MARÉ DO TEMPO E PÁSCOA
William Lagos
MARÉ DO TEMPO I – 1º ABR 15
Sou forçado a esta data hoje aludir,
mas o farei apenas de passagem;
parabenizo os brasileiros de coragem
que impostos pagam, sem nada conseguir;
na arquibancada nos sentamos, no iludir,
pensando nas belezas da paisagem
e nas vastas infrações da bandidagem,
o vasto circo ingenuamente a perquirir...
Passam-se as décadas contínuas em maré
e a situação vem sempre se agravando,
e ainda assim cremos ter saída o beco;
mas é questão de ação e não de fé,
não bastam preces ir ao céu alçando,
para podermos abrir túneis no ar seco!
MARÉ DO TEMPO II
Talvez já tenham escrito até demais
sobre o tempo e a esteira do futuro,
sobre os efeitos de um destino duro,
no qual não creio sequer, nesse ademais!
Pois quanto a eventos que a nós sejam fatais,
somente achamos, nesse fado obscuro,
o lugar do nascimento, seja puro,
seja eivado de obstáculos naturais...
Corre um dito: “Não pedi para nascer.”
Mas será que, realmente, ocorre assim?
Não haverá almas tão desesperadas
que aceitarão em qualquer ventre aparecer,
só para ver-se à luz do Sol, enfim,
sem se importar aonde sejam encarnadas?
MARÉ DO TEMPO III
Segundo o Bramanismo, é isto que ocorre:
quem se encontra inserido na Sansara,
escolhe a condição ou emoção para
vivê-la integralmente, se não morre
sem cumprir a missão na qual incorre,
a fim de realizar, na vida cara
qualquer coisa de feliz ou mesmo amara,
até que o espírito de humanidade forre.
Se por acaso descumprir essa missão,
por suicídio, acidente ou assassinato,
mais outra vez terá de reencarnar,
Será então enviado em precisão,
por mais que isto lhe provoque desacato,
ao ponto exato em que devia chegar...
MARÉ DO TEMPO IV
Para nascer, portanto, nós pedimos,
mas determinam que seja no Brasil,
ou nalgum ponto de destino vil,
no qual não acharemos quaisquer mimos.
Só algumas almas avançadas é que vimos
escolher, da maneira mais sutil,
pai e mãe entre esses casais mil
que pela Terra reunidos assistimos.
Dizem que Buddha fez reunir-se os pais,
para alcançar sua desejada concepção,
em condições realmente favoráveis;
Mas tu e eu, que somos seres naturais,
sem ter a força de provocar qualquer união,
somos lançados por entre imponderáveis...
MARÉ DO TEMPO V
A Divindade no tempo não se insere,
tal qual abrange plenamente o espaço;
todos os tempos estão em Seu regaço,
nenhum acaso mui certamente a fere!
Por isso, é uma tolice que se espere
com sacrifícios prendê-La em qualquer laço;
não é a fumaça que no ar eu traço
de qualquer círio que sua intenção altere.
Somos nós que pertencemos à Sansara;
só para nós tem o tempo duração,
porém em Deus a Eternidade assiste,
sem do ontem e do amanhã sentir a escara,
sem do passado ou do futuro a sensação,
porque, de fato, sequer presente existe!
MARÉ DO TEMPO VI
Pois qual é o túnel que abrimos para nós,
senão da vida o pleno cumprimento,
nesse local em que se acha o nosso assento,
em nosso íntimo a escutar de Deus a voz,
por nosso espírito, que não estamos sós
e para o bem nos dá o assentimento;
perante o mal se escuta o seu lamento,
mas corre o erro da nascente à foz...
Mas não se abrem túneis no ar seco
e nem ao menos o fazemos dentro dágua:
fica na terra todo o esforço material;
e quando erro, é contra mim que peco,
somente tu beberás tua própria mágoa
dessas marés que provocamos, afinal!...
OPRESSÃO 1 – 02 ABR 15
Esta noite, amor, eu não pensei em ti,
Mas caminhei dos sonhos nas estradas;
Em outro mundo achei pessoas encarnadas
(Mas em suas cores naturais as vi!...)
