EM FAVOR DA VIDA & MAIS
Novas Séries de William Lagos
PROBIÓTICO I – 17 dez 06
É a vibração de ti, a meu redor,
que assim me ondula, sípida e exigente, (*)
bem mais que o movimento, tão frequente,
com que me lanço a ti, em pleno ardor.
E, ao mesmo tempo, é a forma que me tocas,
a pressão de teus dedos sobre a pele,
um tal carinho que me faz anele
a contaminação total de nossas bocas.
Do mesmo modo que as almas contaminam
e as mentes infeccionam a paixão,
quando se juntam muito intimamente.
E, mesmo quando a outros se destinam,
os lampejos do olhar, sinto somente
essa virose tua ao coração.
(*) Sípida = Saborosa.
PROBIÓTICO
II (22 MAR 15)
Não
obstante, os seres partilhamos
que
audazes flutuam em cada beijo,
bactérias
e vírus nesse ensejo,
outros
micróbios quando nos tocamos.
Mas
outras vidas existem, se buscamos
os
pensamentos a flutuar em cada adejo,
a
timidez do sentimento em cada pejo,
sonhos
impuros em seus ideais insanos...
Foi
por isso que adotei a probiótica:
que
se mantenha a vida desses seres,
reproduzidos
em mil populações,
sem
sofrer a destruição antibiótica,
a
interferir com as tristezas e prazeres
de
nossas mútuas interpenetrações!
PROBIÓTICO
III
Dizem
cientistas que amor são endorfinas
a que
os feromônios dão origem;
destarte,
as emoções que nos afligem
são
do amor frutas somente pequeninas
e
esses anseios com que me assassinas
só
durarão enquanto os hormônios vigem;
mas
certamente minhalma inteira impingem
as
doces lágrimas com as quais tu me iluminas!
Contudo,
até hoje não descobriu a ciência
em
que local se localiza a alma
e por
não vê-la, muitos mesmo a negam;
mas é
na alma que se expande essa potência
que
me perturba o sono e tira a calma,
não
só no corpo, tal qual eles alegam!
PROBIÓTICO IV
Qual de nós dois ao outro contamina
com a moléstia febril dos
sentimentos?
Qual de nós dois impõe seus
julgamentos
nessa contínua saga vespertina...?
Qual de nós dois à outra peregrina,
no louco lance de seus
consentimentos,
na adulcorada busca dos momentos
em que teu corpo canta e o meu se
inclina?
E eu busco assim contaminar o olhar
com a visão perpétua do teu ser,
não somente para instante de prazer,
mas para essa tal doença perpetuar
todos os tempos deste meu viver,
ainda que o possa tão somente
contemplar!
SOCIOGRAMA I – 17 dez 06
É no encanto de ti que
me aprisiono
a alma e o
coração... Eu sou pecado,
porque meu próprio
desejo, amortalhado,
enfiei no sudário, sem
que o sono
da morte o tivesse
primeiro acometido.
Assassinei-me a mim,
tornei-me tu,
busquei o teu prazer
primeiro, o gozo nu
de te agradar, mesmo sem
ser querido.
Que existe crime também
no altruísmo,
sempre que ardor destrói
uma paixão,
por ser maior que o
próprio coração,
quando um amor se torna
neologismo
e se permite assim,
nesse truísmo,
amar primeiro a fímbria
da ilusão...
SOCIOGRAMA II – 23 mar
15
Assim fui infiel – que
mais amei
o riso de meus versos,
sem segredos,
que a sombra pura que
corre de teus dedos
e que nas folhas de
papel adulterei.
Nas papilas nasais eu te
busquei:
jorro o perfume nos meus
cantos ledos,
a incandescente
redolência de meus medos,
quando minhas próprias
narinas assaltei!
Como se expande ao
computador a essência
que recompassa o
feminino odor?
Predominam ali só o
plástico e o elétrico!
Com seu flavor de metálica
presciência
digitalmente
circunscrevendo o amor
em ideogramas de pendor
estético!...
SOCIOGRAMA III
E fui também às papilas
gustativas,
sobre minha língua teu
beijo em seu sabor,
que ali perdura mais
além do amor,
nessas memórias apenas
redivivas!
