O RABO DO BUGIO
(Folclore gaúcho, incluído por
Monteiro Lobado em Histórias de Tia
Nastácia, sob o nome O RABO DO
MACACO, versão poética e
adaptação de William Lagos, 6 abr 15)
O RABO DO BUGIO 1
Havia um Bugio que pensava ser
esperto,
tentando passar a perna nos parentes;
pregava peças, mas era sempre
derrotado,
mas tantas fez que o correram da
floresta!
Saiu para um potreiro que encontrou
deserto:
Aqui está bom para aventuras diferentes;
logo eu encontro quem puder ser enganado:
tiro vantagem e depois, eu faço a festa!
Ali bem perto já encontrou um
caminho;
bem lentamente, vinha um carro de
boi.
Vou enganar a esse carroceiro!
Pensou o Bugio que imaginava ser
esperto!
Viu o carro a avançar devagarinho
e a estender o seu rabo logo foi...
“Tire o rabo daí!” – falou ligeiro
O dono da carroça. “Vai lastimar,
decerto!”
Disse o Bugio: “Mas eu não quero
retirar!”
“Quando eu passar, é bem capaz de ser
cortado!”
“Pois então, passe! Meu rabo é muito forte!
É o seu carro que vai jogar no
atoleiro!...”
E o bom homem, que precisava
atravessar,
deu de ombros e o atropelou, sem mais
cuidado.
O aro da roda causou-lhe um belo
corte
e o espertalhão começou um baita
berreiro!...
“Meu lindo rabo! Cortaste o meu rabinho!”
“Ora, Bugio, eu te avisei primeiro,
tu que teimaste em continuar
atravessado!
Azar o teu, agora estás cotó...”
Mas o Bugio continuou no seu caminho:
“Quero meu rabo de volta,
carroceiro!”
“Eu te avisei, agora está cortado,
não és lagarto, rabo cresce uma vez
só!”
O RABO DO BUGIO 2
“Homem malvado! Me dá o rabo de volta!”
O carroceiro, que era bom,
desembarcou
e da roda o pobre rabo foi tirando,
todo sujo de terra e ensanguentado...
“Para com essa choradeira, língua
solta!”
Mas o Bugio mais forte ainda roncou:
“Tome seu rabo! Eu não o estou levando!”
“Quero de volta no lugar que foi
cortado!”
“Ô Bugio! Pois não vês que é impossível?
Mesmo com linha não se costuraria!
Vai rebentar ainda mais, usando
prego!
Foi culpa tua, te conforma agora!...”
Mas o ronco do Bugio,
incompreensível,
ao carroceiro já quase ensurdecia.
“Não me escutaste, carroceiro cego?
Quero meu rabo de volta nesta
hora!...”
“Olha, Bugio, eu já perdi a minha
paciência!
Toma logo, pega aqui esse teu
rabo!,,,”
Falou o homem, jogando-o ao animal.
“Assim não quero! Então me dá a tua faca!”
E o carroceiro, com benevolência,
lembrou da faca com que cortava nabo:
já estava velha e só servia mal e
mal...
Quem sabe assim esse bicho desempaca!
E fui buscar num saco o instrumento,
o cabo frouxo e o ferro desgastado.
“Pronto, Bugio, agora vai embora
e me deixa prosseguir o meu caminho!”
O Bugio suspendeu ronco e lamento,
pegou a faca, já do rabo nem
lembrado:
saiu correndo muito alegre nessa hora
e o carroceiro jogou o rabo no
carrinho!
O RABO DO BUGIO 3
Mas o Bugio caminhou para o outro
lado,
perdendo logo de vista o
carroceiro...
Fiz bom negócio!
Perdi quase todo o rabo,
mas ganhei faca em troca de minha cola!
À gente humana agora estou igualado,
nenhum macaco já ganhou faca primeiro!
Cantou alegre, apertando bem o cabo:
“Tralalá, tralalá! Vou-me embora para
Angola!”