Foi nesses sonhos que a outras escolhi
(Ou foram delas as escolhas apressadas);
Mulheres belas ou simples, educadas
Ou de pouca instrução achei ali...
Será que existe a melhor realidade
No mundo onírico que à noite percorro?
Lá reconheço os rostos e os lugares
E reconhecido me vejo, em amizade,
Enquanto marcho por planície ou morro,
Mas sem sofrer de pesadelos os pesares...
OPRESSÃO 2
Que mundo é esse, no qual encontro amigos
Que pouco ou nunca vejo por aqui?
Mesmo alguns mortos raramente eu vi
E um que outro, alguns dos inimigos...
Mas não sofro agressões, quaisquer perigos,
Longo o caminho que às vezes percorri,
De uma emboscada jamais me defendi,
Salvo na infância, com seus desabrigos...
Mas li algures, já nem recordo mais:
“O sonho é teu e o podes governar;
Se algo de ruim ocorre, é só pensar:
O sonho é meu, domino os animais,
Os vegetais e mesmo os minerais,
E até os humanos eu posso confrontar!”
OPRESSÃO 3
Assim, logo aprendi a tomar o fio
De qualquer sonho que me incomodava
E para uma outra senda o desviava:
“O sonho é meu e seu final eu crio!”
Se algum monstro surgisse, então me rio,
Que gargalhada até demônios espantava,
Pois ser levada a sério é que almejava
Tal criatura em seu alheio cio!...
Mas se aparecem entes femininos,
De forma alguma pretendo as expulsar:
Prefiro ser amante que guerreiro!
E assim as beijo, até escutar os sinos
Que desse sonho me venham despertar,
Lábios colados contra o travesseiro!...
OPRESSÃO 4
E que me dizes, então, dos próprios sonhos?
Ou será que em ti tão forte é a censura
Que não consegues a sensação mais pura
Recordar, se o despertar chega bisonho?
É mesmo bom que algum esgar medonho
Seja olvidado, em contenção bem dura;
Ou simbolismo de qualquer agrura,
Ou lacrimar de algum carpir tristonho
Mas será que ainda esqueces sonhos bons,
Em que teus próprios íncubos encontras
Ou confraternizas com os teus fantasmas?
Sempre haverá as nuances de outros tons,
Melhor sendo o simbolismo que demonstras,
Nesse ondular sutil de teus miasmas...
OPRESSÃO 5
Sei muito bem que a maioria esquece
E até sente de seus sonhos a opressão,
No temor dos fantasmas que ali estão,
Ainda que sejam benfazejos como prece...
Mas quando sobre ti o sonho desce,
Não é apenas um acidente sem razão;
Ali teus sentimentos se acharão:
São temores e alegrias que se tece...
Talvez te oprima, então, algum remorso,
Ou algo sucedeu que já temias,
Por inútil ou sucedido teu esforço;
Sabe-se lá se estiveste em quais orgias
Ou cavalgaste da égua selvagem o dorso,
Qual, em inglês, “Nightmare”, escutarias...
OPRESSÃO 6
Tais opressões jamais sinto, pessoalmente,
Mas são meus sonhos ricos e variados;
Em geral, por humanos são povoados:
Vejo animais apenas raramente...
Conferencio, decerto, abertamente,
Com esses poetas da vida já passados,
Que me repassam seus versos empoeirados,
Esquecidos pelo mundo indiferente...
Assim me chega essa tal poeira de estrelas,
Salpicada de cometas e luar,
Que de meus dedos escorre, a palpitar...
Provavelmente das poesias as mais belas
Que desfraldei sob a intensa luz solar,
Bem mais valendo que meus versos tagarelas...
ENTRANHAS DO PRESENTE I – 3 ABR 15
Se me olho a mim mesmo e o rosto vejo
refletido nas folhas da vidraça,
obnubilado pelo bafo que as embaça,
devolvido ao alcance de meu beijo;
se me contemplo em tal carnal ensejo,
numa vitrina, talvez, por que se passa
ou numa poça de chuva, por pirraça,
no desejo informal de outro lampejo;
se me contemplo assim, após o banho,
na prata enlanguescida de um espelho,
no convexo do copo ou da colher,
nos fundos de uma forma ou de qualquer
panela ou utensílio, ou vidro velho,
louvo a ironia com um sorriso estranho...