E o comparei com as
prendas olfativas,
alcandoradas no espanto
do vigor
desse toque sonoro e
multicor
da exploração em horas
proativas!
Sem que aguardássemos
somente a reação,
mas provocando maior
excitação
pelo olhar, pelo ouvido
e pelo tato!
Enquanto assim se
expandia o coração
ao quanto mais se
encolhe o teu recato
e me penetra a luz de
teu olfato!
SOCIOGRAMA IV
E novamente, onde se
acha tal sabor
na tela fria e dura e
cintilante,
que me contempla sem
olhar de amante,
no espelho cego de meu
computador?
Como transmito o som
desse frescor
que sinto na tua pele
deslizante?
E de que forma o rosto
cintilante
da amada insiro em seu
gélido palor?
Somente posso as
fotografias mortas
reduzir a mil pixeis
oscilantes,
na intermitência da alta
resolução,
não mais vivas que o
ácido em retortas,
a borbulhar nas nuvens
cintilantes
dessa constante e fria
renovação!...
AS JOVENS DE ROMA LII (18 dez 06)
SALÚSTIA
ELA CHAMOU-ME A SI COM TAL FREQUÊNCIA
QUE A MENTE E CORAÇÃO ME DOMINOU;
BUSQUEI-A, ENTÃO, APENAS COM DECÊNCIA,
E, EM LAÇOS DE AMIZADE, ME ENLEOU...
DORMIMOS NO SEU LEITO E NOS AMAMOS
NA MAIS INTENSA E TOTAL EXALTAÇÃO;
ENALTECIDOS ASSIM, NOS ENTREGAMOS
AOS MINUCIOSOS CAPRICHOS DA PAIXÃO.
PORQUE SEU VENTRE É CERTO QUE QUERIA,
MAS POR AMAR INDA MAIS A NOSTALGIA,
NÃO MAIS A PROCUREI, DEIXEI-A, ENFIM,
POR NELA DESCOBRIR, QUASE PERPLEXO,
QUE NÃO QUERIA AMOR, QUERIA SEXO,
POR MAIS QUE TAL DESEJO HONRASSE A MIM.
AS JOVENS DE ROMA LIII (18 dez 06)
SERVÍLIA
A CULPA NÃO FOI MINHA: FOSTE TU
QUE NO JOGO DO PODER TE APRIMORASTE,
QUE EM MANTER TOTAL CONTROLE
PERSISTISTE,
POR MAIS QUE TE MOSTRASSE, COM
PACIÊNCIA,
QUE NÃO TE ERA POR SENTIR SUBSERVIÊNCIA
QUE TE FAZIA AS VONTADES. TROUXE A
NU
MEU CORAÇÃO E NELE TRIPUDIASTE,
ATÉ QUE AMORTECER-ME CONSEGUISTE.. .
MAS, AINDA ASSIM, SÓ QUERO RETORNAR,
QUERO SER TE[UA] DE NOVO NA JORNADA,
E UM GRANDE E PURO AMOR TE PRESENTEAR.
NÃO TENS NADA A PERDER, TUDO A GANHAR,
ESTOU TE DANDO, SEM TE PEDIR NADA,
PELO SIMPLES PRAZER DE ACARINHAR...
AS JOVENS DE ROMA LIV (19 dez 06)
VALÉRIA
EU ME ENTREGUEI A ELA, TOTALMENTE:
DEI-LHE O TRIGO DE MIM, MOÍ MINHA
ESPIGA,
FUI LÊVEDO E CERVEJA, FUI AURIGA,
ATRAVÉS DOS LABIRINTOS DE SUA MENTE.
EU DESCUREI DE MIM, PENSEI MAIS NELA,
DO QUE EM CONSERVÁ-LA: DEI-LHE CHANCE
DE SE SENTIR ALÉM DO MEU ALCANCE
E, AGORA, QUANDO OLHO DA JANELA,
SOU RESTOLHO DE MIM, NÃO MAIS QUE PALHA,
DEI-LHE O CERNE DE MIM, PAGUEI-LHE A
ALMA,
E ME ESPALHEI EM VERSOS, ENCANTADO,
ABANDONADOS À BRISA, QUE OS ESPALHA...