Daí a pouco, ele encontrou um negro
velho,
que fabricava balaios de cipó,
as lianas cortando com os dentes
e pensou logo na próxima esperteza;
com medo o homem foi levantando um
relho,
o Bugio é um bicho grande, até cotó;
quando zangados, têm fama de valentes
e ainda arregalou os olhos de
surpresa!
Trazia o Bugio uma faca na sua mão!
Será que o bicho pretende me atacar?
Como será que essa faca conseguiu?
“Não se achegue, Bugio, vai dando o
fora!”
Disse o Bugio: “Tu não tens precisão
de uma faca para o teu cipó cortar?
Cortar com os dentes, ora já se
viu!...
Eu te empresto minha faca nesta
hora!”
Pegava a faca, com toda a educação,
pela lâmina, a estender-lhe o cabo!
O negro velho ficou muito
surpreendido:
“Tu queres mesmo a tua faca me
emprestar?”
E bem depressa, foi estendendo a mão:
Vá que mude de ideia esse diabo!
Pegou a faca, até mesmo agradecido
e um cipó bem grosso foi cortar!...
O RABO DO BUGIO 4
Porém a lâmina estava desgastada
e além disso, roída de ferrugem;
até o cabo já estava apodrecido,
pois fora mais esperto o carroceiro,
que se livrara da ronqueira
desgraçada
e ainda ficara com o rabo de
lambujem:
para um bom relho poderia ter
servido.
mas o Bugio era só um lambanceiro!
E novamente, tentava uma trapaça,
ao perceber o mau estado do
instrumento...
E dito e feito! Sem demorar mais nada,
a velha lâmina já se partia ao meio!
“Seu balaieiro, mas isso é coisa que
se faça?
A minha faca lhe emprestei faz um
momento
E já quebrou ela!... Ficou toda
rebentada!...
Quero minha faca! Mas que negócio feio!”
“Ah, não, Bugio! Peguei, mas estava desbeiçada!
Eu nem fiz força e logo se
quebrou!...
Nem te pedi!... Tu que quiseste me emprestar!...”
Mas o Bugio em conformar-se recusava:
“Quero minha faca, mesmo
enferrujada!...”
O negro velho os pedaços lhe
entregou:
“Tome de volta!” Mas o Bugio não quis pegar.
“Quero minha faca do jeito que ela
estava!...”
“Mas, ô Bugio, não vê que é
impossível?
Faca quebrada só consertará um
ferreiro,
mas nem carece de levar à
ferraria!...
Essa lâmina se quebrou em dez
pedaços!
Fez o Bugio uma ronqueira
inexaurível:
“Quero minha faca, velho balaieiro!
Estava inteira na hora em que eu
trazia!”
E a seu redor andava, em ameaçadores
passos!
O RABO DO BUGIO 5
O pobre velho falou, meio assustado:
“Mas, Seu Bugio, a culpa não foi
minha!”
“Pouco me importa, o senhor é que
quebrou!
Quero de volta, quero a faca
inteirinha!...”
“Mas de que jeito? Quebrou, está quebrado!”
“Então tem de me pagar pela faquinha!
Quero um balaio!... Só assim me
vou!...”
Já se eriçava, tal qual galo de
rinha!...
“Se eu te der um balaio, tu vai
embora?”
“Ah, eu vou! – disse o Bugio, já se
alegrando.
Lembrou-se o homem de um, meio
estragado,
que não pudera vender, na ida à
feira...
Pegou o balaio velho e o entregou na
hora!
Foi o Bugio velozmente o agarrando,
pois só estava se fazendo de zangado,
com toda aquela horrível
roncadeira!...
Voltou o homem, bem depressa, para
casa
e saiu o Bugio muito alegre pela
estrada,
levando a alça do balaio no pescoço,
como se fosse de um casaco a gola!...
Mas como eu fui esperto nessa vaza!...
Perdi meu rabo, ganhei faca enferrujada,
perdi a faca, mas ganhei balaio grosso!
“Tralalá, tralalá, vou-me embora para
Angola!