ENTRANHAS DO PRESENTE II
Mudou-se o aspecto antigo, certamente;
a idade chega, com suas zombarias...
As longas sendas que ontem percorrias
tiraram lanhos de ti, frequentemente...
E quanta vez meu verso displicente
já descreveu as mil antigas vias,
que tudo eu já dissesse, pensarias,
em verso impuro ou apenas inocente...
Contudo, encaro o fundo de meus olhos
e lá os sonetos requerem minha atenção:
que os redija, pois se dizem originais...
Mas se os declamo, se perdem nos escolhos
desses dentes que em minha boca ainda estão,
junto daqueles que não são já naturais!...
ENTRANHAS DO PRESENTE III
Bastante leve, porém, o meu desgosto:
muito mais valem, decerto, minhas entranhas,
são vastas redes de extensões tamanhas,
desprendidas na aurora ou no sol posto;
alguns versos de trigo, outros de mosto,
sagas de perdas ou de vitórias ganhas;
as descrições também de alheias manhas
que nunca perpassaram por meu rosto.
O que importa já ao mundo foi lançado
e mais ainda virá compor a longa teia
que entre minha face e o povo se entremeia,
as minhas entranhas expostas em teclado,
que a força dos tendões não mais comporta
e se ali forem desprezadas, que me importa?
ENTRANHAS DO PRESENTE IV
Revisto o mundo com as entranhas do passado
e mais o semearei com as do futuro,
que mal sei se me será claro ou obscuro,
por tudo quando já realizei avassalado,
em malefício de versos soterrado:
guardo sonetos em ataúde escuro,
poemas épicos em túmulo perjuro,
por fadas e dragões ainda assombrado,
sem me entregar ao que de mim esperam:
são os meus órgãos que jorram, intestinos,
no malbarato não apenas a minhalma,
mas sangue e linfa aqui se desalteram,
gametas e plaquetas tocam sinos,
os leucócitos a rodopiar em triste calma!
VERSOS DE
SALIVA I -- 4 ABR 15
Que o beijo de
outro verso assim se roube,
envolto numa túnica e albornoz;
que durmam sob
as burkas corpos sós:
no meu poema a
solidão não coube!
Separado do
mundo, não se soube
até que ponto é
algaravia atroz.
Estás sozinha
como eu, não somos “nós”,
mas não há dó
sequer que a mim arroube.
Roubo o beijo
de um soneto ultrapassado,
metalinguagem
suja de malícia,
já conspurcada
pela fome dos olhares.
Não rumo com
desejo renovado,
nem como ensejo
para impudicícia:
apenas rimo com
a saliva dos cantares.
VERSOS DE
SALIVA II
Não são meus
lábios somente que esfolia
a violenta
passagem dos sonetos,
os dentes
mordiscando os mais secretos
desses cantos
em que a alma se espolia,
que me sobem da
garganta qual polia
os repuxasse
dos interiores pretos
e os expusesse
à luz dos maus afetos,
cósmicos raios
em que amor se desfaria!
Não são versos
criados pela tinta,
mas pelas
secreções das salivares,
por isso tão
depressa se evaporam...
Deixam apenas a
leve marca extinta
de cem palavras
mortas nos lugares
que o sol e a
luz só por instantes douram!
VERSOS DE
SALIVA III
Talvez lhes
fora melhor que ignotos
permanecessem,
tão só na língua aguada
do que
expelidos nessa revoada,
nada mais
nobres que sucintos perdigotos,
porém cruzam as
amígdalas como botos
a demandar nova
maré salgada,
qualquer
tristeza, talvez. mais retardada,
ou por quererem
visitar sonhos remotos,
pois são versos
de saliva acidulada,
apaixonados por
lágrima salgada,
na geração de
novos sentimentos.