E DESCOBRI QUE ERAM RETALHOS DESSA ALMA,
AO VER O VENTO A MEU REDOR
ENSANGUENTADO.
BOROBUDUR
I – 19 dez 06
A luz
que se reflete em minhas lupas
é como
meias-luas semibaças,
de
esquálido fulgor, flores escassas,
a
refulgir nas ruínas das estupas (*)
(*)
Pequenas torres nos templos orientais.
dos
templos mortos, no calor de antanho,
de um
buddha pueril, inda inocente,
sem
esperar tornar-se iridescente
símbolo
sacro de mandala estranho.
Porque
os humanos amam os portentos
em tudo
a seu redor... A transcendência
que
lhes disfarce os laivos de impotência.
E,
assim, à luz da lupa e à voz dos ventos
e ao
sorriso inefável desse buddha
constroem-se
templos que a desrazão escuda.
BOROBUDUR
II – 24 MAR 15
Eis que
Gautama nunca pretendia
ser
tido como deus e mesmo duvidava
da velha
Trindade que o Bramanismo alçava:
em seu
Nirvana seria gota que escorria...
Na
humanidade, mais simplesmente, cria,
quando
a todo o desejo renegava;
que se
tornassem puros esperava,
quando
sequer uma esperança lhes luzia!
Como é
difícil essa tal aceitação!
Quando
se busca a morte do desejo,
haverá
desejo mais forte em sua paixão?
E se o
Nirvana conquistar almejo,
mais
desejo desenvolvo na ambição
que nos
desejos de que antes senti pejo!
BOROBUDUR
III
Assim
Siddharta, que repudiava imagens,
foi endeusado
de forma tão potente
que as
mais comuns figuras desse Oriente
refletem
a concepção de suas visagens...
Quando
o Budismo se espalhou pelas paisagens
que
hoje a China anexou perfeitamente,
desenharam
suas feições quais de sua gente,
traços
hindus descartados das contagens.
Assim,
tornou-se Deus o Iluminado,
presidindo
sobre quiçá seiscentos mil
deuses
menores em amplo henoteismo!... (*)
(*)
Crença em um deus supremo ajudado por deuses menores.,
que
atuam como intercessores.
Estranha
sina para o Vishnu encarnado,
ver-se
descrito com escopro e com buril,
em suas
estátuas meditando sobre o abismo!
BOROBUDUR IV
E sendo
assim a natureza humana,
templos
se erguem com muitos sacerdotes,
pedindo
a iluminação em convescotes, (*)
reunidos
por esmolas nessa chama...
(*)
Banquetes ou piqueniques.
Porém
cada escudela assim proclama (*)
que
ainda buscam do apetite os dotes;
não
perderam o desejo nesses lotes
que
diariamente o estômago reclama!
(*)
Espécie de gamela com que os monges pedem alimentos.
E nem
ao menos se desgastam em orações,
tal
qual se espera dos monges do Ocidente:
giram
moinhos para as substituir!
Em cada
volta ganham mil meditações,
passando
assim em indolência permanente,
sem
flor de lótus em magia produzir!...
CRUZINHA DE NATAL
Cada um de nóS,
Em sonho cristalinO,
Pode ser jesuS.
I N
R I
Cada um de
nóS,
Eu posso
ser o teU,
Voltando a ser
meninO, E tu serás o meU:
Se tornará jesuS...
Tu podes ser jesuS.
E assim, no teu caminhO,
Num sonho pequeninhO,
Também serás jesuS...
E, neste poeminhA,
Que a teu olhar se alinhA,
Meu coração te expuS...
Com amor fraternal, bilL.
12/21/2006
CÁFILA [CARAVANA] I – 27
dez 06
É no anel feminino que
derramo
o sangue de meu ser e a própria
mente...
Meu coração e o corpo,
bem frequente,
se perdem dentro dele,
sem reclamo...
Mas o ano é um anel que
me constrange,
na marcha inexorável de
estações...
