posso nesse vasto lamastério
Ressuscitar o largo tempo meditado?
Os dias esvoaçam e se juntam no amontoado
Cinza das horas, a zumbir no cemitério.

Meus anos monges em calmo eremitério,
Formando mantos de pano redobrado,
Com poucos restos de vida tracejado,
No tempo escuso de meu velho despautério.

E como posso esse passado reviver,
Que em sepulturas já foi mumificado?
Será que o posso ter somente na lembrança?

Preces vermelhas, sem deixar sangue escorrer,
Não mais que branco som exsanguinado,
Em débil uivo, sem voltar a ser criança...

PRECE VERMELHA III

Vermelha é a prece que se doura em sangue...
Para onde foram tantas rezas que lancei,
As ladainhas que com o tempo disputei,
Qual a narina que lhes cheirou seu tangue?

Antigamente, cada deus enlangue-
escia com a carne que queimei  (*)
sobre os altares em que óleo derramei,
minhas largas piras ressecando cada mangue.
(*) Aqui há um emprego da Sinafia.

Para onde foi a fumaça do holocausto,
Dessas rezas proferidas sobre os joelhos?
Pois não foi feito o sacrifício de uma vez?

Porém dos últimos círios sobe o hausto
Para as narinas ressecadas desses velhos
Santos antigos em quem nem mais tu crês!

PRECE VERMELHA IV

Doze de Outubro...  Dia da Criança,
Que já morreu há muito dentro em mim,
Pureza imaginada e ressecada assim,
Na lenha inútil e persistente da esperança.

Resta a fumaça das velas, que descansa
Por um momento, do suplicar sem fim
A tal padroeira de ébano e alecrim
Com quem celebram hoje sua aliança.

Restam as horas que não cessam de escorrer,
No coração a me bater prece encarnada,
Na vasta sístole e diástole da vida,

Que prece alguma conseguirá deter,
Por sua essência em si mesma devorada,
Por mais que a queira do passado devolvida...

IMPÍSSIMA TRINDADE I – 13 OUT 14

Vem-me do fundo da alma meus fantasmas
que se geraram de meus próprios sentimentos,
insubmissos ao poder dos julgamentos,
acorrentados por cadeias de miasmas;

vagos duendes no prazer com que me orgasmas,
na habitação dos descontentamentos;
eles se aprestam sem ter impedimentos,
buscando controlar-te quando pasmas...

Tu tens os teus e os meus também possuo;
possuem os próprios também todos transeuntes:
as mais das vezes por eles são possuídos;

já meus controles com esforço eu suo,
para mantê-los sob grades e rejuntes,
numa implosão de neurônios comprimidos.

IMPÍSSIMA TRINDADE II

Não sei se podes controlar os teus
ou se, ao invés, a ti eles controlam;
em ocasiões, a mim mesmo me enrolam,
quando meus dias são escuros como breus;

sobre mim lançam as suas redes como arpéus
e desde o cerebelo então me assolam,
aproveitando os descuidos e me esfolam,
mas mesmo ímpios, eles nunca são ateus;

que nos momentos de revolta, eu os criei;
senão em deuses, em mim decerto creem,
de mim dependem para a sobrevivência;

mas desde a adolescência os dominei
e pesadelos em mim novos não se veem,
por mais que uivem, impantes de veemência.

IMPÍSSIMA TRINDADE III

Como são ímpios, devo eu então ser puro,
para em meu sangue poderem-se banhar;
Mostradamus em demiurgo a se mostrar,
tal qual se fora do mundo amo seguro;

Avendago, seu preposto no conjuro
dos bens da Terra; de fato, a controlar
as energias que conseguiu amealhar
no hipotálamo do poder mais obscuro.

Valfada finge distribuir o amplexo
de cada abraço que encontrei na vida,
como se fosse de Afrodite a encarnação.

Mas os contemplo e lhes empresto nexo
e se derramam na corrente desmedida
dos versos rudes de minha exultação.

IMPÍSSIMA TRINDADE IV

Trago na mente os três ímpios feiticeiros,
que em sonho e vida me querem controlar.
Mostradamus pretende ser senhor sem par
deste planeta até seus planos derradeiros.

Tesouros Avendago promete-me, altaneiros
e Valfada mil amores me brindar;
nos meus ergástulos os busco conservar
e transformá-los em sonhos altaneiros.

Mais por angústia, que por dons interesseiros
dos pantanais respirei o morto tangue
e nas minhas veias os acolhi por caridade,

na redenção de meus três ímpios feiticeiros,
mediante  a longa diálise de meu sangue,
os transformei na mais limpíssima trindade.