E assim
perdidos em face açucarada,
secos escorrem
como falsos juramentos,
deslizando
amargamente para o nada!
PÁSCOA I – 05 ABR 15
Antigamente,
era a Páscoa celebrada
com sacrifício
de sangue e holocausto:
subia o “suave
cheiro” como um hausto,
às narinas
divinas destinado!
Mas pelos
homens é que era devorada,
separada a
melhor parte para o fausto
dos sacerdotes,
em banquete lauto:
para os deuses
só o fumo engordurado!
Esse costume
nos deriva dos judeus,
como
empréstimo, quiçá, dos cananeus,
salário assim
devido ao oficiante!
Pois ao povo
proibia-se abater,
só o sacerdote
era capaz de conhecer
a melhor
carne separada nesse instante!
PÁSCOA II
Entre os gregos
e os romanos o oficiante,
inicialmente,
era o chefe da família:
com pedaços da
carcaça em cada pilha,
girando o
tronco em espeto bem gigante!
Cabia a ele,
assim, levar por diante
a oferta para
os deuses: sangue e bilha
de vinho... e
altar doméstico se encilha
em cada lar, no
costume dominante.
Já mais tarde,
ele apenas abençoava,
dando a um
servo a tarefa de matar
e ante as
fogueiras o pobre bicho recortar;
alguns dos
deuses invocavam, certamente,
antes da carne
distribuir à gente,
mas de um
churrasco, de fato, se tratava!
PÁSCOA III
Só mais tarde
insistiram os sacerdotes
de que era
esta, realmente, a sua função:
seguiam vítimas
para a sangrenta atribuição,
o ofertante com
as mãos sobre os congotes!
Mas sacrifícios
humanos, aos magotes,
praticavam os
fenícios na ocasião,
para pedir de
Moloque a proteção:
muitas crianças
queimadas como dotes!
E entre os
aztecas, seus deuses mais selvagens
milhares
cobravam de vítimas humanas,
abrindo os
peitos de pessoas vivas!
Na Idade Média
a transmitir outras mensagens,
queimavam vivas
as vítimas profanas:
fugia o Demônio
de tais chamas votivas!
PÁSCOA IV
Para os judeus,
a Páscoa era a lembrança
de sua
libertação do cativeiro:
como sinal, era
o sangue de um cordeiro:
não era egípcio
quem em tal casa descansa!
Assim morreram
primogênitos em abastança;
foi essa praga
o castigo derradeiro;
partiu Israel
em seu passo domingueiro:
fora num sábado
que ocorrera tal matança!
Muito embora
acabassem perseguidos,
foram salvos
pela sapiência de Moisés,
que já sabia
onde se achava o vau,
mas os egípcios
foram atingidos
pelo retorno de
súbitas marés
e se afogaram, num
destino mau!...
PÁSCOA V
Ainda hoje, os
judeus matam cordeiro
em sua
celebração já milenar;
é o Pessach que
buscam celebrar,
mesmo nas
terras em que o povo é forasteiro.
Porém Jesus
proclamou ser derradeiro
o holocausto
que o iria vitimar:
não seria mais
preciso derramar
sangue de
vítimas a qualquer deus altaneiro!
Bastava assim
repartir o vinho e o pão:
de uma só vez
tal purificação,
sem precisar
abater mais animais!
Porém foi posto
de lado o mandamento:
para os
católicos a Páscoa é só um momento
de comer carne,
da Quaresma nos finais!
PÁSCOA VI
Ainda hoje,
muito chefe de família
trincha e
reparte um peixe ou algum peru
ou junto à
churrasqueira, seminu,
carne vermelha
sobre a grelha empilha!
E nem sequer a
Jeová se encilha
o sacrifício de
sangue ainda cru;
se algo sobrar,
será dado ao urubu
que a fumaça
ali atrai por mais de milha!
E aqui termino
a homilia pascal,
firme atiçada
contra a hipocrisia:
domina a gula e
não a reverência!
Em cada açougue
vendem postas do animal
ou num mercado,
em que a vítima jazia,
já sem cabeça a
suplicar a tua leniência!...
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