Se diariamente me
extingue as ilusões,
para o futuro, sem
cessar, me tange...
E como o anel me prende,
assim o ano
me toma em seus ardores
e demonstra
ser mais concupiscente
que a mulher...
Pois quer apenas
que fecunde o arcano
de seu ventre; mas o
tempo que me encontra
tira-me os dias, sem me
deixar qualquer...
CÁFILA II – 25 MAR 15
Os dias passam em
interminável caravana;
camelos secos, em mim
buscam beber,
quarenta litros de meu
sangue a requerer,
na procissão que demanda
à morte arcana...
Quarenta quilos de sonho
algum reclama,
a cada dia, sem nunca os
devolver;
comem minutos em função
de me comer,
irrecorrível a
incandescência dessa chama!
E na minha ignorância,
busco o sexo,
tal qual se nele o tempo
incorporasse,
nessa parada súbita me
alçasse,
além da morte, com seu
perpétuo nexo,
sem perceber que em tais
mágicas vibrantes
tão somente consumo mais
instantes!
CÁFILA III
Não obstante, o desejo
recrudesce
nessa catálise, em
fúlgida explosão;
parece mesmo, em tal
cintilação,
que o tempo por
instantes emudece!
Em cada orgasmo há
verdadeira prece,
não para um deus
qualquer, vasta noção,
mas para os ancestrais
que já não estão
aqui presentes para o
quanto ele oferece!
E permanece tal anel
como corrente
vermelha e firme a me
prender na vida,
enquanto o anel do tempo
se faz gris,
na lenta marcha para o
fim subjacente
a todo o ideal e à
epopeia perseguida,
até que suma cada
quimera que se quis!
CÁFILA IV
Porém, que seja assim
inexorável
o anel do tempo,
enferrujando cada elo
dessa cadeia genital de
pesadelo,
que se disfarça como
sendo interminável!
Pois só podemos imaginar
como imutável
a ânsia de outro anel,
em seu desvelo,
ansiando pelo cravo em
seu novelo,
cordas de água em um rio
imponderável!
Nele mergulho com os
fantasmas dos avós,
que permanecem
helicoidais no deeneá,
que assim me espiam em
cada célula da vida;
nele me encontro quando
somos nós
a derramar o sangue, em
que não há
senão a raça por nós
sendo compelida!
A DAMA DA DRUSA I – 27 dez 06
Vai ser assim para sempre: um dia me quer,
no outro, nem me olha, demonstra mau humor
e tudo quanto digo, interpreta em desamor:
é como se vivesse no corpo outra mulher...
E é assim no dia seguinte: chega uma outra e outra,
umas me desafiam, outras me querem bem,
é como se tivesse um verdadeiro harém:
porém se alguma ama, já me odeia estoutra...
E a vida assim me corre em singular vigília,
por mais fiel que seja, ciúmes eu percebo:
é como se espreitasse, do fundo de sua mente,
como me relaciono com a outra, que partilha
do mesmo coração... E quase não concebo
que sinta-se zelosa por buscar amor frequente...
A DAMA DA DRUSA II – 26 MAR 15
Algures veem-se, no tecido vegetal
inclusões de calcário ou de outro mineral,
pequenas joias em cada falha material,
que nas tramas celulares se intrometem...
Na folha ou caule ou no cerne em que se metem,
em cada pétala ou pedúnculo que interceptem,
em cada sépala ou fruto em que introjetem,
surgem, às vezes, tais gotinhas de cristal!...
Frequentemente, a planta então enquista
essas pequenas acreções, que pouco mal,
assim aprisionadas, ao todo causarão...
Porém, às vezes, na polpa até se avista
esse nódulo alienígena e brutal,
como um espinho nascido num botão!...
A DAMA DA DRUSA III
Porém nesta mulher, há drusa nalma,
que migra pelo sangue das agruras,
muita vez, se seu nome assim murmuras,
a drusa o encontra e rápida o empalma!
Surgem momento de suspeitosa calma,
leves ausências do viver, perjuras,
como se fossem lágrimas impuras,
a refletir as ansiedades de outra alma!