Lá mais adiante, deparou com uma
padeira,
já colocando dentro do avental
os pães quentinhos que do forno ia
tirando...
Pensou o Bugio, mais uma vez, em
esperteza...
“Boa tarde, dona! Vi que hoje está faceira,
com tanto pão assadinho no
quintal!...
Mas por que no avental está
empilhando?
Vão cair e se sujar, tenho
certeza!...”
O RABO DO BUGIO 6
“Dá o fora, Bugio, seu atrevido!
Não vou te dar nem um só naco de
pão!”
“Mas não pedi, sinhá, vim para dar!
Coloque os pães dentro do meu
balaio!”
A mulher olhar lançou-lhe, bem
comprido,
para avaliar qual seria a sua
intenção,
mas resolveu o tal balaio então
pegar:
estava velho, mas decidiu fazer
ensaio!
Só que o fundo já estava apodrecido
e no momento em que pôs peso maior,
os cipós velhos foram se soltando
e então os pães se espalharam pelo
chão!
“Ah, Bugio, animal bem enxerido!
No avental estavam eles bem melhor!”
Disse ela, já no piso se agachando,
tirando a terra com a quina de sua
mão!
“Dona Sinhá, e como fica o meu
balaio?”
“Foi culpa tua, foste tu que me
emprestou!
Eu não pedi e ainda sujaste minha
fornada!”
“Dona Sinhá, isto não vai ficar
assim!”
Falou o Bugio. “Dona, daqui não saio!
O meu balaio foi a senhora que
estragou...”
“Pegue de volta, criatura
desgraçada!”
“Eu quero inteiro, igual que quando
eu vim!”
Mas tu não vês que consertar é
impossível?
Tenho de ir embora com o meu pão;
vai levar o teu balaio a um cesteiro,
pode ser que te arranje outro
cipó!...”
Veio o Bugio com seu ronco mais
terrível,
começando a ameaçar com confusão:
“Eu quero meu balaio e quero
inteiro!,
me fez maldade, Sinhá Dona, tenha
dó!...”
O RABO DO BUGIO 7
“Pois não enxergas que não tem
conserto?
Dá o fora, que estás me
atrapalhando!”
Mas o Bugio não parava de roncar,
com o pelo das costas já eriçado
e da padeira foi chegando perto...
“Vou chamar o meu marido do roçado!”
“Pelo menos, com um pão vai me
pagar!...”
disse o Bugio, já um tantinho
apavorado...
“Está certo, te dou um e vais-te
embora?”
“Mas é claro, Sinhá! Vou bem contente!”
“Pois então, pegue!” E o mais sujo lhe estendeu,
que o Bugio agarrou no mesmo
instante!...
“Leve o balaio!...” “Ah, pode jogar fora!
Teu pão eu como enquanto ainda está
quente!”
E pela estrada já o Bugio correu,
achando o seu negócio
interessante!...
Lá se foi ele, roendo o seu pãozinho.
Perdi o rabo, mas ganhei a faca;
perdi a faca, mas ganhei balaio;
perdi o balaio, mas nem dou mais bola!
Este pão estou comendo bem quentinho,
aquela faca era mesmo uma cacaca!
O balaio não prestava e agora eu saio!
“Tralalá, tralalá, vou-me embora para
Angola!”
Isso acontece com muito trapaceiro,
quando pretende aos outros enganar:
besteiras faz, pensando ser esperto,
faz-se de bobo, tem de louco um
surto!
Assim o Bugio perdeu tudo, bem
faceiro,
até que o pão acabou de devorar!...
Anda no chão, mesmo tendo árvore
perto,
pois até hoje o Bugio tem rabo
curto!...
EPÍLOGO
Mas por sorte, continua um roncador
e assim espanta até o lobo guará,
sem encontrar qualquer outro
predador;
mora nas grotas, caçando tatu!...
Mas quando encontra algum caçador,
contra espingarda não mais resistirá,
pois ainda passa por ser enganador,
pensando ser mais esperto do que
tu!...
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