ORVALHO VERMELHO I – 14 OUT 14

Meu coração são pétalas de fogo
de cada amor que me parece sem remédio;
nelas me vejo despetalar de tédio
e assim me esforço para extirpá-lo logo;
emaranhados nos dados desse jogo,
meus braços pulsam, no diário assédio,
enquanto fichas se acumulam em tal nédio
apostar da vida inteira em fátuo rogo.
Que sempre apostas se perdem para a casa:
é quem mais lucra em cada prestação,
perdida a fé a cada entardecer...
Mas a esperança ressumbra em toda vaza,
que a cada noite em que arranco o coração
já o encontro recomposto ao amanhecer...

ORVALHO VERMELHO II

Este campo que eu rego interiormente,
é cor-de-rosa, salmão ou encarnado;
cada nuance se faz rubro acarminado,
cada medula de escarlate complacente...
A relva cresce em meu pulmão, frequente;
e pelo vento das narinas é agitado
esse azevém nos alvéolos espalhado:
longa essa saga em seu jaez potente...
Chamas percorrem as sendas arteriais,
correm chispas fulgurantes pelas veias,
leves faíscas perlustram capilares;
os rins e fígados os rudes materiais
a transformar nas límpidas cadeias
de ouro vermelho em sagas singulares...

ORVALHO VERMELHO III

E é nesse fogo sólido que agito
que aposto contra o mundo diariamente,
que o poderei dominar completamente,
não ele a mim! – por meu vibrante grito.
E a cada célula e neurônio ainda incito
a devorar a região circunjacente,
toda a energia a captar alvinitente
e a transformá-la no magenta de meu fito.
O alimento que consumo o faço em fogo
e minha bebida num vapor transformo,
enquanto dores e temores lanço a esmo
e o desgaste do universo desafogo,
enquanto estrelas inteiras eu reformo
nas mais vastas galáxias de mim mesmo.

ORVALHO VERMELHO IV

Assim eu rego minhas próprias pradarias
com o orvalho encarnado da pujança,
verde-encarnada até a minha esperança,
enquanto a mim restarem energias.
Formosa estrela, que dentro em mim luzias
e que não cansas de bater, em longa dança,
é nesse brilho que se acha a minha bonança,
mas até quanto ainda me sustentarias?
Essa é uma aposta que faço contra o mundo:
trovoada leve, sem nunca descansar;
um fogo brando e eterno a crepitar...
Sobre meu pano vermelho mais profundo
eu rolo os dados na justa mais secreta,
enquanto a esfera sacode minha roleta...

PÉS DE OIRO I – 15 OUT 14

   eu te darei o sol de agosto e a Metade
   do sol de fevereiro e à noite Plena,
  branca tua pele, igual que uma Açucena,
  se bronzeará sem resquício de Maldade.
com ozônio, eu te darei à Saciedade
um bloqueador solar, que te Envenena
a luz do sol que aos outros, nesta Cena
envolvem corpos em cortinas de Vaidade.
pura falta de critério, o mais das Vezes:
“o que é bonito, deve ser Mostrado!”
mas quantas vezes só se expõe o Imperfeito!
e o que era belo, no perpassar dos Meses,
vai decaindo, talvez por Devorado
pelos olhos das outras, em Despeito!

PÉS DE OIRO II

                                 sobre tua pele se aprofunda o Sol,
                                     nessa conquista da umidez do Solo;
                               fatal o abraço desse deus Apolo,
a quem te expões sob o facho do Farol!
ainda que marches somente no Arrebol,
no enviesado que te marcheta o Colo,
betas e gamas te espargem leve Dolo,
por entre os poros penetrando qual Anzol.
só por isso, não darei os dias de Praia
em que a maioria vai-se Expor,
suor e odor rescendentes no Calor,
mas o suave da Lua que se Espraia
e te recobre ombros e coxas em Desvelos,
feita em coroa prateada de Cabelos...

PÉS DE OIRO III

pois mesmo quando empregam Bloqueador
                   desde a face, nos seios, na Cintura,
                            ombros e coxas no frescor da Tessitura,
                         as panturrilhas recobertas com Fervor,
ainda duvido que esse sumo Protetor
coloquem em seus pés, carne Obscura,
perdida junto à areia, em que Perdura
a radiação que lhes reflete, com Ardor,
nos pés de carne, já em nuance mais Marrom:
fina é a pele da camada Superior
e é por ali que se introduz cada Janeiro,
os pés de ouro em progressivo Tom
da refração, em sua escala Multicor,
num leve adejo, que te assalta Sorrateiro...







William Lagos
Tradutor e Poeta
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com







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