Há sensações momentâneas de descaso,
quando nos lábios vislumbra-se o desdém,
nesses momentos em que queria companhia...
Tal qual se todo o amor tivesse ocaso,
até que em choque se produza um vaivém
e então, de súbito, para mim sorria!
A DAMA DA DRUSA IV
Mas essa drusa se demonstra seletiva,
quando terceiro ou quarto a acompanha:
nunca revela a intermitência estranha,
mas com bocejo disfarça a ação esquiva.
Fico a cismar se é a confiança que se ativa:
sua crença em mim de certeza tão tamanha,
que não se importa que a veja quando entranha
esses meandros da drusa, em que é passiva!
Ou se, ao contrário, é falta de empatia,
pouco ligando a meus próprios sentimentos,
nesse ergástulo do total ensimesmar,
quando busco identificar qual que surgia,
em desafio a meus melhores julgamentos,
indiferente se me agrada ou vai magoar!...
MEU SORRISO I – 27 MAR 15
Um sorriso de mulher sempre me
corta
algum farrapo da alma, lá no
fundo;
sou atingido no mais íntimo e
profundo,
que sequer o seu formato já me
importa:
vejo a boca a sorrir, gentil ou
torta,
qual ponte aberta para um novo
mundo,
cujo esplendor explore em dom
jocundo
ou então apenas como a chave de
uma porta.
E minha verdade é: caso eu
buscasse
algo mais que o esgar desse
sorriso
e não apenas a mágoa de seu
lanho,
ao invés de que seu gosto
limitasse
à minha inspiração em verso liso,
mais gosto buscaria em rosto estranho...
MEU SORRISO II
Pois nem todas me sorriem, se me
veem;
algumas passam totalmente
indiferentes
ou me avaliam em visões
adstringentes:
não sou melhor do que aquilo que
já têm
ou que ainda buscam, sem achar,
porém,
nada que possa suas fomes deprimentes
satisfazer de formas
consequentes:
guardam sorrisos para o alvo a
que se atêm.
Mas quando em vez, recebo o seu
sorriso
e mais que isso, talvez mesmo um
abraço
inesperado; ou qualquer beijo
social
e tal convite sempre deixa-me
indeciso:
tomo o sorriso apenas e retraço
de seus lábios um contorno
imaterial!...
MEU SORRISO III
Ou então, a mão estendo em puro
roubo
e furto de suas bocas tal
sorriso,
num gesto rápido, sem o menor
aviso,
sem que percebam sequer o meu
arroubo...
Guardo-o no bolso, faminto como
um lobo:
têm elas muitos e deste hoje
preciso,
para o colar de sonhos que mais
viso...
E então se esforçam, por um riso
bobo
substituir o sorriso que
perderam,
no estupor de outro sorriso
alcoólico,
sem entender o que lhes sucedeu,
qual a tocaia em que se
surpreenderam,
nalgum atalho de pendor bucólico,
mas tal sorriso que roubei, se
torna meu!
MEU SORRISO IV
Cada sorriso eu jogo contra o
espelho,
a incorporar-se na lâmina e
cristal;
um tanto leso, me contempla mal e
mal,
nos bastidores de meu rosto
velho;
e perante esses furtos eu me
ajoelho,
todos os cantos preenchidos,
afinal;
com cem sorrisos compus o meu
fanal:
aos atrevidos, eu domo com meu
relho!
Vejo em torno a meu rosto uma
corbelha,
cada sorriso é alma de uma flor,
e mesmo aos falsos permito-me
aspirar;
minha face queimam num rancor de
grelha,
pequenas chamas de nuance
multicor,
que até me iludo de poder
beijar!...
NÃO-DOADOR I
–28 MAR 15
Doar meus
órgãos não pretenderia,
pois quero ser
cremado por inteiro,
como os romanos
do passado alcandoreiro
e à posteridade
eu nada deixaria!
Afinal, por
longo tempo escreveria,
pensando doar,
em verso condoreiro,
que nem meu
nome levasse interesseiro,
mas a mensagem
que ali transmitiria!
Minha carne já
me traz problemas belos,
não corre o
sangue tal qual quando era moço,
mesmo que tenha
o “sangue universal”,
porém mais
universais são meus anelos
de descrever do
ser humano o esboço,
sem pretender
jamais ser imortal...
NÃO-DOADOR II
Se meus órgãos
doasse, seguiria
mais longo
fardo de carne a suportar;
em mais de um
leito poderia despertar
e em diversas
sepulturas jazeria!
Talvez seis
outras vidas salvaria,
mas quais
tristezas iriam confrontar?
Missão teriam
para desempenhar
ou seu viver
para nada serviria?
De qualquer
modo, já sou velho demais;
dificilmente um
cirurgião retalharia
esse botim de
meus restos mortais!
E de fato, o
que mais desejaria
era uma pira de
resinas naturais,
na qual inteiro
me consumiria!...
NÃO-DOADOR III
O quanto tinha
a doar, já distribuí;
não me parece
que alguém tenha completado
semelhante
procissão de verso alado,
tal qual eu fiz
nesse tempo em que vivi.
Talvez em
épicos, antigos versos li
número igual
num só poema compilado,
mas o meu canto
é muito variegado:
tantos milhares
de sonetos que escrevi!
E ainda espero
muito mais que se apresente,
a doar retalhos
assim do coração,
do fígado, dos
rins e até da alma,
à noosfera, em
mergulho tão frequente, (*)
destinados a
uma vasta multidão,
nessa emoção do
canto que me acalma.
(*) Camada de
pensamentos que envolve a Terra.
LOCHENORA I –
29 MAR 15
Confesso que
escrevi o soneto referido
nos autos do
processo, meu senhor!
Não quero aqui
discutir o seu valor
nem a ideologia
por que me há perquirido!
Não me encontro
na política envolvido
e ainda duvido
que farejem mau odor
em minha folha
corrida sem vigor:
não estuprei,
não matei; dinheiro mal havido
terão bastante
trabalho em procurar;
mas me disponho
ao soneto discutir
no termo
artístico de sua qualidade,
embora afirme
estar somente a trabalhar
na feitura dos
versos, sem pedir
sequer meu nome
aceito por vaidade!
LOCHENORA II
Nenhuma ofensa
se achará diretamente
ao governo ou a
qualquer particular:
à religião
nunca busquei prejudicar,
tão só ao
preconceito em que se assente;
sou apolítico,
embora eu seja crente
no
parlamentarismo e desejar
a monarquia ver
aqui implementar,
que em
constituição verdadeira se apresente.
Só então posso
ofender aos literatos,
que de minha
métrica descubram o defeito;
quiçá a emendas
me encontrarei sujeito;
ou que contestem
da ciência os fatos,
que incluí, sem
ser nada discreto,
na trama fina e
pura do soneto!...
LOCHENORA III
De que me
acusam, então? De pobre rima
que eu teria
roubado aos ancestrais?
Alguma sílaba
nas métricas demais
ou foi o ritmo
a que qualquer verso se inclina?
Ou quem sabe a
censura então se anima
a criticar-me a
cesura, assim no mais?
Ou a quantidade
de versos no ademais?
Ainda confesso
que aceitei alheia mima,
quando aspas
empreguei ou asteriscos
para indicar o
crédito de frases,
porém em
plágios nunca delinqui,
só talvez a
repetir meus próprios riscos,
que as citações
mal me serviram como bases!
Portanto afirmo
ser inocente aqui!...
CONSTELAÇÃO DE
SINOS I – 30 MAR 15
Durante anos,
não pude ouvir “Danúbio Azul”,
por tê-lo
ouvido com frequência demasiada;
nos acordes
iniciais, pressentia a badalada
de campanários
em ribombar exul...
Porém dentre
meus discos nunca o expul- (*)
sei, somente
não o queria executado;
sem dúvida aos
Strauss eu tinha amado,
composições
qual um colar em lápis-lazul-
(*) Aqui
emprego a sinafia.
i, tais aqueles
que ostentavam faraós,
a pedra rara em
nuance sulfatada;
mas sempre
preferi suas operetas,
em que tais
valsas não quedavam sós,
mas incluídas
em partitura alada,
bem mais
variadas que suas voltas indiscretas!
CONSTELAÇÃO DE
SINOS II
Os anos passam,
contudo, e descansei
da execução
tantas vezes repetida,
bem diferente
da cacofonia ouvida,
quando algum
rádio ou televisão liguei!
Não que valsas
alguma vez dancei,
só a melodia
foi por mim haurida,
apenas
oralmente permitida,
enquanto meu
trabalho executei...
E na verdade, o
bimbalhar do sino
que introduzia
essa valsa conhecida,
hoje eu recebo
de bem melhor humor,
acostumado que
estou, desde menino,
a ter música
erudita na minha vida,
que em mim desperta
o sensível e o vigor!
CONSTELAÇÃO DE
SINOS III
Não me
interpretem mal. Gosto do rock,
o folclórico
aprecio e o popular,
porém jamais me
foi possível mastigar
a música
comercial de vulgar toque!...
Mas ao ver um
regente, com seu estoque
aos jovens
pobres, instrumentos ensinar,
novas
sinfônicas assim a organizar,
se comove
totalmente o meu enfoque!...
E caso surja
tão só o Danúbio Azul,
que possa
remexer com as multidões,
eu mesmo irei
tocar o carrilhão,
nessa alegria
da difusão exul,
entre meu povo,
das novas mutações
que ainda me
fazem vibrar o coração!...
OCEANO EXÓTICO I – 31 MAR 15
(VERSIFICAÇÃO DO MITO GNÓSTICO DA
CRIAÇÃO)
QUANDO O DEMIURGO PARA CÁ DESCEU,
CRIANDO O MUNDO, QUIÇÁ MOVIDO POR
INVEJA,
NA IMITAÇÃO DO MULTIVERSO QUE SE
ENSEJA
NO ESPAÇO MÚLTIPLO QUE A SI MESMO
PRECEDEU.
SUA MÃE, SOPHIA, PELO ESPÍRITO SE
AQUECEU:
SABEDORIA QUE NA ATMOSFERA ADEJA,
À HUMANIDADE SENDO SEMPRE
BENFAZEJA
E PELO BEM, BELO E PERFEITO
CONCEBEU...
PORÉM SEU FILHO, JÁ ACHANDO TUDO
FEITO
OU TÃO SOMENTE NUM CAPRICHO DE
CRIANÇA,
TALVEZ QUERENDO SIMPLESMENTE LHE
AGRADAR,
TOMOU ARGILA, PENSANDO NISTO TER
DIREITO,
PARA MOLDAR VASTAS BOLAS NA
ESPERANÇA
DE SEUS BRINQUEDOS SER CAPAZ DE
DOMINAR!
OCEANO EXÓTICO II
E COMO A ARGILA ENCONTRASSE
RESSECADA,
COM A ÁGUA MISTUROU DA PRÓPRIA
ESSÊNCIA,
OS CONTINENTES ERGUENDO COM
PACIÊNCIA,
ENCHENDO OS MARES COM A VIDA MAIS
VARIADA;
MAS SENDO AINDA CRIANÇA
ENSIMESMADA,
SEM SER DOTADO DA DIVINA
ONISCIÊNCIA,
GEROU A VIDA COM UMA CERTA
INCOMPETÊNCIA,
A FOME A LHE DEIXAR POR SER
SACIADA!
E NA MEDIDA EM QUE SE
DESENVOLVEU,
NÃO LHE BASTAVA A FORRAGEM
MINERAL
E POUCO A POUCO SE DIVERSIFICOU;
O VEGETAL SOBRE A TERRA SE
ESTENDEU,
SERVINDO APÓS DE PASTO AO ANIMAL,
NA SOLUÇÃO FALHA QUE O DEMIURGO
ACHOU!
OCEANO EXÓTICO III
POIS DEVERIA TER ANTES ESCOLHIDO
QUE A VIDA INTEIRA CONSUMISSE O
PRANA,
ESSA ENERGIA QUE DO CÉU SE EMANA,
SEM QUE SER VIVO FOSSE CONSUMIDO!
MAS O DEMIURGO UTILIZOU APENAS
MANA,
MÁGICA A FORÇA DE SEU MUNDO
CONCEBIDO,
SEM A ENERGIA DO ESPÍRITO
INSERIDO,
TAL QUAL NOS VELHOS ALFARRÁBIOS
SE PROCLAMA!
COMETEU ERROS AFINAL ESSA
CRIANÇA;
POR ISSO ESTAMOS AQUI EM ORBE
IMPERFEITO,
COM ESSA FOME PELA CARNE ALHEIA!
FOI O DEMIURGO BUSCAR OUTRA
BONANÇA.
DAS PRÓPRIAS FALHAS A SENTIR
DESPEITO
E NOS DEIXOU NO ABANDONO, SEM MAIS
PEIA!
OCEANO EXÓTICO Iv
PORÉM OS HOMENS, SENTINDO-SE
IMPORTANTES,
CRIARAM DEUSES À SUA SEMELHANÇA,
ATÉ O PONTO QUE A HABILIDADE
ALCANÇA,
CULTO PRESTANDO A TAIS SERES
GIGANTES!
GÓLENS DE BARRO EM SEUS PÉS
VACILANTES,
LETRAS NA TESTA A CONTROLAR A DANÇA,
MAS INCAPAZES DE ATENDER NOSSA
ESPERANÇA,
POR MAIS PRECES E SACRIFÍCIOS
DELIRANTES!
FICA O DEMIURGO TOTALMENTE
ABORRECIDO
POR CRIATURAS, SEM QUERER-SE
INCOMODADO,
INDO ALGURES CRIAR MUNDOS
MELHORES!
SEGUNDO AFIRMAM ALGUNS, FORA
VENCIDO
EM TENTATIVAS ANTERIORES JÁ
FRUSTRADO,
OUTROS PLANETAS TENDO FEITO BEM
PIORES!
OCEANO EXÓTICO v
MAS APIADOU-SE DE NÓS SUA MÃE
SOPHIA
E TENDO TEMPO, QUAISQUER FALHAS
CORRIGIU:
A EVOLUÇÃO ORIENTOU E PRESIDIU,
SANANDO OS ERROS QUE SEU FILHO
COMETIA!
O DEMIURGO MAL SABIA O QUE FAZIA
E DESTAS PLAGAS POR FIM ATÉ
SUMIU!
JUNTOU COMETAS SUA MÃE E RELUZIU:
QUEDOU CONOSCO, NO FINAL, A
SABEDORIA!
ELA SE ASSENTA CALMAMENTE SOBRE A
LUA,
SÓ INTERFERINDO QUANDO JULGA
NECESSÁRIO,
POIS INGRESSAR NO TEMPO É
TRABALHOSO;
MAS SE JULGA RESPONSÁVEL A DEUSA
NUA
PELOS ATOS DE SEU FILHO
ATRABILIÁRIO,
MAS QUE GEROU EM ATO DE AMOR
FORMOSO!
OCEANO EXÓTICO VI
TERIA SIDO SÁBIA ENTÃO A
SABEDORIA?
HÁ MUITOS QUE CONDENAM SUA
PAIXÃO:
AMOU O ESPÍRITO PELA FORÇA DA
EMOÇÃO,
ERA MULHER AFINAL – E AO DEUS
QUERIA!...
MAS POR SUA BREVE FALHA É QUE NOS
CRIA
E LHE MOSTRAR DEVEMOS GRATIDÃO,
COM OS DEMAIS SERES QUE NA TERRA
ESTÃO:
SOMENTE ELA NOS AFASTA DA
ENTROPIA!
E A POUCO E POUCO, A PONTA DE
SEUS DEDOS,
DURANTE AS NOITES, OS ERROS VAI
CURANDO,
CONHECIMENTOS LUZENTES
DESPERTANDO
NO OCEANO EXÓTICO DE SEUS MIL
SEGREDOS,
CEM MIL DOTES EM SABEDORIA
CONCEBIDOS,
MAS SORRIDENTE AO RECUSAR NOSSOS
PEDIDOS!
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